quinta-feira, 1 de agosto de 2024

A ECONOMIA CIRCULAR DE RECICLAGEM JÁ FOI UMA PRÁTICA COMUM EM TODO MUNDO POR SÉCULOS

História de Gero Rueter – DW Brasil

Consumo de matérias-primas e volume de lixo aumentaram com produtos de curta vida útil e pouca reciclagem. Esse atual modelo predominante sobrecarrega o planeta, mas existe alternativa.

Separação de lixo é o primeiro passo para a reciclagem

Separação de lixo é o primeiro passo para a reciclagem© Torsten Krüger/imageBROKER/picture alliance

O modelo de consumo e produção predominante em todo o mundo atualmente é conhecido como economia linear.Nele, produtos são fabricados a partir de matérias-primas, utilizados por um curto período e, em seguida, descartados como lixo. Isso exige a extração de novas matérias-primas para a produção de novos itens. Esse processo prejudica o meio ambiente, além de custar muito dinheiro e energia.

A economia circular funciona de maneira diferente: os produtos são fabricados para terem uma vida útil longa e serem facilmente reparados. Ao atingirem o final de sua vida útil, são reciclados o máximo possível. Isso significa que as matérias-primas são recuperadas e reutilizadas na fabricação de novos produtos.

Esse modelo diminuiu os resíduos e as emissões. Por exemplo, a partir do vidro quebrado de uma garrafa, uma nova garrafa de vidro é fabricada. Isso economiza dinheiro e recursos. O princípio pode ser aplicado a todos os tipos de matérias-primas e processos de produção para prolongar ao máximo a utilização e manter os elementos em um ciclo contínuo.

Além disso, na própria produção, é possível reduzir o consumo de recursos utilizando energias renováveis e evitando a geração de emissões prejudiciais ou resíduos tóxicos sempre que possível.

O que o processo da reciclagem proporciona?

A economia circular foi uma prática comum em todo o mundo por séculos: tudo era usado o máximo possível, evitando desperdícios. Esse princípio começou a ser deixado nos últimos 150 anos com o aumento da produção industrial.

Hoje em dia, a economia circular é comum em comunidades tradicionais, mas não se restringe a elas. Por exemplo, nas fazendas orgânicas, os excrementos são usados como fertilizantes naturais para cultivar alimentos.

Em vários lugares do mundo, arquitetos estão investindo em métodos de construção sustentáveis. Por exemplo, eles optam por usar mais madeira em vez de cimento, que é prejudicial ao clima. Além disso, em vez de derrubar prédios, eles os reformam. Ao reutilizar materiais de construção, se diminuiu o consumo de matérias-primas e se evita a geração de resíduos.

Muitos materiais podem ser reciclados quase sem perda de qualidade. Isso é especialmente eficaz para vidro e metais, enquanto o papel pode ser reutilizado de dez a 25 vezes. Por outro lado, o plástico geralmente é mais difícil de reciclar devido à sua mistura com outros materiais e à presença de substâncias químicas prejudiciais.

A reciclagem de metais também economiza muita energia em comparação com a extração de minérios. Por exemplo, o processo de reciclagem de alumínio economiza cerca de 95% da energia necessária para a produção a partir de minério.

Reciclar metais a partir de sucata economiza muita energia.

Reciclar metais a partir de sucata economiza muita energia.© Peter Hofstetter/Zoonar/picture alliance

Quais são as implicações da economia circular para consumidores e indústria?

Para que uma economia circular funcione, todos devem estar envolvidos: consumidores, indústria e políticos.

Ao separar corretamente o lixo, os consumidores facilitam o processo de reciclagem. A escolha de produtos que têm uma vida útil mais longa e geram menos resíduos contribuiu para essa prática sustentável. Um casaco de alta qualidade feita de lã ou algodão pode ser mais caro do que uma feito de poliéster. No entanto, esse tipo de roupa dura mais e é mais fácil de ser reparado. Ao contrário de fibras sintéticas, as fibras podem ser compostadas sem impactar o meio ambiente.

A indústria pode produzir produtos de maneira sustentável e evitar o uso de substâncias químicas que impedem a reciclagem. Por exemplo, os celulares podem ser fabricados para permitir a troca de baterias e outras peças. Ao integrar o pensamento de reciclagem desde a produção, torna-se mais fácil recuperar e reutilizar ouro, terras raras e outros materiais dos dispositivos.

Nesse sentido, os governos podem criar leis que favoreçam a economia circular. Cada vez mais países e empresas estão incentivando a reciclagem, a redução de resíduos e o planejamento cuidadoso de como são feitos os sistemas e produtos. Isso não só é bom para o meio ambiente, mas também para a economia, gerando novos empregos.

De acordo com o World Resource Institute (WRI), organização não governamental ambientalista e conservacionista, a economia circular poderia criar cerca de seis milhões de novos empregos em todo o mundo até 2030.

Autor: Gero Rueter

 

BENEFÍCIOS DO CACAU PARA A SAÚDE E O ENVELHECIMENTO

História de Carolina Sánchez Rodríguez – The Conversation – BBC News Brasil

Os benefícios do cacau para a saúde e o envelhecimento, segundo a ciência

Os benefícios do cacau para a saúde e o envelhecimento, segundo a ciência© Getty Images

A população mundial está envelhecendo em ritmo acelerado.

Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que, entre 2015 e 2050, o percentual de pessoas com mais de 60 anos de idade irá quase dobrar, passando de 12% para 22%. E, na Espanha, as pessoas com mais de 65 anos no ano 2050 representarão mais de 30% da população.

No Brasil, estima-se que, em 2060, os idosos totalizarão 25,5% da população do país.

O envelhecimento traz consigo o aumento das doenças. Entre as mais comuns, podemos destacar a perda de audição, catarata, osteoartrite, diabetes, depressão e demência.

Além disso, à medida que envelhecemos, aumenta a probabilidade de sofrermos de várias doenças ao mesmo tempo, além de estados de saúde complexos, denominados síndromes geriátricas, como a fragilidade.

Por tudo isso, um dos objetivos mais importantes da atualidade é conseguirmos manter a saúde conforme avançam nossos aniversários, desenvolvendo estratégias razoáveis que promovam uma velhice com independência e qualidade de vida adequada.

E se uma dessas possíveis estratégias fosse simplesmente tomar, todos os dias, uma dose de cacau?

Antioxidante, antialérgico e anticancerígeno

Nos últimos anos, vem surgindo um número cada vez maior de estudos indicando que o cacau é um importante agente quimiopreventivo natural de diversas doenças.

Isso se deve principalmente aos altos níveis de polifenóis contidos no cacau, principalmente flavonóis. Os cientistas atribuem a essas substâncias numerosos efeitos benéficos para a saúde.

O cacau também é rico em fibras (26-40%), lipídios (10-24%), proteínas (15-20%), carboidratos (15%) e micronutrientes (<2%), incluindo sais minerais (fósforo, cálcio, potássio, sódio, magnésio, zinco e cobre) e vitaminas (A, B e E).

A principal vantagem do cacau e seus derivados, como possível tratamento preventivo de diversas patologias, é que eles são consumidos em todo o planeta.

Em 2022 e 2023, o mundo produziu quase cinco milhões de toneladas de cacau – e o consumo de chocolate e derivados de cacau na Espanha é de 3,3 kg anuais por habitante.

Diversos estudos demonstraram associação entre a ingestão de cacau e a redução do risco de diversas patologias crônicas, como o câncer, transtornos metabólicos e doenças cardiovasculares.

Os benefícios do cacau para a saúde e o envelhecimento, segundo a ciência

Os benefícios do cacau para a saúde e o envelhecimento, segundo a ciência© Getty Images

A dieta rica em cacau também traz consequências positivas para a função visual, a audição, o sistema nervoso e a pele, entre outros. Aparentemente, isso se deve às suas propriedades antioxidantes, antidiabéticas, anti-inflamatórias, anticancerígenas, antialérgicas e antiobesidade.

Como se tudo isso não fosse suficiente, cientistas vêm pesquisando recentemente a relação entre o cacau e o bom estado da microbiota intestinal – que, por sua vez, garante um estado de boa saúde em geral.

Contra deterioração cognitiva e doenças cardiovasculares

E se o consumo habitual de cacau ajudasse a manter a boa circulação sanguínea no cérebro, protegendo contra a deterioração cognitiva, além de evitar as doenças cardiovasculares?

Essa não é nenhuma utopia.

