História de Bruno Lupion – DW Brasil
Alvo preferencial do bolsonarismo, ministro do STF também
entrou na mira do empresário Elon Musk e republicanos trumpistas dos
EUA. Ofensiva externa também já contou com apoio de representante da
ultradireita alemã.
Moraes relata desde 2019 inquéritos no Supremo criados para investigar ameaças às instituições democráticas© SERGIO LIMA/AFP
A ofensiva do dono do X (ex-Twitter), Elon Musk, contra decisões do
Supremo Tribunal Federal (STF) que determinaram o bloqueio de contas na
plataforma de acusados de ameaçar a democracia e o processo eleitoral
brasileiro chegou ao Congresso dos EUA, com o apoio de republicanos
aliados do ex-presidente Donald Trump.
O movimento de Musk começou
no dia 6 de abril, com uma série de mensagens no X nas quais o
empresário acusou o ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito
das milícias digitais no STF, de ser responsável por “censura” no Brasil
e afirmar que a plataforma desbloquearia as contas, em desrespeito a
decisões judiciais.
Se concretizada, a ameaça resultaria em altas multas para o Twitter
no Brasil e a possibilidade de a plataforma ser bloqueada no país, mas
não foi cumprida por Musk até esta sexta-feira (19/04). A pressão sobre o
STF, no entanto, seguiu crescendo e ganhou novos contornos com a
entrada da Comitê de Assuntos Judiciários da Câmara dos EUA no circuito.
O colegiado, presidido pelo deputado republicano Jim Jordan, enviou
em 12 de abril uma ordem à matriz do X, nos Estados Unidos, para que
entregasse uma cópia dos ofícios do STF que solicitavam o bloqueio de
contas na plataforma – e justificou a determinação citando as próprias
mensagens de Musk contra a corte brasileira.
Jordan é aliado próximo de Trump e apoiou ações para questionar o
resultado das eleições presidenciais americanas de 2020, vencidas pelo
democrata Joe Biden.
Nesta quarta-feira, o comitê divulgou um relatório de 541 páginas, entitulado O ataque à liberdade de expressão no exterior e o silêncio da administração Biden: o caso do Brasil, contendo os ofícios do Supremo brasileiro a respeito do bloqueio de cerca de 150 contas do X.
Por que Moraes é o alvo
Moraes começou acumular poder para atuar em casos envolvendo
extremistas de direita a partir de março de 2019, no início do governo
Jair Bolsonaro, quando o então presidente do STF, ministro Dias Toffoli,
instaurou um inquérito para investigar notícias falsas e ameaças contra
ministros da corte, e designou Moraes como relator.
Esse inquérito tem duas particularidades que o distanciam do
procedimento normal no direito brasileiro. Em regra, cabe ao Ministério
Público instaurar um inquérito, e não ao Judiciário. Além disso, o
relator costuma ser definido por sorteio. Na época, Toffoli justificou a
sua decisão com base em uma norma do regimento interno do STF que
autoriza a abertura de inquéritos de ofício quando há infração à lei
penal envolvendo a Corte, cuja interpretação abrangeu os seus ministros.
Moraes começou então a determinar operações de busca e apreensão e a
receber provas e laudos policiais sobre bolsonaristas que promoviam e
financiavam a distribuição de notícias falsas, colocando o ministro em
posição privilegiada, já no início do governo Bolsonaro, para
compreender e combater essas redes.
Musk, agora incluído no inquérito das milícias digitais, referiu-se a
Moraes como© Slaven Vlasic/Getty Images/La Nacion/Ton Molina/picture
alliance/dpa
Houve muito debate no meio jurídico sobre esse inquérito, e ele foi
questionado pela Procuradoria-Geral da República (PGR), até que o
plenário do Supremo confirmou em 2020, por 10 votos a 1, a sua
legalidade. Um segundo inquérito foi aberto naquele ano, para investigar
a organização e o financiamento de atos antidemocráticos, e encerrado
em 2021 – mas um novo inquérito foi aberto a partir dos indícios
coletados pela Polícia Federal nas investigações. Esses inquéritos
seguiram sob a relatoria de Moraes sob o argumento de que havia conexão
entre eles.
