História de Bruno Lupion – DW Brasil
Não é só Moraes: Musk também tem desafiado autoridades
europeias. A DW ouviu como cinco organizações interpretam a decisão do
STF que derrubou a rede social.

Rede social X, do bilionário Elon Musk, está suspensa desde o final
de agosto no Brasil© Andre M. Chang/ZUMA Press Wire/picture alliance
A União Europeia (UE) observa de perto a escalada do conflito entre o
Supremo Tribunal Federal (STF) e o X (antigo Twitter), que culminou na
semana passada no bloqueio em todo o país da plataforma controlada por
Elon Musk.
A medida drástica foi determinada pelo ministro Alexandre de Moraes e referendada pela Primeira Turma da corte, após a rede social se recusar a cumprir ordens judiciais e indicar um representante legal no país.
Musk também tem um histórico de conflitos com a UE, que aprovou em outubro de 2022 um regulamento para lidar com desinformação e conteúdos ilegais em redes sociais – o Digital Services Act (DSA), que prevê o bloqueio das plataformas como último recurso.
O DSA é uma das inspirações do projeto de lei enviado pelo governo
brasileiro ao Congresso para regular as redes sociais, retirado de pauta
após falta de consenso entre os deputados.
À frente da aprovação do DSA estava o francês Thierry Breton,
comissário da UE para o Mercado Interno e Serviços. Em maio de 2022, ele
reuniu-se com Musk para debater a normativa europeia e divulgou um
vídeo no qual o dono do então Twitter afirmava estar “alinhado” à forma
como o bloco europeu pretendia regular as plataformas digitais.
O clima cordial não durou muito. Em dezembro de 2023, o X estreou como a primeira rede social investigada pela UE em
um procedimento formal no âmbito da DSA, e Breton tornou-se um dos
alvos dos posts de Musk – assim como Alexandre de Moraes. Em agosto,
Breton enviou uma carta a Musk cobrando que o X cumprisse a norma
europeia, e o empresário respondeu com um meme ofendendo o comissário da
UE.
Em nota à DW, um porta-voz da Comissão Europeia afirmou que não
comentaria o bloqueio do X no Brasil, mas pontuou que o DSA “torna as
plataformas online responsáveis pela disseminação de conteúdo ilegal e
desinformação em seus serviços” e mencionou o procedimento investigativo
aberto contra o X, que segue em andamento.
É o fim do X no Brasil?
A DW ouviu cinco organizações da sociedade civil sediadas ou com
representação na Europa sobre como elas avaliam a ordem judicial que
bloqueou o X no Brasil.
“Decisões precisam ter equilíbrio e proporcionalidade”
Julian Jaursch, diretor sobre regulação de plataformas do think tank
interface (ex-Stiftung Neue Verantwortung), sediado em Berlim, vê o
bloqueio do X no Brasil como um exemplo de conflitos em todo o mundo
sobre a moderação de conteúdo em plataformas digitais e os embates entre
o poder do Estado e o das empresas privadas.
“Em um país democrático e com Estado de direito, empresas privadas
não podem ser autorizadas a não seguirem a regras. Ao mesmo tempo, há o
risco de excessos do poder público e de que decisões justificadas como
regulação de plataformas ou combate a crimes sejam, na prática, tomadas
por motivos políticos ou disputas de poder”, afirma Jaursch, pontuando
que ele não se refere especificamente ao bloqueio do X no Brasil.
“É muito importante ter equilíbrio e proporcionalidade. Por isso é
preciso ter transparência, Estado de Direito, saber o que está nas
ordens judiciais e por que algumas regras existem. É preciso haver
controles em cada um dos Três Poderes e por parte da sociedade civil e
da imprensa, sobre o poder público e sobre as empresas, para que seja
possível apontar excessos”, diz. “Se tudo isso estiver funcionando, a
regulação de plataformas funciona relativamente bem; se não, há esses
riscos.”
