segunda-feira, 30 de maio de 2022

ELEIÇÕES DA TERCEIRA VIA

 

Por

Eleições 2022

Por
Alexandre Garcia – Gazeta do Povo
Porto Alegre


A senadora Simone Tebet e o ex-governador Eduardo Leite| Foto: Divulgação
Ouça este conteúdo

O presidente Jair Bolsonaro está indo nesta segunda-feira a Recife. Vai ver in loco os males causados pela chuva. São mais de 60 mortos e mais de mil desabrigados já. Tragédias brasileiras em todas as épocas do ano. No Rio de Janeiro, é no verão. Agora é Recife com chuvas torrenciais.

Maratona de viagens
Não sei como o presidente aguenta, é a maior correria, não tem parada. Estava em Goiânia na Marcha para Jesus. Depois foi para Manaus, com aquela multidão gigantesca também na marcha.  Antes disso teve Minas Gerais, também acompanhado de multidões, inclusive em Belo Horizonte.

Em Minas, no auditório da federação das indústrias, Bolsonaro levantou o braço de Romeu Zema (Novo), governador de Minas Gerais, mostrando uma aliança. Depois levantou o braço de Arthur Lira (Progressistas), que ficou satisfeitíssimo, mostrando que está tudo bem entre o presidente da Câmara e o presidente da República. Eu faço uma ressalva, porque eu perguntei ao Palácio sobre o Rodrigo Pacheco, que muitos reclamam e chamam de roda presa. O Palácio disse que não tem queixas dele, que está encaminhando bem as questões de interesse da presidência da República.

PSDB provavelmente vai de Eduardo Leite
Aqui em Porto Alegre está todo mundo esperando para ver o que decide agora na quinta-feira o PSDB. Porque está entre Simone Tebet, que é MDB, e Eduardo Leite, que perdeu as prévias para João Doria. Dentro do partido não queriam Doria, ele não decolou. Eduardo Leite está se oferecendo para ser candidato, aliás já renunciou ao governo do Rio Grande do Sul exatamente para isso, não renunciou por nada, nem para ser vice de ninguém. Simone Tebet também não quer ser vice de Eduardo Leite, então já dá para prever que o PSDB siga com Eduardo Leite como cabeça de chapa.

Leite não vai ganhar mais votos que os outros dois, Bolsonaro e Lula, nem no estado onde foi governador. Estou sentindo aqui o ambiente, e é o seguinte: todo mundo sabe que ele saldou as dívidas do estado com o dinheiro recebido do governo federal para tratar de pandemia. E da pandemia todo mundo se queixa que ele, assim como outros governadores e prefeitos, o que fez foi tirar emprego e renda, porque não teve nenhum outro efeito o tal de lockdown.

Tríplex sorteado e o ridículo passado pelo STF
Foi sorteado no sábado o tríplex do Guarujá, que a OAS deu para Lula, conforme o processo que já foi revisado duas vezes e comprovou as condenações. Foi revisado no tribunal regional e superior, que comprovou as condenações, só que o Supremo que resolveu decidir que houve um erro de CEP, que não era em Curitiba que deveriam tratar disso.

Fernando Gontijo comprou e fez um sorteio numa plataforma chamada “Pancadão”. Quem pagasse R$ 19,90 poderia participar do sorteio. Duzentos e cinquenta mil pessoas pagaram e quem ganhou foi Antônio Tarcísio. Ele ganhou o tríplex que era de Lula, e que Lula disse que não era dele e sim de um amigo, assim como o sítio de Atibaia.

O Supremo passa por um ridículo com essas coisas, mas é um assunto seríssimo, um assunto de confiança na Justiça. Agora mesmo, vão para Algarve, em Portugal, segundo o Estadão, juízes, desembargadores, ministros de tribunais superiores para um evento sobre maus pagadores, débitos não pagos. Tudo de graça, pago exatamente pela entidade Instituto Brasileiro da Insolvência (Ibajud). Os juízes que estão indo lá são responsáveis por processos de mais de R$ 8 bilhões de devedores insolventes. Vai ser aberto pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF).


Morte em abordagem da PRF
A Polícia Rodoviária Federal abriu inquérito, vai tomar medidas, afastou os cinco policiais que causaram a morte de Genivaldo de Jesus Santos. Ele, esquizofrênico, foi abordado e reagiu com susto. Puseram gás onde ele foi preso e acabou morto.

Eu vi uma postagem do ministro Gilmar Mendes dizendo “o assassinato do homem negro Genivaldo de Jesus Santos”. Gente, se houvesse uma petição do advogado dele, o texto seria “Genivaldo de Jesus Santos, brasileiro, casado, aposentado”. Ninguém falaria em cor de pele, Gilmar Mendes viu cor de pele. É o contrário do que diz a Constituição, em que todos são iguais sem distinção de qualquer natureza.


Leia mais em: https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/alexandre-garcia/eduardo-leite-nao-ganha-nem-no-proprio-estado/
Copyright © 2022, Gazeta do Povo. Todos os direitos reservados.

ELEIÇÕES NA COLÔMBIA

Foto: JOAQUIN SARMIENTO / AFP

Por Carolina Marins – Jornal Estadão

Gustavo Petro vai disputar o segundo turno com Rodolfo Hernández em um resultado que demonstra o descontentamento dos colombianos com a política tradicional

MEDELLÍN – Em um surpreendente avanço na reta final da campanha, o candidato populista Rodolfo Hernández desbancou o candidato da direita tradicional, Federico “Fico” Gutiérrez, e vai ao segundo turno contra o esquerdista Gustavo Petro, um ex-guerrilheiro que concorre à sua terceira eleição presidencial. Segundo analistas, o resultado deixa clara a insatisfação dos colombianos com os políticos tradicionais e o uribismo, a ala conservadora ligada o ex-presidente Álvaro Uribe.

Com 99,99% das urnas apuradas, Gustavo Petro avançou com 40,33% dos votos. Hernández, um magnata do setor da construção civil com um patrimônio avaliado em US$ 100 milhões e investimentos em todo o país, ficou com 28,15% (5,9 milhões) dos votos.

Com uma campanha forte nas redes sociais e encampando um discurso antissistema e de ataque à corrupção dos partidos tradicionais, Hernández cativou um eleitorado insatisfeito com a direita tradicional, que apoiava Gutiérrez, ligado ao atual presidente, Iván Duque. Essa será a primeira vez que o uribismo não terá um candidato próprio ou apoiado no segundo turno desde 2002.

Continua após a publicidade

Pessoas caminham em Bogotá e passam por cartazes de Gustavo Petro, que tenta pela terceira vez ser presidente da Colômbia
Pessoas caminham em Bogotá e passam por cartazes de Gustavo Petro, que tenta pela terceira vez ser presidente da Colômbia  Foto: Mauricio Dueñas Castañeda/EFE

Já muito polarizada no primeiro turno, a nova rodada deve esquentar ainda mais o debate ideológico até 19 de junho, quando ocorre a disputa final entre os candidatos. Um deles à esquerda, que pela primeira vez pode governar o país, e o outro da direita radical.

Para Edgar Andrés Londoño, cientista político da Universidad Nacional de Colombia e doutor pela UERJ, a principal razão da ascensão de Hernández é e ele representar uma mudança nessa política tradicional, assim como o Petro. “Os resultados desse primeiro turno demonstram precisamente o fracasso das políticas da direita e do uribismo” diz Londoño. “Ele (Hernández) é um empresário e sua plataforma está organizada a partir dessa questão mais de negócios. Ele também tem a proposta de diminuir os impostos”. Duque – que não poderia concorrer à reeleição – tem o desempenho muito criticado nas áreas de economia, saúde, e na segurança pública, tema caro aos colombianos.

Insatisfação com o tradicional

Fico Gutiérrez – como é conhecido – do Equipo por Colombia é um representante do uribismo que há décadas governa a Colômbia. Em um país marcado pela violência, Fico apoiou toda a sua campanha na bandeira da segurança pública, prometendo combater o narcotráfico e demais grupos criminosos.

Embora tenha se distanciado do impopular partido governista de Iván Duque, Gutiérrez tem um discurso semelhante ao que levou Álvaro Uribe ao poder em 2002, promotor do atual presidente e influente político que conquistou grande parte de sua aceitação com uma estratégia de luta sem trégua contra os guerrilheiros de esquerda.