Recentemente, na Suécia, foi estudada por nove anos a saúde de 31.823 mulheres, com 48 a 83 anos de idade. Os resultados relacionaram o consumo regular de chocolate (uma a duas porções por semana e uma a três porções por mês) a índices inferiores de hospitalização por insuficiência cardíaca ou mesmo morte.

Da mesma forma, uma pesquisa com 531 pessoas maiores de 65 anos durante dois anos demonstrou que a ingestão de chocolate reduz em 41% o risco de sofrer deterioração cognitiva.

Além disso, em pessoas com idade avançada e deterioração cognitiva leve, foi avaliada a função cognitiva após oito semanas consumindo bebidas contendo diferentes quantidades de flavonoides do cacau (de 43 mg a 993 mg). E, ao final do estudo, os grupos com teor médio e alto de cacau demonstraram melhor função cognitiva.

Mas por que isso acontece? Quais mecanismos de ação existem por trás desses efeitos positivos do cacau?

Existem evidências de que a administração de bebidas de cacau natural, ricas em flavonoides (179 mg de flavonol de cacau por porção) a 60 participantes (de 55 a 70 anos) melhorou a glicemia, a trigliceridemia e os níveis de colesterol (HDL e LDL). Além disso, seu consumo proporciona maior rendimento físico e menor fragilidade.

Paralelamente, em um estudo clínico randomizado de fase 2, com 44 participantes com doença arterial periférica, as pessoas pesquisadas percorreram distâncias maiores em uma caminhada de seis minutos, após a ingestão de uma bebida de cacau todos os dias, durante seis meses – 15 g de cacau, para sermos exatos.

Considerando todos esses estudos, podemos dizer que o consumo de cacau pode melhorar a cognição geral e a memória, por modular o fluxo sanguíneo cerebral e outros parâmetros fisiológicos.

São motivos de sobra para imaginar que seu consumo poderá melhorar a qualidade de vida da população em idade avançada.

* Carolina Sánchez Rodríguez é professora titular de pesquisa e biologia celular da Universidade Europeia, na Espanha.

Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado sob licença Creative Commons. Leia aqui a versão original em espanhol.

 

PT DE LULA MANTÉM APOIO A MADURO E APROVA A SUA REELEIÇÃO

 

BBC News Brasil

A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, ao lado de Luiz Inácio Lula da Silva em um evento em 2018
Legenda da foto,Nota do PT reconhecendo a vitória de Maduro sofre críticas veladas dentro da própria executiva do partido, presidido por Gleisi Hoffmann

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impasse nas eleições venezuelanas tornou-se um teste diplomático para o governo brasileiro, que busca se manter como mediador da situação no país vizinho, conflagrado por protestos após a reeleição declarada de Nicolás Maduro — resultado que oposição e diversas autoridades internacionais contestam.

Para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o desafio não é só de se equilibrar entre a cobrança de transparência e a manutenção de diálogo com o governo chavista — que nos últimos dias já expulsou do país representantes de ao menos sete países que contestaram o pleito.

Lula também se equilibra entre a posição adotada pelo Itamaraty — que, desde segunda-feira (29/7), dia seguinte à votação, pede a divulgação dos dados desagregados por mesa de votação — e um PT que, em nota, reconheceu a vitória de Maduro, ao tratá-lo como “presidente agora reeleito”.

Em entrevista na terça-feira, Lula foi questionado sobre a nota do PT, e buscou minimizar as críticas ao partido pela publicação do documento.

“O PT reconheceu, a nota do Partido dos Trabalhadores reconhece, elogia o povo venezuelano pelas eleições pacíficas que houve. E ao mesmo tempo ele reconhece que o colégio eleitoral, o tribunal eleitoral já reconheceu o Maduro como vitorioso, mas a oposição ainda não”, disse Lula.

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“Então, tem um processo. Não tem nada de grave, não tem nada de assustador. Eu vejo a imprensa brasileira tratando como se fosse a Terceira Guerra Mundial. Não tem nada de anormal. Teve uma eleição, teve uma pessoa que disse que teve 51%, teve uma pessoa que disse que teve 40 e pouco por cento. Um concorda, o outro não. Entra na Justiça e Justiça faz.”

A oposição venezuelana, porém, diz que o Poder Judiciário é dominado por Maduro. Também contesta a noção de que haja uma normalidade no processo político do país, apontando que, ao longo dos anos, o chavismo passou a controlar órgãos como a Suprema Corte e o Conselho Eleitoral.

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Além disso, órgãos de direitos humanos, como o da Organização das Nações Unidas (ONU), apontam violações em resposta a protestos no país e prisões arbitrárias de oponentes, além da inabilitação política de muitos deles.

A cautela de Lula ao tratar da questão venezuelana tem diferenciado o mandatário brasileiro de outros líderes de esquerda latino-americanos, como o presidente chileno Gabriel Boric, e o presidente colombiano, Gustavo Petro, que têm sido mais vocais em seus questionamentos quanto à lisura do processo eleitoral venezuelano.

Referência na esquerda para Lula, o ex-presidente uruguaio Pepe Mujica disse em fevereiro que na Venezuela “existe um governo autoritário” e que era possível chamar Maduro de ditador.

Mas por que o Partido dos Trabalhadores mantém seu apoio a Maduro, mesmo num momento em que Lula e seu governo optam por adotar um tom mais cauteloso?

Quão prevalente é essa posição dentro do PT, diante das críticas abertas ao processo eleitoral na Venezuela feitas por parlamentares petistas como o senador Randolfe Rodrigues (PT-AP) e o deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG), vice-líder do PT na Câmara?

E como foi o processo interno de aprovação da nota divulgada pelo PT?

A BBC News Brasil conversou com o historiador Lincoln Secco (USP), o cientista político Claudio Couto (FGV) e com membros da Comissão Executiva Nacional do PT — que falaram sob a condição de não terem seus nomes divulgados — para entender essas e outras questões.

A reportagem também entrou em contato com a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, que não respondeu ao pedido de entrevista.

A assessoria da presidente do partido também disse à reportagem que “não há o que acrescentar” com relação à nota, quando questionada, por exemplo, sobre por que o PT decidiu, diferentemente do governo, que a divulgação das atas eleitorais não deveriam ser uma condição prévia para o reconhecimento de Maduro.

Já Randolfe Rodrigues e Reginaldo Lopes alegaram problemas de agenda, devido a viagens para participação em convenções partidárias.

‘Nota reafirma posições de esquerda à militância do partido’

Captura de tela com a nota da Executiva Nacional do PT sobre eleições na Venezuela
Legenda da foto,Em nota, PT reconheceu a vitória de Maduro ao tratá-lo com ‘presidente agora reeleito’

Um primeiro passo para entender a nota do PT é compreender o papel da área de relações internacionais dentro do partido, observa Lincoln Secco, professor de História Contemporânea da Universidade de São Paulo (USP) e autor do livro História do PT (Ateliê Editorial, 2018).

“A área de relações internacionais do PT é aquela que se coloca mais à esquerda na direção do partido”, observa Secco.

Isso acontece, segundo ele, porque o PT é um partido de tendências (ou seja, composto por diferentes correntes internas que disputam entre si). E, historicamente, os setores mais à esquerda não têm os principais cargos, ocupando áreas que são vistas como secundárias, como a de relações internacionais.

Ele lembra, por exemplo, da nota publicada pelo partido celebrando a vitória de Daniel Ortega para um quarto mandato na Nicarágua em 2021, em eleições marcadas por acusação de fraude — o que Ortega nega.

E também o fato de o PT ser ligado ao Foro de São Paulo, articulação de partidos e movimentos políticos latino-americanos e caribenhos, que tem entre seus membros o Partido Comunista de Cuba; a Frente Sandinista de Liberação Nacional, de Ortega; o Partido Socialista Unido de Venezuela, de Maduro; o Movimento ao Socialismo, do presidente da Bolívia, Luis Arce; entre outros.

Participantes do 18º encontro do Foro de São Paulo, em Caracas, Venezuela, em julho de 2012
Legenda da foto,Partido usa sua área de relações internacionais para reafirmar posições de esquerda à sua militância, diz historiador. Participação no Foro de São Paulo é exemplo

Na avaliação do historiador, embora muitos acreditem que o PT tem autonomia em relação ao governo, isso não ocorre.

Afinal, apesar de tratar-se de um governo de frente ampla, o partido ocupa grande número de ministérios e está presente em todos os escalões do governo.

Assim, nas questões internacionais, o PT encontra maior margem para marcar posições à esquerda do governo.

