quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

ACORDO ENTRE O REINO UNIDO E A UNIÃO EUROPEIA

 

Saiba mais sobre o acordo entre Reino Unido e União Europeia que entra em vigor dia 1°

Tratado muda relação entre os dois lados do Canal da Mancha após quase meio século de integração

Redação, O Estado de S.Paulo

 

 

LONDRES - Após 11 meses de negociações, Reino Unido e União Europeia formalizaram na quarta-feira, 30, o acordo do Brexit, que mudará a relação entre os dois lados do Canal da Mancha, após quase meio século de integração. O texto foi aprovado com folga no Parlamento britânico e assinado pelo premiê, Boris Johnson, pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e pelo chefe do Conselho Europeu, Charles Michel.

O acordo, que entra em vigor a partir da meia-noite desta quinta-feira, 31, (20 horas em Brasília), encerra uma saga de quatro anos, que começou com o plebiscito de 2016, mas não acaba com as incertezas econômicas – principalmente para os britânicos, que temem ficar atolados na burocracia que impede a livre circulação de bens, serviços e pessoas.

O premiê britânico, Boris Johnson, assina acordo comercial entre Reino Unido e União Europeia Foto: Andrew Parsons/Downing Street via EFE/EPA

As 1,2 mil páginas do acordo garantem trocas comerciais sem direitos aduaneiros, cotas ou tarifas para todos os bens, o que evita o chamado “Brexit duro”, que provocaria gargalos no setor produtivo. No entanto, as empresas terão de preencher formulários e documentos para atravessar de um lado para o outro do Canal da Mancha, o que pode causar engarrafamentos e prejuízos para quem depende da entrega rápida de produtos.

Se manter a circulação de bens favoreceu o Reino Unido, o acordo no setor de serviços foi um desastre – e Johnson foi criticado até por membros de seu próprio partido. Como o capital terá portas fechadas na Europa, muitas firmas se mudaram para o continente. Empresas de serviços financeiros que operam no Reino Unido transferiram 7,5 mil funcionários e mais de US$ 1,6 trilhão de ativos para a UE.

O fim da livre circulação de pessoas também muda vários aspectos da vida cotidiana – muitas vezes para pior. Se quiserem passar férias no continente, os britânicos terão de carregar um passaporte emitido há menos de 10 anos que tenha 6 meses de validade, além de visto para quem estender a viagem por mais de 90 dias – o mesmo vale para os europeus no Reino Unido.

Os britânicos também perderão o direito de usar as filas exclusivas para europeus nos aeroportos, terão de fazer um seguro de saúde e, em alguns casos, só poderão conduzir veículos com uma permissão internacional – isso ocorre quando a habilitação britânica for emitida em papel.

Para o consumidor, o Brexit pode trazer outros custos. As principais operadoras de celular do Reino Unido – O2, EE, Vodafone e Three – prometeram não restabelecer as tarifas de roaming para os britânicos na Europa, mas estão livres para voltar a adotar a prática no futuro próximo.

O Brexit terá impacto também no futebol. Os jogadores que não nasceram no Reino Unido precisarão de autorização de trabalho especial, atribuída por um sistema de pontos – como todos os imigrantes – com base na experiência internacional, nível do clube de origem e resultados. Como os grandes clubes já contratam craques renomados, não devem enfrentar problemas. No entanto, times médios e pequenos, que compram jogadores em ascensão no exterior, devem se concentrar agora em jovens britânicos.

A saída da UE, no entanto, não tem apenas aspectos negativos. Desde o início, o Brexit foi vendido como sendo a retomada da soberania do Reino Unido, da capacidade de Londres estabelecer suas próprias leis e regras. A aprovação rápida das vacinas contra covid-19, antes de europeus e americanos, foi um exemplo dos benefícios da autonomia, segundo Johnson.