“A principal razão da ascensão de Hernández é porque ele representa uma mudança nessa política tradicional, assim como o Petro”, explica Londoño. “Ele é um empresário e sua plataforma está organizada a partir dessa questão mais de negócios. Ele também tem a proposta de diminuir os impostos e coisas que com Fico Gutiérrez pareciam que iam ser uma continuidade do governo de Duque que tem uma impopularidade muito grande.”

O candidato pela Liga de Gobernantes Anticorrupción, Rodolfo Hernández
O candidato pela Liga de Gobernantes Anticorrupción, Rodolfo Hernández Foto: REUTERS / REUTERS

Duque – que não pode concorrer à reeleição – tem uma impopularidade em torno de 67%. Sem conseguir cumprir suas promessas na área da segurança e com um desempenho muito criticado na economia e na saúde em meio à pandemia, Duque foi rejeitado por todos os candidatos ao cargo presidencial.

“O Duque tem a maior desaprovação dos presidentes recentes da história da Colômbia. Isso faz com que muitas pessoas tenham considerado que Fico Gutiérrez seria a continuidade e não queriam votar por Petro que representa uma esquerda que aqui no país é rejeitada por muitos setores políticos poderosos e por parte da população”, afirma Londoño.

Cenário na América Latina

A votação expressiva de Petro repete um roteiro de eleições em outros países da América Latina. Liderados por liberais, países como a Argentina, de Mauricio Macri, elegeu Alberto Fernández, e o Chile, então governado por Sebastián Piñera, escolheu Gabriel Boric – nos dois casos, políticos identificados com a esquerda.

Na Colômbia, porém, o candidato do Pacto Histórico, terá de superar uma intensa polarização e um aumento da violência eleitoral. Segundo dados da organização civil Misión de Observación Electoral, em 2018, na vitória de Duque, o país registrou 322 casos de violência com motivação eleitoral, sendo que 131 foram direcionados a líderes políticos.

Em 2022, o número total saltou para 683, alta de 112.1%.Analistas projetam um segundo turno ainda mais tenso, com uma clara tendência de setores da direita se unindo para evitar uma vitória do ex-guerrilheiro. Ainda no domingo, Gutiérrez, que obteve 23,9% (5 milhões) dos votos, anunciou apoio a Hernández. “Não queremos perder o país e não vamos colocar em risco o futuro da Colômbia”, disse.

Após o resultado, Petro disse que uma vitória do seu adversário “é um risco para a democracia e para as liberdades da Colômbia”Para Londoño, o resultado das urnas no domingo, 29, torna as previsões sobre um segundo turno mais difíceis, pois Hernández se mostra muito competitivo. “Acho que muitos votos de ‘Fico’ Gutiérrez devem ir para Hernández e não pra Petro.”

A polarização, no entanto, tende a ser bastante diferente da que seria em um cenário Petro e Fico. “A polarização estará mais distante do uribismo. Vão entrar outros temas, outras questões que Uribe e esquerda como era antes”, finaliza.

 

GUERRA NA UCRÂNIA

 

Leia artigo de 35 diplomatas

Foto: Redação

Por Diplomatas de 35 países* – Jornal Estadão

Guerra de desinformação travada pelo Kremlin faz parte da tentativa de minar a solidariedade internacional e o apoio à Ucrânia

Nossos países estão de luto, juntamente ao Brasil e à comunidade internacional, pela perda de vidas inocentes e o deslocamento forçado de milhões de pessoas causado pela invasão não provocada, injusta e ilegal da Ucrânia pela Rússia. A invasão viola o direito internacional e ameaça a ordem global baseada em regras, que ajudou a preservar a paz na Europa e além desde a Segunda Guerra Mundial.

Leia também

Redes sociais mostram força com ida de outsider a 2º turno na Colômbia; leia a análise

Assim como nossos países, o Brasil condenou a invasão da Rússia na Assembleia Geral das Nações Unidas. E, como muitos de nós, o Brasil está dando apoio humanitário à Ucrânia e proporcionando um porto seguro para os ucranianos que tiveram que fugir de suas casas.

Continua após a publicidade

Enquanto a Ucrânia luta para se defender da guerra de agressão da Rússia, a comunidade internacional se vê lutando uma guerra de desinformação travada pela Rússia. Isso faz parte da tentativa do Kremlin de minar a solidariedade internacional e o apoio à Ucrânia.

A guerra da Rússia prejudica a todos nós

A invasão da Ucrânia pela Rússia está afetando a todos. O mundo inteiro se vê defrontado com interrupções na cadeia de suprimentos e dolorosos aumentos no preço dos alimentos e da gasolina. O Brasil é particularmente afetado pelo risco de escassez de fertilizantes. E, no entanto, o governo russo está tentando convencer o mundo de que não é responsável por nada disso.

Residente anda em meio a destroços de um prédio bombardeado por forças russas em Severodonetsk
Residente anda em meio a destroços de um prédio bombardeado por forças russas em Severodonetsk 

Mas é a Rússia que está bombardeando campos e estoques de grãos, impedindo as colheitas de trigo e milho. É a Rússia que está bloqueando os portos e paralisando a capacidade da Ucrânia de exportar alimentos, provocando uma potencial escassez de alimentos. É a Rússia que está expulsando milhões de pessoas de suas casas ao bombardear cidades e vilarejos. Se a Rússia se retirar da Ucrânia, muitas das interrupções no fornecimento de alimentos e bens essenciais se dissiparão.

As sanções impostas pela comunidade internacional foram apropriadas e necessárias – elas não incluem alimentos ou fertilizantes. As sanções visam líderes políticos e militares russos, oligarcas e propagandistas, não o povo russo. Se o direito internacional significa algo, as elites russas não podem violá-lo impunemente; elas devem pagar um preço.

A propaganda grosseira deve ser vista pelo que é

A Rússia está usando mentiras para justificar a invasão, alegando que a Ucrânia é governada por nazistas que cometeram atrocidades contra russos étnicos. Mas foi incapaz de fornecer qualquer evidência dessas supostas atrocidades. A verdade é que a última vez que a Ucrânia experimentou o uso de foguetes e artilharia pesada para atingir e aterrorizar civis foi quando ela foi invadida por nazistas de verdade durante a Segunda Guerra Mundial.

A Rússia está tentando desviar a culpa pelas violações de direitos humanos alegadas contra ela, que o Conselho de Direitos Humanos da ONU está agora investigando. Ela nega qualquer responsabilidade pelos massacres e estupros em Bucha e em outros lugares, o ataque aéreo na estação de trem de Kramatorsk que abrigava mulheres e crianças, e os mais de 10.000 civis mortos em Mariupol. Mas todos nós sabemos onde está a verdade.

Precisamos reconhecer onde está a responsabilidade

Assim como nós, o Brasil acredita nos princípios das Nações Unidas – que os direitos humanos e a independência dos Estados soberanos devem ser respeitados, as disputas devem ser resolvidas pacificamente, e o poder militar não deve espancar o direito moral. Todos temos um interesse comum em defender o Estado de direito na Ucrânia e rejeitar as tentativas da Rússia de culpar os outros pelas consequências de sua agressão.

SAFRA DE GRÃOS VAI FICAR MAIS CARA

 

Fertilizante, defensivo e óleo diesel são os vilões dos custos de produção da próxima safra e devem encarecer em 45% o plantio da soja e em quase 50% o do milho no País

Márcia De Chiara, O Estado de S.Paulo

Produtor rural há dez anos, Fabrício Maestrello pela primeira vez vai reduzir a área plantada com soja na safra a ser semeada em setembro. Dos 1,2 mil alqueires (cerca de 2,9 mil hectares ou a área equivalente a quase 3 mil campos de futebol), próprios e arrendados que normalmente cultiva na região de Paranacity, noroeste do Paraná, ele vai plantar a metade. O motivo do corte foi a alta de preços dos insumos. “O aumento foi muito superior à valorização do grão, é um negócio que você entra devendo”, afirma.

Produtor
O produtor Fabrício Maestrello, do Paraná, vai cortar pela metade áreas de produção de soja, entre próprias e arrendadas Foto: ROGÉRIO RECCO/COCAMAR

Os três vilões da alta de custos, segundo o produtor, são o fertilizante, o defensivo e o combustível. Neste ano, Maestrello desembolsou R$ 6,2 mil pela tonelada de adubo, 120% a mais do que na última safra. Pelo litro do herbicida, pagou R$ 90, quatro vezes o que gastou em 2021. Isso sem falar no diesel usado nos tratores. “Custava R$ 4 e pouco o litro e agora está quase R$ 7.” No período, a soja no mercado futuro subiu cerca de 40%.

