Salles diz que revogação de
resoluções de proteção ambiental reduz “burocracia”
Poder360
O ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) defendeu a revogação de resoluções de proteção
ambiental do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) que
previam a delimitação de áreas de preservação.
© Sérgio Lima/Poder360 O ministro
Ricardo Salles (Meio Ambiente) disse considerar o Brasil 1 dos países
“Há o código florestal, a lei da mata atlântica e as normas de
licenciamento para regrar estas questões. O fim da resolução deixou um vácuo
legislativo”, disse Salles em entrevista à CNN.
De acordo com o ministro, a medida reduz a burocracia da legislação
ambiental no Brasil.
“O Brasil é reconhecido como 1 dos mais burocráticos em termos de leis
ambientais, são regras que impedem o desenvolvimento do país. O governo federal
tem obrigação permanentemente de atualizar suas normas. Muitas vezes uma regra
que faz sentido no passado não faz sentido no futuro”, afirmou.
Salles defendeu a exploração econômica da terra como alternativa para
preservação da natureza.
“Para cuidar do meio ambiente é preciso entender os mecanismos
econômicos para obter a prosperidade. Muitas vezes a burocracia legislativa faz
com que as pessoas saiam destas áreas de proteção porque não conseguem
explorá-las economicamente”, declarou.
Revogações
A derrubada das resoluções ocorre cerca de 5 meses após o ministro
Ricardo Salles declarar em reunião interministerial, em 22 de abril deste ano,
que o governo precisava aproveitar as atenções voltadas à pandemia para “passar
a boiada” em atos normativos de meio ambiente.
Eis as resoluções revogadas:
- Resolução 284, de 30 agosto
de 2001,
que dispunha sobre o licenciamento de empreendimentos de irrigação. Eis
a íntegra (27
KB).
A resolução determinava 1 processo de 3 fases para empreendimentos de
irrigação (obras e atividades como reserva, captação e drenagem de água)
obterem licença ambiental. Agora, os empreendimentos não precisarão cumprir o
procedimento.
- Resolução 302, de 20 de
fevereiro de 2002, que dispunha sobre os parâmetros, definições
e limites de Áreas de Preservação Permanente de reservatórios artificiais
e o regime de uso do entorno. Eis a íntegra (89 KB);
A resolução determinava que represas e reservatórios de água
preservassem uma faixa de 30 metros ao seu redor como APP (Área de Preservação
Permanente). Agora, as áreas poderão ser usadas para construção de habitações e
outras atividades econômicas.
- Resolução 303, de 13 de maio
de 2002,
que dispunha sobre parâmetros, definições e limites de APPs (Áreas de
Preservação Permanente). Eis a íntegra (74 KB).
A resolução determinava quais são as APPs nas áreas litorâneas, o que
incluía manguezais e faixas de restinga. Agora, a vegetação litorânea deixa de
ser protegida pela norma.
Eis o resultado da votação das resoluções:
1.
Resolução nº 284 – revogada – votação 16 x 3;
2.
Resolução nº 302 – revogada – votação 17 x 2;
3.
Resolução nº 303 – revogada – votação 12 x 7.
Controlado
majoritariamente por integrantes do governo federal, o Conselho Nacional do
Meio Ambiente (Conama), presidido pelo ministro Ricardo Salles, aprovou ontem a
extinção de duas resoluções que delimitam as áreas de proteção permanente
(APPs) de manguezais e de restingas do litoral. Para ambientalistas, a
revogação abre espaço para especulação imobiliária nas faixas de vegetação das
praias e ocupação de áreas de mangues para produção de camarão. Para o governo
e o empresariado, havia legislações conflitantes. A Rede já entrou com ação no
Supremo Tribunal Federal para reverter a votação.
© Shutterstock A Rede já entrou
com ação no Supremo Tribunal Federal para reverter a votação
O Conama revogou
ainda uma resolução que exigia o licenciamento ambiental para projetos de
irrigação, além de aprovar uma nova regra, para permitir que materiais de
embalagens e restos de agrotóxicos possam ser queimados em fornos industriais
para serem transformados em cimento, substituindo as regras que regulavam o
atual descarte.
