História de Redação – IstoÉ Dinheiro
O governador paulista, Tarcísio de Freitas (Republicanos), acabou de
ganhar uma imagem forte para demonstrar nas eleições de 2026 o seu
compromisso com a redução da máquina pública: a privatização da Sabesp, a
companhia estadual de saneamento básico.
Os números são superlativos. Com 28,4 milhões de clientes em 375
municípios, a Sabesp é uma das maiores empresas do mundo do setor. A venda de 32,3% de suas ações, liquidada nesta segunda-feira, 22, arrecadou R$ 14,8 bilhões, e a procura por ações foi superior à da privatização da Petrobras.
A polêmica também foi grande. Parte da sociedade é contra a
privatização do serviço de água e esgoto, por entender que isso
encareceria tarifas e que o acesso deve ser garantido pelo estado. Outra
parte entende que a privatização pode ampliar os investimentos e a
eficiência do setor, ampliando a cobertura.
A privatização de estatais de saneamento ganhou força com a
aprovação, há quatro anos, do Marco do Saneamento, que busca elevar
investimentos privados no setor e definiu a meta de levar água encanada a
99% da população e coleta de esgoto a 90% até 2033.
Um dos argumentos a favor do marco é atrair recursos para construir
redes de esgoto nas regiões mais negligenciadas, que sofrem com as
doenças associadas à falta de saneamento básico.
Mas esse não é o caso da Sabesp, o que fez da sua privatização um
caso particular. A empresa tem ações negociadas em bolsa desde 1997, e
em 2023 registrou lucro líquido de R$ 3,5 bilhões. Na sua área de
cobertura, 98% da população tem abastecimento de água e 93%, coleta de
esgoto. E a companhia desfruta de boa imagem entre os paulistas: uma
pesquisa realizada em abril pela Quaest apontou que 52% deles eram
contra a privatização, e 36%, a favor.
Qual foi o modelo de privatização da Sabesp
Tarcísio já havia comandado privatizações e concessões como ministro
da Infraestrutura de Jair Bolsonaro, e na campanha a governador de 2022
prometeu privatizar a Sabesp se fosse eleito. “É uma empresa arrumada,
mas empresa privada cobra tarifa mais barata de saneamento”, disse à
época. Um mês após assumir o Palácio dos Bandeirantes, iniciou os
estudos para a privatização, e em dezembro de 2023 a Assembleia
Legislativa aprovou o projeto de lei que autorizou o processo.
O governo optou por não vender completamente a Sabesp, mas
transmitir sua gestão a uma acionista de referência, que terá 15% das
ações, e pulverizar outros 17,3% das ações no mercado. Com isso, o
estado reduz sua participação de 50,3% para 18%.
Não houve concorrência para ser acionista de referência: apenas uma
empresa manifestou interesse, a Equador, que tem experiência consolidada
no setor de distribuição de energia. Ela pagou R$ 6,9 bilhões pelas
ações, a um preço unitário de R$ 67.
No modelo adotado, o mesmo valor por ação pago pelo acionista de
referência foi aplicado na venda pulverizada, que rendeu R$ 7,9 bilhões –
a maior parte comprada por fundos nacionais e internacionais. O valor
de R$ 67 por ação foi 18,3% menor do que o preço das ações negociadas em
bolsa na última quinta-feira, quando foi confirmada a venda
pulverizada.
Ao defender a privatização, o governo paulista ressaltou que ela
prevê universalizar o saneamento até 2029, quatro anos antes do prazo,
além de investimentos de R$ 68 bilhões na rede. O processo também
destina 30% do valor líquido arrecadado com a privatização a um fundo
para obras de saneamento e subsídios tarifários.
Vale a pena passar o saneamento para a iniciativa privada?
O dilema é antigo. Empresas privadas podem ter mais recursos para
investir e incentivos para ampliar a eficiência, mas o objetivo maior
sempre será o lucro. A depender das regras e da fiscalização do Estado,
isso pode significar melhorias, como no caso das telecomunicações, ou
levar a pioras e aumento dos preços.
Paulo Furquim de Azevedo, professor e coordenador do Centro de
Regulação e Democracia do Insper, avalia à DW que o resultado final
depende da estrutura regulatória. No setor de saneamento, ele conduziu
pesquisas que encontraram efeitos positivos da atuação de empresas
privadas, devido a investimentos novos e à ampliação da rede de esgoto –
hoje ausente em quase 40% dos domicílios do Brasil.
Uma das pesquisas cruzou dados da concessão privada do saneamento com
a taxa de ocorrência de doenças relacionadas à água, que em crianças de
1 a 5 anos costumam decorrer de falta de saneamento. O estudo isolou o
efeito de outros fatores, como a melhoria da rede de saúde, e concluiu
que a atuação privada no saneamento reduziu a ocorrência dessas doenças,
em especial em municípios pequenos. Outra pesquisa concluiu que a rede
de esgoto aumenta com a concessão à iniciativa privada.
Já no caso da Sabesp, ele afirma não ver condições para o mesmo
impacto positivo, pois trata-se de um “exemplo de empresa pública que já
funcionava muito bem”.