Recorde indesejado

 A forte pressão de custos dos insumos enfrentada por Maestrello é a realidade dos agricultores brasileiros que vão plantar a safra mais cara da história, apontam levantamentos de várias instituições. A guerra entre a Ucrânia e a Rússia, esta última um dos principais exportadores de adubos para o Brasil e a crise energética e logística da China, onde estão as fábricas de defensivos, além da alta do diesel, levaram os preços de insumos às alturas.

Pressões de custos dos grãos soam como um sinal de alerta para uma inflação de alimentos “encomendada”, que pode se concretizar em 2023 ou não, a depender da situação do mercado na hora da comercialização da safra.

Nas contas da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o gasto médio no País para produzir um hectare este ano deve crescer 45% para a soja e aumentar quase 50% para o milho em relação ao anterior. “Pode ser que o custo seja ainda maior”, frisa Maciel Silva, coordenador de Produção Agrícola da CNA. É que, neste momento, nem todos os insumos foram comprados e, portanto, estão sujeitos a altas de preços, diz.

No entanto, o aumento de custos em regiões específicas e consolidadas na produção de grãos supera a média nacional calculada pela CNA. A alta dos gastos com insumos para a próxima safra de soja varia entre 60% e 70% no norte do Paraná e no Mato Grosso em relação à anterior, apontam a cooperativa Cocamar, de Maringá (PR), e o Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária. 

Fertlizante

O fertilizante é o item que mais deve contribuir para que a próxima safra de grãos seja a mais cara da história recente, segundo analistas especializados em agronegócio. Nas contas do superintendente da Cocamar Cooperativa Agroindustrial, Anderson Bertoletti, o aumento do preço do produto no último ano foi de 140%, seguido pelo dos defensivos (de 60% a 70%) e pelo das sementes (15% a 20%). 

Diante do cenário de incerteza sobre a disponibilidade de produto e do risco de preços ainda mais elevados, a cooperativa, que reúne 16 mil produtores no norte do Paraná, tem antecipado as compras. Hoje, 80% dos insumos já foram comercializados, ante 60% nesta mesma época de anos anteriores. Além da alta de preços, pode faltar algum produto, alerta o superintendente.

Neste momento, a indústria de adubos está fazendo uma ginástica enorme para disponibilizar os fertilizantes em razão de problemas logísticos decorrentes da guerra na Ucrânia, aumento de custos de frete marítimo e a maior demanda mundial por adubos, segundo o diretor executivo da Associação Nacional para a Difusão de Adubos (Anda), Ricardo Tortorella.

 No primeiro bimestre, o dado mais recente disponível, houve retração de 11% nos volumes de fertilizantes entregues aos agricultores brasileiros para todas as lavouras em relação a igual período de 2021, segundo dados da Anda.

“O mundo mudou, não é como antes, tem um sinal amarelo ligado”, afirma Tortorella, fazendo referência às incertezas geopolíticas no mercado provocadas pela guerra entre Rússia e Ucrânia. Apesar disso, ele diz que o setor está conseguindo atender a demanda, mas não no ritmo desejado.

Hoje o Brasil produz só 15% dos fertilizantes que consome. O Plano Nacional de Fertilizantes, recentemente lançado, só vai começar a ter efeitos na oferta no longo prazo. Esses fatores contribuem para um cenário incerto de preço dos adubos no curto prazo.

Em resposta ao aumento de custos de insumos e ao juro mais elevado para o custeio da próxima safra, o gerente da Consultoria Agro do Itaú BBA, Guilherme Belotti, acredita que os agricultores vão reduzir o ritmo de expansão da área plantada de grãos. “O produtor deve ficar mais cauteloso”, diz, lembrando que nas duas últimas safras houve avanços significativos. Para ele, por mais que os preços das commodities estejam elevados, as margens de ganho dos produtores devem ser achatadas em razão dos aumentos de custos.

ANSIEDADE FAZ ALIMENTAR MAIS

 

CAMILA TUCHLINSKI – O ESTADO DE S.PAULO

  • Como lidar com o ‘comer emocional’ quando as temperaturas estão mais baixas? 
Quando a temperatura cai, nossa tendência é sentir mais fome e buscamos alimentos mais quentes e calóricos. 

Quando a temperatura cai, nossa tendência é sentir mais fome e buscamos alimentos mais quentes e calóricos.  Foto: Pixabay/congerdesign

Você já reparou que sentimos mais fome no frio? Não, isso não é coisa da sua cabeça. Existe uma explicação: os seres humanos se sentem ameaçados pelas baixas temperaturas e essa percepção faz com que haja uma busca por calor, que pode ser suprida também através dos alimentos. 

“Com certeza as pessoas sentem mais fome no frio por uma questão de sobrevivência. Ele baixa a nossa capacidade de esquentar o corpo, portanto, precisamos de mais calorias. Na parte psicológica, tem a ver com essa informação que o corpo recebe que vem em dissonância com o que sabemos. Por exemplo, sabemos que não estamos no inverno e, teoricamente, não deveríamos estar sentindo frio, mas estamos. Então, gera um conflito. É uma quebra da lógica orgânica”, explica a neuropsicóloga Gisele Calia.

A endocrinologista Lívia Marcela acrescenta que, nessa época, é comum optarmos por alimentos mais quentes e, com isso, mais calóricos, mais gordurosos. “Isso porque eles demoram mais para serem digeridos, produzindo, assim, maiores quantidades de calor. Um estudo da Universidade da Geórgia, nos Estados Unidos, rastreou o quanto as pessoas comiam em cada estação do ano e com que rapidez. Os entrevistados consumiram cerca de 200 calorias a mais por dia a partir do outono, principalmente quando os dias ficaram mais escuros”, afirma. 

Outro dado importante é que, nesse período do ano, ocorre uma diminuição na produção de serotonina, um neurotransmissor que promove a sensação de bem-estar. Para suprir esta sensação de tristeza e desânimo, a maioria das pessoas acaba compensando com os alimentos.

A neuropsicóloga Gisele Calia ressalta que a comida gordurosa fornece mais caloria com menos quantidade: “E aí é uma escolha lógica e saborosa, porque o nosso paladar também foi moldado há anos para que gostássemos de coisas gordurosas, de energia rápida como o açúcar. E isso de fato aquece o corpo”.

Hambúrguer, batata frita e alimentos gordurosos demoram mais para serem digeridos, produzindo, assim, maiores quantidades de calor. 

Hambúrguer, batata frita e alimentos gordurosos demoram mais para serem digeridos, produzindo, assim, maiores quantidades de calor.  Foto: Pixabay/PortalJardin

Outro fato importante é que, no frio, nós gastamos mais energia para exercer as mesmas funções. “Isso porque nosso corpo tem que manter a temperatura estável e isso requer um gasto calórico maior. Esse gasto calórico gira em média em 200 calorias por dia. Porém, às vezes, nós exageramos na reposição de calorias nessa época do ano, o que pode render alguns quilinhos extras no final da estação”, destaca a doutora em Endocrinologia pela Unifesp Lívia Marcela. 

A especialista também lembra que essa sensação de frio pode variar entre os gêneros. “Algumas pesquisas revelam que as mulheres sentem mais frio do que os homens. Uma das explicações fisiológicas para essa diferença na sensação térmica é a quantidade e distribuição de pelos pelo corpo, também pela constituição física e pelos hormônios. Os pelos estão ligados a nervos que os contraem no frio e ajudam a elevar a temperatura corporal. Como as mulheres estão sempre depiladas e constitucionalmente têm menos pelos que os homens, tendem a ter menos contrações acontecendo abaixo da pele e tremem com qualquer brisa”, diz.

Doces e outras guloseimas são irresistíveis para algumas pessoas e essa vontade pode ficar acentuada no inverno. 

Doces e outras guloseimas são irresistíveis para algumas pessoas e essa vontade pode ficar acentuada no inverno.  Foto: Pixabay/silviarita

Ansiedade pode ser agravada diante do frio e a necessidade de comer mais

Você já ouviu falar sobre o ‘comer emocional’? Este é um termo usado para pessoas que, mesmo sem estar com fome, têm uma vontade irresistível de ingerir comida e, normalmente, de forma voraz. Essa situação fica mais evidente na compulsão alimentar. Porém, outras questões de saúde mental, como ansiedade e até mesmo quadros de depressão, podem ter os sintomas exacerbados.