“São questões que afetam menos diretamente a popularidade interna do governo Lula”, avalia Secco.

“Isso abre uma possibilidade para o PT ter maior liberdade também para reforçar sua imagem de esquerda perante sua militância. Porque, na verdade, esse é um discurso para a militância, não é um discurso para a sociedade.”

Em entrevista à BBC News Brasil no início da semana, o professor Feliciano de Sá Guimarães, do Instituto de Relações Internacionais da USP, expressou um ponto de vista diferente do de Secco.

Para Guimarães, a cautela de Lula ao tratar da questão se deve justamente ao fato de que o tema Venezuela é muito sensível internamente.

“O custo de reconhecer Maduro como vitorioso é muito alto para o governo brasileiro”, disse Guimarães.

“Esse é um tema muito delicado domesticamente, porque a maioria da população brasileira tem uma visão muito negativa da Venezuela e do governo Maduro.”

Além disso, os laços entre Lula e o PT e aliados de esquerda considerados controversos, como Maduro, são um frequente tema de ataques feitos por opositores como o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e aliados.

Lincoln Secco avalia, no entanto, que a dissonância entre a posição do partido e a do Itamaraty poderá se complicar ou se resolver, a depender do desdobramento da crise na Venezuela.

“Caso haja essa suposta entrega das atas e o governo brasileiro imediatamente reconheça o governo Maduro, esse problema desaparece”, diz Secco.

“Caso não seja apresentado, isso cria um impacto muito sério para a posição do governo Lula. E aí vai ter uma fricção maior com o partido, porque o partido se antecipou.”

Os bastidores da aprovação da nota

Um parlamentar que faz parte da Comissão Executiva Nacional do PT avalia que a publicação da nota foi precipitada e revela ter se arrependido de votar por sua aprovação — que passou com 21 votos favoráveis (de um total de 28), um deles com ressalva, e nenhum voto contrário, segundo outro membro da Executiva.

“Acho que o mais óbvio era esperar o governo se manifestar e fechar uma posição igual à do governo”, avalia o parlamentar.

“Óbvio que já houve em outros momentos, inclusive em relação à Venezuela, Nicarágua, situações em que a Secretaria de Relações Internacionais do PT tomou uma posição e o governo tomou outra. E gerou, inclusive, conflitos e tal. Só que esse é um problema muito mais complexo, né?”

Venezuelanos vivendo no México protestam contra o resultado das eleições na Venezuela (30.jul.2024)
Legenda da foto,Venezuelanos vivendo no México protestaram na terça-feira (30/7) contra o resultado das eleições na Venezuela

Os membros da Executiva ouvidos pela BBC de forma reservada avaliam que o processo de aprovação da nota foi açodado.

Isso porque houve uma reunião da Executiva na tarde da própria segunda-feira em que a nota foi divulgada, mas o tema não foi discutido.

No encontro, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, apenas teria comentado o tema Venezuela, informando que ainda não havia sido escrita uma nota.

Mais tarde, por volta de 22h, o texto foi postado no grupo de WhatsApp da Executiva. Sem que houvesse debate presencial ou virtual, os membros votaram pela aprovação do texto, que foi publicado na página do PT por volta das 23h.

“Quando eu vi, já tinha acabado o processo [de votação]”, relata um membro da Executiva que não conseguiu votar, afirmando que o processo todo foi encerrado em cerca de 15 minutos.

Na avaliação desse membro da Executiva, os dirigentes e deputados do PT enviados à Venezuela para acompanhar o processo eleitoral no país vizinho são em sua maioria pró-Maduro, assim como a direção do partido.

“A direção é majoritariamente pró-Maduro. Não tenho dúvida disso. Mas não é verdade que isso seja o estado de espírito do enquadramento do partido”, diz essa pessoa, referindo-se aos chamados “quadros”, isto é, os militantes do PT, partido que contava em 2023 com mais de 1,6 milhão de filiados, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Assim, haveria uma pressão interna pela publicação da nota.

Mas as próprias disputas internas ao partido ficam evidentes, na avaliação dos interlocutores, pelo tom considerado moderado do texto, que em dado momento afirma:

Temos a certeza de que o Conselho Nacional Eleitoral, que apontou a vitória do presidente Nicolas Maduro, dará tratamento respeitoso para todos os recursos que receba, nos prazos e nos termos previstos na Constituição da República Bolivariana da Venezuela.

Nicolás Maduro e Luiz Inácio Lula da Silva durante encontro em Brasília em maio de 2023
Legenda da foto,Dirigentes e deputados do PT enviados à Venezuela para acompanhar o processo eleitoral no país vizinho são em sua maioria pró-Maduro, assim como a direção do partido, avalia membro da executiva nacional do partido

Na avaliação dessas pessoas, e dos analistas ouvidos pela BBC, a frase abre espaço para o PT mudar sua posição caso as atas de urnas não venham a ser apresentadas.

Mesmo não tendo conseguido votar, o membro da Executiva defende a independência do partido com relação ao governo na tomada de posições políticas, seja em temas externos, como internos.

“Desse ponto de vista, não se pode usar o argumento que alguns usam, que a gente atropelou o governo”, argumenta o petista.

“O PT foi formado assim. Inclusive nos documentos originais, diz até que ele subordina a sua presença institucional aos movimentos, às lutas populares. E explica: porque o objetivo é a transformação da sociedade. Inclusive das próprias instituições.”

A divergência entre partido e governo muitas vezes “ajuda o governo a acertar”, defende o membro da Executiva.

“O curso geral do governo não é de conflito com a classe dominante. É de acomodação, pelo menos no nível do Congresso, e a partir daí, com as forças sociais e econômicas que estão detrás.”

“Então o partido mantendo a independência, ele pode vocalizar, em momentos agudos, um conselho, uma opinião. Dar outro viés. Ajudar o governo a acertar.”

‘Fetiche com relação a ditaduras de esquerda’

Entre políticos e analistas esquerdistas que defendem a experiência do chavismo e o governo Maduro, muitos argumentam que o grupo dominante na Venezuela está sob ataque constante de “forças imperialistas” e luta contra o lobby ativo dos Estados Unidos no país, o que, em sua visão, deve ser levado em consideração na análise do processo político.

Apontam as sanções americanas impostas ao país — e brevemente afrouxadas no ano passado durante a vigência do acordo que abriu caminho para a realização das eleições — como o principal causador da dura crise econômica.

Além disso, consideram que a oposição a Maduro só está interessada em reduzir direitos sociais e privatizar a indústria petroleira, sem ter compromisso com a democracia, como na tentativa de golpe contra o então presidente Hugo Chávez em 2002.

Claudio Couto, cientista político e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), vê a postura do PT de manter o apoio a Maduro como parte de “uma postura fetichista da esquerda” com relação às ditaduras deste campo político.

E avalia que a dissonância entre PT e Itamaraty reforça uma percepção dentro do país de que o partido não teria clareza com relação à defesa da democracia.

Isso num momento em que Lula busca fortalecer as instituições brasileiras, após o que considera como uma ameaça golpista por parte do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus apoiadores, depois dos ataques de 8 de janeiros de 2023.

Mulher e criança conversam em frente a um mural em Manágua, na Nicarágua, retratando Daniel Ortega, Hugo Chávez e Fidel Castro
Legenda da foto,Mural em Manágua, na Nicarágua, retrata o presidente do país, Daniel Ortega; o ex-presidente da Venezuela, Hugo Chávez; e o ex-presidente de Cuba, Fidel Castro

“O PT tem um histórico muito complicado nessa relação com ditaduras de esquerda na América Latina”, considera Couto.

“Sempre é um histórico de referendar, de não fazer nenhum tipo de crítica, de fechar os olhos para os problemas que existem nestes regimes autoritários de esquerda latino-americanos, haja visto o que acontece historicamente com Cuba, com a Nicarágua e mesmo com a Venezuela.”

Segundo o cientista político, embora a nota do PT adote um tom relativamente sóbrio, ao reconhecer a vitória de Maduro, são ignoradas a maneira como o processo eleitoral transcorreu na reta final — com alegações de fraude na contagem de votos, de votos não considerados e a declaração da vitória de Maduro antes da publicação das atas de urna —, além de tudo aquilo que aconteceu antes.

Ele cita, por exemplo, a exclusão de candidaturas, a detenção de membros dos partidos de oposição e as restrições ao voto de venezuelanos expatriados, num país onde cerca de 25% da população (cerca de 7,7 milhões, de um total de 28,3 milhões) vive em diáspora.

