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Crianças são quase 40% de todos os mortos na Faixa de Gaza, cerca de 6.500, segundo autoridades palestinas© Reuters
ALERTA: As imagens que ilustram esta reportagem podem ser perturbadoras
Crianças da Faixa de Gaza têm sido as principais vítimas do conflito entre Israel e o grupo palestino Hamas.
Segundo a ONU, desde o início dos bombardeios de retaliação de Israel
após os ataques brutais perpetrados pelo Hamas em 7 de outubro, 2.360
crianças morreram e 5.364 ficaram feridas na Faixa de Gaza, ou seja, 400
mortas ou feridas por dia.
As crianças são quase 40% de todos os mortos no território, cerca de 6.500, segundo autoridades palestinas.
Além disso, mais de 30 crianças israelenses foram mortas pelo Hamas, e dezenas permanecem em cativeiro na Faixa de Gaza.
É a escalada mais mortífera na Faixa de Gaza e em Israel que a ONU testemunhou desde 2006.
“Quase todas as crianças na Faixa de Gaza foram expostas a
acontecimentos e traumas profundamente angustiantes, marcados por
destruição generalizada, ataques implacáveis, deslocamentos e grave
escassez de bens de primeira necessidade, como alimentos, água e
medicamentos”, disse em comunicado o Fundo das Nações Unidas para a
Infância (Unicef).
Para Adele Khodr, diretora regional da Unicef para o Oriente Médio e
Norte de África, “o assassinato e a mutilação de crianças, o sequestro
de crianças, os ataques a hospitais e escolas e a negação do acesso
humanitário constituem graves violações dos direitos das crianças”.
“A Unicef apela urgentemente a todas as partes para que concordem com
um cessar-fogo, permitam o acesso humanitário e libertem todos os
reféns. Até as guerras têm regras. Os civis devem ser protegidos —
especialmente as crianças — e todos os esforços devem ser feitos para
poupá-las em todas as circunstâncias”, acrescentou.
Nesta terça-feira (24/10), os médicos de um hospital de Gaza
conseguiram salvar um feto mediante uma cesariana de emergência — depois
da sua mãe ter sido morta durante um ataque aéreo israelense.
Segundo o correspondente da BBC em Gaza, Rushdi Abualouf, a mãe ficou
gravemente ferida durante um bombardeio à cidade de Khan Younis, no sul
do território, área para onde, há dez dias, as autoridades israelenses
aconselharam os palestinos a se deslocarem “por segurança”.
O pai do bebê foi morto durante os ataques, enquanto a mãe grávida foi levada ao hospital, segundo Abualouf.
Naquela altura, a mãe ainda estava viva — “lutando pela sua vida e pela do seu filho”, acrescentou o jornalista.
Em entrevista à emissora americana CNN, Abdul Rahman Al Masri, chefe
do departamento de emergência do Hospital dos Mártires de Al-Aqsa, em
Gaza, afirmou que “recebemos alguns casos em que os pais escreveram os
nomes dos filhos nas pernas e no abdômen”.
Ele disse que os pais estavam preocupados que “tudo pudesse acontecer” e ninguém seria capaz de identificar seus filhos.
Segundo a Unicef, a Cisjordânia também tem registrado um aumento
alarmante no número de vítimas, com quase 100 palestinos mortos,
incluindo 28 crianças — e pelo menos 160 menores supostamente feridas.
“Mesmo antes dos trágicos acontecimentos de 7 de outubro de 2023, as
crianças na Cisjordânia já enfrentavam os níveis mais elevados de
violência relacionada com o conflito em duas décadas, resultando na
morte de 41 crianças palestinas e de seis crianças israelenses até agora
este ano”, informou o comunicado da Unicef.
Segundo Khodr, “a situação na Faixa de Gaza é uma mancha crescente na
nossa consciência coletiva. A taxa de mortalidade e ferimentos de
crianças é simplesmente impressionante”.
“Ainda mais assustador é o fato de que, a menos que as tensões sejam
aliviadas, e a menos que a ajuda humanitária seja permitida, incluindo
alimentos, água, suprimentos médicos e combustível, o número diário de
mortes continuará a aumentar.”