“Qualquer reação física de falta, por exemplo, falta de cobertor, de alimento, ou outras necessidades como matar a sede e até vontade de ir ao banheiro, isso tudo gera ansiedade. O corpo interpreta que está faltando isso e, se não suprir essas necessidades, vai ter alguma consequência. E a ansiedade está muito relacionada à perigo, seja real, físico ou psicológico. Então, comer mais por ansiedade acontece quando está mais frio também”, avalia Gisele Calia. 

Portanto, segundo a neuropsicóloga, a ansiedade é ‘disparada’ por questões fisiológicas como a queda de temperatura climática e a fome: “Quando a pessoa tem algum tipo de desequilíbrio emocional, quer seja por depressão, ansiedade e transtorno alimentar, sentir mais fome agrava os sintomas. Isso desequilibra o já frágil controle de ingestão de alimentos”. 

O nosso organismo tenta se adaptar às mudanças do ambiente mas, para pacientes com qualquer tipo de transtorno mental, de leve a grave, a situação é mais desafiadora. “Uma revisão publicada em 2013 na revista Frontiers in Neuroscience, que analisou dados tanto em pessoas quanto em animais, descobriu que mudanças sazonais afetam muitos hormônios relacionados à fome e apetite, incluindo glicocorticóides, grelina e leptina”, aponta Lívia Marcela. 

Além das alterações nos hormônios, os dias de inverno são, em geral, mais escuros, e somos menos expostos à luz solar. Esse fato também aumenta a ansiedade e pode despertar sentimentos de tristeza

“Esses são sentimentos que estão diretamente relacionados com a procura de alimentos mais palatáveis e geralmente também existe um aumento da quantidade de alimentos. Além disso, nesta época ocorre uma diminuição na produção de serotonina, um neurotransmissor que promove a sensação de bem-estar. Para suprir esta sensação de tristeza e desânimo, a maioria acaba compensando com os alimentos”, analisa a endocrinologista, que cita um estudo realizado em Campinas e que acompanhou 227 mil indivíduos, entre 2008 e 2010. 

Os pesquisadores verificaram que os níveis de colesterol “ruim” (LDL) aumentaram significativamente no inverno e diminuíram no verão. 

Dicas para evitar comer exageradamente no inverno

Se você percebe que sente mais fome quando fica ansioso, triste, com raiva ou com qualquer outro sentimento, é preciso redobrar a atenção no inverno. “Uma dica importante para driblar o ‘comer emocional’, quando realmente não é uma necessidade orgânica, é fazer uma leitura antes de colocar o alimento na boca. Uma vez que o alimento está na boca, deflagra todo o processo de dificuldade de interromper ou compulsão”, enfatiza Gisele Calia.

A neuropsicóloga propõe uma espécie de ‘conversa’ com o alimento e simula um diálogo: “Então, você olha para a comida e reflete: ‘Sim, estou com vontade de comer esse doce porque sei que é gostoso, mas como está meu estado emocional agora?’. ‘Que hora almocei e jantei? Bom, não importa, sigo com vontade de comer o doce’. Na sequência, você pode raciocinar assim: ‘O que que estou sentindo, intendente da vontade de comer doce?’. É como se a vontade de comer doce se sobrepusesse a todas as outras sensações e desejos. ‘Se não existisse o doce aqui, o que estaria sentindo além desta vontade?’. É difícil traduzir isso de um jeito prático, mas é tentar tirar o doce da frente ou o alimento que está te ‘tentando’ e ver o que realmente está te fazendo falta”. 

A vontade de comer doce, a batatinha frita ou a macarronada podem estar escondendo outros sentimentos como aceitar um conflito, um sentimento negativo ou a ansiedade por ter de tomar alguma decisão, por exemplo. A dica é tentar, racionalmente, refletir sobre o comer, do contrário, você pode ceder à tentação e deixar o instinto ‘impulso’ imperar.  

Aqui no Brasil, a época mais fria do ano coincide com as tradicionais festas juninas, com diversas guloseimas como canjica, paçoca, pé-de-moleque, bolo de milho e quentão. E isso aumenta a dificuldade de controle do peso.

A endocrinologista Lívia Marcela fez uma lista de dicas para a reportagem do Estadão para você evitar comer exageradamente no frio:

– Comidas mais quentes e cremosas: “Temos a sensação do aumento de fome e também ficamos imaginando delícias como um brigadeiro de panela naquelas noites frias e chuvosas. Isso acontece porque o nosso organismo precisa de mais energia para manter a temperatura corporal. Então, a orientação para esses momentos de gula é procurar comer mais vezes durante o dia, evitando o consumo de alimentos mais gordurosos à noite”, afirma. 

– Carnes, risotos e queijos são bem-vindos: “Mas uma ótima ideia é incluir no cardápio temperos termogênicos, que aquecem o corpo e aumentam o gasto calórico. Tente não confundir tédio com fome, por exemplo, ‘estou sem nada para fazer então vou comer’. Isso realmente acontece normalmente no inverno”, diz

– Sopas e cremes: é preciso ter cuidado, pois alguns são preparados com ingredientes altamente calóricos. Avalie sempre antes de tomar.

 – E se não conseguir beber água no frio: uma opção para manter a hidratação em dia é investir em uma variedade de bebidas quentes, como os chás.

“A diminuição da prática de atividade física também ocorre, já que no frio as pessoas tendem a se exercitar menos. Esses comportamentos acabam se enquadrando como fatores de risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares e diabetes”, conclui a endocrinologista Lívia Marcela.

sábado, 28 de maio de 2022

CÂMARA DOS DEPUTADOS VAI VOTAR PROJETOS QUE REFORÇAM SEGURANÇA PÚBLICA

Semana de votações

Por
Olavo Soares – Gazeta do Povo
Brasília


Carro abandonado por bandidos que praticaram ações do “novo cangaço” em Guarapuava (PR): esse tipo de ação está no radar do pacotaço da segurança.| Foto: Divulgação/Sesp

A Câmara dos Deputados deve promover, no início de junho, uma semana de votação de propostas ligadas à segurança pública. A ideia é costurada pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), e tem o apoio de parlamentares alinhados com o governo de Jair Bolsonaro (PL).

Os defensores da iniciativa esperam a votação de propostas que combatam o chamado “novo cangaço”, que ampliem punições a quem comete feminicídio e também que atendam a demandas corporativas dos profissionais da segurança pública. As categorias do setor apoiaram Bolsonaro em 2018 e tendem a defender a reeleição do presidente em outubro, mas contestam decisões administrativas do governo e muitos falam em “abandono” da categoria por parte do governo. Uma das medidas tomadas pelo Planalto que desagradou o setor foi a reforma da Previdência, que reduziu o valor de aposentadorias de profissionais da segurança.


A fonte das propostas que serão submetidas a votação é a Comissão de Segurança Pública, que atualmente é presidida por Aluísio Mendes (PSC-MA) e que tem apoiadores do governo em sua cúpula – o vice-presidente é Daniel Silveira (PTB-RJ).

Na próxima quarta-feira (25), a comissão deve se reunir para fechar uma lista de proposições que poderão fazer parte do mutirão de votações. Segundo Mendes, a ideia é apresentar a Lira proposições que tenham “o mínimo consenso” e, portanto, tenham mais chances de aprovação. No sistema de votação idealizado por Lira, as propostas estarão em regime de urgência, e portanto não precisarão ser apreciadas por comissões, podendo ser levadas diretamente ao plenário.

“Foi um acordo, fiz isso com ele [Lira] no início do ano. Eu, junto com ele, queríamos uma semana de votações. Há débito grande [com a agenda da segurança pública]”, diz Mendes. “Daremos prioridade a projetos que aumentam pena contra crimes de feminicídio, crianças e adolescentes, novo cangaço, projeto que visam a aumentar as penas com relação à violência e crimes contra idosos. Temos projetos também que restringem as ‘saidinhas’, um projeto que restringe a concessão de liberdade condicional para presos”, acrescentou o parlamentar.