“Há uma série de vícios que tornam essa nota do PT uma nota muito ruim, porque mesmo em um estilo mais sóbrio do que o de hábito, ela ainda assim é uma nota que dá de barato que está tudo certo, e não está”, diz o cientista político.

“Eu só consigo entender essa nota do PT como dando sequência a essa história, que eu gosto de definir como ‘fetichista’, que a esquerda latino-americana de maneira mais geral, e o PT em particular, tem com respeito às ditaduras da esquerda, que é nunca ter qualquer tipo de crítica, muito pelo contrário, ficar buscando formas de racionalizar a defesa dessas ditaduras com argumentos supostamente democráticos, que sabemos que são argumentos que não param em pé.”

Nem toda a esquerda

Além de explicitar uma dissonância entre Itamaraty e PT, o resultado das eleições de domingo (28/7) na Venezuela também deixam claras divisões internas dentro do próprio partido e da esquerda em geral com relação à situação do país vizinho.

Na segunda-feira, por exemplo, o deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG), vice-líder do PT na Câmara, postou em sua conta no X (antigo Twitter) dizendo que “a atuação de Maduro na Venezuela é a postura de um ditador”.

Captura de tela de tuíte do deputado federal Reginaldo Lopes, do PT de Minas, em que se lê: "Um governo verdadeiramente democrático convive com críticas, questionamentos e oposição organizada. A atuação de Maduro na Venezuela é a postura de um ditador."

No dia seguinte, foi a vez do senador Randolfe Rodrigues (AP), recém filiado ao PT, divergir da executiva nacional da sigla e criticar as eleições realizadas na Venezuela.

“Uma eleição em que os resultados não são passíveis de certificação e onde observadores internacionais foram vetados é uma eleição sem idoneidade”, disse Randolfe à CNN.

Na quarta-feira, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, disse que a Venezuela “não se configura como uma democracia”.

“Na minha opinião pessoal — eu não falo pelo governo — [a Venezuela] não se configura como uma democracia. Muito pelo contrário”, afirmou a titular do Meio Ambiente, em entrevista ao portal Metrópoles.

“O Brasil está muito correto quando diz que quer ver o resultado eleitoral, os mapas, todas as comprovações de que, de fato, houve ali uma decisão soberana do povo venezuelano”, acrescentou a ministra.

O senador Randolfe Rodrigues e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, de mãos dadas
Legenda da foto,O senador Randolfe Rodrigues (PT-AP) e a ministra Marina Silva (Meio Ambiente) se posicionaram criticamente com relação à situação na Venezuela

Também na segunda-feira, Juliano Medeiros, ex-presidente nacional do PSOL — atualmente fora da Executiva Nacional do partido e dedicado à campanha de Guilherme Boulos à prefeitura de São Paulo — também postou nas redes sociais elogiando a posição de cautela adotada pelo Itamaraty.

Na quarta, Medeiros voltou a postar sobre o tema, dizendo “subscrever integralmente” uma postagem do presidente colombiano Gustavo Petro, crítica à situação na Venezuela.

“As sérias dúvidas que se estabelecem em torno do processo eleitoral venezuelano podem levar seu povo a uma profunda polarização violenta com graves consequências (…)”, escreveu Petro, na postagem republicada pelo ex-presidente do Psol

“Convido o governo venezuelano a permitir que as eleições terminem pacificamente, permitindo um escrutínio transparente com contagem de votos, atas e supervisão por todas as forças políticas do seu país e supervisão internacional profissional”, disse ainda Petros.

Procurado pela BBC News Brasil, Medeiros preferiu não dar entrevista, explicando que não é mais da direção nacional do PSOL e que uma declaração sua poderia ser confundida com a do partido.

Captura de tela de tuíte do ex-presidente do Psol, Juliano Medeiros, onde se lê: Posição equilibrada e responsável do governo brasileiro sobre as eleições na Venezuela. Não cabe a um governo endossar discursos a favor ou contra candidato A ou B. O respeito à soberania popular e a transparência são princípios a serem defendidos, doe a quem doer."

Para Lincoln Secco, da USP, a importância que a Venezuela tomou no debate político brasileiro — tendo marcado presença em todas as últimas eleições presidenciais e até nas eleições municipais deste ano — se deve à peculiaridade da situação daquele país.

A Venezuela é um caso difícil da esquerda debater. Porque ela tem um caminho muito próprio nessa onda de esquerda que começa no final do século 20, início do século 21″, observa o historiador.

“Por um lado, tem uma origem militar, o que não é comum na América Latina. E tem uma retórica socialista bastante radical, o que também não é comum”, acrescenta o pesquisador.

Ao mesmo tempo, diz Secco, a prática econômica interna do chavismo não é “revolucionária”. Isso porque há uma hegemonia da esquerda, que convive com o que é chamado de “boliburguesia”, uma elite que enriqueceu a partir de suas relações com o chavismo.

Tudo isso num país mergulhado em uma grave crise econômica, que levou o PIB (Produto Interno Bruto) da Venezuela a encolher mais de 60% somente na última década, e que já levou milhões a migrar.

“Então, é um regime muito específico em relação aos outros regimes de esquerda da América Latina. Isso causa uma grande dificuldade de posicionamento em relação a ela”, avalia o historiador.

“E acredito que a extrema direita percebe essa dificuldade do PT em relação a um regime como o venezuelano.”

MOTIVOS DO JAPÃO SER TÃO BOM NOS ESPORTES

 

BBC News Brasil

Duas judocas duelam no tatame
Legenda da foto,Judoca Rafaela Silva perdeu o bronze para japonesa Haruka Funakubo

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  • Author,Vitor Tavares
  • Role,Da BBC News Brasil em São Paulo

No futebol feminino, o Japão fez gol nos acréscimos e venceu a seleção brasileira. No skate, Rayssa Leal, medalha de bronze, só não esteve em um lugar mais alto no pódio porque duas japonesas ficaram na frente.

No judô, a campeã olímpica Rafaela Silva perdeu a disputa do bronze para uma judoca japonesa. E esses são só alguns exemplos dos primeiros dias de Jogos Olímpicos…

O Japão tem se mostrado um “carrasco” para os atletas brasileiros nos Jogos de Paris 2024 — o que, como tudo no Brasil, deu origem a uma onda de memes nas redes sociais.

Até o perfil oficial do Comitê Olímpico do Brasil (COB), o @Time Brasil, entrou na brincadeira e anunciou que “bloqueou” o perfil oficial dos japoneses, o @TeamJapan.

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Meme com pratos de sushi no Brasil e uma imagem do bloqueio da página do Team Japan no Twitter pelo Time Brasil
Legenda da foto,Memes com as consecutivas derrotas do Brasil para o Japão ganharam as redes

Até esta terça-feira, 30/7, o Japão era o primeiro no quadro de medalhas em Paris, com sete ouros e 13 medalhas no total.

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Na última Olimpíada, em Tóquio, o Japão terminou em terceiro lugar, com 27 medalhas de ouro e 58 no total, um recorde para o país,

O desempenho de destaque dos japoneses ocorre em meio a investimentos na área de esportes, impulsionados pelos Jogos de Tóquio, e uma cultura que valoriza o esporte desde as escolas.

“Não é apenas a edição de 2020 dos Jogos, em Tóquio, que leva o Japão a esse lugar. Isso começa com os primeiros jogos no país, em 1964, quando se criou uma cultura esportiva”, diz o professor Nelson Todt, coordenador do Grupo de Pesquisa em Estudos Olímpicos da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e presidente do Comitê Brasileiro Pierre de Coubertin, dedicado ao francês que criou os Jogos da era moderna.

“E essa cultura se sustenta pelo sistema educacional, por uma política que investe no esporte, patrocinadores… Não é algo só de agora.”

Desde 2015, o país mantém ainda projetos como o chamado melhoria da capacidade esportiva“, segundo o Ministério de Cultura, Esporte, Ciência e Tecnologia.

Isso acontece em meio a um crescente orçamento do governo japonês para o setor de esportes, segundo dados reunidos no site Statista.

Mas como o país se tornou uma potência olímpica?

Esportes ocidentais chegam ao Oriente (e às escolas)

Foto em prato e branco mostra partida de baseball
Legenda da foto,Beisebol se tornou um dos esportes mais populares no Japão desde início do século 20

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A história do país com a prática de esportes começa bem antes da chegada das modalidades “ocidentais” – que hoje são a maioria em competições como os Jogos Olímpicos -, segundo a Embaixada do Japão no Brasil.

