PANORAMA DA EDUCAÇÃO
BRASILEIRA NÃO VAI SER ALTERADO APESAR DAS PROMESSAS
O lema “Brasil: Pátria
Educadora” é ruim e pode significar qualquer coisa
Leonardo
Sakamoto
O lema
escolhido por Dilma Rousseff para o seu segundo mandato – Brasil: Pátria
Educadora – é ruim e traz uma promessa vaga. Não que a educação não tenha que
ser eixo central de qualquer país que pretenda continuar a existir. O problema
é a forma com a qual o governo apresenta esse desafio e a dúvida quanto ao seu
conteúdo.
Claramente
escolhida em consonância com as recomendações de seu marqueteiro João Santana,
a ideia tenta dialogar com os protestos de rua de junho de 2013 com dois temas
que estiveram presentes: o resgate de um certo patriotismo e a demanda por
educação.
A
utilização do termo “pátria'' em qualquer processo público no Brasil me dá
arrepios por conta do nacionalismo tosco que evoca. Afinal, é usado
exaustivamente em regimes autoritários, como a última ditadura militar
brasileira, a fim e promover o sentimento de amor à terra pátria (aliás, bem
melhor seria se fosse “mátria'', terra materna, mas isso é outra discussão).
Alguém que esteve presa por anos e foi torturada por uma ditadura bizarra
saberia disso. Mas a memória é condicionada às necessidades políticas.
Quando
alguém ergue um cartaz escrito “Educação'' em um protesto, sabe o que essa
pessoa está dizendo? Absolutamente nada. Junho de 2013 contou com vários temas
que funcionaram como o que Bourdieu chama de “fatos-ônibus'' – que não chocam
ninguém, que não dividem, que formam consenso, que interessam a todo mundo.
Alguns desses temas foram os veículos usados por jovens que foram às ruas
manifestar sua sensação de descontentamento com o poder (seja ele qual for) e
demonstrar sua insatisfação com a falta de perspectivas que enxergavam.
Mas dizer
apenas “Educação'', seja em um cartaz ou em um lema governamental, não agrega
nada. Porque a educação pode ser emancipadora (o que é bom) ou doutrinadora (o
que é péssimo). Em junho de 2013, serviu como veículo da catarse. Em janeiro de
2015, para preencher um vazio de ação política.
Considerando
que seu governo caminha para não assumir uma posição firme de luta visando a
profundas transformações sociais, faria sentido optar por um lema que seguisse
a toada aberta em seu discurso de vitória, em outubro do ano passado. Algo como
“Brasil: Construindo Juntos um País'' ou qualquer coisa nesse sentido.
Passando
as perfumarias, entramos no problema em si. Se Dilma tivesse planos reais de
colocar a educação como ponto central de seu governo, deveria ter começado
produzindo um documento com propostas que se assemelhasse realmente a um
Programa de Governo. Contudo, o que ela divulgou durante a campanha eleitoral
foi uma compilação de cifras realizadas e promessas de novas cifras, com pouca
discussão sobre a concepção que seu grupo político tem para educação. Por
exemplo, pouco tratou da valorização dos professores – aspecto central para a
educação de qualidade.
Dos
programas dos três candidatos mais votados, o dela foi – de longe – o mais
vago. “Ah, mas programa de governo não vale nada, é só formalidade.'' Se é
assim, então no que vou basear minha escolha eleitoral? Apenas na emoção
trazida por crianças sorrindo no horário eleitoral gratuito, correndo – em
câmera lenta – por uma estrada de terra em direção a uma escola rural, com uma
música de fundo que faz chorar e um close no rosto da mãe orgulhosa antes dela
dizer que vai votar em determinada pessoa? Fala sério…
O
programa de Marina, após assumir como candidata, era o melhor dos três.
Sente-se a influência da participação de Neca Setúbal, que é da área. O de
Aécio Neves, abertamente neoliberal, também era um plano mais detalhado que o
de Dilma.