No caso brasileiro, ele avalia ser natural que o Judiciário esteja na
linha de frente da definição do que é legal ou ilegal nas redes
sociais, mas diz que algumas ordens judiciais para o bloqueio de contas
“não foram muito transparentes”.
Jaursch também considera que a personalidade mercurial tanto de Musk
como de Moraes contribui para a evolução do conflito: “Ambos são muito
proeminentes, poderosos e francos.”
Ele critica a multa a quem usar VPN para acessar o X no Brasil, que considera “excessiva e desproporcional”.
Especialista no DSA da União Europeia, ele diz que o regulamento
estabelece diversas etapas intermediárias antes da suspensão de uma
plataforma como último recurso, que podem incluir a oitiva de
funcionários, a análise de documentos sigilosos e a aplicação de multas
pesadas. O texto prevê regras para ampliar a transparência, aderência a
normas e a responsabilização das plataformas, em vez de definir quais
conteúdos são legais ou ilegais.
“Justiça brasileira está dizendo que ninguém está acima da lei”
A diretora de um think tank baseado na Europa especializado em
extremismo e desinformação online, que preferiu falar sob anonimato,
também avalia que a queda de braço entre o X e o Supremo brasileiro
representa choques globais sobre a regulação de plataformas digitais,
como a recente prisão do fundador do Telegram, Pavel Durov, na França.
Ela pondera que pessoas com interesses econômicos ou políticos
costumam caracterizar esses conflitos como uma luta pela liberdade de
expressão, quando, em muitos casos, trata-se da aderência às normas de
um determinado país ou do simples cumprimento dos termos de serviço das
plataformas.
“Uma das mensagens enviadas pelo Judiciário brasileiro é que ninguém
está acima da lei, e que ser proprietário de uma rede social ou ter uma
grande fortuna não o isenta de seguir as leis locais”, afirma, citando
que a exigência para o X ter um representante legal no país seria
“bastante razoável”. “Não me parece que o X tinha intenção de entrar em
conformidade no futuro próximo, segundo os comunicados da própria
empresa.”
Sobre o caso brasileiro, ela avalia que a liderança do Judiciário no
controle das plataformas digitais, definindo precedentes sem regras
claras sobre o tema, “é sempre arriscado e não é o melhor caminho”, mas
compreensível na ausência de normas específicas. “O ideal é ter leis nas
quais as regras para esse controle estejam claras e com punições pelo
descumprimento. Mas entendo que muitos países tiveram que encontrar
alternativas para garantir um ambiente digital seguro enquanto tentam
aprovar leis.”
Indagada sobre a multa para brasileiros que usarem VPN para usar o X, ela diz a melhor estratégia é “ir atrás da empresa que descumpre a lei, em vez das pessoas que usam aquele serviço”.
A especialista destaca que tem havido um esforço global para entender
como regular da melhor forma as plataformas digitais, após elas
demonstrarem que não farão isso por conta própria. “Por 20 anos, essas
plataformas tiveram a oportunidade de se autorregular, e falharam
repetidas vezes. Elas mostraram que não cumprirão suas próprias
políticas internas nem serão transparentes sobre suas práticas, a menos
que sejam forçadas a fazer isso.”
“Bloqueio do X afeta seriamente o direito à liberdade de expressão”
Jan Penfrat, consultor sênior de políticas públicas da rede European
Digital Rights (EDRi), sediada em Bruxelas, considera que o Supremo
brasileiro foi longe demais na decisão de bloquear o X em todo o país.
A medida, diz, tem “sérias consequências negativas para os direitos à
liberdade de expressão, de acesso à informação e de reunião (digital)
no Brasil”, afetando pessoas que usam a plataforma para acessar
conteúdos perfeitamente legais.
Por isso, ele destaca que a DSA da União Europeia permite o bloqueio
de plataformas “somente como último recurso, sob circunstâncias estritas
do artigo 51(3) e depois que todas as outras tentativas de
responsabilizar o provedor falharam”.