Pela manhã,
ambientalistas, parlamentares e a Associação Brasileira dos Membros do
Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) pediram que todos esses itens
fossem retirados da pauta. Houve ainda busca de cancelar a reunião, por meio de
ação judicial. Todas as tentativas fracassaram.
A revogação das
Resoluções 302 e 303, ambas de 2002, elimina instrumentos de proteção dos
mangues e das restingas, as faixas com vegetação comumente encontradas sobre
áreas de dunas em praias do Nordeste. O argumento do governo é de que essas
resoluções foram abarcadas por leis que vieram depois, como o Código Florestal.
Especialistas em meio ambiente apontam, porém, que até hoje essas resoluções são
aplicadas, porque são os únicos instrumentos legais que protegem, efetivamente,
essas áreas.
No mês passado, por
exemplo, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) perdeu uma ação
na Justiça e foi obrigada, por meio de sentença, a respeitar as delimitações
previstas na resolução de 2002, "para evitar a ocorrência de dano
irreparável à coletividade e ao meio ambiente". A extinção da resolução
também acaba com regras que definiam limites de áreas de preservação permanente
de reservatórios artificiais, bem como o regime de uso do entorno desses lagos.
Já a revogação da
Resolução 284, de 2001, acaba com os critérios de regras federais para
licenciamento ambiental de empreendimentos de irrigação. No entendimento dos
ambientalistas, a revogação tem o objetivo de acabar com exigências legais a
pedido de parte do agronegócio. A Confederação da Agricultura e Pecuária do
Brasil (CNA), que integra o Conama, argumentou, no entanto, que a resolução
conflita com outras que já estão em vigor. O Ministério da Agricultura declarou
que irrigação não é "atividade", mas sim um acessório da agricultura.
"Não vemos impacto positivo nessa resolução no meio ambiente",
declarou o ministério, que também integra o conselho.
Concentração
Durante a votação,
Salles chegou a sugerir que as votações fossem adiadas. Todos os integrantes do
próprio governo e instituições empresariais, no entanto, votaram para a
manutenção da pauta e suas deliberações. Procurado, Salles não quis comentar a
votação. O resultado expõe a forma como o governo passou a controlar o órgão.
Desde julho de 2019, concentrou-se nas mãos do governo federal e de
representantes do setor produtivo a maioria dos votos. Estados e entidades
civis perderam representação. O Conama teve os integrantes reduzidos de 96 para
23.
Carlos Bocuhy,
presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), afirma que,
pela estrutura atual, o governo federal passou a ter 43% de poder de voto no
conselho, além de outros 8% de poder de voto do setor empresarial. Os demais votos
estão diluídos entre Estados, municípios e sociedade civil. A estrutura
anterior do órgão tinha o objetivo de dar representatividade a vários segmentos
da sociedade. Uma parte era escolhida por indicação e outra, por eleição. Desde
o ano passado, porém, essa escolha passou a ser feita por sorteio.
Instituições que
representam a sociedade civil, incluindo associações ambientais, de
trabalhadores rurais e povos indígenas, viram suas posições caírem de 23 para
4. E duas dessas cadeiras estão vagas, porque seus membros - da Associação Rare
do Brasil e da Comissão Ilha Ativa - deixaram o conselho e não foram
substituídos. Os Estados também perderam representação. Se antes havia uma
cadeira para cada um dos 26 Estados e o Distrito Federal, agora são 5 cadeiras
representadas por um Estado de cada região geográfica do País. Os municípios,
que tinham 8 representantes, agora têm 2.
O Ministério Público
Federal é membro do conselho e, regularmente, crítico de flexibilizações
ambientais, mas é o único sem direito a voto. "Com a conformação do
Conama, o governo obteve pleno controle para passar boiadas, reduzir o rigor da
legislação ambiental por meio de resoluções do conselho. O Conama, órgão com
quatro décadas de importantes contribuições para a política ambiental, na
prática está morto", disse a ex-presidente do Ibama Suely Araújo,
especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima.
