Em Minas, 74% das escolas
rurais não têm abastecimento de água via rede pública
Malú Damázio
DÁ PARA BEBER? – Gabriela olha desconfiada para a água suja que tirou do
filtro na escola que frequenta em Tejuco, zona rural de Brumadinho
Marcélia de Deus, diretora da Escola Municipal Maria Solano Menezes
Diniz, tem um sonho. Ela espera que no próximo ano letivo os estudantes do
colégio situado no povoado Tejuco, em Brumadinho, a 58 quilômetros de BH,
retornem às aulas encontrando água limpa proveniente da rede pública. “Seria
maravilhoso se a gente pudesse encontrar no bebedouro uma água clara, que
sabemos que é tratada e de qualidade”, diz a educadora.
Quando a época é de chuva, o abastecimento da instituição, proveniente
de uma mina, é precário, com um líquido marrom carregado de barro. Em tempo de
estiagem, o cenário não é muito diferente. De maio a julho, a fonte se torna
ainda mais escassa. Assim, a rotina da instituição inclui receber duas vezes ao
dia um caminhão-pipa para abastecer a unidade.
Mais de 70%
A precariedade de recursos hídricos não é exclusividade da unidade do Tejuco.
Outras 2.909 escolas rurais mineiras não têm abastecimento de água via rede
pública. O número representa 74% das instituições de ensino do campo no Estado.
Sem água de qualidade, os colégios, e muitas vezes as comunidades que atendem,
recorrem ao recurso vindo de minas, nascentes, rios, poços artesianos, cacimbas
e cisternas.
Instituições recorrem a minas, nascentes, rios, poços artesianos,
cacimbas e cisternas
Professora do departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFMG,
Sonaly Rezende lembra que tais alternativas são usualmente empregadas porque o
abastecimento convencional em toda a zona rural não é uma saída de fácil
aplicação. “O acesso à água é um direito. Tem que ser garantido para todos pelo
poder público, mas a zona rural tem peculiaridades e aspectos que diferem muito
da área urbana. Ela nem sempre tem economia de escala e aglomerado de
residências para ter atendimento em rede”, explica Sonaly.
Em dias chuvosos, quando a água vem cheia de lama, mesmo com bastante
sede, Ana Clara de Souza Santos, aluna do 5° ano do ensino fundamental na
escola do Tejuco, prefere não arriscar. A vela do bebedouro, lavada duas vezes
ao dia, não dá conta de reter todas as impurezas e é comum que a água saia do
filtro com coloração marrom. A jovem de 12 anos conta que só bebe quando está
transparente. “Tenho medo de ficar doente”, diz a menina.
EM ALERTA – Aluna do 5° ano do ensino fundamental, Ana Clara de Souza
Santos prefere não arriscar: quando a água está suja ela não bebe
Não é incomum que a diretoria da escola tenha que mandar alguns
estudantes para casa por diarreia e vômito. A mesma água proveniente da mina
também é utilizada para preparar o almoço e as refeições diárias, só que sem
passar pela vela do bebedouro antes. “A gente não sabe a procedência, se
ela é tratada. O que sabemos é que ela chega pelos canos e vem bem barrenta. Por
isso, mesmo filtrada, às vezes ela sai com essa cor escura”, conta a diretora
Marcélia, ao retirar a tampa do bebedouro. De fato, o reservatório atesta que a
água está carregada de impurezas.
Segundo o engenheiro civil e coordenador do Centro de Pesquisas
Hidráulicas e Recursos Hídricos da UFMG, Carlos Barreira Martinez, o risco de
abastecer escolas com uma água que não seja via rede pública é de fornecer para
os alunos e funcionários um líquido não potável e contaminado. “A água de
poços, que normalmente é usada, pode estar contaminada com coliformes fecais,
por exemplo, que podem causar problemas como diarreia e vômito”, diz.
Governos devem oferecer o serviço em quantidade suficiente e
ininterrupta
Não bastasse ter que matar a sede com um líquido sujo, há situações em
que falta água e é preciso improvisar. Na Escola Municipal Josefina Wanderley
Azeredo, no distrito de Urucuia, em Esmeraldas, o abastecimento é feito por
cacimba – poço artesanal cavado na terra.
A energia da bomba não é cobrada da população local. Mas quando o motor
estraga, o que é frequente, os próprios moradores juntam dinheiro para
consertá-lo. Diretora e residente na região, Roberta Pereira Lopes, conta que
os problemas são frequentes. “Muitas vezes nós e os alunos ficamos sem água na
escola por um dia inteiro”, relata.
“É importante a população cuidar da água, mas o poder público não pode
transferir essa responsabilidade”. Sonaly Rezende,
coordenadora dos estudos do Plano Nacional de Saneamento Básico
Coordenadora dos estudos do Plano Nacional de Saneamento Básico, Sonaly
Rezende explica que, ainda que o abastecimento nas áreas rurais não possa ser
feito em rede em algumas ocasiões, o poder público deve oferecer a todas as
escolas e comunidades do campo água potável em quantidade suficiente e
ininterrupta.