O combustível é de suma importância para o funcionamento de
instalações essenciais, como hospitais, usinas de dessalinização e
estações de bombeamento de água.
As unidades de terapia intensiva (UTI) neonatal abrigam mais de 100
recém-nascidos, alguns dos quais estão em incubadoras e dependem de
ventilação mecânica, tornando o fornecimento ininterrupto de energia uma
questão de vida ou morte.
Segundo a ONU, toda a população da Faixa de Gaza, composta por quase
2,3 milhões de pessoas, enfrenta uma terrível e premente falta de água,
que acarreta graves consequências para as crianças, cerca de 50% da
população.
A maioria dos sistemas de água foi gravemente afetada ou tornou-se
inoperacional devido a uma combinação de fatores, incluindo escassez de
combustível e danos em infraestruturas vitais de produção, tratamento e
distribuição.
“As imagens de crianças a serem resgatadas dos escombros, feridas e
em perigo, enquanto tremem nos hospitais à espera de tratamento,
retratam o imenso horror que estas crianças estão suportando. Mas sem
acesso humanitário, as mortes causadas por ataques podem ser a ponta do
iceberg”, disse Khodr.
Segundo ela, “o número de mortes aumentará exponencialmente se as
incubadoras começarem a falhar, se os hospitais fecharem, se as crianças
continuarem a beber água imprópria e não tiverem acesso a medicamentos
quando ficarem doentes”.
‘Violência de décadas’
Num relatório apresentado à Assembleia-Geral da ONU nesta
terça-feira, Francesca Albanese, relatora especial das Nações Unidas
sobre a situação dos direitos humanos nos territórios palestinos
ocupados desde 1967 (Cisjordânia e Faixa de Gaza), afirmou que “as
forças de ocupação israelenses matam, mutilam, deixam órfãs e detêm
centenas de crianças no território palestino ocupado todos os anos”.
Segundo ela, essa situação se agravou nas últimas semanas.
“A opressão e o trauma sofridos pelas crianças palestinas, metade da
população palestina sob o domínio israelense, são uma mancha única na
comunidade internacional”, disse Albanese.
O relatório não cobre os acontecimentos de 7 de outubro e as suas consequências.
Albanese concluiu que Israel, apesar das suas obrigações “como
potência ocupante”, priva os palestinos e os seus filhos “dos seus
direitos humanos básicos” como parte dos seus esforços para “impedir o
desenvolvimento da sociedade palestina e para frustrar permanentemente o
direito dos palestinianos à autodeterminação”.
Segundo a ONU, de 2008 até 6 de outubro de 2023, 1.434 crianças
palestinas foram mortas, e mais de 32.175 ficaram feridas, devido
sobretudo à ocupação israelense.
Desse total, 1.025 foram mortas só em Gaza, desde que o bloqueio ilegal começou em 2007.
Segundo a ONU, de 2008 até 6 de outubro de 2023, 1.434 crianças
palestinas foram mortas, e mais de 32.175 ficaram feridas, devido
sobretudo à ocupação israelense© Reuters
Durante o mesmo período, 25 crianças israelenses foram mortas, a maioria por agressores palestinos, e 524 ficaram feridas.
Entre 2019 e 2022, 1.679 crianças palestinas e 15 crianças
israelenses sofreram lesões físicas duradouras, o que deixou muitas
delas permanentemente incapacitadas.
Segundo a ONU, uma média de 500 a 700 crianças palestinas são detidas
pelas forças de ocupação israelenses todos os anos — estima-se que 13
mil, na sua maioria, tenham sido detidas arbitrariamente, interrogadas,
julgadas em tribunais militares e presas desde 2000.
“O enquadramento de Israel das crianças palestinas como ‘escudos
humanos’ ou ‘terroristas’ para justificar a violência contra elas e os
seus pais é profundamente desumanizante”, disse Albanese.
“O inferno de hoje não pode obscurecer a violência das últimas décadas”, acrescentou.
