domingo, 29 de novembro de 2020

OS CRMES DE RACISMOS PODEM INFLUENCIAR OS PLEITOS MUNICIPAIS?

 

O telefonema de Kennedy e os tuítes do Carrefour

O crime recente envolvendo racismo no Brasil poderá influenciar pleitos municipais?

 

João Gabriel de Lima*, O Estado de S.Paulo

 

 


Uma história envolvendo racismo mudou uma eleição e, no longo prazo, toda a política americana. No dia 19 de outubro de 1960, três semanas antes do pleito presidencial que opôs John Kennedy a Richard Nixon, um grupo de ativistas negros invadiu uma loja de departamentos no sul dos Estados Unidos. Era um protesto contra a segregação racial no restaurante da loja. Todos foram presos e soltos em seguida. Menos um: o reverendo Martin Luther King Jr., maior ativista de direitos civis da história americana. Dias mais tarde, ele seria transferido para uma prisão de segurança máxima. Coretta, mulher de Luther King, entrou em desespero. Temia que o marido fosse vítima de violência dentro da cadeia. Ela ligou para Harris Wofford, conselheiro da campanha de Kennedy. Wofford – que narra o fato num episódio da série Race for The White House, produzida pela CNN – disse que ia ver o que poderia fazer.

Em 1960, o partido mais próximo do movimento dos direitos civis era o Republicano. Os democratas eram identificados com movimentos racistas do sul, entre eles a Ku Klux Klan. Nixon conhecia Luther King pessoalmente, e ligou para a Casa Branca pedindo que intercedessem pelo ativista. Não foi atendido. Nixon ficou em silêncio – não quis fazer uma declaração pública sobre um assunto tão delicado. Bob Kennedy, irmão de John e coordenador de sua campanha, defendia que os democratas também deveriam guardar silêncio para não afastar os eleitores do sul. Wofford sabia disso. Fez com que a informação sobre Coretta chegasse a John por meio de um assessor, sem que Bob soubesse.

 

O pastor batista e ativista político Martin Luther King Jr. em discurso em 1963 Foto: US Government

Num misto de impulso e cálculo político, John ligou para Coretta e apresentou sua solidariedade. A imprensa noticiou o fato, e Bob ficou irado, achando que o gesto custaria a eleição do irmão. Pouco depois, percebeu que havia ali uma oportunidade. Passou ele próprio a defender Luther King. O ativista foi solto, e o voto dos negros americanos acabou sendo decisivo para que Kennedy ganhasse uma eleição apertada contra Nixon. Os democratas, que tinham a pecha de racistas, viram seu partido se tornar, aos poucos, o campeão dos direitos civis.

Mudanças de trajetória em partidos políticos são comuns nas democracias, já que eles existem para representar tendências e ideias que surgem na sociedade. No minipodcast da semana, o cientista político português António Costa Pinto fala sobre o assunto. Conhecedor da vida americana – ele lecionou em Stanford e Berkeley – Costa Pinto aponta os novos desafios dos democratas. No século 21, o partido deu outra virada, tornando-se a sigla da nova economia e dos jovens urbanos. No caminho, perdeu os operários e a classe média dos rincões. Precisa recuperá-los na guerra contra o derrotado (mas ainda bem vivo) Donald Trump.

Em tempos de eleições, o telefonema de Kennedy deixa uma pergunta no ar. O episódio recente envolvendo racismo no Brasil – o crime do Carrefour – poderá influenciar os pleitos municipais? A resposta, ao que tudo indica, é negativa. O País não se dividiu. A imensa maioria dos candidatos, da esquerda à direita, de Sebastião Melo a Manuela D’Ávila, de Guilherme Boulos a Bruno Covas, tuitou contra o crime bárbaro e nomeou sua motivação: racismo. Sessenta anos se passaram entre o telefonema de Kennedy e os tuítes do Carrefour. O racismo não morreu, mas algo mudou na política. Uma vitória do movimento dos direitos civis.

 

GOVERNAR PARA NÃO FAZER NADA ?

 

Governar para quê?

