Há motivos de sobra para ir às manifestações de 4/6. Apoiar
Dallagnol não é o único. O problema é que os protestos foram convocados
pelo MBL.| Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
Já faz algum tempo
que ouço por aí que o povo tem de voltar às ruas Tem que mostrar quem
manda neste país. Tem que deixar claro que não vai aceitar isso e
aquilo. Tem que esfregar a vontade popular na cara dos poderosos. Mas
quem é que daria o primeiro passo? Ainda mais com um STF que criminaliza
manifestações de descontentamento e um Exército dado à perfídia.
Pois o Movimento Brasil Livre, mais conhecido pela sigla MBL e pelas
aventuras de seus membros na Guerra da Ucrânia, e o Vem Pra Rua, duas
organizações essenciais na derrubada de Dilma Rousseff, convocaram para o
próximo domingo, dia 4 de junho, atos contra… Contra o quê mesmo? A
pauta das manifestações é meio etérea, mas inclui o apoio a Deltan
Dallagnol e o repúdio à censura.
Como diria um jornalista afeito a lugares-comuns, as manifestações
pretendem dar vazão à indignação que cada vez mais acomete a população
brasileira. Pelo menos aquela que faz parte da minha bolha. Uma gente
que não aguenta mais ver o Lula fazer lulice e o Congresso se submeter à
vontade do STF e seu miniexército de déspotas disfarçados de
democratas. Uma gente que teme aquilo que hoje me parece inevitável: que
o Brasil se transforme numa autocracia de esquerda.
Motivos para sair de casa no próximo domingo, portanto, não faltam.
Certo? Mas então o que explica a relutância de tanta gente? Já escrevi
aqui que o conforto é uma incubadora de revolucionários de sofá. Gente
que prefere ficar esbravejando diante da TV ligada na Globonews ou lendo
“1984” debaixo das cobertas (ainda mais nesse friozinho de hoje!) a
sair às ruas. E eu talvez faça parte desse grupo. Que vergonha!
Prós e contras Mas há duas outras razões que explicam, mas não
justificam!, o esvaziamento das manifestações dos anseios populares nas
ruas. Por mais que esses anseios sejam, em tese, justos e virtuosos. O
mais evidente deles é a falta de credibilidade do MBL e do VPR. Que
passaram quatro anos fazendo oposição ao governo Bolsonaro, quase como
se preferissem um governo do PT que os mantivesse em evidência, no papel
de antagonista típico de vocês-sabem-quem. Isso sem falar em certa
mentalidade, digamos, autoritária dos meninos do MBL.
O outra razão é a profunda crise de confiança que assola este país
eternamente dividido entre malandros que não querem se passar por
otários e otários que se consideram muito malandros. Na minha bolha, por
exemplo, absolutamente todos consideram a cassação de Dallagnol injusta
e digna de megamanifestações. Mas todos também temem que seu apoio a
uma causa inegavelmente justa seja confundido com os valores de um grupo
que… francamente!
Por fim, há a sensação para alguns (entre os quais me incluo) de que
esse tipo de manifestação democrática não tem mais qualquer efeito sobre
os políticos e os ministros do STF. Isto é, os políticos com e os sem
toga. Eles não temem a população porque sabem que aquela coisa lá de
“todo o poder emana do povo” é só uma frase decorativa. Como se a
Constituição fosse uma agenda de adolescente. Eles sabem que não
perderão votos (que, no mais, sequer existem no mundo físico). Eles
sabem que o cala-boca não morreu e quem manda na nossa boca são eles.
De qualquer modo, no dia 4 de junho pretendo estar na manifestação.
Ao lado de gente honesta, mas provavelmente também ao lado de malandros
oportunistas. Para, seguindo meu instinto jornalístico, ver qual é. E,
já que vou estar lá mesmo, aproveitarei para dar minha manifestadinha,
exibindo para quem quiser ver e ouvir a indignação que carrego no lado
direito do peito. Mas só se não chover.
Perfil Por Gabriel de Arruda Castro – Gazeta do Povo
Alexandre de Moraes durante a cerimônia de diplomação de Luiz
Inácio Lula da Silva, no dia 12 de dezembro de 2022.| Foto: EFE/Andre
Borges
O ministro do STF Alexandre de Moraes veio ao mundo numa
sexta-feira, 13 de dezembro de 1968. O dia em que o AI-5 foi promulgado.
As manchetes dos jornais matutinos noticiavam com surpresa o fato de a
Câmara dos Deputados ter rejeitado a autorização para que o Supremo
Tribunal Federal processasse o deputado Márcio Moreira Alves. A maioria
dos parlamentares se opôs à permissão, o que significa que o STF não
poderia levar adiante as acusações contra o parlamentar.
A queda-de-braço tivera início três meses antes, depois que Moreira
Alves fez declarações contundentes contra o regime militar. “Creio haver
chegado, após os acontecimentos de Brasília, o grande momento da união
pela democracia”, disse ele, que pedia um boicote aos militares e
prosseguia: “Enquanto não se pronunciarem os silenciosos, todo e
qualquer contato entre civis e militares deve cessar, porque só assim
conseguiremos fazer com que este país volte à democracia.”
Sem a autorização ou “licença”, Moreira Alves não poderia ser
responsabilizado. As repercussões políticas eram graves: por causa
disso, o presidente Costa e Silva colocou as tropas do Exército de
prontidão.
“Votei pela licença na presunção de optar por um mal menor. A atitude
da Câmara, porém, foi corajosa, porque a maioria dos deputados assumiu o
risco conscientemente”, elogiou o deputado Clóvis Stenzel ao jornal O
Estado de S. Paulo.
No mesmo dia 13, o Executivo decidiria por uma das maiores violações
dos direitos políticos praticada na história do país: o Ato
Institucional número 5. Em nome da” ordem democrática” e com base “na
liberdade” e no “respeito à dignidade humana”, o presidente fechava o
Congresso Nacional e suspendia direitos básicos, como o habeas corpus.
A coincidência de datas talvez seja insignificante. Mas, como jurista
e professor de Direito, Moraes certamente estudou com detalhes os
acontecimentos daquele 13 de dezembro. Talvez ela tenha percebido que
parte das pessoas está disposta a aceitar muita coisa em nome da
democracia e à liberdade — até mesmo a dilapidação da democracia e da
liberdade.
Jurista precoce, autor respeitado
O jurista Alexandre de Moraes não aceitaria que o político Alexandre
de Moraes se tornasse o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre
de Moraes.
Em sua tese de doutorado, defendida em 2000, ele escreveu que o
presidente da República não deveria ter o poder de indicar para a
Suprema Corte alguém que tenha ocupado cargo de confiança em sua gestão.
Mas foi exatamente assim que Moraes chegou ao STF: alçado por Michel
Temer de ministro da Justiça a integrante da corte. Sem escalas.
Esta é uma das muitas contradições na trajetória do ministro que,
tendo sido aluno exemplar, promotor implacável e político hábil, em
pouco tempo se tornou o protagonista do Supremo Tribunal Federal.
De estudante de Direito a político a promotor de justiça a ministro
do STF a (dizem alguns) “imperador absoluto” do Brasil, o paulistano
Alexandre de Moraes já fez muito em seus 54 anos de vida.
Tanto que é fácil esquecer como, há apenas seis anos, ele era a
esperança de um nome mais conservador para o STF, motivo pelo qual foi
duramente atacado por figuras da esquerda.
A vida pública de Moraes tem suas raízes na Faculdade de Direito do
Largo de São Francisco, a mais tradicional instituição de ensino
superior brasileira. Alexandre de Moraes formou-se lá, na turma de 1990,
e ainda hoje é tratado como o grande destaque da classe que também
formou advogados e professores influentes.
Ele foi considerado um jurista precoce. Já em 1997, Moraes lançou a
primeira edição de um livro que o tornaria conhecido entre alunos de
graduação país afora: Direito Constitucional, hoje com mais de 30
edições, apresenta de forma objetiva os dispositivos constitucionais.
Ele tinha apenas 29 anos quando a obra foi publicada.
Em 2000, Moraes obteve o título de doutor também pela USP, orientado
pelo jurista Dalmo de Abreu Dallari — tão conhecido por sua obra
acadêmica respeitada quanto por sua militância a favor do Partido dos
Trabalhadores.
