Folha de S. Paulo
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O grupo de trabalho que analisa o
projeto de regulamentação da reforma tributária na Câmara dos Deputados
divulgou nesta quinta-feira (4) seu parecer sobre o projeto.
O texto deixou de fora as carnes da lista de produtos da cesta básica
nacional -que terá alíquota zero–, aumentou descontos tributários para o
setor de construção civil e definiu que carros elétricos e jogos de
azar terão incidência do chamado “imposto do pecado”.
Veja os principais pontos do texto apresentado nesta quinta:
CESTA BÁSICA NACIONAL SEM CARNE
O texto define os produtos que compõem a chamada cesta básica
nacional, uma lista de itens consumidos pela população de baixa renda
que terão isenção dos futuros impostos, e deixou de fora as carnes.
A proposta original já havia excluído as proteínas animais da cesta,
sob o argumento de que a inclusão de frango e aves, peixes e carnes
vermelhas poderia elevar a alíquota média final prevista para os novos
tributos. A decisão de não incluir as carnes na lista foi do Ministério
da Fazenda
No novo parecer, a justificativa permanece a mesma: a inclusão da
carne pode elevar em 0,57 ponto percentual a alíquota média da CBS
(Contribuição sobre Bens e Serviços) e do IBS (Imposto sobre Bens e
Serviços), impostos que serão criados pela reforma, que passaria de
26,5% para 27,1%.
Na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
defendeu uma mediação, com a inclusão do frango na lista. Nesta semana,
ele defendeu imposto zero para as carnes que serão consumidas “pelo
povo”.
Já presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) posicionou-se de forma contrária à inclusão.
A pressão, no entanto, segue forte para deixar as carnes em geral com
alíquota zero, e parlamentares nos bastidores já dão como praticamente
certa a mudança.
IMPOSTO DO PECADO TERÁ JOGOS DE AZAR E CARROS ELÉTRICOS
A reforma tributária cria o Imposto Seletivo (IS), apelidado de
“imposto do pecado”, que funcionará como uma alíquota extra para coibir
comportamentos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.
O relatório divulgado nesta quinta incluiu a cobrança do IS para
jogos de azar (inclusive as bets) e carros elétricos. Por outro lado, os
caminhões foram retirados da lista.
Permaneceram na lista de produtos a serem tributados pelo IS veículos
(exceto caminhões), bebidas, cigarros, minérios, bebidas alcoólicas e
açucaradas.
O deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) explicou que a decisão de retirar
os caminhões da lista está associada ao fato de que o Brasil é um país
essencialmente rodoviário. “Atividade produtiva, gente. O Brasil é um
país rodoviário, 85%”, disse.
As armas também ficaram de fora da lista do IS. No ano passado,
quando a PEC (proposta de emenda à Constituição) da reforma foi
analisada no plenário da Câmara, deputados do PL, partido do
ex-presidente Jair Bolsonaro, conseguiram derrubar essa cobrança.
FUNDOS IMOBILIÁRIOS E FIAGROS PODERÃO ESCOLHER REGIMES DE TRIBUTAÇÃO
O grupo de trabalho decidiu que os fundos imobiliários e os Fiagros
(Fundo de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais) poderão
optar pelo regime de tributação com a entrada em vigor da reforma
tributária.
Uma das alternativas estabelece que os fundos passem a ser tributados
pelo IBS e pela CBS. Com a mudança, os fundos passariam a ser
contribuintes dos dois novos tributos da reforma, como se fossem uma
pessoa jurídica, mas em compensação poderiam apropriar créditos
tributários a partir da entrada em vigor da reforma, em 2026.
A outra alternativa é deixar essas operações sem tributação, como é hoje, mas sem garantir os créditos.
Para técnicos do governo, a medida seria vantajosa para os fundos, e a
carga tributária iria, na prática, cair para a maioria deles.
Havia, porém, forte resistência dos representantes dos
administradores dos fundos, que avaliam que teriam perda de
rentabilidade. A decisão do grupo de trabalho foi dar a opção aos
gestores.