Após 2 anos, o governo atual se encontra, mais ou menos, onde Dilma nos deixou

 

J. R. Guzzo, O Estado de S.Paulo

 

 

 

Uma das palavras mais ouvidas no governo federal nesses últimos meses é “governabilidade”. O que seria esse bicho? Segundo nos contam, trata-se daquele balaio de decisões moralmente lamentáveis e tecnicamente ineptas que os governos, coitados, são obrigados a tomar para conseguirem governar – ou fazem essas coisas feias, mas tidas como indispensáveis, ou não governam nada (em política, argumentam os que estão mandando, a prática deliberada do erro nem sempre é uma desvantagem). O governo do presidente Jair Bolsonaro, como sabem até as crianças com dez anos de idade, decidiu tempos atrás tornar-se governável em modo extremo – está fazendo tudo o que lhe pedem, e muito do que não lhe pedem, com o elevado propósito de governar o Brasil. Está dando certo para os governantes, ao que parece. E para os governados?

 

Jair Bolsonaro, presidente da República Foto: Evaristo Sá/ AFP

A “governabilidade” pode ser uma coisa admirável na teoria política, mas na vida prática a pergunta que se tem de fazer é a seguinte: governar para quê? Se for para dar ao Brasil uma espécie de Dilma-2, o Retorno, com anos de crescimento zero que se alternam com anos de recessão, e com a população escalada para exercer a mesmíssima função, como escrava que trabalha dia e noite para sustentar a máquina estatal – bem, muito obrigado. É onde se encontra, após dois anos inteiros no comando, o governo atual: mais ou menos onde Dilma Rousseff nos deixou. O Estado continua a engolir (e a gastar) a maior fatia da renda nacional. A economia está onde estava em 2018. A alta burocracia deita e rola. O Centrão, o inimigo número 1 do erário nacional, é de novo a grande estrela do governo. As leis continuam servindo para proteger os políticos dos cidadãos, em vez de fazer o contrário. Praticamente nenhum índice de “performance”, salvo no agronegócio, saiu do lugar. O que adianta governar desse jeito?

Nesses dois anos, o governo não fechou, não de verdade, uma única empresa estatal – uma meia dúzia de subsidiárias foram vendidas por suas controladoras, e ficou nisso. De concreto, a única coisa que aconteceu foi a demissão do secretário-ministro encarregado da privatização, que nunca teve o que fazer. Não conseguiram fechar nem a empresa do “trem-bala”, um dos maiores contos do vigário do governo Dilma – o ministro dos Transportes acha que a empresa, que jamais colocou um metro de trilho no chão, é indispensável. Outra joia da coroa petista, a TV Brasil inventada por Lula, continua intacta.

Não foi cortado nenhum privilégio nas altas castas do funcionalismo. A população continua sendo extorquida pela mesma carga de impostos de sempre – 30%, ou mais, numa conta de luz, de telefone ou de farmácia. A economia permanece como uma das mais fechadas e menos capazes de competir do mundo. Na hora de fazer a indicação mais importante de seu governo, a de um novo ministro para o STF, Bolsonaro veio com o dr. Kassio, o preferido do Centrão e de um senador processado por corrupção.

O governo está no seu quarto ministro da Educação em dois anos, e não se mexeu um milímetro nos índices brasileiros na área, que continuam entre os piores do planeta; falaram o tempo todo de política, e os livros didáticos lidos nas escolas continuam insultando abertamente os militares, chamados de “torturadores”, os agricultores, acusados de viverem às custas do “trabalho escravo”, e o próprio governo eleito em 2018, que é denunciado nas aulas como fascista, racista, homofóbico, genocida e destruidor da Amazônia.

Quando lembrado de qualquer dessas coisas, Bolsonaro diz: “Então vota no Haddad”. É melhor mudar o disco. Uma hora dessas ele ainda vai ouvir: “E daí? Qual é a diferença?”