A tese de doutorado recebeu o título de “Teoria geral do direito
constitucional administrativo — perfil constitucional da administração
pública.” Nela, o futuro ministro do Supremo Tribunal Federal faz uma
sugestão curiosa: ele propõe que figuras com vínculo com o governo não
possam ser indicadas ao STF — como ele, então ministro da Justiça,
acabaria sendo 17 anos depois. “É vedado para o cargo de Ministro do STF
o acesso daqueles que estiverem no exercício ou tenham exercido cargo
de confiança no Poder Executivo […] durante o mandato do Presidente da
República em exercício no momento da escolha, de maneira a evitar-se
demonstração de gratidão política ou compromissos que comprometam a
independência da nossa Corte Constitucional”, escreveu Moraes, em suas
recomendações.
O antigo Moraes também se opunha à usurpação de prerrogativas pelo
Poder Judiciário. Em entrevista dada em 2008 ao site Conjur, ele afirmou
que uma intervenção excessiva da Justiça sobre os outros poderes
levaria a uma crise de legitimidade. “O Judiciário, por meio do Supremo
Tribunal Federal, fica responsável por interpretar a Constituição. Pode
extrapolar de vez em quando mas, se isso acontecer sempre, vai haver
uma guerrilha institucional. Se o Judiciário começar a interferir muito
nos outros dois Poderes, estes passam a não cumprir mais as decisões
judiciais e o Judiciário perde sua legitimidade.”
O promotor do “frangogate” Um ano depois de se formar, Moraes passou em primeiro lugar no concurso para promotor de Justiça do Estado de São Paulo.
Olhando em retrospectiva, a escolha pelo Ministério Público em vez da
advocacia ou a magistratura talvez fosse um indicativo do perfil de
alguém que prefere acusar em vez de defender. Há quem diga que em
Direito Constitucional, ainda hoje muito usado em cursos de graduação,
dá relativamente pouco espaço a opiniões divergentes; Moraes apresenta
suas ideias com eloquência, mas sem se preocupar em contemplar visões
alternativas.
Em 1996, Moraes se envolveu no primeiro caso de grande repercussão na
carreira. Ele e outros promotores pediram à Justiça a cassação do
mandato do então prefeito de São Paulo, Paulo Maluf, por improbidade
administrativa. Quando o juiz negou o pedido, Moraes não fez questão de
esconder sua contrariedade. “A decisão é absurda e foi totalmente
equivocada. A rapidez com que o juiz despachou causa muita estranheza”,
ele insinuou ao jornal O Estado de S. Paulo.
Como promotor, Moraes aparecia nos jornais com frequência. Em 1999,
por exemplo, ele abriu dois inquéritos contra fabricantes de cigarros.
Um pedia o fim de propagandas que associassem o fumo a profissionais
bem-sucedidos e a praticantes de esportes. O outro pedia uma indenização
à Philip Morris e à Souza Cruz por não terem informado os clientes a
respeito dos riscos oferecidos pelo cigarro.
Durante seu tempo na promotoria, ele também se envolveu em uma
controvérsia. Em 1997, aos 29 anos de idade, Moraes convocou uma
coletiva de imprensa para anunciar uma denúncia contra o prefeito Paulo
Maluf. Moraes afirmou que a gestão do então prefeito havia comprado
frangos superfaturados, e pior: de empresas ligadas a sua família.
O advogado Ênnio Bastos de Barros criticou Moraes: “Ele não guarda o
necessário comedimento”, disse o defensor de Maluf. Na época, a
insinuação era que Moraes teria agido politicamente para favorecer o
PSDB ao lançar uma operação contra Paulo Maluf, possível adversário dos
tucanos na disputa pelo governo estadual.
Maluf foi inicialmente condenado a ressarcir os cofres públicos em R$
21,7 mil, além de ter os direitos políticos suspensos por cinco anos.
Mas recorreu e saiu vitorioso. “Há um grande abismo entre suspeitar de
algo e perpetrar a condenação pretendida. Há a necessidade de provas
mais robustas de fraude ou da existência de medidas tomadas sem a menor
justificativa”, afirmou o desembargador Nogueira Diefenthaler, ao dar
razão a Maluf.
Embora o caso propriamente dito seja prosaico (especialmente quando
se leva em conta as outras denúncias que surgiriam contra Maluf), o
episódio alimentou a suspeita, até hoje sem provas, de que Moraes
estivesse tentando tirar Maluf da disputa pelo governo de São Paulo em
1998 — o que favoreceria o tucano Márcio Covas.
O salto para a política pelas mãos de Alckmin
Moraes continuaria sendo promotor de Justiça até 2002, quando deixou o
cargo para se tornar Secretário de Justiça do governo de São Paulo, na
gestão de Geraldo Alckmin. O time também tinha Gabriel Chalita na
Educação, Eduardo Guardia na Fazenda e Cláudia Costin na Cultura. Entre
2004 e 2005, Moraes acumulou o cargo com o comando da Febem. A acusação
contra Maluf continuava sendo o ponto de maior destaque na sua carreira
até ali. “Promotor do Frangogate assume a Justiça em SP”, noticiou o
Diário do Grande ABC quando o futuro ministro do STF tomou posse.
Moraes não era o primeiro nome da lista para o cargo de secretário.
Alckmin queria indicar Cláudio Lembro, professor de Direito reitor do
Mackenzie. Mas uma reação de entidades de defesa dos direitos humanos
contra Lembo, associado ao “retrocesso” por seu histórico no PFL.
No ano seguinte, Moraes também se filiaria ao PFL, a convite do mesmo
Cláudio Lembo — uma figura peculiar que, sendo membro de um partido à
direita, se notabilizou por defender bandeiras de esquerda. Moraes se
aproximou Lembo quando este era reitor do Mackenzie e Alexandre era
professor. Ambos tinham em comum a passagem pela Faculdade de Direito do
Largo de São Francisco.
Em 2005, indagado se existia uma contradição entre ser membro do PFL e
atuar na defesa dos direitos humanos, Moraes respondeu assim: “Os
ideais do liberalismo na área jurídica são ideais que não conflitam
absolutamente em nada com essa postura. Se nós formos pegar
historicamente quem sempre defendeu garantias individuais, princípios de
defesa do ser humano, as liberdades públicas foram os liberais.” Ele
prosseguiu: “Nos Estados Unidos o partido menos conservador, mais ligado
ao liberalismo é exatamente o partido democrata, que tem as grandes
bandeiras liberais”, disse ele, demonstrando não entender tão bem de
política americana. A declaração foi dada no programa Roda Viva, da TV
Cultura. Moraes já estava plenamente integrado aos holofotes da
política, e parecia confortável nessa posição. Quem o ouvia falar podia
identificá-lo como um centrista.
Como secretário, Moraes teve embates com Saulo de Castro Abreu Filho,
responsável pela pasta da Segurança Pública. Linha-dura, Abreu Filho se
irritava com a preocupação (a seu ver, excessiva) de Moraes com os
direitos dos menores infratores.
“Ele teve desentendimentos bastante difíceis com o secretário Saulo
de Abreu na época”, lembra Nagashi Furukawa, que comandava a Secretaria
de Administração Penitenciária.
Furukawa tinha que lidar com Moraes com frequência. Ele diz que o
futuro ministro se destacava como um gestor eficiente e de fácil trato.
Ele destaca outra característica do ministro do STF: o traquejo
político. “O talento de fazer política no bom sentido é imprescindível
para o homem publico. A pessoa tem que saber se relacionar bem, manter
bom contato com outras pessoas, e isso o Alexandre sabe fazer.”, afirma.
As imagens da época mostram Moraes quase sempre sisudo, sem sinais de
calvície e com ternos com todos os botões fechados. Chefe de gabinete
do então secretário de Justiça, o advogado e professor Claudio Tucci
Junior descreve Moraes como um chefe que dava ordens objetivas e sabia
ser exigente. “Naturalmente, com pressão do dia a dia e dos assuntos
inerentes à secretaria em alguns momentos não se poderia esperar por uma
resposta mais lenta, então se tinha uma exigência natural. Mas sempre
com tranquilidade, receptividade e sempre ouvindo a todos nós”, ele diz.
O ex-chefe de gabinete afirma que, além de bom jurista, Moraes era um
gestor competente. “Eu sou testemunha de que ele aliava o conhecimento
técnico jurídico e a visão ampla das políticas públicas de competência
da secretaria”, diz Tucci Junior, que hoje é advogado e professor da
Unisanta.
A agenda de Moraes à época mostra que ele se divida entre temas
complexos, como o combate ao crime organizados, e eventos de pouca
importância, como casamentos comunitários. Moraes também recebeu
lideranças do MST para tratar da reforma agrária e criou a “Comissão de
Promoção de Ações Afirmativas” em 2002. No ano seguinte, ele se declarou
a favor das cotas. “Não se trata da hegemonia do negro sobre o branco,
mas de justiça e igualdade de oportunidades.”
