Sofia Fernandes – DW Brasil
STF decide se mantém suspensão do X, bloqueado por Alexandre de
Moraes. Medida ocorreu porque o dono da rede social, Elon Musk, não
cumpriu determinações da Corte de remoção de conteúdos e pagamento de
multas.
A primeira turma do Supremo Tribunal Federal (STF) analisa desde a
meia-noite desta segunda-feira (02/09) se mantém ou não a suspensão do X
no Brasil, determinada pelo ministro Alexandre de Moraes.
O colegiado decide em plenário virtual até as 23:59 e a expectativa é
de que a maior parte dos ministros endosse o bloqueio à rede social do
bilionário Elon Musk.
Na sexta-feira passada, o Moraes havia ordenado a derrubada “imediata, completa e integral” do X no
Brasil. Segundo o portal g1, o magistrado impôs ainda multa de R$ 50
mil diária a qualquer pessoa ou empresa que use qualquer subterfúgio
(como VPNs) para acessar a rede social.
Um dia antes, o X (ex-Twitter) anunciou que não cumpriria a ordem judicial do STF para
indicar um representante legal no Brasil. Na própria quinta-feira,
Musk viu outra empresa sua, a Starlink, ter suas contas bloqueadas por
ordem do ministro Alexandre de Moraes.
As medidas foram justificadas por Moraes diante do descumprimento do X
de ordens judiciais anteriores para remoção de conteúdos da plataforma.
Ao X também foram impostas multas, daí o bloqueio de contas da Starlink, para assegurar que elas serão quitadas.
Segundo o g1, a Starlink recorreu da decisão na sexta-feira alegando
não ser parte do processo contra o X, e queixando-se de não ter tido seu
direito à ampla defesa e ao devido processo legal respeitado.
A Starlink é um braço da SpaceX, empresa de exploração espacial de
Musk, e fornece serviços de conexão à internet em áreas remotas via
satélite.
STF intimou Musk pelo X
Antes do bloqueio, na quarta-feira, Moraes havia dado prazo de 24h a
Musk para indicar um representante legal do X no Brasil, sob pena de
“imediata suspensão” da plataforma em caso de descumprimento e não
pagamento das multas. O prazo venceu na noite de quinta.
A intimação havia sido postada pela conta do STF no próprio X, em
resposta a uma postagem de 17 de agosto da equipe de relações
governamentais internacionais da empresa, que anunciava o fechamento do escritório no Brasil e acusava Moraes de não “respeitar a lei ou o devido processo legal”.
Na ocasião, a plataforma afirmou que a decisão foi uma resposta ao
que chamou de “ameaça” e “censura” por parte do ministro, que cobrava a
plataforma pelo não cumprimento de ordens judiciais anteriores que
impunham à plataforma a retirada de conteúdos da rede social.
Algumas das contas alvo de bloqueio judicial eram de bolsonaristas, como o senador Marcos do Val (Podemos-ES).
O fechamento do escritório do X no Brasil, porém, não impactou o funcionamento da plataforma.
É a primeira vez que o STF intima alguém via redes sociais, segundo informado pelo próprio tribunal ao portal g1.
Musk acusa há meses Moraes de
ser autoritário em decisões para retirada de perfis da plataforma. O
ministro, por sua vez, alega que age para conter a disseminação de
discursos de ódio e de movimentos golpistas que ameaçam a democracia no
país, como foi visto nas vésperas dos ataques de 8 de janeiro de 2023.
Disputa ganhou nova dimensão com relatório no Congresso americano
A disputa entre Musk e Moraes se intensificou em abril, com a
publicação de um relatório do Congresso americano que lista uma série de
“demandas de censura” de Moraes.
O relatório, produzido por uma comissão presidida pelo deputado
republicano Jim Jordan, ligado ao ex-presidente Donald Trump, foi
elaborado com base em documentos internos da plataforma disponibilizados
por Musk, e que revelariam supostos abusos em decisões do ministro.
Segundo o documento, o STF e o TSE (Tribunal Superior Eleitoral),
ambos presidido por Moraes, pediram à plataforma X que suspendesse ou
removesse quase 150 contas de críticos do governo brasileiro.
Moraes supostamente ordenou que as plataformas de mídia social
removessem postagens e contas mesmo quando “muito do conteúdo não
violava as regras [das empresas]” e “muitas vezes sem dar uma razão”,
aponta o relatório.
O texto afirma ainda que a “censura dirigida” não é um problema
restrito aos governos “em terras distantes”, e acusa a administração de Joe Biden de silenciar os críticos do governo.
O relatório foi divulgado a menos de sete meses das eleições presidenciais nos Estados Unidos. Trump é o candidato republicano
As
eleições presidenciais nos Estados Unidos estão marcadas para novembro,
e Trump é o candidato republicano à Casa Branca. Pelo Partido
Democrata, a candidata é a vice de Biden, Kamala Harris.
Milícias digitais
Em abril, Moraes determinou a inclusão de Musk como
investigado no inquérito que apura a ação de milícias digitais que
atentam contra a democracia. O magistrado apontou que viu indícios de
obstrução de Justiça e incitação ao crime nas ações de Musk e determinou
multa diária de R$ 100 mil para cada perfil que a empresa reativar de
forma irregular.