Os esportes tradicionais do Japão, muitos nascidos por volta do século 12, eram chamados de “budo”, com destaque para o kendo (esgrima japonesa com bastões de bambu), jujutsu (que deu origem ao judô e ao jiu-jitsu), kyudo (arco e flecha japonês) e o karatê.

Após a chamada Restauração Meiji, em 1868, quando imperador Meiji chegou ao trono e iniciou o processo de modernização e internacionalização mais vertiginoso da história japonesa, varias modalidades esportivas do Ocidente foram introduzidas, como beisebol, atletismo, rugby, futebol e patinação no gelo.

A popularização veio principalmente pelo sistema educacional a partir de 1870, com a inclusão da educação física no currículo escolar, com esportes como remo e tênis. Os esportes, segundo o texto da embaixada, também vieram acompanhados da ideia de “de que eram maneira de se obter disciplina mental”.

A Associação de Esportes Amadores do Japão (JASA) foi organizada em 1911, em preparação para os 5º Jogos Olímpicos, que aconteceram no ano seguinte em Estocolmo, na Suécia. O Brasil viria a participar dos jogos a partir de 1920.

Além das aulas de educação física, desde o século 20 as escolas japonesas realizam eventos esportivos anuais nos quais todos os alunos participam. São os chamados undokai.

Até hoje, eles ocorrem no início de outubro, num feriado nacional conhecido como Dia dos Esportes.

Esses eventos escolares incluem uma variedade de atividades, como caminhadas, corridas, natação, competições de esportes com bola, esqui e escalada.

Segundo pesquisadores, os eventos escolares oferecem aos participantes oportunidades “de cultivar virtudes como cooperação, solidariedade, trabalho em equipe e responsabilidade”.

Os esportes também fazem parte das chamadas bukatsu – algo que poderia ser traduzido como “atividades extracurriculares”.

Esses clubes escolares preenchem o horário livre das crianças, que escolhem qual atividade esportiva ou cultural pretendem seguir. Dependendo do bukatsu, as crianças podem treinar durante um turno e participar de jogos amistosos nos finais de semana ou dias de folga.

Criança derruba adulto no judô
Legenda da foto,Crianças dedicam muito do seu tempo aos esportes no Japão

O papel das grandes empresas

Na segunda metade dos anos 1940, o Japão estava devastado após a derrota na Segunda Guerra ao lado da Alemanha nazista e da Itália fascista. O país também tinha sido arrasado pelas bombas atômicas jogadas pelos EUA em Hiroshima e Nagasaki.

Os anos que se seguiram ficaram conhecidos como o “milagre econômico japonês”, com o apoio dos americanos em meio à Guerra Fria. Esse período de reconstrução teve um grande impulso com o surgimento de empresas locais, que passaram a exportar produtos inovadores e relativamente baratos para o mundo.

Nesse cenário, surgem grandes empresas japonesas de eletrônicos, como a Toshiba, e de carros, como a Honda.

Essas novas grandes empresas também tiveram papel importante no fortalecimento do esporte no país, segundo mostra artigo da revista Nipponia, mantida pelo Ministério das Relações Exteriores japonês nos anos 2000.

“Após a Segunda Guerra Mundial, um número crescente de graduados desejava continuar participando de esportes. Eles foram atraídos por grandes corporações, que usaram parte dos lucros obtidos durante os períodos de crescimento para estabelecer clubes esportivos internos”, escreveu Tamaki Masayuki, respeitado escritor de esportes no país.

“Os times corporativos competiam entre si, e logo se percebeu que os melhores jogadores eram uma excelente propaganda para suas empresas. Em pouco tempo, os programas esportivos corporativos estavam treinando os melhores atletas do Japão”.

No livro Japanese Sports: A History (Esportes no Japão, um história, em tradução livre), os autores Allen Guttmann e Lee Thompson escrevem que, no país que se reerguia no pós-guerra, a população também buscava o reconhecimento em “esportes modernos” que ganhavam espaço no mundo.

“Apesar da devastação, as crianças brincavam entre as ruínas e os adultos começavam, timidamente, a reconstruir as organizações e a infraestrutura material dos esportes japoneses. Como seus avós no período Meiji, eles queriam não apenas a oportunidade de participar em esportes tradicionais e modernos, mas também o reconhecimento internacional de suas conquistas atléticas”, dizem os autores no livro.

O esporte que atraiu cada vez mais atenção após a guerra foi o beisebol, esporte em que o Japão levou o ouro nos Jogos de Tóquio (em Paris, a modalidade não está no programa). Os patrocinadores corporativos utilizaram o esporte como uma “ferramenta de publicidade e promoção”, segundo Masayuki.

Mas a relação íntima entre empresas e esporte japoneses arrefeceu desde os anos 1990, já que crises econômicas levaram a menos investimentos nos clubes esportivos das companhias.

Grandes eventos e investimentos

Cerimonia de abertua dos jogos de tóquio
Legenda da foto,Jogos de Tóquio impulsionaram esportes no Japão

Se as empresas ajudaram a popularizar alguns esportes, foram os grandes eventos que atraíram os japoneses para o esporte de alto rendimento.

Foi justamente no cenário pós-Guerra que o Japão sediou a Olimpíada de 1964 – o país chegou a ser excluído das competições em 1948, em Londres, mas foi readmitido em 1952, em Helsinque.

“Nesse Jogos de Tóquio, foi feita toda uma política esportiva para colocar o Japão como uma força mundial depois da Segunda Guerra”, explica Nelson Todt, do Grupo de Pesquisa em Estudos Olímpicos da PUCRS.

A edição de 1964, segundo o Comitê Olímpico Internacional (COI), ocorreu “em meio a um novo movimento político para enfatizar a importância da educação física entre os jovens da nação. Políticas educacionais que promoviam esportes ao longo da vida foram introduzidas antes do evento, uma abordagem que continuou nas décadas seguintes”.

Além desse esforço olímpico, desde 1946, o Japão sedia anualmente o chamado Kokumin Taiiku Taikai (Festival Nacional de Esportes). A ideia era reerguer as modalidades e levantar o moral da população.

Em 1951, o Japão participou dos primeiros Jogos Asiáticos, realizados em Nova Délhi, Índia, onde já se consagrou como maior medalhista da região.

Esses eventos são encarados por pesquisadores como exemplos que promoveram “entusiasmo dos japoneses pelas grandes competições esportivas”.

Na esteira da segunda edição dos jogos de verão em solo japonês, realizados em Tóquio em 2021 em meio a pandemia de covid-19, o governo japonês lançou uma série de programas para incentivar o esporte.

“Nenhuma edição sozinha de Jogos vai melhorar a longo prazo a cultura esportiva. A curtíssimo prazo melhora, como o Brasil em 2016, o Reino Unido em 2012, porque tem investimento, atenção da mídia. Isso potencializa os resultados”, diz Todt.

Para o professor, os Jogos de 2020 no fim serviram mais “para modernizar o Japão, com pelo menos oito anos de preparo em novos esportes”. “O país se atualizou e entendeu a lógica que precisa ‘mudar para não ser mudado’, compreendendo a necessidade de adaptação a novas culturas esportivas”, diz o pesquisador, com exemplos como o sucesso no skate.

O Japão também sediou os Jogos Olímpicos de inverno 1972 e 1998, além da Copa do Mundo de futebol em 2002, junto com a Coreia do Sul.

Segundo os dados, o investimento em esporte foi crescendo ano após ano, com um grande aumento principalmente em 2016, na preparação para os Jogos Olímpicos.

O chamado “projeto de melhoria da capacidade esportiva” de 2015 determina recursos para que “cada organização esportiva realize acampamentos de treinamento para a equipe nacional japonesa, enviar atletas para competições internacionais, nomear treinadores nacionais”.

Outro programa, chamado J-STAR, apoia jovens que almejem competir em competições internacionais. O site oficial do programa diz que “através de medições e avaliações de sua força física e capacidade atlética, os participantes encontrarão o esporte que melhor se adapta a eles e passarão por treinamentos, como acampamentos de treinamento conduzidos por treinadores de alto nível”.

O governo japonês também oferece benefícios para o setor privado investir, como deduções fiscais para doadores de atividades esportivas.

Para Todt, a visão japonesa de longo prazo pode ensinar ao Brasil. O professor avalia que o Time Brasil faz “milagre”, com aumento de atletas, medalhas e participação feminina a cada edição.”Temos uma monocultura, do futebol. Não adianta o foco nos atletas só a cada quatro anos, com mídia e investidores. Tem que pensar no ‘olimpismo 365’, todos os dias do ano”.