Moraes tirou a carteira da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em
2005. No mesmo ano, deixou a Secretaria de Justiça após ser indicado
pela Câmara dos Deputados para uma vaga no CNJ (Conselho Nacional de
Justiça), onde permaneceu até 2007.
Subalterno de Kassab Em 2007, depois da passagem pelo CNJ, Moraes
foi indicado para outro cargo político: o de Secretário de Transportes
da Prefeitura de São Paulo na gestão de Gilberto Kassab. No posto, ele
chegou a acumular o cargo de presidente da CET, a Companhia de
Engenharia de Tráfego paulistana.
Como secretário, Moraes lidou com temas prosaicos. Lançou, por
exemplo, o Bilhete Amigão (quatro viagens em oito horas com um bilhete).
A pedido da OAB do bairro de Pinheiros, ele também autorizou a criação
de uma linha de microônibus ligando o Fórum de Pinheiros ao metrô Vila
Madalena. Ele fez o mesmo com os advogados de Santana: criou uma linha
conectando o Fórum de Santana ao metrô Santana. Neste período, Moraes
aparecia nos jornais sobretudo como alguém que tentava colocar ordem no
trânsito caótico da capital paulista.
Talvez por ser proativo, Moraes ganhou espaço e concentrou
atribuições na gestão Kassab. Passou a comandar também a pasta de
Serviços, que cuida da coleta do lixo. Mas, em 2010, o futuro ministro
deixou o cargo por se opor à criação da Autoridade Metropolitana de
Transportes. À época, outro motivo para a saída foi o desgaste causado
pela demora na entrega da motofaixa da Rua Vergueiro, um corredor
importante na região central de São Paulo.
Advogado do PCC? Fora de Prefeitura, Moraes decidiu advogar. Essa foi a sua ocupação principal entre julho de 2010 e dezembro de 2014.
Entre julho e 2010 e dezembro de 2014, atuou como advogado. O
escritório “Alexandre de Moraes Sociedade de Advogados ocupava o nono
andar de um prédio espelhado no bairro do Itaim Bibi, um dos mais caros
da capital paulista.
Em abril de 2014, por exemplo, ele se reuniu com o então Secretário
de Transportes da capital paulista, o petista Jilmar Tatto. Moraes
também advogou para o PSDB e para Aécio Neves na campanha presidencial
de 2014 e entregou um parecer jurídico encomendado pelo Conselho Federal
de Farmácia por R$ 150.000.
Mas o caso mais controverso deste período envolve o PCC (Primeiro Comando da Capital).
A rigor, ninguém é “advogado do PCC” porque o PCC não existe
formalmente. Mas a organização criminosa opera em muitas frentes. Uma
delas, o transporte alternativo. E essa seria conexão de Moraes com a
facção criminosa. O escritório de advocacia comandado por ele defendeu a
Transcooper, uma cooperativa de transporte com vínculos com a
organização criminosa.
O ministro nega saber de qualquer ligação entre a cooperativa e o
bando. “Jamais fui advogado do PCC e de ninguém ligado ao PCC”, disse
ele, na sabatina no Senado quando foi indicado ao STF.
Na mesma ocasião, Moraes fez comentários que hoje soam reveladores:
ele se demonstrou incomodado com as afirmações de que ele tinha advogado
para o PCC, e sugeriu algum tipo de controle sobre as “calúnias”
divulgadas na internet. “É inegável que as redes sociais, a internet,
foram, são e continuarão sendo um grande avanço de comunicação, de
informação, mas é também inegável — isto é algo em que todos nós, em
determinado momento, vamos ter de pensar, uma forma razoável de
equilíbrio — que se proliferam calúnias, difamações e injúrias em
relação a inúmeras pessoas.
“Quem, dentro desta Comissão e fora dela, está nos ouvindo e vendo e
já foi caluniado, difamado ou injuriado pela internet sabe a dificuldade
ou mais, eu diria, a quase impossibilidade de você retirar totalmente
essas versões mentirosas.”
Em 2015, o período de Moraes como advogado chegou ao fim. Ele aceitou
o convite do governador Geraldo Alckmin para assumir a Secretaria de
Segurança Pública de São Paulo. Ali, atuou como uma espécie de xerife:
reprimiu protestos contra o impeachment de Dilma Rousseff na Avenida
Paulista e foi incisivo contra manifestantes que haviam invadido escolas
públicas paulistas.
Moraes sairia de lá para o Ministério da Justiça na gestão de Michel Temer.
Pai bolsonarista O ministro do STF é casado desde 1992 com a
advogada Viviane Barci de Moraes. Formada na UNIP (tanto em Direito
quando em Propaganda e Marketing), ela comanda o escritório Barci de
Moraes, que já atuou em 23 processos no Supremo Tribunal Federal —
muitos deles depois que Alexandre já havia se tornado ministro.
O endereço e o CPF do escritório de Viviani Barci de Moraes são
exatamente os mesmos daquele comandado pelo marido na década passada. Na
verdade, o escritório também é o mesmo: somente o nome mudou. O
ex-deputado Gabriel Chalita também advoga lá. O time inclui dois
ex-colegas de Moraes na prefeitura paulistana: Mágino Alves e Olheno
Ricardo Scucuglia.
Com Viviane, o ministro do STF teve três filhos: Giuliana, Alexandre e
Gabriela. Todos seguiram carreira no Direito. Mas as ceias de Natal na
família Moraes não devem ser das mais harmônicas.
O pai do ministro, Leon Lima de Moraes, é apoiador declarado de Jair
Bolsonaro. Ao lado da madrasta do ministro do STF, Elizete Gomes Lima,
Leon exibe suas preferências políticas no Facebook. A madrasta disse
estar de “luto” no dia que Bolsonaro perdeu a reeleição. No ano passado,
o casal se mudou para Toledo, nos Estados Unidos, onde vive uma filha
de Elizete.
Leon é conterrâneo e contemporâneo de Michel Temer: ambos se criaram
na cidade de Tietê (SP). Do pai, o ministro do STF herdou a torcida pelo
Corinthians.
A chegada ao STF
Moraes sempre foi hábil em construir relacionamentos no poder. Ainda
em 2002, quando lançou o livro “Constituição do Brasil interpretada e
legislação constitucional”, ele convenceu o então ministro do STF Celso
de Mello a assinar o prefácio da obra. Nele Mello afirma que o livro tem
um “alto nível científico”. Moraes tinha 33 anos. Ainda em 2002, Moraes
já estava sendo citado pelo mesmo Celso de Mello como integrante de um
grupo de “eminentes autores.”
Na mesma época, Moraes também assinou um artigo na Folha de S. Paulo
em que apresenta medidas do governo paulista a favor dos direitos
humanos. O artigo tem trechos de difícil leitura, como este: “A previsão
dos direitos humanos fundamentais direciona-se basicamente para a
proteção à dignidade humana em seu sentido mais amplo, que se manifesta
singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria
vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais
pessoas, constituindo um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico
deve assegurar.”
O grande momento da carreira de Moraes viria uma década e meia
depois. A nomeação feita por Michel Temer para a Suprema Corte em 2017
seria a primeira a partir de um presidente não-petista desde 2002,
quando Fernando Henrique Cardoso escolheu Gilmar Mendes para o cargo. A
indicação se deu em circunstâncias incomuns: o ministro Teori Zavascki
morreu em um acidente de avião na região de Angra dos Reis.
A relação de Moraes com os petistas não era das melhores. Em março de
2016, por exemplo, ele foi hostilizado por militantes petistas que se
manifestavam contra o impeachment de Dilma Rousseff. Aos gritos de
“fascista”, deixou o local cercado por policiais.
Por isso, não surpreendeu que, quando Moraes foi indicado à vaga na
Suprema Corte, a Executiva do PT tenha reagido com uma nota incisiva: “A
indicação do ministro da Justiça do governo golpista, Alexandre de
Moraes, para a vaga no STF aberta com a morte do ministro Teori Zavascki
é um profundo desrespeito à consciência jurídica do país e ao espírito
republicano que deve reger esse tipo de indicação. Sua nomeação e
resumida trajetória como ministro da Justiça do governo ilegítimo de
Temer tornaram evidente seu despreparo, seu desprezo pelas instituições e
sua parcialidade”, disse o comando do partido, em nota pública.
Diante de Moraes, na sabatina na Comissão de Constituição e Justiça
do Senado, Gleisi Hoffmann (PT-PR) afirmou: “Nunca houve, nas indicações
ao Supremo Tribunal Federal, uma reação contrária, da sociedade civil
organizada, tão grande quanto nesse caso da indicação do Dr. Alexandre
de Moraes.” Dentro do Senado, não houve reação significativa. A
indicação foi aprovada por 55 votos a 13 contra em plenário. Outros 13
senadores não votaram.