Esse artigo estabelece que o bloqueio deve ser determinado pelo
Judiciário de um país-membro da UE e durar quatro semanas, e pode ser
prorrogável se for devidamente justificado.
Penfrat também criticou a decisão de punir usuários brasileiros que
usem VPN para acessar o X. “Ameaçar pessoas que fizerem uso de
ferramentas legais para acessar conteúdos legais é desproporcional é não
pode ser justificado sob as normas de direitos humanos”, afirma.
“Caso do Brasil pode desencadear efeitos semelhantes em outros países”
“O cenário do discurso online vem se transformando há anos e cada vez
fica mais claro de que com maior alcance vem maior responsabilidade,
inclusive para as redes sociais”, afirma Cathleen Berger, co-diretora do
projeto Upgrade Democracy na fundação alemã Bertelsmann Stiftung.
Ela diz que à medida que a influência de plataformas como o X cresce
no debate público, os Estados precisam atentar ao seu impacto, inclusive
sobre as instituições e processos democráticos. “Os fatos recentes no
Brasil destacam esse equilíbrio delicado e as tensões na definição e
aplicação de regras sobre o discurso online.”
Berger considera difícil no momento avaliar se o bloqueio do X no Brasil foi uma decisão acertada,
mas ressalta que a rede social de Musk “está sob fogo cruzado em
múltiplas jurisdições devido à sua incapacidade de cumprir regras sobre a
responsabilização de plataformas”.
Ela diz que o caso brasileiro é “particularmente interessante” sob
uma perspectiva global, já que as plataformas são frequentemente
acusadas de seletividade em quais países cumprirão as normas locais,
com prioridade para os da América do Norte e da Europa. “Aumentar a
responsabilização [das plataformas] em outros mercados é necessário, e
este caso pode muito bem desencadear outros semelhantes.”
Apontando para o futuro, Berger considera fundamental que o Brasil
defina de forma clara que tipo de discurso em plataformas digitais serão
considerados ameaças à democracia ou ilegais, e estabeleça “processos
de arbitragem e supervisão para que essa regras não sejam abusadas e
para que as sanções não resultem em danos não intencionais”.
“Questionamento de ordens judiciais por Musk pode abrir precedente perigoso”
Para Bruna Santos, gerente de campanhas global da Digital Action e
baseada em Berlim, o bloqueio do X foi uma decisão extrema “não
recomendada em condições normais de temperatura e pressão”, mas
necessária diante da “intransigência” de Musk.
“Ele tem desafiado a autoridade de instituições democraticamente
estabelecidas em todo o mundo, em especial aquelas que tentam
implementar políticas de combate à desinformação e ao discurso de ódio”,
afirma, citando conflitos recentes de Musk com Breton; com o premiê
britânico, Keir Starmer, após episódios de atos violentos da
extrema-direita no Reino Unido; e com o premiê australiano, Anthony Albanese, após a relutância do X em remover vídeos de um ataque a faca em uma igreja de Sydney.
Além do potencial de questionamento de ordens judiciais pelo X abrir
um “precedente perigoso” em todo o mundo, Santos diz que as plataformas
digitais têm investido cada vez menos em equipes de segurança online nos
países do Sul Global. “Isso mostra que elas se preocupam mais com
países nos quais o custo de desobedecer as normativas legais é mais
alto.”
Ela afirma que o ponto mais problemático da decisão de Moraes foi
sobre a multa a quem usar o X por VPN, que se mostra “desproporcional” e
de difícil fiscalização. E pondera que o Brasil se beneficiaria de uma
estrutura normativa mais robusta sobre o tema para que esse vácuo não
obrigasse o Judiciário a tomar a dianteira na regulação das plataformas.
“Organizações brasileiras têm tentado aprovar o projeto de lei das
fake news, que seria uma espécie de complementação à responsabilidade
civil colocada no marco civil da internet, mas isso depende de uma
análise de vários setores da sociedade”, diz.
Colaborou Finlay Duncan, de Bruxelas.
Autor: Bruno Lupion