Justiça e Congresso
A Rede
Sustentabilidade entrou com ação no STF, com pedido para que seja declarada a
inconstitucionalidade da nova resolução. A procuradora regional da República
Fátima Aparecida de Souza Borghi, representante do Ministério Público Federal,
também deixou claro aos demais membros do conselho que as revogações serão
questionadas pelo MPF na Justiça.
Em sua ação, a Rede
questiona violação aos parâmetros normativos e alerta sobre a "violação ao
direito ao meio ambiente equilibrado, caracterizada por queimada de
agrotóxicos, diminuição de APPs à revelia de recomendações técnicas e
modificação nociva ao meio ambiente no que diz respeito à irrigação na
agricultura".
"Não podemos
aceitar que se fira a Constituição, entregando à especulação imobiliária as
áreas de restingas e manguezais. Cabe ao STF assegurar o direito fundamental ao
meio ambiente equilibrado e impedir esse grave retrocesso" disse ao Estadão o
líder da Rede, senador Randolfe Rodrigues (AP)
Na Câmara, o
deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) apresentou um projeto de lei legislativo, no
qual também pede que a nova resolução seja sustada, para que os temas sejam
analisados. "Há um dever estatal de assegurar a progressiva melhoria da
qualidade ambiental, não se admitindo flexibilizar direitos ambientais já
consolidados." A bancada do PSOL também apresentou proposta semelhante.
O líder da Minoria
da Câmara dos Deputados, José Guimarães (PT/CE), foi outro que apresentou
projeto de decreto legislativo com o objetivo de sustar os efeitos da Resolução
500, que revogou as anteriores. Mais cedo, uma ação popular assinada por Nilto
Tatto (PT-SP), Enio José Verri (PT-PR) e Gleisi Hoffmann (PR-PR) pediu a
suspensão da reunião e de suas decisões. O senador Fabiano Contarato (Rede-ES)
afirmou que também pretende entrar com um ação popular na Justiça Federal.
Já a Associação
Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente emitiu
manifestação de repúdio. A Abrampa afirma que a revogação das resoluções
afronta os ditames legais e "ofende o princípio do não retrocesso, o qual
permite aos Poderes da República apenas avanços na proteção ambiental, ao passo
que atos normativos contrários à evolução na proteção ambiental propiciam mais
insegurança jurídica e instabilidade institucional".
O QUE MUDA
Litoral
A extinção da
Resolução 303, de 2002, acaba com a regra que estipulava parâmetros, definições
e limites de áreas de preservação permanente (APP) em locais do litoral e
protegia regiões de manguezais e restingas, que concentram vegetação sobre
dunas em muitas praias. Abre-se o caminho para que Estados adotem as próprias
normas e se facilita a entrada de projetos como hotéis e usinas eólicas, por
exemplo.
Represas artificiais
O fim da Resolução
302 autoriza que empreendimentos possam entrar em áreas localizadas nos
arredores de represas artificiais. Essa resolução estipulava uma área mínima de
30 metros no entorno desses lagos, para evitar especulação imobiliária. Sem
essa regra, o caminho está aberto para essas instalações.
Irrigação
A revogação da
Resolução 284, de 2001, acaba com a exigência de projetos de irrigação obterem
licenciamento ambiental. A preocupação ambiental com esse dispositivo está
diretamente atrelada ao uso dos recursos hídricos. A irrigação é hoje um dos
maiores consumidores de água do País. Sem a regra federal, cada Estado passa a
definir como se dará esse acesso e por quais ferramentas.
Agrotóxicos
O Conama aprovou
ainda uma nova resolução que vai permitir a queima de agrotóxicos. Os chamados
"resíduos de poluentes orgânicos persistentes", que agora poderão ser
incinerados em fornos de produção de cimento, incluem itens como inseticidas, pesticidas
e fungicidas, que são usados pelo agronegócio. Até hoje, o descarte de resíduos
e embalagens segue um rigoroso processo ambiental. Agora, tudo poderá ser
queimado. A preocupação ambiental diz respeito ao material que essa queima vai
espalhar pela atmosfera.
As informações são
do jornal O Estado de S. Paulo.