Ascensão rápida dentro do STF No Supremo Tribunal Federal, o
tempo de casa produz uma espécie de hierarquia: os ministros mais novos
prestam deferência aos mais antigos.
Com Moraes, as coisas aconteceram de forma mais rápida. Ele tem duas
características únicas em relação a seus colegas: a ampla experiência
política e o histórico de procurador de Justiça. Moraes é o único
integrante da corte a ter sido membro do Ministério Público.
A mudança do status do ministro novato aconteceu de forma mais
marcante em abril de 2019, quando o novato recebeu uma missão do então
presidente da Corte, Dias Toffoli: investigar “ataques” e “ameaças”
contra membros da corte.
O então presidente da corte — que, assim como Moraes, frequentou a
Faculdade do Largo de São Francisco — se baseou numa argumentação
frágil: o artigo 43 do Regimento Interno do STF afirma que o presidente
poderá instaurar inquérito (tarefa que normalmente cabe ao Ministério
Público) se a infração penal ocorrer “na sede ou dependência do
tribunal.” O dispositivo foi criado para tratar de casos internos, como
atos de vandalismo dentro do prédio da corte. Mas, em uma canetada,
Toffoli passou a considerar que qualquer “ataque” publicado na internet
era equivalente a um pedrada nas vidraças do prédio do Supremo.
“O objeto deste inquérito é a investigação de notícias fraudulentas
(fake news), falsas comunicações de crimes, denunciações caluniosas,
ameaças e demais infrações revestidas de animus caluniandi, diffamandi
ou injuriandi, que atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo
Tribunal Federal, de seus membros; bem como de seus familiares,
quando houver relação com a dignidade dos Ministros”, escreveu Moraes,
em seu primeiro despacho no inquérito.
O primeiro ato relevante de Moraes foi determinar que o site O
Antagonista e a revista Crusoé retirassem do ar reportagens que ligavam o
empresário Marcelo Odebrecht, envolvido em escândalos de corrupção, ao
ministro Dias Toffoli. Na figura de defensor da honra dos ministros da
corte, Alexandre de Moraes ganhou importância aos olhos dos colegas.
Mas o inquérito das “fake news” rapidamente se tornou o pretexto perfeito para abusos das prerrogativas.
Dali surgiram desdobramentos e mais desdobramentos que, junto com o
inquérito dos “atos antidemocráticos”, permitiu que Moraes acumulasse
poder de forma inédita. Ele censurou parlamentares e figuras públicas
nas redes sociais, autorizou operações de busca e apreensão com base em
conversas privadas e jocosas de Whatsapp, e reagiu às críticas à sua
atuação como se elas fossem afrontas ao próprio Estado Democrático de
Direito.
A investigação sobre a possível fraude no cartão de vacina do
presidente Bolsonaro faz parte do mesmo mesmo inquérito que apura
xingamentos a autoridades por perfis do Twitter. Tudo sob a condução de
Moraes — ele mesmo acusador, juiz e vítima.
O inquérito aberto em 2019 é o mesmo que levaria à cadeia figuras
como o blogueiro Oswaldo Eustáquio, acusado de disseminar notícias
falsas.
Moraes também contou com a sorte para presidir o TSE justamente
durante o período eleitoral, em 2022. A troca no comando da corte segue
padrões pré-estabelecidos, mas, para o cada vez mais poderoso Alexandre
de Moraes, não poderia vir em melhor momento. Na condução das eleições,
ele repetiu o modus operandi: censura contra qualquer conteúdo que possa
ser vagamente interpretado como “fake news”, que com Moraes deixou de
significar “informação falsa propagada com o propósito de espalhar
desinformação” para significar “afirmação de fato não 100% confirmado
por todas as instâncias da Justiça.”
A essa altura, Moraes só poderia ser parado por Moraes — ou pelo
Senado Federal, a quem cabe processar ministros do STF por crime de
responsabilidade. O governo de Jair Bolsonaro tentou, em agosto de 2021,
levar um processo de impeachment adiante. Mas a petição não encontrou
apoio do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Num Congresso
onde vige o foro privilegiado, cada parlamentar pode facilmente se
tornar alvo do STF. E não há instância superior a quem recorrer.
Moraes já foi promotor e político. Nunca foi juiz. Talvez isso
explique porque costuma agir de forma imperiosa e com um permanente tom
acusatório — e dificultar a vida dos advogados sempre que possível.
Para o advogado Renor Oliver, que representa o Canal Terça Livre, os
problemas de Moraes vão muito além. “Muitos promotores viram juízes, mas
são garantistas e jamais conduziriam uma investigação como essa. Não
existe parâmetro no judiciário para o que está acontecendo”.
Em fevereiro de 2021, Moraes determinou a prisão do deputado Daniel
Silveira sob a alegação de que ele havia ameaçado ministros da corte
(inclusive ele próprio). Ao contrário do que aconteceu em 1968, o STF
mandou prender primeiro e só depois perguntar à Câmara dos Deputados se
autorizava a medida.
O advogado Roberto Mohamed, que atua no STF, foi aluno de Moraes em
uma pós-graduação no Mackenzie. Ele diz que o futuro ministro do STF era
respeitado como jurista e visto como alguém de perfil técnico, apesar
de o carisma não ser o seu ponto forte. “Não era um cara muito
simpático, mas nunca se recusou a abrir espaço para questionamentos”,
diz Mohamed.
Agora, o advogado acredita que o ministro tem se excedido em algumas
decisões. “Ele mudou bastante. Quando ele deu aula ele era promotor de
Justiça e sempre foi um garantidor dos direitos individuais, e por isso
me surpreendem algumas decisões dele”, diz.
Mohamed, que faz questão de deixar claro seu repúdio a Daniel
Silveira, afirma que o ministro tomou uma decisão injustificada ao
mandar o parlamentar à prisão. O próprio inquérito das fake news, afirma
o advogado, surgiu com base em uma interpretação dúbia do regimento do
STF, que foi tolerada em nome do que era então tido como o combate a um
mal maior: Jair Bolsonaro e seus aliados. “Eu acho que ele atuou, no
início como um defensor do tribunal; mas hoje é isto é desnecessário.
Acabou a situação de emergência”, diz o professor.
A advogada Ana Paula Thabata Fuertes, que já ouviu com admiração uma
aula magna de Alexandre de Moraes na faculdade e hoje critica a atuação
do ministro, afirma que, embora tenha sido um professor competente e um
autor capaz de explicar a Constituição em termios didáticos, Moraes não
teria chegado ao cargo no STF se o saber jurídico fosse o único critério
de seleção.
“Ele só mais um bom jurista. Você encontraria advogados com mais
saber jurídico que ele no mínimo em 100 escritórios de SP”, compara.
Para Ana Paula, a passagem pela promotoria deixou marcas no modo de
atuação de Moraes. Para ela, Moraes continua atuando como promotor vinte
anos após ter deixado o Ministério Público. “A formação dele foi na
promotoria. Quem já foi promotor não perde o acusatório. Além disso, se
ele se propôs a entrar numa promotoria, ele provavelmente já gostava de
ser acusador”, diz ela.
Em muitos aspectos, incluindo o vocabulário e o preparo intelectual, o
deputado Daniel Silveira está muito longe de ser um Márcio Moreira
Alves. Mas a situação abstrata era a mesma: o Supremo Tribunal Federal,
em nome da proteção da liberdade e da democracia, pedia que a Câmara dos
Deputados entregasse um dos seus membros à mercê da Justiça. Desta vez,
os parlamentares consentiram.
Se Moraes cumprir o tempo que lhe resta para a aposentadoria
compulsória, ficará no cargo até 13 de dezembro de 2043. Ele — e o AI-5 —
completarão 75 anos naquele dia.
Aprenda a lidar com situações adversas no empreendedorismo com esses livros valiosos.
Algo nós já sabemos: empreender não é fácil. É uma tarefa contínua
que depende unicamente de você! É necessário estudar, analisar o
mercado, fazer benchmark e… ler muito!
Para que uma ideia se transforme em um projeto ou negócio de sucesso,
a inspiração é um fator indispensável. E nada melhor do que buscar
insights nos relatos de pessoas que passaram por situações parecidas com
a sua na literatura.
Se você quer conhecer perspectivas inovadoras e alcançar novos
patamares de desenvolvimento empreendedor, veja 5 livros essenciais
abaixo.