“Para enfrentar a crise, é fundamental compreender o que levou a ela.
Isto não significa justificar ou minimizar os crimes hediondos
cometidos contra civis israelenses em 7 de outubro; pelo contrário,
obriga-nos a enfrentar esse horror no contexto daquilo que o precedeu.”
“Devemos compreender o impacto devastador da ocupação de Israel e da
presença colonial em constante expansão sobre gerações de crianças
palestinas”, acrescentou.
O relatório detalha as experiências diárias de violência das crianças
por meio do confisco de terras familiares e expropriação de recursos,
separação de comunidades, destruição de casas e meios de subsistência e
ataques à sua educação.
“Gerações de crianças palestinas, quer na sitiada Faixa de Gaza, nos
enclaves da Cisjordânia ou na Jerusalém Oriental anexada, viram as suas
vidas reduzidas ao mínimo e, com demasiada frequência, interrompidas
como dispensáveis”, disse Albanese.
“Isso é profundamente “não-infantil”: tira a leveza da infância e rouba o futuro das crianças”, completou.
A relatora especial instou a comunidade internacional “a pôr fim
imediatamente à ocupação ilegal de Israel, sancionar os seus atos
internacionalmente ilícitos, processar todos os crimes internacionais
cometidos por todos os envolvidos no território palestiniano ocupado e
criar um grupo de trabalho para desmantelar a ocupação colonial como
condição prévia para a paz na região”.
Estudos realizados após conflitos anteriores entre o Hamas e Israel
mostraram que a maioria das crianças em Gaza apresentava sintomas de
transtorno de estresse pós-traumático (TEPT)© Reuters
Saúde Mental
Estudos realizados após conflitos anteriores entre o Hamas e Israel
mostraram que a maioria das crianças em Gaza apresentava sintomas de
transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).
Após a Operação Pilar de Defesa em 2012, um relatório da Unicef
mostrou que 82% das crianças tinham medo contínuo ou habitual da morte
iminente.
Além disso, 91% das crianças relataram distúrbios do sono durante o
conflito; 94% disseram que dormiram com os pais; 85% relataram
alterações no apetite; 82% sentiram raiva; 97% sentiram-se inseguras;
38% sentiram-se culpadas; 47% roíam as unhas; 76% relataram coceira ou
mal-estar.
Após a Operação Chumbo Fundido, a guerra de três semanas em 2008-09,
um estudo realizado pelo programa comunitário de saúde mental de Gaza
(GCMHP) constatou que 75% das crianças com mais de seis anos sofriam de
um ou mais sintomas de stress pós-traumático: com uma em cada dez
apresentando todos os sintomas.
Na ocasião, Hasan Zeyada, psicólogo do GCMHP, disse ao jornal
britânico Guardian : “”A maioria das crianças sofre muitas consequências
psicológicas e sociais. A insegurança e os sentimentos de desamparo e
impotência são avassaladores”.
“Observamos crianças ficando mais ansiosas — distúrbios do sono,
pesadelos, terror noturno, comportamentos regressivos como agarrar-se
aos pais, fazer xixi na cama, ficar mais inquietas e hiperativas,
recusar-se a dormir sozinhas, querer estar o tempo todo com os pais,
oprimidas por medos e preocupações. Algumas começam a ser mais
agressivas.”
Os especialistas também notaram um aumento nos sintomas
psicossomáticos, como febre alta sem razão biológica ou erupção na pele
pelo corpo.
Um relatório do ano passado da ONG Save the Children sobre o impacto
do bloqueio de 15 anos de Israel e os repetidos conflitos na saúde
mental das crianças em Gaza concluiu que o seu bem-estar psicossocial
tinha “diminuído dramaticamente para níveis alarmantes”.
As crianças ouvidas pela agência humanitária “falaram de medo,
nervosismo, ansiedade, stress e raiva, e listaram problemas familiares,
violência, morte, pesadelos, pobreza, guerra e a ocupação, incluindo o
bloqueio, como as coisas de que menos gostaram nas suas vidas”.