“O Brexit é um excelente negócio para o país”, disse o premiê, após a assinatura. “É o desejo soberano do povo britânico de viver sob suas próprias leis soberanas feitas pelo seu próprio Parlamento soberano.” / AP, NYT e REUTERS

O ANO EM QUE A TERRA MUDOU

 

The Economist: O ano em que tudo mudou

Por que a pandemia de 2020 será lembrada como ponto de inflexão da história, assim como o foram os anos 1920

 

The Economist, The Economist

 

 

 

Warren Harding construiu sua campanha para as eleições presidenciais de 1920 em torno de uma nova palavra: “normalidade”. Era um apelo ao suposto desejo dos americanos de esquecer os horrores da 1.ª Guerra e da gripe espanhola e voltar às certezas da Era Dourada. No entanto, em vez de abraçar a normalidade de Harding, os loucos Anos Vinte se tornaram um fermento para arriscadas novidades sociais, industriais e artísticas de olho no futuro.

A desinibição da Era do Jazz teve algo a ver com a guerra e também com a pandemia de gripe, que matou seis vezes mais americanos que os combates e deixou os sobreviventes com apetite para viver os anos 1920 a toda velocidade. Esse espírito também animará a década de 2020. A própria escala do sofrimento da covid-19, as injustiças e perigos que a pandemia revelou e a promessa de inovação indicam que 2020 será lembrado como o ano em que tudo mudou.


Pandemia de 2020 será lembrada como ponto de inflexão da história Foto: Gilles Sabri/NYT

A pandemia é um acontecimento que ocorre uma vez a cada século. O Sars-Cov-2 já foi encontrado em mais de 70 milhões de pessoas e possivelmente infectou outras 500 milhões que nunca foram diagnosticadas. O vírus causou 1,6 milhão de mortes registradas; muitas centenas de milhares não chegaram aos registros. Milhões de sobreviventes estão convivendo com a exaustão e as enfermidades das “sequelas da covid”.

A produção econômica mundial está pelo menos 7% abaixo do que se previa, a maior queda desde a 2.ª Guerra. Das cinzas de todo esse sofrimento surgirá a sensação de que a vida não deve ser poupada, mas, sim, vivida.

Outro motivo para esperarmos mudança – ou, pelo menos, desejá-la – é que a covid-19 serviu de alerta. Os 80 bilhões de animais abatidos para alimentação e vestimenta todos os anos são placas de Petri para os vírus e bactérias que a cada década evoluem para se tornarem patógenos letais aos humanos. Agora a conta chegou – e foi astronômica. O céu claro que surgiu quando a economia entrou em lockdown foi um símbolo poderoso de como a covid-19 é uma crise veloz se movendo dentro de uma crise lenta, à qual se assemelha em alguns aspectos. Assim como a pandemia, a mudança climática é impermeável a negações populistas, é global na disrupção que causa e, se for negligenciada agora, sairá muito mais cara no futuro.

Um terceiro motivo para esperarmos mudanças é que a pandemia destacou a injustiça. Algumas crianças ficaram para trás nas aulas – e muitas vezes passaram fome. Os jovens que tiveram de abandonar a escola e os recém-formados viram suas perspectivas se estreitarem, mais uma vez.

Pessoas de todas as idades sofreram com a solidão ou a violência doméstica. Trabalhadores migrantes ficaram à deriva ou foram mandados de volta para suas aldeias, levando a doença consigo. O sofrimento variou muito conforme a cor da pele. Um hispano-americano de 40 anos tem 12 vezes mais probabilidade de morrer de covid-19 do que um americano branco da mesma idade. Em São Paulo, os brasileiros negros com menos de 20 anos têm duas vezes mais chances de morrer do que os brancos.

Enquanto o mundo se adaptava, algumas dessas iniquidades pioraram. Estudos sugerem que, nos Estados Unidos, cerca de 60% dos empregos que pagam mais de US$ 100 mil anuais podem ser exercidos de casa, em comparação com 10% dos empregos que pagam menos de US$ 40 mil.