O PODER DO HÁBITO, DE CHARLES DUHIGG
Um livro para ajudar a ter mais produtividade, concentração e começar hábitos para mudar sua carreira e a sua vida!
Sabe por quê? Charles Duhigg, repórter investigativo do New York
Times, mostra com exemplos e ciência que a chave para o sucesso é
entender como os hábitos funcionam.
Durante a narrativa, ele cita vários exemplos. Entre eles, uma jovem
transformou quase todos os aspectos de sua vida. Parou de fumar, correu
uma maratona e foi promovida. Além disso, neurologistas descobriram que
os padrões dentro do cérebro dela mudaram de maneira fundamental.
Basicamente, o autor explora a ciência por trás da criação e transformação de rotina.
MINDSET: A NOVA PSICOLOGIA DO SUCESSO, DE CAROL S. DWEK
Carol S. Dweck, professora de psicologia na Universidade Stanford e
especialista internacional em sucesso e motivação, desenvolveu um
conceito fundamental: a atitude mental com que encaramos a vida, que ela
chama de “mindset”, é crucial para o sucesso.
No livro, ela explica o sucesso pode ser alcançado pela maneira como
lidamos com nossos objetivos. “O mindset não é um mero traço de
personalidade, é a explicação de por que somos otimistas ou pessimistas,
bem-sucedidos ou não, ele define nossa relação com o trabalho e com as
pessoas e a maneira como educamos nossos filhos. É um fator decisivo
para que todo o nosso potencial seja explorado.”
DE ZERO A UM, DE PETER THIEL
Peter Thiel, cofundador do PayPal e investidor em diversas startups
– apresenta, através do seu livro, uma visão otimista do futuro do
progresso e uma maneira original de pensar sobre inovação, ensinando
você a fazer perguntas que o levem a encontrar valor em lugares
inesperados e citando exemplos do Vale do Silício.
O PONTO DE VIRADA, DE MALCOM GLADWELL
Você já ficou intrigado pensando no que faz com que um produto, um
serviço ou mesmo atitudes virem moda da noite para o dia? Já imaginou
que tipo de mudança faz, por exemplo, com que livros desconhecidos se
transformem em best-sellers? Ou o que explica o aumento do consumo de
cigarros entre os adolescentes, apesar da campanha antitabagista?
Se a sua resposta for sim para alguma destas perguntas, esse livro é
para você! Malcolm Gladwell apresenta uma maneira instigante e original
de entender esses fenômenos sociais.
STARTUP ENXUTA, DE ERIC RIES
A startup enxuta é um modelo de negócio que vem sendo amplamente
adotado ao redor do mundo, mudando a maneira como as companhias
idealizam seus produtos e serviços.
Pioneiro na implementação dessa abordagem, Eric Ries define startup
como uma organização dedicada a criar algo novo sob condições incertas –
e isso inclui tanto o jovem empreendedor que trabalha na garagem de
casa quanto o profissional experiente em uma multinacional.
STARTUP VALEON UMA HOMENAGEM AO VALE DO AÇO
Moysés Peruhype Carlech
Por que as grandes empresas querem se aproximar de startups?
Se pensarmos bem, é muito estranho pensar que um conglomerado
multibilionário poderia ganhar algo ao se associar de alguma forma a
pequenos empresários que ganham basicamente nada e tem um produto recém
lançado no mercado. Existe algo a ser aprendido ali? Algum valor a ser
capturado? Os executivos destas empresas definitivamente acreditam que
sim.
Os ciclos de desenvolvimento de produto são longos, com taxas
de sucesso bastante questionáveis e ações de marketing que geram cada
vez menos retorno. Ao mesmo tempo vemos diariamente na mídia casos de
jovens empresas inovando, quebrando paradigmas e criando novos mercados.
Empresas que há poucos anos não existiam e hoje criam verdadeiras
revoluções nos mercados onde entram. Casos como o Uber, Facebook, AirBnb
e tantos outros não param de surgir.
E as grandes empresas começam a questionar.
O que estamos fazendo de errado?
Por que não conseguimos inovar no mesmo ritmo que uma startup?
Qual a solução para resolver este problema?
A partir deste terceiro questionamento, surgem as primeiras
ideias de aproximação com o mundo empreendedor. “Precisamos entender
melhor como funciona este mundo e como nos inserimos!” E daí surgem os
onipresentes e envio de funcionários para fazer tour no Vale e a rodada
de reuniões com os agentes do ecossistema. Durante esta fase, geralmente
é feito um relatório para os executivos, ou pelas equipes de inovação
ou por uma empresa (cara) de consultoria, que entrega as seguintes
conclusões:
* O mundo está mudando. O ritmo da inovação é acelerado.
* Estes caras (startups) trabalham de um jeito diferente, portanto colhem resultados diferentes.
* Precisamos entender estas novas metodologias, para aplicar dentro de casa;
* É fundamental nos aproximarmos das startups, ou vamos morrer na praia.
* Somos lentos e burocráticos, e isso impede que a inovação aconteça da forma que queremos.
O plano de ação desenhado geralmente passa por alguma ação
conduzida pela área de marketing ou de inovação, envolvendo projetos de
aproximação com o mundo das startups.
Olhando sob a ótica da startup, uma grande empresa pode ser
aquela bala de prata que estávamos esperando para conseguir ganhar
tração. Com milhares de clientes e uma máquina de distribuição, se
atingirmos apenas um percentual pequeno já conseguimos chegar a outro
patamar. Mas o projeto não acontece desta forma. Ele demora. São
milhares de reuniões, sem conseguirmos fechar contrato ou sequer começar
um piloto.
Embora as grandes empresas tenham a ilusão que serão mais
inovadoras se conviverem mais com startups, o que acaba acontecendo é o
oposto. Existe uma expectativa de que o pozinho “pirlimpimpim” da
startup vá respingar na empresa e ela se tornará mais ágil, enxuta,
tomará mais riscos.
Muitas vezes não se sabe o que fazer com as startups, uma vez
se aproximando delas. Devemos colocar dinheiro? Assinar um contrato de
exclusividade? Contratar a empresa? A maioria dos acordos acaba virando
uma “parceria”, que demora para sair e tem resultados frustrantes. Esta
falta de uma “estratégia de casamento” é uma coisa muito comum.
As empresas querem controle. Não estão acostumadas a deixar a
startup ter liberdade para determinar o seu próprio rumo. E é um
paradoxo, pois se as empresas soubessem o que deveria ser feito elas
estariam fazendo e não gastando tempo tentando encontrar startups.
As empresas acham que sabem o que precisam. Para mim, o maior
teste é quando uma empresa olha para uma startup e pensa: “nossa, é
exatamente o que precisamos para o projeto X ou Y”.
VOCÊ CONHECE A ValeOn?
A MÁQUINA DE VENDAS ONLINE DO VALE DO AÇO
TEM TUDO QUE VOCÊ PRECISA!
A Valeon é uma caixinha de possibilidades. Você pode
moldar ela em torno do negócio. O que é muito importante. O nosso é
colocar o consumidor no centro e entender o que ele precisa. A ValeOn
possibilita que você empresário consiga oferecer, especificamente para o
seu consumidor, a melhor experiência. A ValeOn já é tradicional e
reconhecida no mercado, onde você empresário pode contar com a
experiência e funcionalidades de uma tecnologia corporativa que atende
as principais operações robustas do mundo essencial e fundamental. A
ValeOn além de trazer mais segurança e credibilidade para o seu negócio,
também resulta em muita troca de conhecimento e ótimos resultados para
ambos os lados, como toda boa parceria entre empresas deve ser.
Lembrem-se que a ValeOn é uma Startup Marketplace de Ipatinga-MG que tem
a responsabilidade de levar o cliente até à sua empresa e que temos
potencial para transformar mercados, impactar consumidores e revirar
empresas e indústrias onde nossos produtos e serviços têm capacidade de
escala e de atrair os investimentos corretos para o nosso crescimento.
Crise no governo Exploração de petróleo na Amazônia não é novidade
Por Tatiana Azevedo – Gazeta do Povo
Petrobras explora petróleo no meio da Amazônia há cerca de 30 anos, mas polêmica ambiental persiste| Foto: Agência Petrobras
A
polêmica sobre explorar ou não petróleo na foz do Rio Amazonas é a
causa da mais nova crise no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Mas a
produção de hidrocarbonetos na Amazônia não é nenhuma novidade: a
Petrobras opera poços de de petróleo e gás na selva desde 1986, sem
nunca ter registrado um acidente de vazamento de óleo ou contaminação do
meio ambiente. Mas a insegurança jurídica anda afasta investimentos na
região.
