Com água do mar na
descarga, Hong Kong dá exemplo de conservação hídrica
Rafael
Barifouse
Hong Kong tem há mais de 50 anos sistema para
captar água do mar e usá-la em descargas
Uma
enorme quantidade de água potável é hoje usada para dar descarga: o uso
sanitário representa cerca de 30% do consumo doméstico, segundo a ONG britânica
Waterwise, e até 70% do uso em edifícios comerciais.
Mas
existe uma alternativa para evitar o desperdício, especialmente em um país com
um litoral tão extenso quanto o do Brasil: utilizar a água do mar.
É o que
faz Hong Kong, onde 80% dos 7,2 milhões de habitantes têm suas descargas
abastecidas com água salgada.
A prática
começou há mais de cinco décadas por causa da falta d'água crônica na ilha, que
se tornou desde então uma referência mundial em conservação hídrica neste
quesito.
"É
uma solução que preserva a água tratada para uso mais nobres e ajuda a garantir
a oferta para o consumo humano", avalia Pedro Luiz Côrtes, especialista em
gestão ambiental da Universidade de São Paulo (USP).
Glauco
Kimura, coordenador do Programa Água para a Vida da ONG WWF-Brasil, acha que é
"um absurdo ainda usarmos água limpa em descargas".
"Isso
provavelmente ainda não mudou porque não tínhamos enfrentado uma crise, mas
deveríamos importar esta tecnologia de Hong Kong."
Solução premiada
Em Hong
Kong, a água do mar começou a ser usada em descargas em 1958, quando a ilha já
se deparava com a perspectiva de falta d'água. Não existem em Hong Kong
reservas hídricas subterrâneas expressivas em seu solo rochoso, e as chuvas
atendem a apenas um quarto da demanda. O restante é importado da China por meio
de dutos submarinos ou trazido do mar.
Segundo o
órgão responsável pelo abastecimento da ilha, o "uso extensivo de água do
mar tem ajudado a reduzir a demanda por água potável em descargas".
Em 2014,
uma média de 762,5 mil metros cúbicos por dia foram usados com este propósito,
o suficiente para encher 305 piscinas olímpicas.
Cerca de
5,75 milhões de pessoas usam atualmente água do mar na descarga, com a ajuda de
uma infraestrutura composta por 35 estações de transmissão e 1,5 mil km de
tubulações. A intenção do governo é atender 85% da população deste forma ainda
em 2015.
A água
potável é subsidiada pelo governo de Hong Kong, e seus preços estão congelados
desde 1995. A água do mar é fornecida gratuitamente.
O
Departamento de Fornecimento de Água de Hong Kong esclarece que a água do mar
não recebe o mesmo padrão de tratamento da agua doce. Mas a empresa diz que
ainda assim "cumpre diretrizes" para evitar eventos adversos.
Primeiro,
a água é filtrada para retirar grandes partículas de impurezas. Depois, é
desinfetada com cloro ou hipoclorito de sódio antes de ser levada a
reservatórios, de onde é distribuída à população.
A ilha
tem dois sistemas de encanamento, um para água doce e outro para a salgada.
Mas,
depois de usada, a agua salgada é descartada na rede de esgoto usada para a
água doce e recebe o mesmo tratamento. Cerca de 25% do esgoto em Hong Kong é
composto por água do mar.
O
programa da ilha foi premiado em 2001 pelo Chartered Institution of Water and
Environmental Management, entidade britânica que reúne profissionais,
cientistas e empresários dedicados a questões ambientais.
"Usar
água do mar em descargas economiza não só água, mas também energia. Requer a
metade da energia usada na produção de água potável, dez vezes menos do que no
tratamento de água de esgoto e cem vezes menos do que o processo de
dessalinização", disse Chen Guanghao, professor da Universidade de Ciência
e Tecnologia de Hong Kong, em um artigo sobre este sistema para o The Standard,
diário em inglês de Hong Kong.
"Além
disso, a água salgada requer de 35% a 50% menos energia para ser resfriada, o
que permite ainda mais economia se a usarmos em sistemas de ar
condicionado."
É viável no Brasil?
Hong Kong
é até hoje a única cidade do mundo a usar água do mar nesta escala. Há outros
exemplos menores, como o de Avalon, cidade na ilha de Catalina, no Estado da
Califórnia, nos Estados Unidos, com 3,5 mil habitantes, e as ilhas Marshall,
também no oceano Pacífico.
Côrtes,
da USP, acredita que esta alternativa poderia ser aplicada em cidades na costa
brasileira.
"Poderia
começar em áreas urbanas que estão se expandindo, com a criação de novos
bairros já com esta infraestrutura", afirma Côrtes.
"Seria
necessário que os novos edifícios tivessem duas linhas de transmissão de água.
No entanto, se isso já estiver previsto no projeto, não gera quase nenhum custo
a mais para a construtora."
Mas, para
abastecer estes edifícios, primeiro seria preciso criar uma nova infraestrutura
de tubulação, como a de Hong Kong.
E o custo
de construção e manutenção de uma segunda tubulação é um dos desafios deste
tipo de abastecimento, de acordo com Daniel Cheng, vice-presidente de conselho
da Federação de Indústrias de Hong Kong. Isso inclui usar dutos mais
resistentes à corrosão provocada pelo sal presente na água.
"O
custo não é tão alto. Bastaria haver um incentivo governamental, por meio de
incentivos fiscais à infraestrutura necessária", afirma Kimura, da WWF.
Outra
forma de viabilizar a nova infraestrutura seria por meio de parcerias, defende
Côrtes: "Grandes consumidores, como shoppings e universidades, poderiam
compartilhar o custo da construção destas novas linhas de distribuição".
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