Para ela, o abastecimento em Minas está “muito aquém” do que poderia ser
feito na área rural. “Eles (governos) podem até passar a concessão para uma
empresa, mas precisam prover uma solução para este tipo de problema”, explica.
Sonaly reforça que uma gestão hídrica de qualidade nessas localidades
pode ser compartilhada entre o poder público e a comunidade local, caso o
município invista em instrumentos de empoderamento dos moradores.
Por várias vezes a reportagem tentou contato com a prefeitura de
Esmeraldas, mas ninguém foi localizado para falar sobre o assunto. Já a
prefeitura de Brumadinho garante que a água é tratada com cloro e está própria
para consumo, mas reconhece que as chuvas agravam a situação.
“Nossa equipe técnica faz testes e avalia a qualidade da água,
diariamente. Como Tejuco é uma região mineradora e a captação é feita por água
de nascente, se está chovendo, a enxurrada pode atingir a nascente e carregar o
barro para o reservatório e para as casas. Mas cada um dos reservatórios tem um
medidor de pH da água e nós fazemos sempre a análise de pureza”, afirma o
assessor de comunicação do município, Marcos Amorim.
Dificuldade motiva alunos a encontrar soluções para o problema
PREMIADO – Alunos da escola do Tejuco desenvolveram
projeto de captação e reutilização da água da chuvagenda
Os problemas com o abastecimento de água não impediram os alunos da
escola Maria Solano de estudar. Pelo contrário. A temática sempre esteve
presente na vida da comunidade e motivou os estudantes do 8° e do 9° ano a
pensar em soluções para o impasse hídrico que assola a escola e o povoado de
Tejuco, em Brumadinho.
Um grupo de jovens desenvolveu um projeto de captação e reutilização da
água da chuva que cai nas calhas da escola, chamado “Minha Galera Faz Eco”. A
iniciativa levou o primeiro lugar estadual em um concurso da Coca-Cola, em
julho deste ano, que premia projetos sustentáveis, de fácil aplicação e baixo
custo elaborados por estudantes do ensino fundamental.
“Nós pensamos em uma forma de pegar a água da chuva para fazer o uso
doméstico, já que aqui sempre tem um período de seca”, diz o estudante do 8°
ano José Carlos Mazoni.
“A intenção é captar a água da chuva usando calha com materiais baratos
e acessíveis para a população. Ela escorre pelo telhado e cai na calha. De lá,
passa pela mangueira que instalamos e, depois, vai para o galão”, explica
Guilherme Riquelme, do 9° ano. E José completa: “aí, nós colocamos uma torneira
e a água pode ser utilizada para encher o balde, regar as plantas e lavar a
instituição”.
Os estudantes apresentaram o projeto no Fórum das Águas de Minas Gerais
e receberam propostas de universitários e pessoas interessadas em reproduzir o
sistema de captação em suas comunidades.
Os jovens lembram que a iniciativa foi uma importante oportunidade de
entender melhor os problemas da região e pensar em como aplicar o dispositivo
proposto à vida da população. “Fiquei feliz quando vi que o equipamento poderia
ajudar em situações comuns, como a da minha vó. Ela perdeu toda a horta de casa
na seca deste ano e o ‘Minha Galera Faz Eco’ poderia ter evitado isso”, diz.
ALÉM DISSO
Cerca de 60% da população de Brumadinho depende diretamente da água da
prefeitura, apesar de a Copasa deter a concessão de tratamento hídrico e
saneamento básico do município. O contrato vigora desde 2008, mas até hoje a
região central da cidade é a única, de cinco distritos, que tem acesso aos
recursos previstos, conta Marcos Amorim, assessor da administração municipal.
Com o atraso nas obras, o assessor afirma que o município gasta cerca de
R$ 500 mil mensais com abastecimento das áreas rurais, manutenção, dentre
outras intervenções. “Embora a prefeitura faça todos os esforços, sabemos que o
tratamento da Copasa é o mais adequado”, diz.
Em nota, a Copasa informou que “está realizando estudos para concepção
do sistema de abastecimento de água nas 11 localidades de Brumadinho, entre
elas, Aranha, Conceição do Itaguá, Piedade do Paraopeba e Tejuco, que, até o
momento, não são operadas pela Companhia”. Os resultados, que visam atender as
localizações prioritárias definidas junto ao município, serão apresentados em
90 dias.
A Copasa realiza a maior parte dos atendimentos de saneamento básico em
Minas, mas não é em todos os municípios do Estado que a empresa atua. Ela está
em 634 cidades e organiza as atividades conforme contratos com as
administrações municipais.
Em localidades sem atendimento de empresas públicas, as prefeituras são
responsáveis pelo saneamento das escolas. A Secretaria de Estado de Educação
elaborou, em 2015, um diagnóstico das condições de infraestrutura da rede
estadual. A pasta afirma que realiza obras de intervenção física nas
instituições, como a construção de redes de abastecimento ou poços artesianos,
considerando condições básicas de infraestrutura, como fornecimento de água,
energia elétrica e rede de esgoto.