História de Márcio Resende – RFI
Argentina: gestão de Milei entra em nova com aprovação da 1ª lei, inflação em baixa e discussão com FMI© REUTERS – Agustin Marcarian
A aprovação do primeiro pacote de leis depois de seis meses implica para o presidente Javier Milei uma nova fase de gestão da Argentina na qual será cobrado por soluções sem poder atribuir toda a culpa à herança recebida. A inflação de maio é a mais baixa desde fevereiro de 2022, mas precisará da normalização da economia para continuar a cair. O governo negocia um novo empréstimo com o FMI, que avisa não ter pressa para um acerto. A vice-presidente, Victoria Villarroel, ganha protagonismo num governo até aqui deficiente em gestão.
Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires
Há quase um ano, Diego Bentancor passou a morar na rua. O salário como ajudante de cozinha num restaurante de comida rápida já não era suficiente para pagar um aluguel. Mês a mês, à medida que a inflação na Argentina disparava a ponto de terminar 2023 em 211,4%, o aumento de preços superou o poder de Diego comprar comida. Atualmente, ele depende de refeições doadas para comer.
Mesmo assim, Diego, 38 anos, acredita que é questão de tempo sair das ruas. “Eu me sinto como se tivesse um problema transitório. Estou na rua, é verdade, mas nunca digo que moro na rua. Digo que tenho um problema e que vou sair. Estou hoje comendo aqui, mas vou-me recuperar”, afirma Diego à RFI.
O otimismo de Diego começa a ter correlação com a realidade. Nas últimas horas, o Instituto argentino de Censos e Estatísticas (Indec) divulgou que a inflação de maio ficou em 4,2%. O número equivale a todo um ano de inflação no Brasil e assustaria em qualquer país estável. Mas, nesta Argentina, até seis meses atrás sob risco de hiperinflação, é uma boa notícia. Esse é a taxa mais baixa desde fevereiro de 2022.
Nos últimos 12 meses, a inflação acumulada ficou em 276,4%. É a primeira vez, desde julho de 2023, que o acumulado interanual diminuiu em relação ao mês anterior. A inflação de maio é cinco vezes inferior aos 25,5% de dezembro, quando o presidente Javier Milei assumiu o cargo, quatro vezes inferior aos 20,6% de janeiro, três vezes inferior aos 13,2% de fevereiro ou aos 11% de março, e a metade dos 8,8% de abril.
Mas os analistas advertem que a trajetória de baixa pode ter encontrado um piso. O governo adiou aumentos como um imposto aos combustíveis e subidas nas tarifas de serviços públicos. Além disso, a continuidade da baixa depende agora de ajustes reformistas na economia.
Primeira lei depois de seis meses
A notícia de queda da inflação, mesmo que ainda insuficiente, veio acompanhada da melhor novidade para o presidente depois de seis meses de mandato: a aprovação pelo Senado da primeira lei do governo. Mesmo desidratada pelo Congresso, a chamada “Lei Bases” é um pacote de ferramentas básicas com as quais o presidente pretende desregulamentar o Estado e modernizar a economia.
Nos seus primeiros seis meses, Javier Milei aplicou um brutal ajuste fiscal, equivalente a cinco pontos do Produto Interno Bruto. Mesmo assim, manteve o apoio popular com o qual foi eleito.
Segundo o consultor em opinião pública Jorge Giacobbe, a imagem positiva de Milei é de 59%. Para o analista, com a aprovação da Lei Bases, começa uma nova fase do governo, com menos choque e mais horizonte, menos urgência e mais reformista.
“O governo Milei começou em 10 de dezembro com a luta contra a inflação. Agora, a partir da ‘Lei Bases’ começa uma nova fase. Uma fase na qual a opinião pública diz ao presidente: ‘Agora que você tem as ferramentas para solucionar o problema, resolva o problema’. Se Milei não os resolver, pagará um custo por isso”, explica Jorge Giacobbe à RFI.
Sem a lei, o presidente seria obrigado a governar por decreto, uma alternativa que impediria a chegada de investimentos a longo prazo. “É importante que Milei avance com leis porque as suas decisões ficam sólidas a futuro, evitando que próximos presidentes, de outros signos políticos, derrubem os decretos do presidente anterior”, ressalta Giacobbe.
