História de Por Letícia Fucuchima – Reuters
Barragem da usina de Itaipu 10/11/2009 REUTERS/Rickey Rogers/Files (BRAZIL ENERGY)© Thomson Reuters
Por Letícia Fucuchima
SÃO PAULO (Reuters) – O Brasil deve voltar a avaliar a construção de
novas usinas hidrelétricas, uma possibilidade que havia sido enterrada
após os impasses ambientais gerados por Belo Monte, e que agora ensaia
um retorno diante da mudança da matriz elétrica nacional e do papel das
hídricas para garantir a segurança do fornecimento de energia.
A discussão sobre uma nova política pública para a fonte, com
remuneração diferenciada e possível retorno de estudos para novos
projetos, vem sendo encabeçada por grandes geradores hidrelétricos e
encontra receptividade no Ministério de Minas e Energia, com acenos
favoráveis do ministro Alexandre Silveira.
Apesar do senso de urgência dessa pauta para agentes do setor
elétrico, que veem a fonte desperdiçando seu potencial, a discussão pode
esbarrar na agenda ambiental, ponto sensível para o governo Lula,
ponderam especialistas.
O país tem pelo menos sete projetos de usinas hidrelétricas, somando
2,4 gigawatts (GW) de potência, com estudos em diferentes estágios, que
poderiam ser retomados nos próximos anos, segundo mapeamento da
Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica
(Abrage).
Esses potenciais empreendimentos, localizados nos Estados de Roraima,
Rondônia, Amapá, Mato Grosso, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Santa
Catarina, seriam avaliados sob novos protocolos sociais, ambientais,
técnicos e econômicos, ressalta a presidente da Abrage, Marisete
Pereira.
“A gente poderia voltar a trabalhar novos aproveitamentos
hidrelétricos, com todo o cuidado, de modo que pudéssemos contar com
esses recursos para garantir a segurança energética do sistema”, disse
ela à Reuters.
Pereira, ex-número dois do Ministério de Minas e Energia no governo
anterior, destaca que a fonte hídrica, ainda predominante na matriz
brasileira, com 50% capacidade instalada, é capaz de fornecer energia e
potência ao sistema elétrico a qualquer momento do dia e de forma
flexível.
Esse atributo, também proporcionado por termelétricas, é essencial
para compensar a variabilidade da geração das energias eólica e solar,
que têm impulsionado o crescimento do parque gerador nacional nos
últimos anos.
A última hidrelétrica construída no Brasil foi Belo Monte, projeto
considerado controverso por seus impactos ambientais na Amazônia e às
comunidades tradicionais e indígenas locais. A usina a fio d’água (sem
reservatório) no rio Xingu consumiu investimentos bilionários e foi
totalmente finalizada em 2019.
Desde então há um vácuo de novos projetos hidrelétricos, tanto pela
dificuldade do mercado em avançar com estudos — antes conduzidos
principalmente pelo setor de construção, que minguou nos últimos anos –,
como pelo maior interesse pela geração eólica e solar, que possui
custos mais baixos e implementação mais simples.
MENOR ESCALA, REVERSÍVEIS
Uma das possibilidades para evitar novos alagamentos de grandes áreas
e garantir segurança energética são as usinas hidrelétricas
reversíveis, que teriam menor escala em relação a uma Belo Monte, por
exemplo, e poderiam minimizar impactos ambientais.
Esses projetos de até 300 MW, enquanto Belo Monte tem 11,2 GW,
funcionariam bombeando água entre reservatórios de forma a capturar
benefícios para o sistema.
“A usina bombeia água para o reservatório de cima quando a energia
está barata, ao longo do dia, e gera energia na ponta, quando a energia
está mais cara e a demanda está maior”, explica Gil Maranhão Neto,
diretor de comunicação e responsabilidade social corporativa da Engie
Brasil.
“É um dos serviços que as hidrelétricas poderiam prestar, mas hoje
não tem regulação que estimule. Você teria que ter leilões especiais
para energia de ponta, que não está previsto hoje, o que temos são
leilões de capacidade.”
Essas mudanças regulatórias precisam vir associadas a um debate mais
amplo de valorização da fonte, acrescentou ele, de forma a permitir que
empreendedores possam retomar estudos para novos projetos.
“Esses quatro anos de estudo (para novos projetos) demandam por
usina, por alto, 20 milhões de reais de investimento. Hoje ninguém está
fazendo isso, ninguém está fazendo esse papel.”
Do ponto de vista socioambiental, o executivo da Engie ressalta que o
debate avançou muito a nível mundial e que as hidrelétricas são hoje
alocáveis em emissões de “green bonds” e registráveis em mecanismos
internacionais de desenvolvimento limpo.
“Uma hidrelétrica, assim como qualquer grande infraestrutura pesada, é
um elefante na sala, não estou negando isso. Mas esses impactos
(socioambientais) e essa transformação hoje são medidos de forma
consensual no mundo, de forma científica, são compensados e mitigados
também através de ‘standards’ a nível global e cientificamente
demonstráveis.”
NO GOVERNO
O debate sobre novas hidrelétricas é visto com bons olhos pelo
ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que vem pontuando em
seus discursos públicos que a fonte foi “abandonada” e que o país não
pode abdicar do potencial hídrico.
Na última sexta-feira, ao ser questionado por jornalistas sobre
retomada de grandes projetos hidrelétricos, Silveira disse que, se
dependesse dele, isso seria discutido.
“Se dependesse do ministro de Minas e Energia do Brasil, se
discutiria, sim, as grandes hidrelétricas. Mas não necessariamente eu
estou dizendo que serão as grandes hidrelétricas, até porque isso não é
um resultado de curto prazo.”
Silveira destacou que o Brasil tem as pequenas centrais
hidrelétricas, chamadas de PCHs. “Muitas delas, o Brasil já tem estudos
que demonstram que é possível se avançar.”
Charles Lenzi, presidente da Abraget, entidade que representa
geradores hídricos de menor porte, afirma que o país tem cerca de 600
projetos de PCHs, somando 9 GW e espalhados por todo o país, inclusive
próximos aos grandes centros de carga, em estágio avançado para iniciar
construção nos próximos anos.
“A gente tem que explorar esses potenciais com todo o critério, com
todo o rigor necessário nos processos de licenciamento e com ênfase
muito grande em sustentabilidade, tanto para as grandes quanto para as
pequenas usinas”, disse Lenzi.
Entretanto, o debate sobre novas hidrelétricas é sempre sensível do
ponto de vista político, principalmente após Belo Monte, mesmo que o
foco agora esteja em usinas de menor porte, avalia Ricardo Baitelo,
coordenador do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA).
“Os riscos socioambientais e até de acionistas estão aí da mesma
forma que já estavam (na época de Belo Monte). Para você conseguir fazer
um empreendimento, tem o custo político também, eu acho que o custo
político vai ser maior ainda.”
Baitelo lembra que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva projeta a
agenda ambiental — em frentes como a redução do desmatamento da Amazônia
e a transição para uma economia verde — como um cartão de visitas do
Brasil, algo que pode limitar o ímpeto das hidrelétricas, em determinado
momento.
(Por Letícia Fucuchima)