O último inquérito vem sendo amplamente utilizado por Moraes até hoje
para investigar pessoas envolvidas em atos antidemocráticos, como nos
ataques golpistas em Brasília em 8 de janeiro de 2023. Um dia após a
primeiras mensagens de Musk ameaçando desrespeitar as ordens judiciais
de desbloqueio de contas no X, Moraes incluiu o dono do X como investigado nesse mesmo inquérito.
Desde agosto de 2022, Moraes também acumula o cargo de presidente do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e nessa qualidade também tomou
decisões que determinaram o bloqueio de contas no X com base em normas
eleitorais, como a vedação à divulgação ou compartilhamento de “fatos
sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a
integridade do processo eleitoral”.
Bolsonaristas no Parlamento Europeu
A recente investida contra Moraes de Musk – considerado um símbolo
por Bolsonaro – deu munição a políticos do campo bolsonarista, que
celebraram a divulgação do relatório do Comitê de Assuntos Judiciários
da Câmara dos EUA e também levaram o assunto ao Parlamento Europeu.
Um comitiva de deputados federais bolsonaristas composta por Bia
Kicis (PL-DF), Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Gustavo Gayer (PL-GO), entre
outros, foi na semana passada ao órgão máximo do Legislativo da União
Europeia (UE), em Bruxelas, e reuniu-se com eurodeputados do grupo
Conservadores e Reformistas Europeus (ECR), que tem 68 das 705 cadeiras
do Parlamento Europeu.
Nos encontros, houve menções à “realidade autoritária do Brasil” e da
“repressão total” que estaria sendo promovida pelo STF. Em seguida, o
ECR afirmou, em um post no X, que considera os recentes desenvolvimentos
no Brasil “assustadores” e que “não podemos deixar que o Brasil vire
uma ditadura”.
Outra autoridade estrangeira que manifestou estar ao lado de Musk em
sua investida contra Moraes é o presidente da Argentina, Javier Milei,
um populista de direita.
Musk recebeu Milei na fábrica de carros elétricos da Tesla no Texas na sexta-feira passada e, durante o encontro, o argentino “ofereceu colaboração no
conflito entre a rede social X no Brasil e o marco do conflito judicial
e político no país”, segundo informou sua assessoria.
A ofensiva externa contra Moraes também conta com o apoio desde o ano
passado da deputada federal alemã Beatrix von Storch, do partido
Alternativa para a Alemanha (AfD), de ultradireita. Em maio de 2023,
durante uma missão oficial ao Brasil, ela afirmou que Moraes seria “o maior criminoso” do país, e que “o coração de todo totalitário se derrete ao ver o poder desse senhor”.
Durante a viagem ao país, ela encontrou-se com Eduardo Bolsonaro e
referiu-se ao ex-presidente Bolsonaro como “portador da esperança dos
conservadores brasileiros”. Numa visita anterior ao Brasil, em 2021,
ela foi pessoalmente recebida por Bolsonaro.
Críticas a Moraes não partem apenas da extrema direita
O poder acumulado por Moraes na condução do inquérito das milícias
digitais desperta críticas não somente de políticos da extrema direita,
mas também de alguns especialistas em direito e de parte da sociedade
que avaliam que o ministro estaria se excedendo e desrespeitando regras
processuais.
Um motivo dessas contestações decorre da própria natureza do
inquérito das milícias digitais, originado numa iniciativa do próprio
Supremo, em vez de no Ministério Público. Por isso, decisões como a
suspensão de perfis no X vêm sendo tomadas sem pedido anterior da
Promotoria.
Outra crítica comum a Moraes é de que o escopo do inquérito das
milícias digitais estaria sendo ampliado de forma excessiva. Um exemplo é
a investigação sobre a falsificação do certificado de vacina de Bolsonaro, que foi realizada dentro do mesmo inquérito.
Também é apontado que o sigilo do inquérito das milícias digitais
impede que a sociedade avalie se a suspensão de contas em redes sociais,
sob o argumento de proteção de democracia, é justificada diante de
outros princípios constitucionais, como o da liberdade de expressão.
Por fim, críticos também sublinham que as eleições presidenciais e a
posse do atual governo federal, assim como os atos golpistas em
Brasília, já ocorreram há mais de um ano, e que portanto já seria a hora
de o Supremo concluir o inquérito das milícias digitais, e que
eventuais crimes contra a ordem democrática fossem processados pelos
caminhos mais usuais do sistema de Justiça, sob a iniciativa do
Ministério Público.
Autor: Bruno Lupion