Musk usou a sua plataforma para chamar o ministro de “ditador brutal”
e afirmou que iria descumprir ordens judiciais brasileiras de bloqueio
de perfis criminosos na rede social. A plataforma voltou a mostrar
publicações de perfis bloqueados por ordem judicial, como o da juíza
aposentada Ludmila Grilo e do apresentador Monark, conforme informou a
agência de checagem Aos Fatos.
O perfil no X do canal Terça Livre, do ativista de extrema direita Allan dos Santos, recebeu o selo dourado na rede, mesmo com uma ordem judicial que havia determinado o bloqueio da conta em setembro de 2021.
Articulação internacional
No início de março, o deputado federal Eduardo Bolsonaro conduziu
uma comitiva de deputados brasileiros para Washington (EUA), onde
conversaram com parlamentares republicanos sobre como o Brasil se tornou
uma “ditadura de esquerda”.
Eles foram convidados para participar em uma audiência na Comissão
Tom Lantos de Direitos Humanos na Câmara dos Representantes, mas tiveram
que mudar os planos quando o democrata James P. McGovern, um dos dois
copresidentes da comissão, vetou o evento.
Em nota à Agência Pública, McGovern afirmou que os
republicanos estariam “usando o Congresso dos Estados Unidos para apoiar
os negacionistas eleitorais da extrema direita que tentaram dar um
golpe no Brasil”.
O que está por trás da briga
As suspensões desses perfis haviam sido determinadas em 2022, ano da
campanha à presidência da República, e em 2023, quando houve osatos golpistas de 8 de janeiro, em Brasília.
Em 2022, a Justiça brasileira tomou medidas mais proativas para
conter ameaças à democracia. Alexandre de Moraes virou a face mais
conhecida desse processo porque era o relator do inquérito sobre as
milícias digitais antidemocráticas e é o atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O ministro determinou, no âmbito das investigações, que as redes
sociais bloqueassem alguns alvos desses inquéritos, afirmando que esses
investigados utilizavam as plataformas para práticas irregulares.
Perto do segundo turno, o TSE publicou resolução determinando que as
plataformas digitais deveriam remover conteúdos inverídicos em até duas
horas, sob pena de multa de R$ 100 mil por hora, um fato sem precedentes
na Justiça brasileira.
Essas decisões jurídicas de dois ou três anos atrás receberam
críticas por terem uma redação muitas vezes ambígua, que não deixa clara
a extensão do poder de polícia da Justiça Eleitoral.
Não há informações públicas sobre todas as ações judiciais que
motivaram as críticas de Musk contra Moraes. O X informou que havia sido
proibido de informar quais contas foram retidas e qual tribunal ou juiz
emitiu a ordem, mas em agosto publicou na rede social alguns documentos
que chamou de “ordens secretas” de Moraes.
VPN e Starlink
Musk ainda sugeriu como burlar um eventual bloqueio da rede social no
Brasil, o que não seria um fato inédito no país. Em 2015 e em 2016, por
exemplo, juízes de primeira instância determinaram o bloqueio do Whatsapp depois que a empresa se negou a conceder informações para investigações policiais. O mesmo aconteceu com o Telegram no ano passado.
“Para garantir que você ainda pode ter acesso à plataforma X, baixe
um VPN”, disse o empresário em uma publicação. “Usar um VPN é muito
fácil”, completou.
Ferramentas de Virtual Private Network (VPN) são serviços que
mascaram a origem do acesso à internet. Ele faz com que usuários pareçam
estar outro país, driblando bloqueios locais.
Caso a Justiça brasileira determine o bloqueio do X, outra questão se
impõe. Musk também é dono da Starlink, empresa de internet via satélite
que tem no Brasil um de seus principais mercados.
Segundo levantamento feito pela BBC News Brasil, a empresa é líder
entre os provedores de banda larga fixa por satélite na Amazônia legal,
com antenas instaladas em ao menos 90% municípios da região.
O professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Carlos
Affonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade, alertou
ao podcast Café da Manhã que esse seria “um segundo debate, que
a gente ainda não enfrentou no Brasil, que é um provedor de internet
descumprir ordens de bloqueios de plataformas.”
Reações
Todo o embate ocorre enquanto o Congresso discute um projeto de lei para regulamentar as plataformas digitais, o chamado PL das Fake News, retirado da pauta da Câmara por falta de acordo entre parlamentares e pressão das plataformas. A União Europeia já aprovou uma norma desse tipo, que entrou em vigor em janeiro.
A briga aumentou a pressão pela regulamentação das redes sociais no
Congresso. O relator do projeto de lei, deputado Orlando Silva, afirmou,
em sua conta no X: “É impossível continuarmos no estado de coisas
atual. As Big Techs se arrogam poderes imperiais. Descumprir ordem
judicial, como ameaça Musk, é ferir a soberania do Brasil. Isso não será
tolerado! A regulação torna-se imperativa ao Parlamento.”
O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, divulgou nota para afirmar que decisões judiciais podem ser objeto de recursos, mas jamais de descumprimento deliberado.
Barroso diz que é público e notório que “travou-se recentemente no
Brasil uma luta de vida e morte pelo Estado democrático de Direito e
contra um golpe de Estado, que está sob investigação nesta corte com
observância do devido processo legal”.
“O inconformismo contra a prevalência da democracia continua a se
manifestar na instrumentalização criminosa das redes sociais”, afirmou.