Liderança no Congresso
Com 72 senadores, a votação terminou empatada em 36 votos. Na Argentina, a vice-presidente é automaticamente presidente do Senado, cabendo-lhe votar unicamente quando a sessão termina empatada. Eis que emerge o protagonismo da vice-presidente Victoria Villarroel, quem é vista como possível candidata a substituir Milei num futuro governo.
“Pelos argentinos que sofrem, que esperam, que não querem ver os seus filhos irem embora do país. Para esses argentinos que merecem recuperar o orgulho de serem argentinos, pensando sempre pela Argentina, o meu voto é afirmativo”, discursou Villarroel, antes de emitir o voto minerva.
Não cabe à presidente do Senado fazer discursos durante as sessões. Muitos viram nessa quebra das regras, uma intencionalidade política.
Nova fase de gestão
De concreto, com o seu primeiro pacote de leis, o presidente Javier Milei ganha capacidade de gestão e poder de governabilidade. A aprovação das ferramentas básicas permite ao presidente exibir aos investidores que pode avançar com reformas, apesar da sua hiper minoria parlamentar. Milei tem apenas 10% do Senado e 15% da Câmara de Deputados.
“Sem dúvida, Milei ganha governabilidade ao demonstrar que as políticas oficiais podem ser legitimadas. É mesmo um milagre que tenha conseguido o aval do Congresso. É verdade que cedeu e perdeu muito do pacote de leis pelo caminho, mas conseguiu muito mais para quem tem uma hiper minoria. Além disso, aprendeu a negociar, a dialogar e a ceder”, observa o cientista político Marcos Novaro, para quem começa uma nova fase de gestão.
“Acabam-se as desculpas para governar. Milei tinha o apoio da sociedade, mas não do Congresso e a sua gestão era muito deficiente, a ponto de ser preocupante. Agora conseguiu o apoio do Congresso e começa uma nova gestão”, aponta.
O consultor em opinião pública Julio Aurelio concorda. “Agora, Milei terá de mostrar gestão. Esta primeira lei gera certeza jurídica, um dos principais objetivos do mercado. Os agentes econômicos veem um governo com capacidade de conseguir acordos e que, naquilo que Milei cedeu, pode voltar a insistir com futuras novas leis”, avalia o analista.
Acordo com o FMI para normalizar a economia
Os mercados reagiram com euforia e o governo começou a negociar um novo acordo com o Fundo Monetário Internacional. As ações argentinas em Wall Street subiram perto dos 10%, a taxa de risco-país caiu 7% e a moeda argentina se valorizou em 4%.
“O governo tem avançado em matéria econômica, mas os agentes querem ver a sustentabilidade do ajuste fiscal e do equilíbrio nas contas públicas. Para isso, o governo precisava que o Congresso demonstrasse que grande parte da política argentina está de acordo com esses lineamentos econômicos”, indica o economista Fausto Spotorno.
O ministro da Economia, Luis Caputo, confirmou que a Argentina começa negociar um novo empréstimo com o FMI para ajudar a normalizar a economia, acabando com as restrições de acesso às moedas estrangeiras e de movimento de capitais. “Primeiro temos de negociar com o FMI e procurar que, com esse novo acordo, chegue dinheiro novo”, anunciou Caputo.
O Ministério da Economia emitiu uma nota na qual diz que “a partir do avanço obtido com a recuperação das ferramentas de política monetária e com o controle dos fatores de criação de dinheiro”, prevê apresentar ao FMI “um acordo de programação monetária no final de junho de 2024” para a “continuidade do processo de estabilização macroeconômica”.
“O Banco Central contempla avançar na liberação dos controles cambiais e numa maior flexibilidade cambial”, mas “sem incluir compromissos de datas ou de medidas específicas”, esclareceu.
Por sua vez, o FMI destacou os “sólidos avanços” do governo Milei, mas advertiu sobre a necessidade de “implementar uma agenda estrutural” para gerar investimento, crescimento e recuperação do emprego formal, além da necessidade de “continuar com os esforços de apoiar os mais vulneráveis”.
Porém, sobre um novo acordo financeiro, o FMI mostrou cautela ao classificar como “prematura qualquer discussão sobre um novo programa”.