ISRAEL MATOU LÍDER DO HAMAS

 

BBC News Brasil

Mohammed Deif
Legenda da foto,Israel diz ter matado Mohammed Deif, líder militar do Hamas, que já havia sido alvo de pelo menos sete tentativas de assassinato

O exército de Israel afirmou ter confirmado que o chefe militar do Hamas, Mohammed Deif, foi morto em um ataque aéreo na Faixa de Gaza em julho.

Deif foi alvo do ataque a um complexo na área de Khan Younis em 13 de julho.

O Hamas ainda não confirmou sua morte.

Israel alega que Deif foi uma das figuras responsáveis pelo planejamento dos ataques de 7 de outubro no sul de Israel, nos quais 1.200 pessoas foram mortas.

O anúncio de Israel ocorre após o assassinato do líder político do Hamas, Ismael Haniyeh, em Teerã, e do comandante sênior do Hezbollah, Fuad Shukr, morto em um ataque aéreo israelense na capital libanesa, Beirute.

Um comunicado do exército israelense afirmou que, “após uma avaliação de inteligência, pode-se confirmar que Mohammed Deif foi eliminado” no ataque de 13 de julho.

Na época, o Ministério de Saúde, comandado pelo Hamas em Gaza, afirmou que o ataque aéreo matou mais de 90 pessoas, mas negou que Deif estivesse entre os mortos.

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Deif, que na verdade se chamava Mohammed Diab Al-Masry, liderava as Brigadas Al-Qassam, o braço militar do movimento Hamas, e estava entre os homens mais procurados por Israel há décadas.

Deif nasceu no campo de refugiados de Khan Yunis em 1965. Ele foi criado em uma família muito pobre e trabalhou ao lado do pai com fiação e estofamento, montou uma granja avícola e trabalhou como motorista.

Deif significa “visitante” ou “convidado”, em referência a seu estilo de vida, pois se acredita que ele se desloca de um lugar para outro para evitar a vigilância israelense.

Formado em Ciências pela Universidade Islâmica de Gaza, onde estudou Física, Química e Biologia, ele foi chefe do comitê de entretenimento da universidade e atuou no palco em comédias.

Durante seus anos de universidade, Deif juntou-se ao grupo da Irmandade Muçulmana.

E quando o Hamas começou, em 1987 – após a primeira Intifada palestina –, ele se juntou à organização.

Deif foi preso pelas autoridades israelenses em 1989 e passou 16 meses na prisão, acusado de trabalhar para o braço militar do Hamas.

Ele foi um dos co-fundadores da ala militar do grupo, as Brigadas al-Qassam, e também supervisionou a fundação de uma filial das Brigadas Qassam na Cisjordânia.

Em 2002, Deif tornou-se chefe das Brigadas Qassam, após o assassinato de seu antecessor, Salah Shehadeh, num ataque israelense.

Em 2015, Deif foi colocado na lista de terroristas internacionais dos EUA. E em dezembro de 2023, à lista da União Europeia.

Mohamed Deif
Legenda da foto,Deif tinha um status quase mítico em Gaza devido à sua capacidade de sobreviver a diversas tentativas de assassinato

Tentativas de assassinato

Deif foi acusado de planejar e coordenar atentados a bomba contra ônibus que mataram dezenas de israelenses em 1996, e de envolvimento na captura e morte de três soldados israelenses em meados da década de 1990.

Acredita-se que Deif tenha planejado os ataques do Hamas em 7 de outubro juntamente com Yahya Sinwar – o líder político do Hamas em Gaza.

E que ele tenha desempenhado um papel fundamental na arma mais proeminente do Hamas: o foguete Qassam, assim como no desenvolvimento da rede de túneis sob Gaza.

Também especula-se que Deif tenha passado a maior parte do tempo nesses túneis, escondendo-se do exército israelense e coordenando os ataques do Hamas.

Um túnel na Faixa de Gaza
Legenda da foto,Acredita-se que Deif tenha passado a maior parte do tempo nos túneis sob Gaza

Ele era uma figura sombria conhecida pelos palestinos como “O Cérebro” e pelos israelenses como “O Gato com Nove Vidas”.

Desde 2001, Deif havia conseguido sobreviver a sete tentativas de assassinato.

A mais grave foi em 2002. Ele sobreviveu, mas perdeu um dos olhos. Israel diz que ele também perdeu um pé e uma mão e ficou com dificuldade para falar.

Em 2014, as forças de segurança israelenses mais uma vez não conseguiram assassinar Deif durante um ataque à Faixa de Gaza, mas mataram sua esposa e dois de seus filhos.

Desde então, ele deixou poucos vestígios por onde passou. Há apenas três fotos conhecidas dele: uma é datada, na segunda ele está mascarado e na terceira aparece apenas sua sombra.

AMIGOS PROLONGAM AS NOSSAS VIDAS

BBC News Brasil

Fotografia de três mulheres negras rindo juntas
Legenda da foto,Podemos melhorar nossa saúde e aumentar o nosso tempo de vida mantendo relacionamentos saudáveis

Article information

  • Author,David Robson*
  • Role,Da BBC Future

Se você tiver prestado atenção às noções mais recentes sobre bem-estar e longevidade, terá notado o aumento do foco na situação dos nossos relacionamentos.

Os pesquisadores dizem que as pessoas com redes de relacionamento bem desenvolvidas tendem a ser muito mais saudáveis do que aquelas que se sentem isoladas.

A relação entre as nossas interações com as outras pessoas e a nossa longevidade é tão forte que a Organização Mundial da Saúde (OMS) criou recentemente uma nova Comissão sobre Conexões Sociais, consideradas uma “prioridade de saúde global”.

Talvez você tenha um certo ceticismo sobre estas afirmações e os misteriosos mecanismos que supostamente relacionam nosso bem-estar físico à solidez dos nossos relacionamentos. Mas a nossa compreensão do modelo de saúde “biopsicossocial” vem crescendo há décadas.

Enquanto pesquisava a ciência por trás dessas conclusões para o meu livro The Laws of Connection (“As leis da conexão”, em tradução livre), descobri que nossas amizades podem exercer influência sobre tudo – desde a resistência do nosso sistema imunológico até a possibilidade de morrermos de doenças cardíacas.

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As pesquisas trazem conclusões claras. Se quisermos viver uma vida longa e saudável, devemos começar a priorizar as pessoas à nossa volta.

As raízes científicas desta descoberta remontam ao início dos anos 1960.

Foi quando o médico Lester Breslow (1915-2012), do Departamento de Saúde Pública do Estado da Califórnia, nos Estados Unidos, definiu um projeto ambicioso para identificar os hábitos e comportamentos que geram maior longevidade.

Para isso, ele recrutou cerca de 7 mil participantes do condado de Alameda, na Califórnia. E, com questionários abrangentes, o médico elaborou um quadro extraordinariamente detalhado dos seus estilos de vida e acompanhou seu bem-estar nos anos que se seguiram.

Depois de uma década, a equipe de Breslow havia identificado vários dos ingredientes que, como sabemos hoje, são essenciais para a boa saúde: não fumar; beber com moderação; dormir sete a oito horas por noite; fazer exercícios; evitar guloseimas; manter peso adequado; e tomar café da manhã.

Na época, essas descobertas foram tão surpreendentes que, quando seus colegas apresentaram os resultados, Breslow achou que eles estivessem fazendo algum tipo de brincadeira.

Dificilmente você irá precisar de mim para explicar essas orientações com mais detalhes. O conjunto de sete hábitos saudáveis conhecido como “Alameda 7”, atualmente, é a base da maioria das orientações de saúde pública.

Mas as pesquisas continuaram. E, em 1979, dois colegas de Breslow – Lisa Berkman e S. Leonard Syme – descobriram um oitavo fator que influencia a longevidade das pessoas: as conexões sociais.

Em média, as pessoas com maior número de laços sociais apresentaram cerca de metade da probabilidade de morrer em relação às pessoas com redes sociais menores. E este resultado permanecia inalterado, mesmo considerando fatores como situação socioeconômica e a saúde das pessoas no início da pesquisa, consumo de cigarros, prática de exercícios e alimentação.

Fotografia de grupo de jovens brancos com pranchas de surfe em uma praia
Legenda da foto,Pesquisas sobre os benefícios à saúde dos círculos de amizade começaram na Califórnia dos anos 1960

Analisando com mais profundidade, ficou claro que todos os tipos de relacionamentos são importantes, mas alguns são mais significativos do que outros.

