Com Brasil sob pressão, Bolsonaro não vai à conferência climática da ONU
Cláudia Dianni
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AFP / EVARISTO SA
Começa nesta segunda-feira (2/12), em Madri, a COP
25, marcada inicialmente para acontecer no Brasil, mas cancelada ainda em
dezembro de 2018, pelo então presidente eleito Jair Bolsonaro, que
também não comparecerá à reunião de chefes de Estado que abre o encontro.
Transferida há um ano para o Chile, em novembro, a COP acabou mudando novamente
para a Espanha, às pressas, devido à instabilidade política no país
sul-americano. A presidência do evento, porém, continua com o Chile.
O Brasil chega nesta etapa da Conferência das
Partes, órgão supremo da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do
Clima, que se negou a sediar, representado pelo ministro do Meio Ambiente,
Ricardo Salles, e com uma sucessão de problemas ambientais e sem perspectivas
de cumprimento de metas. O ministro chegará ao encontro disposto a exigir
recursos dos países em desenvolvimento para combater a destruição da Amazônia,
a maior floresta tropical do planeta.
O objetivo da COP25 é regulamentar o Acordo de
Paris, assinado em 2015, que começa a ser implementado em 2020. O encontro vai ocorrer
em regime de urgência, principalmente depois da divulgação, na semana passada,
do relatório de emissões da ONU Meio Ambiente, segundo o qual, para uma chance
de 66% de limitar o aquecimento global em 1,5ºC acima dos níveis
pré-industriais, será preciso cortar as emissões globais de gás carbônico em
7,6% em todos os anos, daqui até 2030. O acordo de Paris estabeleceu em 2ºC o
limite de aquecimento até 2030, ou seja, com reduções de 2,7% ao ano. “A
conclusão óbvia dos especialistas é que os compromissos são insuficientes”,
disse Diego Araya, da Embaixada do Chile, para quem está claro que os
compromissos assumidos até agora não são suficientes para evitar as catástrofes
previstas pelos especialistas.
“Para o Chile, as mudanças climáticas são algo
real. As pesquisas colocam o Chile entre os 10 países mais afetados pelos
efeitos extremos, como secas, incêndios florestais e enchentes. As mudanças de
temperatura no Chile entre 1901 e 2018 são evidentes. Por isso, vamos procurar
avançar. Não podemos permanecer apenas falando”, completou.
Para o representante da Comissão Europeia no
Brasil, embaixador Ignacio Ybañez Rubio, o acordo entre a União Europeia e o
Mercosul, assinado em maio, mas pendente de ratificação pelos países dos dois
blocos, será uma régua que pode nivelar as ações ambientais em um patamar mais
elevado. “Meio ambiente e clima são uma prioridade para a União Europeia. O
Green Deal, novo acordo verde europeu, sai em dezembro e vamos criar uma
legislação de mudanças climáticas, que será produzida em quatro meses”, disse.
Compromissos
Na COP 21, do Acordo de Paris,
assinado em 2015, a Contribuição Nacional Determinada (NDC) assumida pelo
Brasil foi reduzir em 37%, até 2025, as emissões de gases do efeito estufa em
relação às emissões de 2005, e em 43% em 2030. Estimativa feita pelo
Observatório do Clima, porém, com base nos dados do Sistema de Estimativas de
Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), mostra que o país não deverá cumprir
nem mesmo a meta de 2020 determinada pelo próprio governo na Política Nacional
sobre Mudança do Clima, de redução de 36,1% a 38,9% até 2020.
Para reduzir as emissões, o país se comprometeu a
aumentar a participação da bioenergia sustentável, fortalecer o cumprimento do
Código Florestal, restaurar florestas, alcançar o desmatamento ilegal zero na
Amazônia, chegar a 45% na participação de energias renováveis na matriz
energética; estimular medidas de eficiência e infraestrutura no transporte
público e áreas urbanas, entre outras medidas. No entanto, como mostra o quadro
ao lado, as ações do governo têm ido na direção oposta.
Para o coordenador de Políticas Públicas do
Greenpeace, Márcio Astrini, o Brasil chega à COP “com 11 meses de más notícias
na área ambiental”. Segundo ele, pela primeira vez na história das negociações,
o país assume uma posição negacionista do aquecimento global. “Temos uma
diplomacia que nega as mudanças climáticas. As duas coisas que o Brasil tinha
de bom, que era sua política ambiental e a capacidade negociadora, foram
perdidas. Agora o Brasil não é mais nem neutro, é negativo”, disse.