Sem uma
discussão sobre concepção de educação e de um posterior plano de ação baseado
nessa concepção, os 10% do Produto Interno Bruto que devem ser destinados a
essa área tem boas chances de irem para o ralo da má utilização ou mesmo
desviado pela corrupção.
Em outras
palavras, para quem colocou a educação como lema de seu governo, falta um plano
para colocar isso em prática. Parece a história de um jornal que primeiro
produz uma manchete pensando na audiência e, somente depois, faz uma reportagem
para preencher o espaço.
É claro
que a educação não é tocada apenas pelo governo federal, mas também pelos
estados e municípios. Mas a União tem um papel importante para além do
financiamento. Ela atua na definição de uma base curricular nacional, de
programas de educação integral, na formação de professores (inicial e
continuada), no currículo do cursos de pedagogia e das licenciaturas, no piso
salarial, na carreira docente, nos processos de avaliação externos. É grande
sua influência como indutor de políticas para redes estaduais e municipais.
Exemplo, 60% dos recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que é federal,
é carimbado para a valorização docente.
O governo
Dilma não possui um plano integrado do que ainda está por ser feito. Deve
seguir o Plano Nacional de Educação, que é uma importante compilação de metas.
Se seguido à risca pode, sim, reduzir a desigualdade no acesso e aumentar a
permanência na escola, mas ele pouco aborda a concepção de ensino, tanto para
alunos quanto a formação de professores. E se queremos produzir mão de obra de
qualidade para os desafios deste século e, muito, muito mais importante do que
isso, se queremos empoderar cidadãos para serem capazes de se tornarem
protagonistas de suas próprias histórias e não apenas um tijolinho no muro,
precisamos de um.
A última
tentativa de traçar uma concepção para educação ocorreu no governo Fernando
Henrique. É daquela época o trabalho em cima dos Parâmetros Curriculares
Nacionais (que acabaram sendo adotados por vácuo, ou seja, pela falta de outra
política) e a própria Leis de Diretrizes e Bases da educação, que é boa, mas
não foi aplicada totalmente e corretamente.
Vale
lembrar que a discussão sobre que tipo de formação de professores nós
precisamos e como fazer isso acabou interditada pelo relacionamento conflituoso
entre membros do governo FHC e setores da academia. O curso de pedagogia, que
acabou sendo caminho obrigatório, substituindo o antigo magistério, forma de
professores polivalentes (de todas as disciplinas da Educação Infantil e do
primeiro ciclo do Fundamental), a gestores e pesquisadores. Portanto, a
preparação para o que acontece dentro da sala de aula saiu prejudicada.
A gestão
Fernando Haddad no Ministério da Educação, só para efeito de comparação, agiu
mais na produção de indicadores de qualidade para os diversos níveis de
educação, na ampliação do financiamento com o Fundeb e na ampliação do acesso
ao ensino superior (novas universidades federais, Fies, Prouni) – o que foi
importante, mas não traçou um planejamento de longo prazo para a educação.
Por fim,
um governo que afirme que vai colocar a educação como prioritária não deveria
jogar com a sorte. A vinda de Cid Gomes para a pasta está sendo vendida como um
reconhecimento à evolução do município de Sobral, onde ele foi prefeito, e os
programas de alfabetização tocados em seu governo no Ceará. E olhe que nem
estou lembrando de quando ele afirmou que professor tem que trabalhar por amor
e não por dinheiro.
Mas, na
prática, ele vem como homem forte de um grupo político com votos no Congresso
Nacional (a governabilidade, sempre ela…) que, dessa forma, vai ajudar na
sustentação ao governo federal. Há outros quadros políticos ou puramente
técnicos que seriam a demonstração de que Dilma quer um plano para melhorar a
educação do país (quer, porque ela não tem). Ficaram de fora.
Por isso,
com base no ministério escolhido, salvo algumas exceções, acho que “Brasil: A
Zoeira Nunca Termina'' ainda é o lema mais apropriado. E o mais sincero.
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