O deputado Capitão Augusto (PL-SP), presidente da Frente Parlamentar de Segurança, elenca ainda o projeto que cria um novo Código de Processo Penal, em tramitação há anos na casa. Augusto, que lidera a “bancada da bala”, citou também a criação das leis orgânicas da Polícia Militar e da Polícia Civil como projetos que podem ser votados em junho.

O projeto da lei para a Polícia Militar tramita há mais de 20 anos na Câmara e busca substituir a norma que regula a categoria, um decreto-lei elaborado em 1969. Já Mendes disse esperar apoio do Ministério da Justiça para o avanço da iniciativa.

Como a oposição vê o pacote de segurança pública
Membro da Comissão de Segurança Pública da Câmara, o deputado Paulo Teixeira (PT-SP) disse que a prioridade da oposição no período será a de “evitar retrocessos” no combate à violência. “Eles [base aliada de Bolsonaro] estão querendo discutir pautas corporativas, propostas que dão autonomia às polícias, que nós somos contra. Nada disso é para ampliar a segurança, é sim para fazer corporativismo, atender às corporações”, diz.

Teixeira afirma que não foi chamado para conversar sobre a semana de votações. Além dele, o único outro integrante do PT que é titular na comissão é Reginaldo Lopes (MG). Outros partidos de oposição, como Psol e PCdoB, não têm atualmente titulares no colegiado.

Qual pode ser a influência do tema nas eleições
Teixeira acusa os aliados de Bolsonaro de “fazer populismo com a legislação” de segurança pública. O parlamentar avalia que o tema “terá um peso grande” no debate eleitoral de 2022.

O combate à violência foi um dos temas que norteou a eleição presidencial de 2018. Então candidato, Bolsonaro reforçou suas bandeiras de endurecimento da legislação penal, que defendera ao longo de sua carreira como deputado. Ele também explorou o crescimento dos índices de violência durante os 13 anos de gestão do PT no país. O plano de governo de Bolsonaro relacionava o aumento da criminalidade com o tráfico de drogas e vinculava o comércio de entorpecentes com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), grupo que participou do Foro de São Paulo, entidade que reúne partidos de esquerda e que é liderada pelo PT.

Para o deputado Capitão Augusto, a votação de temas ligados à segurança “acaba agradando bastante as instituições policiais” e evita que a categoria, historicamente alinhada com Bolsonaro, rejeite o presidente. “Com certeza o pessoal fica mais entusiasmado para trabalhar para a reeleição do presidente Bolsonaro”, diz.

Colaborou Rodolfo Costa.
Leia mais em: https://www.gazetadopovo.com.br/republica/quais-projetos-estao-no-pacotaco-de-seguranca-publica-que-lira-quer-votar-em-junho/
Copyright © 2022, Gazeta do Povo. Todos os direitos reservados.

 

ICMS E LONGOS ERROS APÓS DÉCADAS

 

Editorial

Por
Gazeta do Povo

São Paulo SP 27 11 2019–Petrobras aumenta em 4% o preço da gasolina por causa do dolar Foto: Rafael Neddermeyer/ Fotos Públicas


ICMS, cobrado pelos estados, é componente importante do preço final dos combustíveis.| Foto: Rafael Neddermeyer/Fotos Públicas

A recente aprovação, pela Câmara dos Deputados, do projeto de lei que limita a alíquota de ICMS a ser cobrada de combustíveis, gás natural, energia elétrica, transporte coletivo e serviços de telecomunicação é o mais recente desdobramento de todo o cenário de insatisfação coletiva com os altos preços dos combustíveis, que por sua vez alimentam a persistente alta da inflação. O Projeto de Lei Complementar 18/2022 elenca esses produtos e serviços como essenciais, proibindo que suas alíquotas de ICMS sejam maiores que as “das operações em geral”. Na prática, isso significa que o imposto estadual cobrado sobre esses itens não poderá superar 17% – ainda que este número não esteja presente nem no PLP 18, nem nas leis que ele altera, como a Lei Kandir e o Código Tributário Nacional, ele é a média das alíquotas-base cobradas nos estados.

Para que se chegasse a essa situação, foi necessária uma enorme série de erros que se acumularam ao longo das décadas. A causa remota está no próprio desenho da tributação nacional: ainda que os estados tenham muitas atribuições em termos de serviços públicos, como saúde, educação e segurança pública, eles recebem uma fatia minoritária de tudo o que é retirado da sociedade na forma de impostos. Ainda por cima, essa fatia é dominada pelo ICMS, que é o carro-chefe da arrecadação de qualquer estado. Dessa forma, governadores e secretários de Fazenda acabam tentados a maximizar as receitas decorrentes desse imposto para que consigam dar conta de todas as suas despesas. E isso leva ao segundo erro.

Por mais importante que seja agir para conter a inflação, por mais imoral que seja uma tributação tão excessiva sobre itens tão essenciais, por mais que o Congresso tenha a competência legal para estabelecer o que está no PLP 18, este processo não está sendo conduzido de forma a respeitar o modelo federativo

Combustíveis, energia elétrica, transporte público e telecomunicações são bens e serviços que praticamente toda a população consome, e em grandes quantidades; tributá-los mais pesadamente é certeza de receita substancial. Mas, ao mesmo tempo, é inegável o caráter essencial desses itens; não faz o menor sentido impor-lhes alíquotas de ICMS superiores nem às alíquotas-base, muito menos à alíquota de itens verdadeiramente supérfluos ou cujo consumo se deseja desestimular, por quaisquer razões. Ainda que a lei permitisse aos gestores tributar combustíveis e energia dessa forma, não é razoável que o façam – e, em um cenário ideal, governadores que optassem por esse caminho acabariam punidos nas urnas pelos eleitores, que também são consumidores e contribuintes, embora esse tema dificilmente ganhe relevância nas campanhas eleitorais.

No fim do ano passado, entretanto, o STF entrou na discussão. Em ação impetrada pelas Lojas Americanas, o plenário da corte decidiu que as alíquotas de ICMS de energia elétrica e serviços de telecomunicações não poderiam superar a média, que consistia nos referidos 17%. Apesar de a ação questionar apenas uma lei do estado de Santa Catarina, o Supremo também afirmou que a decisão tinha repercussão geral, valendo para todo o país, com um período de transição que se encerraria em 2024. E, ao contrário de outros casos em que o Supremo resolveu fazer política tributária sem poder para tal, neste caso havia uma interpretação possível (ainda que não a única), com base constitucional, para uma limitação. O artigo 155 da Carta Magna, que trata dos impostos estaduais e municipais, afirma, a respeito do tributo sobre “circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação” (inciso II), que ele “III – poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços”. Ora, admitindo-se que possa haver alíquotas diferentes, pressupõe-se do texto constitucional que, quanto mais essencial o produto ou serviço, menor seja a tributação sobre ele, e não maior, como vinha sendo feito no caso dos combustíveis, da energia e dos serviços de telecomunicações.


A intervenção do Supremo foi usada como justificativa durante a tramitação do PLP 18, que, segundo seus defensores, estaria apenas adiantando os efeitos da decisão e adicionando itens que, sendo essenciais, não estavam em jogo do julgamento de 2021. E é assim que retornamos aos equívocos e precipitações. Não apenas o período de transição foi simplesmente abolido, tirando dos estados o tempo necessário para recalcular as alíquotas de outros itens como forma de compensação, mas ainda há sérias divergências a respeito da perda de arrecadação dos estados com o PLP 18. Enquanto o Ministério da Economia alega que a queda não superará os 5%, entidades representativas de estados e municípios calculam as perdas entre R$ 66 bilhões e R$ 83 bilhões. E, mesmo com a trava que prevê o abatimento, nas dívidas dos estados, de toda queda de arrecadação que superar os 5%, o efeito inevitável é tornar os governadores ainda mais dependentes da “generosidade” do Planalto, na forma de repasses dos fundos de participação.

Em suma: por mais importante que seja agir para conter a inflação, por mais imoral que seja uma tributação tão excessiva sobre itens tão essenciais, por mais que o Congresso tenha a competência legal para estabelecer o que está no PLP 18, este processo não está sendo conduzido de forma a respeitar o modelo federativo – pelo contrário, tende a enfraquecê-lo ainda mais. A mudança apressada, sem que se saiba ao certo o seu efeito sobre as contas dos estados, equivale a colocar uma faca no pescoço dos governadores, como se eles fossem os únicos responsáveis pelos combustíveis caros, quando na verdade há inúmeros outros fatores envolvidos na composição dos preços cobrados nos postos.