Ele lembra que Bolsonaro, antes mesmo de assumir o
governo, já anunciava que desejava sair da Conferência do Clima, como fizeram
recentemente os Estados Unidos, que deixaram o Acordo de Paris. “No entanto,
ele foi barrado pela reação do mercado internacional, portanto, ele não fez
isso oficialmente, mas está fazendo na prática e os números mostram isso, já
temos aumento de 30% de desmatamento na Amazônia e os dados preliminares de setembro
a outubro indicam aumento de 100%”, disse. O Palácio do Planalto informou ao Correio
que não vai se pronunciar sobre a COP25.
Impacto
Evitar o desmatamento ou a degradação
florestal por meio da ocupação e uso sustentável dos recursos naturais em florestas
públicas produz os seguintes resultados:
• No caso de 20 milhões de hectares de florestas
totalmente desmatados:» 6 bilhões a 8 bilhões de toneladas de CO2 equivalentes
(tCO2eq) liberados na atmosfera
• No caso de 20 milhões de hectares degradados (50%
de abertura na floresta): » 3 bilhões a 4 bilhões de tCO2eq liberados na
atmosfera
• Alternativa de 20 milhões manejados de forma
sustentável (10% de abertura na floresta):» 0,04 bilhão a 0,16 bilhão de tCO2eq
liberados na atmosfera; » 5,1 bilhões a 6,8 bilhões de tCO2eq
armazenados no ecossistema florestal;» 21 milhões de tCO2eq armazenados
em produtos de madeira
• Aumento do PIB em R$ 1,6 bilhão só na cadeia de
madeira
• R$ 73 milhões de impacto positivo na balança
comercial
• Arrecadação de impostos e encargos da ordem de R$
150 milhões
• Com 200 mil hectares por concessão,
estabelecimento de 100 novas áreas para empresas privadas (hoje são 2 mil em
operação): criação de 56 mil empregos diretos e 115 mil indiretos até 2030
Fonte: Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV
EAESP (FGVces 2016) Embate recente com DiCaprio
A polêmica mais recente foi a possibilidade
aventada pelo governo de exportar madeira in natura da Amazônia, o que é
proibido desde 1983, com exceção de uma única espécie. Bolsonaro também se viu
no meio de uma polêmica com o ator americano Leonardo DiCaprio na semana
passada. O presidente o acusou de colaborar com queimadas criminosas na
Amazônia por meio de doações à WWF, ONG que atua na área ambiental. Em nota,
DiCaprio negou ter feito doações a ONGs citadas em investigações sobre
incêndios florestais no Brasil.
Dados do Centro de Estudos em Sustentabilidade da
Fundação Getulio Vargas (FGVces) apontam que o Brasil tem a maior extensão de
florestas tropicais e a segunda maior cobertura florestal do mundo, uma área
equivalente a 516 milhões de hectares (Mha). Desse total, 56% (290 Mha) são
florestas públicas e menos de 7% (34 Mha) destinados à produção florestal. O
país também é o terceiro maior produtor de madeira no mundo, com produção total
estimada em 30 milhões de metros cúbicos (m3) de tora, sendo que a região
amazônica concentra a produção de madeira nativa, ao passo que a produção
proveniente de plantações ocorre no Sudeste e no Sul.
No entanto, segundo a diretora executiva da FSC —
Conselho de Gestão Florestal (Forest Stewardship Council na sigla em inglês),
Aline Tristão Bernardes, apenas 1,2 Mha está sob concessão, onde o manejo
sustentável garante um desmatamento responsável e agregação de valor à cadeia
da madeira. “O sistema é de baixo impacto e tem certificação. Os mecanismos
existem, mas precisam ser implementados e respeitados”, diz.
Indicadores
O licenciamento do manejo sustentável permite a
retirada de três a cinco árvores por hectare a cada 10 anos, com vários
indicadores que devem ser cumpridos. “Existem muitas madeireiras responsáveis,
certificadas. A legislação inclusive criminaliza o importador se as regras não
são obedecidas”, conta.
A engenheira florestal Anna Fanzeres ressalta que o
manejo permite explorar a floresta sem desmatar e as áreas têm de ser
recuperadas. “É possível e viável economicamente. Porém, ao competir com o
desmatamento ilegal, se retira toda a possibilidade de agregar valor à cadeia”,
afirma. Segundo ela, o Serviço Florestal brasileiro, hoje no Ministério da
Agricultura, estabelece as concessões. “É preciso estabelecer uma agenda
positiva para ampliar o manejo florestal
e reduzir o desmatamento. É uma
decisão política”, avalia.