O Polo Urucu está localizado na Bacia de Solimões, em Coari, no
coração do Amazonas. Ele tem uma área de aproximadamente 350 quilômetros
quadrados, e está situado a 650 quilômetros de distância da capital,
Manaus.
Urucu é a maior reserva provada terrestre de petróleo e gás natural
no Brasil, com produção média mensal, no primeiro trimestre de 2020, de
106.353 barris de óleo equivalente por dia, sendo mais de 16 mil de óleo
e 14 mil de gás.
A descoberta de Urucu, há quase 40 anos, também foi marcada pela
discussão sobre a melhor forma de conciliar as atividades de exploração
de petróleo na região. A Petrobras diz que ela é feita com alta
tecnologia, cuidado com a preservação do meio ambiente e respeito a
comunidades tradicionais que vivem na área.
“De forma cuidadosa, fazemos a recomposição da cobertura vegetal
retirada no processo de perfuração dos poços. Após a instalação de cada
poço, resta apenas uma pequena clareira aberta na floresta para abrigar
os equipamentos”, diz a empresa em seu site.
VEJA TAMBÉM: “Acho difícil oferecer problema para a Amazônia”, diz Lula sobre projeto de exploração de petróleo Embate entre Marina Silva e Prates põe à prova agenda ambiental do governo Lula Governo vai tentar reverter derrotas de Marina Silva e Sônia Guajajara no Congresso
Petróleo tinha que ir de balsa até refinaria em Manaus, mas hoje é transportado em dutos No
início das operações em Urucu era preciso mais de uma semana para
escoar a produção, em balsas de pequeno porte que iam pelo rio até
chegar em Coari. De lá a produção seguia, em balsas maiores, para a
Refinaria Isaac Sabbá, em Manaus.
Desde 2009, Urucu conta com um conjunto de dutos que possibilitam o
escoamento da produção. O gasoduto Urucu-Coari-Manaus tem 663
quilômetros de extensão e capacidade de transportar até 5,5 milhões de
metros cúbicos por dia de gás natural, desde Coari até a capital do
Amazonas.
O Pólo de Urucu foi colocado à venda pela Petrobras em junho de 2020,
como parte da política de desinvestimentos da empresa, que decidiu
concentrar esforços e investimentos na produção no mar, especialmente na
camada mais profunda do pré-sal.
Regras ambientais dificultam exploração de minerais na Amazônia Além
da grande biodiversidade, a Amazônia tem enorme quantidade de jazidas
de minérios. Alguns exemplos são: ferro, manganês, alumínio, cobre,
zinco, níquel, cromo, titânio, fosfato, ouro, prata, platina, paládio,
ródio, estanho, tungstênio, nióbio, tântalo, zircônio, terras-raras,
urânio e diamantes.
Muitos desses minérios são essenciais para o mercado que explora
tecnologias avançadas, como lasers, baterias, celulares e microchips.
Mas a exploração de minerais na região sempre foi vista com
desconfiança, que tenta prevenir a devastação ambiental. Limites e
critérios para a prática da mineração, além de limites aceitáveis de
desmatamento da mata não são totalmente claros. Sua implementação varia
de acordo com a interpretação de cada órgão de fiscalização e da
Justiça.
Ou seja, em teoria com equipamentos modernos, tecnologia avançada e
amparo legal a exploração de minérios pode ser feita de forma
sustentável, gerando benefícios sociais e econômicos às regiões onde
acontecem. Mas, na prática, a insegurança jurídica e a burocracia
envolvida no licenciamento ambiental impedem o desenvolvimento de
operações de exploração.
Insegurança jurídica afasta investimentos na produção de potássio para fertilizantes Um
dos exemplos de como a burocracia e a legislação impedem o
desenvolvimento da região é a exploração do potássio, que é usado como
fertilizante. Atualmente o Brasil sofre uma dependência estratégica da
Rússia para comprar esse tipo de insumo, que é necessário para o
agronegócio.
Em 23 de fevereiro, a assessoria da secretaria-executiva do
Ministério da Agricultura afirmou em documento que a exploração de
potássio na Amazônia pode suprir o mercado nacional em até 50% de sua
necessidade de consumo a longo prazo. Mas a produção local não se
desenvolve por causa da insegurança jurídica.
Ao menos uma empresa tentou obter licença para operar na região. A
Potássio do Brasil iniciou licenciamento junto ao Instituto de Proteção
Ambiental do Amazonas (Ipaam). Mas o processo ainda tramita na Justiça e
envolve indígenas na região. O Ministério Público Federal considera que
uma licença prévia emitida em 2015 é ilegal e todo o licenciamento deve
ser refeito pelo Ibama.
Ibama impediu exploração de petróleo no “novo pré-sal” próximo da Amazônia A
crise da vez é a queda de braço entre o Ministério do Meio Ambiente,
comandando por Marina Silva, e o Ministério de Minas e Energia, liderado
por Alexandre Silveira, sobre a exploração de petróleo na chamada
Margem Equatorial – região entre o Amapá e o Rio Grande do Norte que tem
grande potencial petrolífero.
O Plano Estratégico da Petrobras para o período de 2023 a 2027 prevê
investimentos de US$ 2,9 bilhões (R$ 15 bilhões) na região, com a
perfuração de 16 poços já a partir deste ano. Mas a companhia foi
surpreendida pela negativa de licenciamento ambiental pelo Ibama, que
considerou as operações arriscadas.
O processo de licenciamento para a área vem se arrastando desde abril
de 2014, tendo sido aberto inicialmente pela empresa BP Energy do
Brasil Ltda, que tentava explorar o bloco.
Um estudo de impacto ambiental foi protocolado em março de 2015 e
três audiências públicas foram realizadas em novembro de 2017 nos
municípios de Belém (PA), Oiapoque (AP) e Macapá (AP). Em julho de 2020,
a petroleira britânica BP desistiu do projeto e informou ao Ibama que
transferiria os direitos exploratórios e a titularidade do processo de
licenciamento ambiental da perfuração marítima no bloco para a
Petrobras.
A partir daí o problema do licenciamento passou para a empresa
brasileira. O instituto ambiental afirmou que o plano da companhia
petrolífera apresentava inconsistências preocupantes para a operação
segura em nova fronteira exploratória de alta vulnerabilidade
socioambiental.
Posicionamento do Ibama sobre petróleo na Amazônia gerou crise no governo Lula A
negativa do Ibama tem dividido o governo. Enquanto os ministérios do
Meio Ambiente e de Minas e Energia discordam sobre a negativa de
licenciamento, o próprio presidente Lula declarou que acha difícil que a
exploração ofereça problema para o Amazonas. “Se extrair petróleo da
Foz do Amazonas, que é a 530 quilômetros do Amazonas, é em alto mar, se
oferece problema para o Amazonas, certamente não será explorado. Mas eu
acho difícil, porque é a 530 quilômetros da Amazônia”, disse.
A perfuração, como destacou Lula, fica a 540 quilômetros da foz do
Rio Amazonas, o equivalente à distância entre Rio de Janeiro e São
Paulo. E a 175 quilômetros da costa do Amapá.
A crise provocou ainda a saída do líder do governo no Congresso,
senador Randolfe Rodrigues, da Rede Sustentabilidade, por divergências
com Marina Silva. Ele está sem partido mas pode se vincular ao PT.
Durante audiência na Câmara esta semana, a ministra do Meio Ambiente
voltou a afirmar que a legislação ambiental precisa ser cumprida no
Brasil.
“Poder-se-ia muito bem ter feito o estudo da área de abrangência, mas
não foi isso que foi feito. E a lei é para ser cumprida. Infelizmente
os combustíveis fósseis ainda continuarão fazendo parte da matriz
energética do mundo por algum tempo, porque muitas regiões não têm como
fazer a transição da noite para o dia”.
Mas vitória de Marina foi breve. Ao analisar uma medida provisória
que trata da estruturação dos ministérios no governo Lula, o Congresso
Nacional esvaziou as atribuições do Ministério do Meio Ambiente de
Marina, com o aval do presidente. Lula não queria perder apoio dos
parlamentares do Centrão. O Planalto ainda tenta contornar a crise.
Petrobras recorre de decisão do Ibama e diz que vai ter cuidados com o meio ambiente
Enquanto isso, a Petrobras anunciou, em nota, que pediu ao Ibama a
reconsideração da decisão que negou a licença para perfuração do poço
exploratório na costa do Amapá.
A companhia garante que atendeu além dos requisitos previstos na
legislação, e que cumpriu todas as exigências técnicas para o projeto. A
Petrobras disse ainda que “a estrutura de resposta a emergência
proposta pela companhia é a maior do país”.