E, se o desemprego disparou este ano, o índice MSCI dos mercados de ações mundiais aumentou 11%. No pior cenário, calcula a ONU, a pandemia pode levar mais de 200 milhões de pessoas à pobreza extrema. Sua situação será exacerbada por governantes autoritários e candidatos a tiranos que exploraram o vírus para reforçar seu controle sobre o poder.

Talvez seja por isso que, no passado, as pandemias provocaram revoluções. O FMI analisou 133 países no período 2001-18 e descobriu que a inquietação social aumentou cerca de 14 meses após o início das doenças, com pico após 24 meses. Quanto mais desigual é a sociedade, maior a convulsão. Na verdade, o fundo alerta para um círculo vicioso, pelo qual os protestos intensificam ainda mais as dificuldades, o que, por sua vez, alimenta os protestos.

Felizmente, a covid-19 não apenas trouxe a necessidade de mudança como também apontou um caminho a seguir. Isto se deve, pelo menos em parte, ao fato de ter servido como motor para inovação. Sob regime de lockdown, a parcela do comércio eletrônico nas vendas do varejo americano cresceu tanto em oito semanas quanto nos cinco anos anteriores. Com as pessoas trabalhando em casa, as viagens no metrô de Nova York caíram mais de 90%. Quase da noite para o dia, negócios começaram a ser administrados a partir de quartos vazios e mesas de cozinha – um experimento que, de outra forma, levaria anos para se desenvolver, se é que chegaria a ser cogitado.

Essa disrupção está só começando. A pandemia é a prova de que a mudança é possível até mesmo em setores conservadores, como o de saúde. Alimentada por dinheiro barato e novas tecnologias – entre elas inteligência artificial e, possivelmente, computação quântica – a inovação vai derrubar uma indústria depois da outra. Por exemplo, nos últimos 40 anos, os custos nas faculdades e universidades americanas aumentaram quase cinco vezes mais rápido do que os preços ao consumidor, mesmo que o ensino quase não tenha mudado, abrindo espaço para disrupções.

Outros avanços tecnológicos em fontes renováveis de energia, redes inteligentes e baterias de armazenamento são etapas vitais no caminho para a substituição dos combustíveis fósseis.

O coronavírus também revelou algo profundo sobre a maneira como as sociedades precisam tratar o conhecimento. Os cientistas chineses sequenciaram o genoma do sars-cov-2 em semanas e o compartilharam com o mundo. As novas vacinas resultantes são apenas uma das paradas do progresso supersônico que esclareceu de onde o vírus veio, quem ele afeta, como ele mata e como se pode tratá-lo.

É uma demonstração notável do que a ciência pode realizar. Em um momento em que as conspirações correm soltas, esta pesquisa se ergue como uma repreensão aos ignorantes e fanáticos – em ditaduras e também democracias – que se comportam como se a evidência para uma afirmação não fosse nada perto da identidade de quem afirma.

pandemia também gerou um salto de inovação nos governos. Os países que podem bancar – e alguns que não podem, como o Brasil – suprimiram a desigualdade gastando mais de US$ 10 trilhões na covid-19, três vezes mais em termos reais do que na crise financeira. Isso redefinirá dramaticamente as expectativas dos cidadãos sobre o que os governos podem fazer por eles.

Muitas pessoas sob lockdown estão se perguntando o que é mais importante na vida. Os governos devem se inspirar nesse momento de reflexão, concentrando-se em políticas que promovam a dignidade individual, a autossuficiência e o orgulho cívico. Devem reformular o bem-estar e a educação e enfrentar concentrações de poder entrincheiradas, de modo a abrir novos horizontes para seus cidadãos. Toda a miséria deste ano da peste pode trazer algo de bom. E esse algo de bom precisa incluir um novo contrato social mais adequado ao século 21. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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