 

A ELEIÇÃO DE COVAS É MELHOR PARA SÃO PAULO

 

É preciso olhar para a frente

Na votação de hoje, o melhor para SP seria vitória de Bruno Covas, que já deu demonstrações de sua seriedade e racionalidade

 

Notas&Informações, O Estado de S.Paulo

 


 

O ex-presidente Lula da Silva declarou seu apoio ao candidato do PSOL à Prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos, nos seguintes termos: “Todos os eleitores e eleitoras que votam no PT, todos os eleitores que são de esquerda, todos os eleitores progressistas, todos que querem restabelecer a democracia no Brasil, têm agora o compromisso histórico de votar no companheiro Guilherme Boulos para prefeito de São Paulo”.

A declaração é espantosa – não por cobrar dos petistas o voto em Boulos, pois isso é problema dele e de seus devotos, mas sim por dizer que se trata de um voto para “restabelecer a democracia no Brasil”. Ora, quem disse que a democracia brasileira precisa ser “restabelecida”?

É essa visão lulopetista que envenena a democracia, tanto quanto o bolsonarismo que ela pretende antagonizar. Para o chefão do PT, se a esquerda não está no poder, então não há democracia.

Felizmente, contudo, a campanha municipal em São Paulo tem dado provas de que a peçonha autoritária deu lugar à discussão sobre os problemas da cidade e sobre quem é mais competente para resolvê-los. À parte as rusgas naturais de uma corrida eleitoral disputada, o que se tem são dois candidatos que se respeitam e ao eleitor.

Decerto a decepção e o cansaço com o populismo lulopetista e bolsonarista, medidos em pesquisas e evidentes no cotidiano do País, foram essenciais para reconduzir a democracia ao leito da política, em que as coisas não se resolvem no grito, mas no diálogo e na aceitação da legitimidade do adversário. Já não era sem tempo.

A declaração de Lula da Silva, contudo, só reforça a percepção de que a candidatura do sr. Boulos está atada a compromissos danosos à cidade e ao País. Por mais moderado que tenha se mostrado, o candidato do PSOL é hoje a esperança de restauração do poder de uma esquerda desmoralizada por escândalos cabeludos, grossa incompetência administrativa e truculência antidemocrática. O tal “compromisso histórico” de que fala Lula é tão falso quanto as juras de inocência do chefão petista.

É certo, portanto, que um eventual triunfo de Guilherme Boulos representaria um enorme retrocesso, pois daria sobrevida à empulhação lulopetista, sob a capa da renovação representada pelo PSOL – que, é preciso recordar, nasceu como dissidência radical do PT e continua fiel aos ideais retrógrados que o movem desde então.

É por essa razão que o melhor desfecho para São Paulo, na votação de hoje, seria uma vitória do atual prefeito, Bruno Covas (PSDB), que já deu demonstrações suficientes de sua seriedade e de sua racionalidade. Como afirmamos há uma semana neste espaço, o sr. Covas saiu-se razoavelmente bem do imenso desafio imposto pela pandemia de covid-19 e isso, por si só, o credencia a continuar à frente da Prefeitura. Nenhum dos outros candidatos teve essa experiência, tão necessária no momento em que a pandemia dá sinais de que pode recrudescer e quando ainda há muito a fazer para que a cidade volte ao normal.

Ademais, no cotejo de propostas, está claro que apenas um dos campos, o de Bruno Covas, trabalha mais ou menos dentro da realidade orçamentária; seu adversário insiste em oferecer ilusões ao eleitor, subestimando custos e inventando receitas onde não existem. Faz parecer que os problemas, a começar pelos sociais, podem ser resolvidos apenas com base na vontade.

São Paulo não pode se prestar a ser laboratório de experiências já testadas e fracassadas. Se isso já seria uma temeridade em condições normais, durante uma crise como a atual, que envolve múltiplas dimensões, seria simplesmente insano. A cidade tampouco pode servir de ringue para a rinha entre Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro, que já esgotou a paciência do País.

É preciso olhar para a frente. A recondução do prefeito Bruno Covas hoje seria um poderoso símbolo da superação, ao menos no nível municipal, do antagonismo que ainda faz muito mal ao País e que reduz tudo a uma guerra insana entre o ruim e o pior. O choque da eleição de 2018 basta para que os eleitores tenham ciência do quão alto é o custo de um salto no escuro.

 

PARTICIPAÇÃO DE MINISTROS DO STF EM EVENTOS NO EXTERIOR

  Brasil e Mundo ...