“Não espero que a privatização da Sabesp terá os efeitos que
verificamos na média dos municípios. Não significa que vai piorar. O
ponto é que ela já tinha um serviço de saneamento muito bom, então a
oportunidade de ganho de uma concessão privada já se esgotou”, diz. “A
empresa pública já era capaz de fazer investimentos e era bem gerida,
com capacidade de fazer captações de recursos.”
Em outra pesquisa sobre o setor, Azevedo avaliou os incentivos
políticos que levam governantes a decidirem privatizar ou conceder as
empresas de saneamento. Um deles, diz, é o imenso volume de recursos que
entra nos cofres públicos durante a privatização ou concessão, que em
sua maioria irrigam o cofre único do estado.
No caso de São Paulo, ele aponta também o elemento ideológico. “A
plataforma que venceu a preferência da sociedade na última eleição foi
mais privatizante, voltada à redução do papel do Estado, e isso se
reflete na agenda do governo”, diz.
Críticas ao processo e receio de piora do serviço
A privatização da Sabesp recebeu oposição de seus funcionários e de
algumas entidades civis e partidos. Francisca Adalgisa,
diretora-presidente da Associação dos Profissionais Universitários da
Sabesp e membra do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao
Saneamento (Ondas), afirma à DW que não havia “nenhuma justificativa”
para a mudança de controle acionário.
Ela cita que a empresa é lucrativa e já cumpriu as metas de
universalização em mais de 300 municípios. Os locais ainda não
atendidos, diz, são aqueles com mais dificuldade de acesso, mas ela
projeta que no ritmo atual de investimento a universalização seria
alcançada em 2033 “sem afogadilho”.
Para Adalgisa, a meta de universalizar o atendimento até 2029, citada
pelo governo Tarcísio, é uma “promessa falsa”, pois não haveria
projetos nem empresas de engenharia disponíveis capazes de concluir
essas obras no prazo. Ela prevê queda de qualidade no atendimento, como
resultado da provável terceirização de atividades que virá na gestão
privada. “Demora para você treinar um funcionário para fazer um bom
trabalho, há um turnover [rotatividade de pessoal] muito alto se você
terceiriza, os salários são muito baixos”, diz.
Ela também critica o processo de privatização, que resultou em apenas
uma proposta de acionista de referência, e que segundo ela foi
conduzido de forma acelerada e direcionada. “O governo correu com a
teoria do fato consumado. Quando cair a ficha na população, o acionista
já botou a pessoa na cadeira”, diz. A Ondas e o PT moveram ações na
Justiça para tentar barrar o processo, sem sucesso. Na sexta-feira, o
ministro Luis Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal
(STF), negou uma liminar a respeito.
Em Berlim, privatização e reestatização
Em algumas cidades do mundo, a experiência de privatizar o serviço de
saneamento deixou a população insatisfeita. Segundo uma pesquisa do
Transational Institute, 364 delas decidiram reverter privatizações de
saneamento desde a virada do século – entre eles, Paris e Berlim.
Na capital alemã, a empresa de água e esgoto – Berliner
Wasserbetriebe (BWB) – foi parcialmente privatizada em 1999. O governo
vendeu 49,9% de suas ações a duas gigantes do setor, a alemã RWE e a
francesa Vivendi, que assumiram a gestão. Treze anos depois, após
pressão social, o poder público comprou de volta as ações.
À frente da mobilização civil estava a organização Berliner
Wassertisch, que organizou um referendo em 2011 – o primeiro da história
da cidade – no qual a maioria dos votantes optou para que os contratos
da privatização, então secretos, fossem tornados públicos.
Karl Goebler, membro da Berliner Wassertisch e cofundador do Berliner
Wasserrat, relata à DW que a decisão pela parceria público-privada no
saneamento ocorreu em um momento de crise fiscal do governo, que buscava
recursos extras, e de entusiasmo mundial com as políticas neoliberais,
que valorizam a privatização e a desregulação.
Os berlinenses, porém, desaprovaram a experiência. Goebler relata que
a tarifa subiu 37% durante o período da privatização, “fazendo com que o
preço da água em Berlim fosse o maior entre as cidades alemãs”. Ele
cita também que os contratos secretos semearam desconfiança na população
e que, uma vez tornado públicos, mostraram que garantiam lucro mínimo
de 8% para os investidores privados – coberto pelo governo se não fosse
obtido por meio das tarifas.
Em 2012, o governo comprou de volta as ações da RWE e em 2013, as da
Vivendi. Com a reestatização, diz Goebler, “os preços se estabilizaram e
em alguns casos, caíram”. “O controle público levou a maior
transparência e abriu-se espaço para investimentos mais de longo termo.”
Por outro lado, ele cita que a recompra das ações representou um
gasto significativo para o governo, que teve de fazer empréstimos para
isso, e que a transição da gestão privada para a pública trouxe
“desafios burocráticos” para reconverter a estrutura corporativa de
volta para o regime estatal.
O post Sabesp privatizada: o que muda e como o exemplo de Berlim pode servir de alerta apareceu primeiro em ISTOÉ DINHEIRO.