Leia mais em: https://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/editoriais/projeto-lei-limitacao-icms-combustiveis/
Copyright © 2022, Gazeta do Povo. Todos os direitos reservados.

FIES PODE SER EMPREGADO EM FACULDADES MAL AVALIADAS

 


Entrevista

Por
Juliana Awad, especial para a Gazeta do Povo

| Foto: Marcello Casal Jr / Agência Brasil


Deputados e senadores aproveitaram a Medida Provisória 1090/21, conhecida como MP do Fies, que permite o abatimento de até 99% das dívidas de estudantes com o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), para incluir um tema não previsto pela proposta do governo federal: a possibilidade de o Ministério da Educação (MEC) avaliar cursos de graduação de forma online ou até por meio de “autoavaliação”. A alteração surpreende por facilitar que uma faculdade nova receba, sem os cuidados de uma visita presencial, uma boa nota no MEC e assim consiga ser uma das possíveis eleitas por alunos beneficiados pelo Fies.

O Projeto de Lei 12/2022, na qual a MP foi transformada, foi aprovado na última terça-feira (24) no Senado e agora para sanção do presidente Jair Bolsonaro (PL). Educadores temem que as mudanças indicadas na Lei 10.861/2014, responsável pela instituição do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), incluída na MP pelos parlamentares, facilitem ainda mais a mercantilização do ensino, a criação fácil de faculdades de baixa qualidade, as quais apenas tentam conseguir recursos federais.

Em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, o educador Juliano Campana, conselheiro municipal de Educação da Prefeitura de Vitória (ES) com 23 anos de experiência no ensino superior, esclarece que as alterações trazidas na MP do Fies à Lei do Sinaes não são, propriamente, um “jabuti”, como apontaram alguns deputados. Há uma conexão entre os temas: a possibilidade de financiamento está atrelada à avaliação que uma instituição e seus cursos vão receber. Confira a entrevista:

Qual é o objetivo do movimento criado pela MP do Fies ao trazer esse “jabuti” em seu texto?

Juliano Campana: O que está acontecendo com o movimento criado pela MP é a união do acadêmico com o financeiro. O dinheiro acabou e, com poucos recursos, houve a limitação de vagas para o financiamento em cada instituição. O critério que passa a ser utilizado para definir qual instituição vai receber mais ou menos financiamento é o acadêmico, ou seja, as avaliações do Sinaes. Unir esses dois requisitos, facilitando para as instituições, é garantir o recebimento de recursos. Esse é o objetivo. Portanto, o Sinaes dentro da MP do Fies está longe de ser um “jabuti”, é antes uma conexão importante e proposital.

A composição dessas notas, concedidas à instituição e aos seus cursos, define quantas possibilidades de financiamento ela vai ter. Antes, a instituição tinha que ter nota para estar habilitada, para ser procurada e demandada no mercado. Agora, precisa ter nota para ter dinheiro. Logo, esses assuntos se fundem, porque ao trabalhar qualquer questão sobre financiamento estudantil, eu vou ter que passar pela avaliação do Sinaes.  Estão matando o Sinaes, porque a nota virou dinheiro. Se é preciso seguir os critérios da nota (avaliação) para liberar certa quantidade de dinheiro, ficou mais fácil obter os recursos, pois ficou mais simples receber uma nota com a visita virtual, que não é visita.

Os grandes grupos educacionais que surgem no país não vendem para o mercado, vendem para o governo. Compram vagas de financiamento, torneirinhas de dinheiro. Não é um “jabuti”, porque se não tiver uma facilitação de liberação de recursos, de financiamento estudantil, de avaliação das instituições, elas vão morrer. Uma visita online agora habilita uma instituição para funcionar e receber recursos, sem a menor condição para isso. O Sinaes está monetizado.

Uma avaliação 100% online de uma instituição é mais precária e afeta a qualidade do ensino?

Juliano Campana: Participo desses processos de avaliação desde 1999 e muitas alterações foram criadas, tanto na parte acadêmica quanto na questão do financiamento. Esses temas se fundiram. O movimento foi facilitado, principalmente na pandemia, porque houve uma fuga do ensino presencial. Essa avaliação online é facilmente burlada sem um avaliador presencial. Um exemplo disso é a avaliação da biblioteca.

Numa avaliação presencial, o avaliador vai até a biblioteca, conta os livros, os volumes, os títulos que foram informados no processo. Mas, hoje, no processo online, apresenta-se numa nota fiscal ou, no máximo, passa com uma câmera e fala que tem os livros na prateleira. Tornando-se fácil de ser maquiado. Sem a presença do MEC, é inevitável que haja queda na qualidade dos cursos e das IES. Estamos habilitando instituições sem a menor condição. Dinheiro e qualidade entraram no mesmo processo. O Sinaes está na MP do Fies porque, facilitando as avaliações, dando nota para uma IES que não tem condições de funcionar, abre-se a porta para financiamentos, ou seja, para o Fies.

Enfraquecer a Lei do Sinaes é sinônimo de garantia de recursos?

Juliano Campana: O Fies já apresenta falhas há muito tempo. Foi criada uma bolha de tomada de crédito que estourou, porque foi tão facilmente adquirido que a educação superior não teve um crescimento orgânico: a pessoa fazia engenharia e ia trabalhar no shopping. O financiamento seria coerente se a pessoa se tornasse engenheira. Criou-se uma explosão de não pagamento e o dinheiro acabou. O dinheiro não é do aluno, o dinheiro está sempre entre o governo e as instituições, por isso é preciso criar facilidades para elas. E boa parte dos recursos do Fies não vai ser recebida, porque o financiamento é uma transferência de dinheiro. Ele não retorna, não se transforma num fundo que sai, financia e volta para a próxima geração de estudantes que dependerão dele. A conta vai chegar no futuro.

Quando esse crédito foi aberto, grandes instituições nacionais foram formadas e grandes instituições internacionais viraram investidoras. Assim nascem os grandes grupos educacionais. Dessa forma que são criados esses mega grupos, onde um vai comprando o outro com o dinheiro que vem do financiamento. Isso levou a uma prática que era comum no Brasil: a sobretaxa irregular do Fies, de onde saíam novos recursos. O curso de Administração que custava R$ 500 passava a custar R$ 1000. O dinheiro do Fies começou a ser extraído de forma irregular, antiética e imoral. No edital do vestibular, não constava o valor de R$ 500, mas de R$ 1000 pelo Fies.

Facilitar avaliações para instituições, com nota concedida precariamente, será garantir vagas de financiamento, mais alunos financiados, mais cursos sobretaxados e recursos entrando de forma irregular. É uma forma de abrir a torneira. Os temas se fundem. Ter nota é garantir o financiamento. Além disso, em ano eleitoral, estamos falando de uma medida populista, considerando que os inadimplentes do Fies são um número enorme de eleitores.

Existe a possibilidade desse financiamento chegar aos cursos EAD, com toda essa facilidade na avaliação dos cursos e das IES?

Juliano Campana: A pandemia acelerou esse processo. Sem dinheiro para financiamento, os alunos desistiam e as instituições encolhiam sem ingressantes. A pandemia veio como força motriz para naturalizar o ensino EAD e banalizar o ensino presencial. Com isso, os cursos presenciais foram achatados e as instituições também, uma vez que o EAD traz um valor mais atrativo, diminuindo o número de pessoas interessadas em comprar um curso presencial no valor real dele. Há uma pressão muito grande para que se naturalize todo processo online de ensino, de avaliação e de controle.

Toda mudança política que está acontecendo é para que o financiamento estudantil chegue no ensino EAD e isso vai decretar a morte das instituições presenciais. Abrir cursos à distância, a partir de avaliações frágeis e falhas, cuja sobretaxa é menos perceptível, é mais um elemento que enfraquecerá a educação superior no Brasil. A toda hora surgem instituições e com a avaliação virtual enfraquece-se ainda mais o processo. Instituições ruins desmontam a formação profissional de nível superior no Brasil.

Há alguma maneira de garantir a qualidade dos cursos e das IES com a avaliação online?

Juliano Campana: Como estamos falando de avaliação e dinheiro no mesmo processo, fica difícil garantir a qualidade. Por exemplo, resolver um processo de saneamento de uma instituição, que é uma visita de avaliação para ver se está tudo bem, através do virtual, é tornar todo o processo ruim. É falho e totalmente frágil.