A decisão sobre a taxação de fundos de previdência com os novos
impostos, no entanto, ficará para o colégio de líderes. Hoje, os fundos
fechados pagam PIS-Cofins na gestão do fundo, mas já questionam na
Justiça essa cobrança.
No projeto do Executivo, a regra do PIS-Cofins foi mantida para a CBS
e o IBS. Os fundos pediram para ficar fora dessa cobrança. Os
representantes dos fundos de pensão alegam que eles perderiam
rentabilidade, o que poderia gerar perdas para os participantes.
SETOR IMOBILIÁRIO E CONSTRUÇÃO CIVIL GANHAM MAIS DESCONTOS
O parecer atendeu parcialmente a demanda do setor imobiliário e da
construção civil e reduziu a tributação para atividades da área. Agora, o
desconto nas alíquotas será de 40% para operações com bens imóveis e de
60% para operações com aluguéis. O projeto inicial previa desconto de
20%.
Para o setor, no entanto, o projeto acabou elevando a carga de
impostos para imóveis em geral, chegando a dobrá-la. Pelos cálculos da
CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil), seria
necessário um desconto de 60% para manter uma carga próxima da atual.
CASHBACK PARA POPULAÇÃO DE BAIXA RENDA É MANTIDO
Os deputados mantiveram no relatório as porcentagens que foram
definidas para o cashback, mecanismo que prevê a devolução de impostos
para a população de baixa renda, no texto original enviado pelo governo.
O projeto prevê cashback de 100% da CBS e 20% do IBS para aquisição
de botijão de gás (13 kg), e de 50% da CBS e 20% do IBS para as contas
de luz, de água e esgoto e de gás encanado. Para os demais produtos, a
devolução será de 20% da CBS e do IBS.
ISENÇÃO FISCAL PARA ABSORVENTE E TAXAÇÃO PARA O VIAGRA
O principal medicamento para tratamento de disfunção erétil vendido
no Brasil, o Viagra, vai pagar 40% da alíquota de 26,5% prevista para os
novos impostos CBS e IBS, criados pela reforma tributária em discussão
da Câmara.
O medicamento entrou na lista de itens de saúde com desconto parcial
dos tributos definida pelo GT (Grupo de Trabalho) da Câmara responsável
pela relatoria do projeto de lei de regulamentação da reforma. O remédio
vai pagar 10,6% de imposto.
No texto original enviado pelo Ministério da Fazenda, o Viagra
receberia isenção total dos impostos. No lugar dele na lista com
alíquota zero entrou o absorvente menstrual. O deputado Reginaldo Lopes
(PT-MG) defendeu a mudança como justiça social para baratear os
absorventes para mulheres mais pobres.
“Zeramos a alíquota para a dignidade menstrual e aumentamos a do Viagra”, afirmou.
PROJETO CRIA NANOEMPREENDEDOR, QUE TERÁ ISENÇÃO
O grupo de trabalho propôs a criação da figura do “nanoempreendedor”,
pessoa física não formalizada com faturamento de até R$ 40,5 mil por
ano. A categoria será isenta do recolhimento dos novos tributos e poderá
continuar na informalidade, respeitado o limite de valor.
A medida tem potencial para alcançar revendedores de produtos de catálogo, motoristas de aplicativo e entregadores.
Sem a mudança, a visão é de que todas as pessoas que atuam nas
plataformas ou como revendedoras precisariam se formalizar, mesmo que as
vendas ou a prestação de serviços sejam esporádicas ou fonte de
complementação de renda da família.
Se o faturamento passar dos R$ 40,5 mil anuais, aí sim será exigida a
formalização, que poderá ser feita na forma de inscrição como MEI
(microempreendedor individual) -com recolhimento de R$ 3 ao regime do
IBS e da CBS, além da contribuição previdenciária- ou conforme a nova
regulamentação dos aplicativos em discussão no Congresso Nacional. O
limite de faturamento do MEI é de R$ 81 mil por ano.