O senso de conexão com o cônjuge e amigos próximos oferece maior proteção, mas os próprios conhecidos casuais da igreja ou de um clube de boliche também ajudam a afastar a indesejável visita da morte.

A completa ousadia desta afirmação pode explicar por que ela foi inicialmente desprezada pelas orientações de saúde pública.

Os cientistas estavam acostumados a observar o corpo como uma espécie de máquina, praticamente separada do nosso estado mental e do ambiente social. Mas, desde então, extensas pesquisas confirmaram que a conexão e a solidão influenciam nossa suscetibilidade a muitas doenças.

O cerne da questão

O apoio social pode, por exemplo, estimular nosso sistema imunológico e nos proteger contra infecções.

Nos anos 1990, o professor de psicologia Sheldon Cohen, da Universidade Carnegie Mellon, nos Estados Unidos, pediu a 276 participantes de um estudo que fornecessem detalhes completos sobre suas relações sociais.

Eles foram examinados para determinar a existência de possíveis infecções, colocados em quarentena e pediu-se que eles inalassem gotículas de água infectadas com rinovírus, responsável por muitas gripes e resfriados.

Nos cinco dias seguintes, muitos participantes desenvolveram sintomas, mas a incidência foi significativamente menor entre as pessoas com conexões sociais amplas e diversificadas.

E, de fato, as pessoas com menores níveis de conexão social apresentaram risco três a quatro vezes maior de desenvolver resfriado do que as que contavam com redes mais ricas de familiares, amigos, colegas e conhecidos.

Qualquer bom cientista deve sempre considerar se outros fatores de confusão podem explicar os resultados. É razoável considerar, por exemplo, que as pessoas isoladas podem ser menos ativas e saudáveis, se passarem menos tempo ao ar livre, com seus amigos e familiares.

Mas Berkman e Syme também concluíram que a correlação permaneceu mesmo depois que os pesquisadores descontaram todos estes fatores. E as dimensões do efeito excedem em muito os benefícios de tomar suplementos vitamínicos, outra medida que pode reforçar nosso sistema imunológico.

Duas mulheres brancas e uma negra correndo em uma área gramada
Legenda da foto,Ter amigos pode ser tão bom para a saúde quanto fazer exercícios

O estímulo social à saúde se estende ao nosso risco de condições crônicas, que transformam a nossa vida, como o diabetes tipo 2.

O diabetes surge quando o pâncreas deixa de produzir insulina em quantidade suficiente e as células do corpo não reagem à insulina que flui através do corpo. Estas duas condições impedem a decomposição do açúcar do sangue em células de energia.

Fatores como a obesidade podem contribuir para o diabetes, mas, aparentemente, a qualidade dos relacionamentos também tem influência.

Uma pesquisa que envolveu 4 mil participantes do Estudo Longitudinal Inglês sobre o Envelhecimento concluiu que avaliações mais altas na Escala de Solidão UCLA (um questionário empregado pelos cientistas para medir as conexões sociais das pessoas) previram o início do diabetes tipo 2 ao longo da década seguinte.

Existem até mesmo sinais de que pessoas com fortes relações sociais apresentam menor risco de desenvolver Alzheimer e outras formas de demência.

Mas a evidência mais forte se refere às doenças cardiovasculares. Estudos em massa rastrearam a saúde de dezenas de milhares de pessoas ao longo de muitos anos e destacaram esta relação repetidas vezes.

O efeito pode ser observado tanto nos estágios iniciais – com pessoas com poucas relações sociais sendo mais propensas a desenvolver hipertensão – quanto nos quadros mais graves, com a solidão aumentando em cerca de 30% o risco de ataques cardíacos, angina ou AVC.

Para ter uma ideia da importância geral do estímulo social à saúde, a psicóloga Julianne Holt-Lunstad, da Universidade Brigham Young em Provo, no Estado americano de Utah, compilou as conclusões de 148 estudos. Juntos, eles analisaram 300 mil participantes, observando os benefícios da integração social e os riscos da desconexão.

Ela então comparou os efeitos da solidão com os riscos de diversos outros fatores de estilo de vida, como fumar, beber álcool, fazer exercícios e atividade física, índice de massa corporal (que mede a obesidade), poluição do ar e a ingestão de medicamentos para controlar a pressão arterial.

Os resultados foram publicados em 2010. Eles são surpreendentes.

Holt-Lunstad concluiu que o tamanho e a qualidade das relações sociais apresentam relação igual ou maior do que quase todos os outros fatores determinantes da mortalidade. Quanto mais as pessoas se sentem apoiadas pelas pessoas à sua volta, melhor é a sua saúde e menor a sua probabilidade de morrer.

De forma geral, as conexões sociais ou sua ausência desempenham papel muito maior na saúde das pessoas do que o consumo de álcool, exercícios, índice de massa corporal e a poluição do ar. Os únicos efeitos que chegaram perto foram os do cigarro.

Causa ou correlação?

Esta pesquisa enfrentou críticas.

Para conseguir uma prova inquestionável da relação causal entre um fator de estilo de vida e a longevidade em geral, seria preciso realizar um experimento controlado, no qual você aloca pessoas aleatoriamente a diferentes condições.

É desta forma que os novos medicamentos são testados – algumas pessoas tomam o remédio, outras tomam o placebo e alguém registra os diferentes resultados.

Neste caso, seria preciso alocar algumas pessoas a uma condição solitária, negando a elas que tivessem amizades, enquanto outras recebem uma rede social pronta, repleta de pessoas adoráveis.

Claramente, este procedimento é eticamente duvidoso e praticamente impossível de ser realizado, o que levou algumas pessoas a questionar se os efeitos aparentes das conexões sociais são reais e significativos.

Elas sugerem que os cientistas podem ter perdido algum fator de confusão que oferece a ilusão de relação entre as nossas vidas sociais e a nossa saúde e longevidade, apesar de todos os esforços.

Mulher jovem branca sentada sozinha em uma cama
Legenda da foto,A solidão desencadeia mudanças fisiológicas no corpo, que podem ser prejudiciais no longo prazo

Mas este argumento não é tão irrefutável quanto parece, como defendeu recentemente Holt-Lunstad, em uma análise da pesquisa.

Afinal, nós não podemos realizar experimentos randomizados em seres humanos para comprovar os riscos da redução do tempo de vida causados pelo fumo – a ética do processo seria ainda mais questionável. Mas poucos cientistas hoje em dia negariam a relação causal entre o fumo e a redução da longevidade.

Isso ocorre porque os cientistas detêm outra forma de demonstrar a relação causal entre o estilo de vida e uma doença. São os chamados critérios de Bradford Hill.

Holt-Lunstad destaca que, em estudos de longo prazo como a pesquisa Alameda, por exemplo, os cientistas podem procurar a “temporalidade”, ou seja, tentar saber se as escolhas de estilo de vida de alguém precedem o desenvolvimento da doença.

Neste caso, a sequência é muito clara. As pessoas relataram sua solidão muito antes de desenvolverem seus problemas de saúde.

Os cientistas podem também procurar “relação de reação à dosagem”, ou seja, se a maior exposição ao fator de estilo de vida proposto resulta em maior risco.

E, também aqui, existe um padrão evidente: as pessoas totalmente isoladas são mais propensas a sofrer problemas de saúde mais sérios do que alguém que fica sozinho ocasionalmente – que, por sua vez, sofre mais doenças do que alguém que tem um círculo social vibrante.

É possível também verificar se as conclusões são consistentes em diferentes populações, usando diversos tipos de medição.

Se os efeitos houvessem sido identificados apenas em uma pequena amostra, ou se eles aparecessem apenas quando consideramos um único questionário de solidão, você teria razão de ser cético. Mas não é o caso.

O estímulo social à saúde também já foi documentado em todo o mundo, segundo Holt-Lunstad, utilizando diversos métodos de quantificação das conexões sociais das pessoas.

Quer você procure sentimentos subjetivos ou considere fatos objetivos, como o estado civil ou o número exato de vezes em que uma dada pessoa encontra conhecidos todos os meses, o padrão permanece o mesmo.

Podemos até observar efeitos paralelos em espécies sociais muito diferentes, como os golfinhos, babuínos-do-cabo e macacos Rhesus. Quanto mais integrado for o indivíduo ao seu grupo social, maior é a sua longevidade.

A segurança em números

Para compreender como e por quê a solidez das nossas conexões sociais pode influenciar até certo ponto a nossa saúde, precisamos analisar a nossa evolução.