Facilitar as avaliações trazendo para a modalidade virtual, 100% online, é implodir o Sinaes. Estamos desmontando as avaliações, ou seja, o Sinaes, com o dinheiro do financiamento. O Sinaes virou um processo de captação de recursos e não processo de avaliação de qualidade. E o resultado desse ciclo, atrelando financeiro com acadêmico, é a não garantia da qualidade.

As avaliações serão ruins, as instituições serão ruins. Todas as IES passarão por avaliações na modalidade online e farão autoavaliações de maneira bem maquiada, sendo habilitadas a fazer o financiamento. Vamos mudar toda formação de uma geração. Instituições ruins e cursos fracos são sinônimos de uma educação superior pobre, de formação profissional deficiente. Estamos vivendo um processo complicado.


Leia mais em: https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/educador-alerta-risco-dinheiro-fies-faculdades-mal-avaliadas/
Copyright © 2022, Gazeta do Povo. Todos os direitos reservados.

ESQUERDA ADOTA ESCOLA DE FRANKFURT

 

Por

História

Por
Maria Clara Vieira – Gazeta do Povo


Karl Marx, o ídolo da esquerda que perdeu espaço para os pós-modernos| Foto: Pixabay

Não passou batido entre os que acompanhavam o evento de lançamento da pré-campanha do ex-presidente Lula (PT), no último dia 8 de maio, a troca do termo “esclarecimento” por “escurecimento”, feita pela apresentadora do evento. Incompreensível a qualquer trabalhador comum que viva fora da bolha do Twitter, o uso do novo dialeto “antirracista” é um dos sinais da transformação da esquerda que, conforme narrado nesta reportagem da Gazeta do Povo, se afastou dos sindicatos para abraçar as causas identitárias. Segundo bastidores publicados pela imprensa, o próprio Lula é criticado por exaltar a picanha em vez de dialogar com vegetarianos e veganos, e usar termos como “índio” e “galega”.

Em pleno ano eleitoral, não é de se esperar que o petista seja alvo de uma tentativa de “cancelamento”. Contudo, a colisão entre os ideais, a linguagem e as prioridades da esquerda sindical e a que cresceu entre tablets e smartphones gera alguns estrondos, no Brasil e no mundo. Nos Estados Unidos, por exemplo, o professor de Harvard Cornel West, um dos intelectuais marxistas mais relevantes do país, discutiu publicamente com o escritor Ta-Nehisi Coates, um dos “sacerdotes” do novo “antirracismo”, autor de um livro que exalta a gestão de Barack Obama, que rendeu alguns bilhões a mais para grandes empresas de tecnologia e começou a mergulhar o país numa crise de desemprego. “Coates é a face neoliberal da luta negra pela liberdade”, escreveu West. Em mais uma manifestação de desprezo pelos trabalhadores, Coates já afirmou não sentir nenhuma pena dos policiais e bombeiros mortos no World Trade Center, uma vez que a polícia seria uma “ameaça da natureza”.

Para além dos planos específicos de governo, eleições e particularidades locais, a migração da esquerda do marxismo “raiz”, aferrado à luta de classes, para as guerras culturais do pós-modernismo é um fenômeno global, cujas raízes remontam à filosofia emergida dos séculos XIX e XX. Diretor do Center for Ethics and Entrepreneurship da Rockford University, no Canadá, o filósofo Stephen Hicks é um dos pensadores contemporâneos a se debruçar sobre essa questão.

Em seu livro “Explicando o Pós-modernismo: Ceticismo e Socialismo de Rousseau a Foucault”, Hicks explica que, como herdeiros do pensamento moderno, caracterizado pelo protagonismo das ideologias (ou os diferentes “ismos” – individualismo, capitalismo, comunismo, socialismo – que emergiram da Revolução Industrial e o nascimento do mercado), os marxistas acreditavam que seu sistema político-econômico era sustentado pelo pensamento racional e pelas evidências.

A exploração sistemática dos trabalhadores, bem como a autodestruição do mercado, que inevitavelmente levaria a uma revolução proletária e ao renascimento de uma economia mais próspera e igualitária, portanto, eram tomadas como proposições que podiam ser submetidas ao crivo da realidade. “A prática é o critério da verdade”, defendia o próprio Marx. Em outras palavras, a verdade é a expressão da realidade concreta.

E então, veio o século XX. E, a despeito dos relevantes avanços na medicina, no trabalho, nas relações humanas e no desenvolvimento social, a ciência e a razão, rebentas do iluminismo triunfante, seriam instrumentalizadas para justificar teorias de superioridade racial, novos modelos de Estados totalitários e câmaras de gás.

De um lado, o fascismo e o nazismo tomariam a Europa, dizimando milhões de vidas. Enquanto isso, o “nobre experimento” da União Soviética colhia os frutos da revolução. Duas guerras mundiais – a última delas, encerrada com o primeiro ataque à bomba atômica da história, outra mancha no currículo do avanço científico subjugado às ideologias – e uma Guerra Fria, cada qual com seus milhões de mortos, foram o saldo da era que se pretendia racional. Além de tudo isso, havia os gulags. Os paredões. A fome e a perseguição sistemática a quem ousasse denuncia-la – vide o caso do jornalista Gareth Jones, pioneiro a escrever sobre o Holodomor.

Sem contar que, desde o início do século passado, as três previsões do socialismo originário haviam falhado: o proletariado não se tornara ainda mais pobre, nem havia cada vez menos pessoas usufruindo de boas condições materiais. Diante do cenário, a esquerda precisou mudar de estratégia. Um dos artifícios empregados foi uma transformação discursiva: se, antes, a riqueza era vista como positiva, contando que fosse distribuída de forma igualitária, com a falência do modelo socialista e a comprovação de que o capitalismo era quem melhor atendia a esta necessidade, a aquisição de bens se tornou o próprio problema.

Entra em cena Marcuse

Formado em filosofia na Alemanha, Herbert Marcuse foi um dos maiores divulgadores dos escritos da Escola de Frankfurt, grupo de intelectuais que se debruçou sobre o fracasso do racionalismo que marcara a época – sem, contudo, associa-lo ao próprio comunismo. “Politicamente, Marcuse identificava-se profundamente com o marxismo e se ocupou em adaptá-lo à imprevista flexibilidade do capitalismo de resistir à revolução”, escreve Hicks. Em suma, Marcuse tratou de justificar o sucesso do capitalismo à sedução do proletariado por suas benesses, integradas não apenas ao sistema econômico, mas à alma humana – o novo objeto da revolução. Para Marcuse, “o capitalismo não só oprime as massas existencialmente como também as reprime psicologicamente”, como explica Hicks.

Em 1974, diante do fracasso não apenas da União Soviética, mas dos movimentos revolucionários de extrema-esquerda emergidos ao longo da década de 1960, seria o próprio Marcuse quem, profeticamente, afirmaria sobre a “nova esquerda”: “Não creio que ela tenha morrido; será ressuscitada nas universidades”. E, em poucos anos, o caminho estaria aberto para que Michel Foucault, Jean-François Lyotard e Jacques Derrida e suas teorias sobre microagressões e micropoderes expressos em cada partícula da vida humana – a começar pela linguagem.

Tome-se, por exemplo, as teorias do francês Michel Foucault. “Foucault estava especialmente interessado na relação entre a linguagem, ou, mais especificamente, discurso (modos de falar das coisas), produção de conhecimento e poder. Foucault não negou que existe uma realidade, mas duvidou da capacidade dos humanos de transcender nossos preconceitos culturais o suficiente para chegar a ela”, explicam os autores James Lindsay e Helen Pluckrose, no best-seller “Teorias Cínicas: Como a academia e o ativismo tornam raça, gênero e identidade o centro de tudo e por que isso prejudica todos” (Ed. Avis Rara), que também se debruça sobre este fenômeno. Seguindo esse raciocínio, “conhecimento, verdade, significado e moralidade são, portanto, produtos culturalmente construídos e relativos de culturas individuais”. “A razão e o poder são uma coisa só”, dizia Lyotard.