A nota da Petrobras diz ainda que “ a companhia se comprometerá a
ampliar a base de estabilização de fauna no município de Oiapoque, no
Amapá. A unidade atuará em conjunto com o Centro de Reabilitação e
Despetrolização de Fauna (CRD), já construído pela Petrobras em Belém
(PA). “Desse modo, na remota possibilidade de ocorrência de um acidente
com vazamento, o atendimento à fauna poderá ser realizado nas duas
localidades”, afirmou a companhia.
Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de janeiro| Foto: Vinicius Loures / Câmara dos Deputados
Depois
meses de idas e vindas, tentativas de esvaziamento e reformulações, os
trabalhos da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para
investigar os acontecimentos do 8 de janeiro, quando as sedes dos Três
Poderes em Brasília foram invadidas e depredadas, finalmente, começaram.
Na quinta-feira (25), foram escolhidos os nomes do presidente da
comissão, o deputado Arthur Maia (União Brasil-BA), aliado do presidente
da Câmara, Arthur Lira (PP-AL); da relatora, senadora Eliziane Gama
(PSD-MA); e de dois vice-presidentes, os senadores Cid Gomes (PDT-CE) e
Magno Malta (PL-ES). A previsão é de que os trabalhos da comissão durem
seis meses. Com base nas investigações realizadas, o relatório final
será entregue às autoridades judiciais.
Por mais importante que seja esclarecer os acontecimentos do 8 de
janeiro, é difícil acreditar que a CPMI recém-instalada possa trazer
avanços reais nesse sentido. Além de ter a concorrência de outras
comissões de inquérito, como a CPI sobre o MST e da CPI das apostas
esportivas, e de acontecer longe do período eleitoral que poderia atrair
mais atenção e interesse, a composição da CPMI do 8 de janeiro é um
balde de água fria em quem via nela uma chance de uma investigação séria
sobre a invasão aos prédios dos Três Poderes.
A relatora, senadora Eliziane Gama, não consegue nem disfarçar sua
disposição em agradar à base governista e seu aliado direto e amigo, o
ministro da Justiça Flávio Dino.
Dos 32 integrantes da comissão, 16 de cada Casa Parlamentar, 20
pertencem à base governista, mau sinal quando se considera que um dos
objetivos da comissão seria também apurar eventuais omissões das
autoridades governistas durante o ocorrido. Outro mau sinal – pior
ainda, na verdade – é o fato de a relatora, senadora Eliziane Gama, não
consiga nem disfarçar sua disposição em agradar à base governista e seu
aliado direto e amigo, o ministro da Justiça Flávio Dino.
Logo após ser declarada relatora, a senadora deixou claro seu
posicionamento – que deverá conduzir todo o seu trabalho na comissão.
“Houve uma tentativa de golpe, mas não conseguiram o golpe. E um fato é
claro, todos nós aqui somos contra o que aconteceu. Queremos garantir ao
Brasil a democracia cada vez mais forte, cada vez mais firme”,
discursou. Ou seja, antes mesmo de qualquer trabalho, levantamento de
dados ou de ouvir possíveis envolvidos, a senadora, responsável por
elaborar o relatório final com os resultados dos trabalhos da comissão,
já tem definido seu veredicto: foi tudo obras de “golpistas” – e o
governo federal não tem qualquer responsabilidade sobre o que ocorreu.
A possível leniência do governo e os abusos cometidos em nome da
repressão aos atos de 8 de janeiro, certamente mereceriam uma
investigação apurada do Congresso.
É importante lembrar que o próprio governo de Lula relutou bastante
em apoiar a abertura da investigação, oferecendo até cargos e liberação
de emendas a parlamentares que retirassem o apoio à comissão proposta
pela oposição. Oficialmente, o governo de Lula alegou que a instalação
da CPMI poderia “atrapalhar” a atuação do Congresso, atrasando ou
paralisando a votação de temas importantes. A disposição do governo
mudou repentinamente após 19 de abril, quando foram divulgadas as
imagens das câmeras de segurança do Planalto em que o ex-ministro do
GSI, general Gonçalves Dias, aparece supostamente facilitando a entrada
de manifestantes no prédio. Como era inevitável que a comissão fosse
instalada, o governo passou a buscar apoio para ser maioria e controlar
os trabalhos, e foi bem-sucedido, o deve mudar significativamente os
rumos da comissão.
O propósito original da oposição ao pedir a instalação da CPMI era
tentar promover uma investigação “alternativa” àquela sob tutela do
Supremo Tribunal Federal – em mais de uma ocasião já mostramos as
arbitrariedades contra a Constituição e ao Direito Penal cometidas em
relação ao caso. Assim, esperava a oposição, seria possível esclarecer
se houve ou não leniência por parte do governo Lula, que pode ter tomado
ações no sentido de facilitar o acesso dos invasores às sedes dos Três
Poderes, como o esvaziamento proposital das forças de segurança locais.
VEJA TAMBÉM: Macarthismo à brasileira Supremo endossa o abuso das “denúncias genéricas” O fim dos acampamentos e a “criminalização no atacado”
Outro ponto seria identificar os abusos cometidos na prisão dos
manifestantes – por ordem de Alexandre de Moraes, aproximadamente 1,5
mil brasileiros, entre eles muitas mulheres e idosos, foram detidos e
levados para um ginásio da Polícia Federal, sem a mínima condição para
comportá-los. Desse total, 1,3 mil foram denunciados em massa pela
Procuradoria-Geral da República (PGR). Como mostrou a Gazeta do Povo, as
denúncias são todas igual, genéricas, em um enorme “copia e cola”
jurídico que altera apenas nomes e dados pessoais dos denunciados, o que
contraria diretamente os princípios básicos do direito penal.
Esses dois pontos, a possível leniência do governo e os abusos
cometidos em nome da repressão aos atos de 8 de janeiro, certamente
mereceriam uma investigação apurada do Congresso Nacional, mas agora,
com maioria governista e uma relatora amiga de um possível investigado –
a atuação de Flávio Dino no 8 de janeiro era uma das que certamente
entraria no rol de investigados da CMPI – o risco é que se tenha um mero
embate de narrativas prontas e tentativas de blindagem ao governo
federal e à atuação escandalosa do STF. Uma pena que um instrumento que
poderia ser tão valioso para a democracia corra o risco de ser apenas
uma perda de tempo, um jogo de cartas marcadas, com final já sabido.
Durante a CPI do MST, o deputado federal Padre João (PT-MG) disse
que “o agro não produz arroz”| Foto: Pablo Valadares/Câmara dos
Deputados
O agronegócio brasileiro voltou a ser atacado pela
esquerda nesta semana, durante a CPI do Movimento dos Sem Terra (MST).
No momento da votação dos requerimentos, na quarta-feira (24), o
deputado federal Padre João (PT-MG) propagou desinformação sobre a safra
brasileira, ao dizer que “o agro não produz arroz”. “No almoço de hoje,
meu cardápio foi arroz, e o agro não produz arroz. O MST que produz. No
meu prato tinha alface, o agro não produz alface, nem feijão, nem
mandioca. Mais de 70%, tem itens que chegam a 80%, é a agricultura
familiar, são os assentamentos de reforma agrária que produzem”,
afirmou.
O argumento, evocado exaustivamente pela esquerda nos últimos anos, é
falso. Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), na safra
2022/2023, o Brasil vai colher quase 10 milhões de toneladas de arroz,
praticamente o volume consumido anualmente no país. Embora a produção
seja menor que a de anos anteriores, em decorrência de problemas
climáticos (como a estiagem no Rio Grande do Sul, que corresponde a dois
terços da produção nacional do grão) e da redução da área plantada nas
últimas décadas, o risco de desabastecimento foi afastado pelo Instituto
Rio Grandense do Arroz (Irga), no mês passado.
Em 2018, o pré-candidato à presidência pelo PSOL, Guilherme Boulos,
usou argumento semelhante ao do deputado petista, em entrevista ao Roda
Viva, da TV Cultura, dizendo que “a maioria do alimento que chega na
mesa do povo brasileiro não vem do agronegócio, vem da agricultura
familiar”. Um ensaio escrito por Rodolfo Hoffmann, professor da Escola
Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ), da Universidade de São
Paulo (USP), na ocasião, desmentiu a informação: “A afirmativa é falsa. O
valor monetário de toda a produção da agricultura familiar corresponde a
menos de 25% do total das despesas das famílias brasileiras com
alimentos”.