Quando os primeiros seres humanos se adaptaram para viver em grupos maiores, tudo dependia dos seus relacionamentos, desde o abastecimento de comida até a proteção contra os predadores. Perder os companheiros deixaria os humanos em risco de doenças, lesões e de morrer de fome.

Por isso, o cérebro e o corpo humano podem ter evoluído para interpretar o isolamento social como uma ameaça séria. Esta pode ser a razão por que sentimos tanta angústia quando estamos sozinhos e desconectados.

Da mesma forma que a dor física nos alerta a buscar segurança e cuidar das nossas feridas, a dor social pode ter evoluído para nos convencer a evitar parceiros hostis e restabelecer nossas relações positivas.

Sentimentos de rejeição ou isolamento também despertam uma série de reações fisiológicas.

No nosso passado evolutivo, elas se destinavam a proteger os primeiros seres humanos contra os riscos imediatos representados pelo isolamento, como os ataques de predadores ou inimigos. O cérebro aciona a liberação de norepinefrina e cortisol, os hormônios que mantêm a mente alerta contra ameaças e preparam o corpo para agressões.

Paralelamente, o sistema imunológico começa a aumentar a produção de moléculas inflamatórias, para defender o corpo contra os patógenos. Para os primeiros seres humanos, isso teria reduzido o risco de infecções, se eles eventualmente fossem feridos por um ataque.

A sensação de isolamento e estresse social também pode aumentar a produção de fibrinogênio, que promove a coagulação do sangue e ajuda na cura das feridas. Esta reação teria aumentado a possibilidade de sobrevivência imediata dos nossos ancestrais, mas poderia causar danos de longo prazo.

Quando o corpo fica constantemente preparado para hostilidade e agressões, ele aumenta a tensão sobre o sistema cardiovascular. Paralelamente, as inflamações crônicas podem evitar a infecção das feridas, mas a reação imunológica decorrente é menos adequada para reagir aos vírus, o que aumentaria a possibilidade de contrair doenças respiratórias, por exemplo.

As inflamações crônicas também causam o desgaste de outras células, o que pode aumentar o risco de diabetes, Alzheimer e doenças cardíacas. E os níveis elevados do fator de coagulação fibrinogênio podem causar trombose, que pode gerar ataque cardíaco ou AVC.

Se passarmos décadas em solidão e isolamento, estas mudanças podem aumentar drasticamente o risco de doenças e morte precoce. Mas, quando as pessoas contam com conexões e apoio social, seus corpos irão suprimir processos como as inflamações. E, como resultado, elas terão um padrão de saúde muito melhor, que as torna menos suscetíveis a doenças.

Por ter sofrido de timidez, eu costumava considerar estas conclusões um tanto desconcertantes. Como podemos colher os benefícios da conexão profunda se não formos naturalmente sociáveis e extrovertidos?

Mas, desde que me aprofundei nas evidências, descobri que nossas habilidades sociais são como os nossos músculos – quanto mais usamos, mais fortes elas ficam. E mesmo os declaradamente introvertidos podem aprender a ser mais sociáveis, se quiserem.

Da mesma forma que planejamos um programa de exercícios para aumentar nossa atividade física, todos nós podemos encontrar maneiras de integrar interações sociais mais significativas às nossas vidas, alimentando velhos laços e construindo novos.

Somos programados para nos conectarmos. Basta apenas fornecer a nós mesmos as oportunidades adequadas.

* Esta reportagem é um trecho editado do livro As Leis da Conexão: Os Segredos Científicos de Estabelecer uma Forte Rede Social (em inglês), de David Robson. Sua conta no X (antigo Twitter) é @d_a_robson e ele também pode ser encontrado com o nome @davidarobson no Instagram e no Threads.

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Innovation.

 

VOTO ELETRÔNICO X VOTO MANUAL

 

Manuel Pavón – Gerente de contas de parceiros da DigiCert LATAM.

As eleições municipais no Brasil em 2024 ocorrerão em 6 de outubro, com segundo turno previsto para 27 de outubro. Os eleitores escolherão os prefeitos, vice-prefeitos e vereadores dos 5.569 municípios do país. E com isso a velha discussão retorna: voto eletrônico X eleição em papel.

A pandemia nos ensinou que muito do que pensávamos que tinha que acontecer presencialmente poderia ser feito online tão bem quanto – senão melhor! Mas votar é uma tarefa importante que muitas pessoas ainda não se sentem confortáveis em votar em um computador – principalmente em tempos de polarização política.

Não é difícil entender o porquê. A tecnologia usada no voto digital ainda é relativamente jovem e ainda não conquistou a confiança dos eleitores. E se os invasores descobrirem uma maneira de hackear uma eleição, os efeitos poderiam ser devastadores e de longo alcance.

Como um método de votação confiável deve funcionar

Em qualquer democracia, o método de votação ideal precisa atingir três alvos principais:

Prevenção de fraudes: garantir que cada voto seja legítimo.

Privacidade: proteger as escolhas dos eleitores de olhares curiosos.

Custo-benefício: tornar as eleições acessíveis para todos.

“Reforçar a segurança geralmente diminui a usabilidade. Pense em como é adicionar autenticação multifator (MFA) às suas contas on-line — você sabe que isso fornece uma camada extra de segurança, mas você tem que pular alguns obstáculos para acessar suas contas”, diz Manuel Pavón – Gerente de contas de parceiros da DigiCert LATAM.

O mesmo vale para eleições, onde adicionar segurança extra significa etapas extras (e maiores investimentos financeiros). Essa é uma das principais razões pelas quais os métodos de votação têm evoluído lentamente.

O método da velha escola e suas desvantagens

Alguns especialistas em segurança eleitoral ainda consideram as cédulas de papel o padrão ouro dos métodos de votação porque o papel é difícil de hackear.

“Mas há desvantagens. As cédulas de papel são mais difíceis de contabilizar e nem sempre são acessíveis a todos, especialmente pessoas com deficiência. Uma pessoa com deficiência visual, por exemplo, não pode usar uma cédula de papel sem assistência, o que pode comprometer a segurança e a privacidade desse voto”, explica Manuel Pavón.

E mesmo que votar manualmente possa ser o único método real “inviolável” de votação, as cédulas de papel ainda são vulneráveis se os dados do eleitor e a infraestrutura eleitoral não estiverem devidamente protegidos.

As urnas eletrônicas de votação são confiáveis?

As máquinas de votação são uma escolha popular, especialmente quando combinadas com um sistema de auditoria em papel. Mas elas não são imunes a falhas. Hackers de chapéu branco demonstraram que as máquinas de votação podem ser manipuladas, e nem todos os estados exigem um rastro de papel para verificar seus resultados eleitorais.

Em um estudo preocupante da Universidade de Michigan, pesquisadores conseguiram alterar votos em dispositivos de marcação de cédulas, e a grande maioria dos eleitores nem percebeu. Menos da metade revisou suas cédulas, com apenas 7% dos eleitores alertando um trabalhador de que algo estava errado.

O que este estudo ilustrou é o quão facilmente uma eleição acirrada pode ser influenciada pela manipulação de apenas alguns votos.

Criando um futuro seguro e acessível para a votação

O futuro da votação segura no Brasil pode muito bem envolver uma abordagem híbrida que aproveite os pontos fortes dos métodos digitais e tradicionais. As possibilidades digitais estão evoluindo rapidamente, com tecnologias como inteligência artificial (IA) trazendo novas ameaças e soluções inovadoras para o cenário eleitoral.

A tecnologia tem o poder de fornecer uma maneira transparente e inviolável de votar e contar votos. A IA pode aprimorar a autenticação do eleitor, melhorar a detecção de fraudes e monitorar continuamente as redes para possíveis violações de segurança. Os avanços na autenticação biométrica têm o potencial de aprimorar a privacidade e a prevenção de fraudes sem sacrificar a usabilidade.

“À medida que a tecnologia evolui, a segurança eleitoral precisará evoluir junto com ela para garantir que qualquer pessoa que assuma um cargo eletivo chegue lá de forma justa. Mas os avanços mais vitais virão do aumento da confiança pública nos sistemas de votação digital. E podemos chegar lá com medidas de segurança transparentes e educação contínua sobre os diferentes tipos de votação e sua suscetibilidade à fraude”, conclui Pavón.

Seja qual for o futuro da votação, há uma coisa que sabemos com certeza: não votar é a única maneira infalível de garantir que sua voz não seja ouvida.

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