“O pós-modernismo é a estratégia epistemológica da extrema-esquerda acadêmica para responder à crise causada pelas deficiências do socialismo na teoria e na prática”, descreve Hicks. Da derrocada do marxismo ancorado na luta de classes, nasce a retórica das lutas entre os sexos, raças e outros aspectos da identidade humana, cujo resultado é o conhecido discurso anticapitalista que se contenta com ações de marketing de empresas bilionárias envolvendo a bandeira LGBT e o Black Lives Matter.

Não à toa, com o pós-modernismo em alta, vê-se marxistas da “velha guarda” a destoar da nova esquerda ao criticar o que, no fundo, configuram as verdadeiras “estruturas” de opressão identificadas por Marx: as grandes corporações. O filósofo e crítico cultural esloveno Slavoj Zizek, um comunista inveterado, é uma destas vozes.

Discorrendo sobre o livro “Em defesa das causas perdidas”, o jurista brasileiro Alysson Mascaro explica que o alvo das críticas de Zizek “é o multiculturalismo norte-americano e o pós-marxismo inglês, ambas estratégias que se apoiam nas políticas da identidade, ou seja, da particularidade (étnica, sexual, nacional etc). Para Zizek, tal estratégia desconhece a universalidade pressuposta pela noção de classe, redundando em uma política da distribuição da vitimação e na despolitização do político”.

“Trata-se do pensamento de um mundo sem decisão”, define Mascaro, resumindo os escritos de Zizek sobre a subjugação da razão às vontades e sentimentos, à mera “experiência pessoal”. “Fica-se tão distante de uma apreensão da verdade das coisas que até os direitos humanos são afirmados por meio de uma fragilidade essencial: não é da natureza humana que tiramos sua determinação, mas sim de uma postulação advinda de uma mera vontade. Para Zizek, as experiências de resistência atuais, como a que se extrai do lema do Fórum Social Mundial – ‘Um outro mundo é possível’ -, relacionam-se ambiguamente com a estrutura já posta do capitalismo”.

Paradoxalmente, o abraço da nova esquerda ao pós-modernismo que se pretende anticapitalista e acaba por ceder cada vez mais poder às grandes empresas em nome deste “outro mundo” politicamente correto, leva alguns marxistas a se aproximarem dos conservadores que, por sua vez, se afastam do liberalismo. Um exemplo recente é o lançamento da Compact, revista capitaneada por autodenominados “radicais”, à esquerda e à direita, que prometem “desafiar a superclasse que controla o governo, a cultura e o capital”. Enquanto os resultados da revolução interna da esquerda já se fazem sentir na sociedade, há que se perguntar se, em nome da sobrevivência, seus opositores também devem encarar uma metamorfose.


Leia mais em: https://www.gazetadopovo.com.br/ideias/como-a-esquerda-abandonou-marx-e-abracou-marcuse/
Copyright © 2022, Gazeta do Povo. Todos os direitos reservados.

EVENTO SUSPEITO EM PORTUGAL COM MINISTROS

Foto: Reprodução

Por Luiz Vassallo

Magistrados estão na programação de palestras de encontro do Ibajud, em um resort; especialistas apontam possíveis conflito de interesses

Ministros de Cortes superiores, desembargadores e juízes vão participar de palestras em um resort no Algarve, em Portugal, com hospedagens e passagens pagas por um banco, empresas de investimentos, administradores judiciais e escritórios de advocacia. Patrocinadores do fórum do Instituto Brasileiro da Insolvência (Ibajud) possuem litígios bilionários na área de falência pendentes de julgamento por magistrados convidados para o evento.

A programação prevê que os debates ocorram nas próximas segunda e terça-feira. Os magistrados ficarão em um hotel quatro-estrelas, com diárias em torno de € 200 (cerca de R$ 1 mil). Os quartos têm vista para a Praia de Vilamoura. O ingresso para assistir às palestras custa R$ 900, e, segundo a organização, a arrecadação será revertida para projetos sociais.

Praia no Algarve, em Portugal
Praia no Algarve, em Portugal Foto: Rafael Marchante/Reuters

Especialistas em Direito e Ética afirmaram que a presença no evento de responsáveis por julgamentos de litígios pode configurar conflito de interesses. Procurado, o Ibajud não quis se manifestar. Membros da entidade afirmaram ao Estadão, na condição de anonimato, que passagens, diárias e alimentação serão custeadas pelos patrocinadores, mas não haverá cachê.

O Ibajud foi fundado em 2013 pela advogada Rosely Cruz, que foi consultora da Jive Investments, detentora de fundos de investimentos em massas falidas e créditos de recuperações judiciais. Segundo atas registradas em cartório obtidas pela reportagem, a Jive foi a primeira patrocinadora do instituto, com um aporte de R$ 100 mil. Sócios da Jive integraram o conselho da entidade. Atas de assembleia do Ibajud mostram que patrocinadores do instituto pagam de R$ 1 mil a R$ 12 mil mensais, além de anuidade de R$ 30 mil.

O fórum prevê em sua abertura uma palestra do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo a programação, participam dos painéis os ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) João Otávio de Noronha, Marco Buzzi, Paulo de Tarso Sanseverino, Moura Ribeiro, Raul Araújo, Ricardo Cueva, Ribeiro Dantas e Gurgel de Faria. Outros 14 magistrados, entre juízes de varas empresariais e de falências e desembargadores, estão relacionados como participantes.

Consulta feita a processos mostra que as demandas judiciais de patrocinadores do evento sob relatoria de ministros e juízes que irão ao Algarve somam ao menos R$ 8,17 bilhões. Trata-se de disputas empresariais e processos de recuperação judicial que passam pelas mãos de juízes paulistas e de ministros do STJ na lista de participantes do evento.

Na Corte superior, os ministros Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino, Moura Ribeiro, Ricardo Cueva, Gurgel de Faria e Marco Buzzi vão julgar casos de parte dos patrocinadores, como os escritórios TWK; Galdino & Coelho; Leite, Tosto e Barros; e o banco BTG.

Pelo menos quatro juízes de São Paulo estão na programação do evento. Dois deles, João de Oliveira e Leonardo Fernandes, da 1.ª Vara de Recuperações e Falências, já nomearam a EXM Partners, outro patrocinador do fórum, em recuperações judiciais, como a do Grupo Itapemirim, que tem R$ 2 bilhões em dívidas, e a do Hotel Branston, em São Paulo, que deve R$ 500 milhões a credores.

O ministro do STF Ricardo Lewandowski participará do evento
O ministro do STF Ricardo Lewandowski participará do evento Foto: André Dusek/Estadão

Por meio de nota de sua assessoria de imprensa, o STJ afirmou que “a participação dos magistrados no seminário não trará nenhum ônus”. Nenhum ministro quis se manifestar sobre se vai, ou não, se declarar impedido de julgar demandas de patrocinadores do evento. Procurado, Lewandowski não se manifestou.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) disse que “não custeará nenhuma despesa”. “Os magistrados não estão em ato de representação do TJ-SP”, afirmou a Corte, em nota. Os juízes também não disseram se vão se declarar impedidos em casos relativos a patrocinadores do evento.

Para o ex-desembargador Walter Maierovitch, as palestras são “terreno movediço”. “Quando ocorre conflito de interesse, e parece ser o caso, a ética sucumbe”, disse. Professor de Direito da USP, Rafael Mafei afirmou que juízes precisam evitar eventos que possam trazer desconfiança sobre a imparcialidade nos processos.

Dos 14 patrocinadores, apenas o BTG Pactual abriu valores do apoio financeiro. O banco afirmou que repassou R$ 100 mil para o evento e contribui anualmente com R$ 54 mil à entidade. Disse, ainda, que é “mantenedor do Ibajud desde 2021, bem como de outras associações sem fins econômicos”.

A Sumaré Leilões afirmou que sua “cota de patrocínio é parametrizada de acordo com o mercado publicitário, sendo que a informação sobre os valores destinados ao evento poderá ser obtida diretamente no Ibajud”. O instituto, no entanto, não informou o montante.

Procurados, os outros patrocinadores – Invista, Force, EXM Partners, Positivo Leilões, Câmara de Arbitragem Med Arb RB, a administradora judicial BL e os escritórios TWK; Leite, Tosto e Barros; Galdino & Coelho; Bissolatti; Moraes Jr. Advogados; e Márcio Guimarães – não se manifestaram.

 

ENCHENTE SEM PRECEDENTES NO RIO GRANDE DO SUL DESDE O ANO DE 1941

  Brasil e Mundo ...