Confira outros ataques da esquerda ao agro:
“O agronegócio, sabe? Que é fascista e direitista…” Lula, durante a
campanha presidencial, em sabatina no Jornal Nacional, da TV Globo, em
agosto, optando por defender a pauta ambientalista do PT atacando o
agronegócio.
“Aquele agronegócio que quer utilizar agrotóxico sem nenhum respeito à saúde humana, possivelmente também estava lá.” Lula,
em janeiro, durante declaração ao decretar a intervenção federal no
Distrito Federal, citando um possível envolvimento de representantes do
agronegócio nos atos de 8/1.
“Tem a famosa feira da agricultura em Ribeirão Preto, que alguns
fascistas, alguns negacionistas, não quiseram que ele fosse na feira:
desconvidaram meu ministro.” Lula, novamente, desta vez chamando os
organizadores da Agrishow de “mau-caráteres”, neste mês, após suposto
“desconvite” feito pelo evento ao ministro da Agricultura, Carlos
Fávaro.
“Voto útil de verdade é contra o agronegócio e a motosserra que desmata o nosso país! Vote em quem te representa!” PSOL,
em 2018, durante a campanha presidencial. A propaganda nas redes
sociais trazia o “Prêmio Motosserra de Ouro”, contrapondo Katia Abreu e
Sonia Guajajara: “Meu lado: desmatamento zero + agricultura familiar +
sem transgênico + sem agrotóxico”.
Tenho muito orgulho de ter como vice a Sonia Guajajara. E ao
contrário do que se diz aqui na Globo, o agro não é pop, o agro é
tóxico, O AGRO MATA!” Guilherme Boulos (PSOL), em debate na Globo, em 2018.
“‘O Agro não é pop’: estudo aponta que a fome é resultado do
agronegócio – Para pesquisadores, o setor não só não mata a fome, como
fomenta a desigualdade que a cria”. Manchete do jornal Brasil de
Fato, em outubro de 2021, sobre o estudo O Agro não é tech, o Agro não é
pop e muito menos tudo, publicado na época pela Associação Brasileira
de Reforma Agrária (Abra).
“Reforma agrária é combater o mal pela raiz. Hoje, 47% da terra no
país pertencem a 1% da população fundiária. É um absurdo. Por isso a
importância de distribuir e democratizar a terra. O MST produz 100% de
comida saudável. A comida é uma ferramenta poderosa de transformação.
Comer é um ato político. A gente faz política com a comida, para o bem e
para o mal. O agronegócio detém 70% das terras do país, mas produz
somente 30% daquilo que a gente come; 70% daquilo que a gente come vêm
da agricultura familiar e a gente sabe que essa comida é saudável. O
agro produz commodities, que são base dos produtos ultraprocessados. Que
adoecem a população”. Bela Gil, culinarista e apresentadora de TV,
que fez parte da equipe de transição de Lula no grupo técnico de
Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
“Nós, brasileiros, deveríamos parar de dizer fora do Brasil que o
país não tem problema ambiental. Nós temos. Faz muito tempo. Quero dar
números bem objetivos. Falei que 84 milhões de hectares foram
desmatados. Para que essas áreas estão sendo usadas? 67 milhões de
hectares para a pecuária; 6 milhões para agricultura de grãos. E 15
milhões (são) de floresta secundária.” Jorge Viana, presidente da
Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex),
criticando o agronegócio brasileiro diante de uma centena de empresários
e autoridades em Pequim, reunidos no fórum Brazil-China Business, em
março deste ano.
“O Estado investe muito no agro, o crédito é altamente subsidiado,
mas, quando você vai fazer esse debate para um conjunto de outros
setores que nos interessam estrategicamente, esse debate vira pecado.” Tereza
Campello, diretora do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social (BNDES), em março deste ano. A ex-ministra do Desenvolvimento e
Assistência Social, Família e Combate à Fome de Dilma Rousseff já havia
dito, em dezembro, durante o Festival da Reforma Agrária do MST, que é
preciso reduzir a dependência do agronegócio. “Nós queremos plantar
sementes estratégicas para transformar o Brasil e a agenda da
alimentação talvez seja a mais estratégica nesse sentido. Temos que
pensar no sistema alimentar como organizador do campo progressista
dentro desse novo governo, articulando a pauta do meio ambiente com o
MDA [Ministério do Desenvolvimento Agrário], MDS [Ministério do
Desenvolvimento Social], com as agendas estratégicas para formar um
campo e dar uma cara progressista para esse governo, para que seja um
governo de fato transformador.”
“Das 289 empresas lista suja do trabalho escravo, 172 são de
atividades rurais. Parte do agro brasileiro vive no século passado
lucrando em cima de trabalhadores, com desmatamento e agrotóxico. Não
tem nada de pop nisso.” Gleisi Hoffmann, presidente do PT, em tweet no mês passado.
“Se vier algum matador de aluguel tentar me matar porque eu estou me
metendo e e falando para não sei quantas milhões de pessoas que essa
agropecuária precisa mudar e que é um câncer para a nossa natureza, pode
vir. Eu não tô nem aí. E eu ainda venho depois como alma penada puxar o
pé de vocês. Estou super preparada para isso. Pode mandar ameaça e
xingar, não estou me preocupando no momento”. Anitta, em uma sequência de stories no Instagram, em 2019.
“O governo vai apostar nessa transição [para o incentivo de baixo
carbono]. Para que a gente tire o agronegócio brasileiro da condição de
‘ogronegócio’.” Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, que também
já havia criticado a “insegurança alimentar brasileira”, supostamente
responsável por “120 milhões de pessoas que estão passando fome” no
Brasil. O dado é equivocado, como já mostrou reportagem da Gazeta do
Povo.
“Agro é morte” e “soja não enche o prato”. Pichações de supostos
trabalhadores sem terra vandalizando a sede da Aprosoja (Associação dos
Produtores de Soja) em Brasília, em 2019.
“A crise capitalista e os crimes que o agronegócio estão [sic]
cometendo contra a natureza, com o uso intensivo de agrotóxicos que
envenenam a terra, os alimentos, contaminam as águas, infelizmente, tem
sido a prova que nos ajuda a conscientizar a sociedade de que esse
modelo de produção agrícola baseado na grande propriedade e na produção
das commodities é o responsável pela volta da fome, da falta de emprego e
pela desigualdade social do nosso país. Porque ainda que eles produzam
riqueza, ela é concentrada na mão de poucos.” João Pedro Stedile, coordenador nacional MST, em entrevista ao Brasil de Fato, em junho do ano passado.
“O agro não tem nada de pop e de legítimo. O agro é golpista.” Alexandre
Conceição, integrante da coordenação nacional do MST, em entrevista ao
Jornal Brasil Atual, em janeiro, em referência à suposta participação de
integrantes do setor na articulação e financiamento dos atos de 8 de
janeiro. O militante disse à publicação que o agro é “um dos principais
inimigos do povo brasileiro”, “predador” e “não produz alimentos, mas
muitos venenos que causam inclusive câncer”.
Governo quer voo de R$ 200, mas pode encarecer outras passagens e desestimular concorrência
Por Vandré Kramer – Gazeta do Povo
Governo desenha programa com passagem aérea de R$ 200 para grupos
específicos. Medida pode encarecer outras passagens e desestimular a
concorrência, dizem especialistas.| Foto: Marcelo Chello/EFE
O
governo pretende pôr em funcionamento até agosto o programa “Voa,
Brasil”, que alegadamente busca “democratizar” o transporte aéreo e dar
mais dinamismo ao setor. A principal medida foi revelada em março pelo
ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França: a venda de passagens
aéreas por R$ 200 para grupos específicos de consumidores.
O programa foi bem recebido pelas principais empresas do setor, que
formaram um grupo de trabalho para debater a proposta. Apesar disso, ou
por isso mesmo, a iniciativa embute riscos. Os principais, segundo
especialistas, são o aumento de preços para os demais passageiros, para
bancar o barateamento de parte das passagens; o desestímulo à
concorrência e à eficiência; e a criação de uma relação vista como
“perigosamente próxima” entre o governo e as grandes companhias.
Conforme declarações públicas do ministro, as passagens de R$ 200
serão direcionadas a servidores públicos federais, estaduais e
municipais que ganham até R$ 6,8 mil mensais; aposentados e pensionistas
da Previdência Social; e estudantes atendidos pelo Fundo de
Financiamento Estudantil (Fies).
Além da escolha do público-alvo, bastante específico, chama atenção a
renda máxima dos servidores públicos que podem ser beneficiados pelo
programa. Uma renda mensal de R$ 6,8 mil está muito distante das camadas
mais pobres da população. Esse teto equivale a 2,4 vezes a renda média
dos trabalhadores ocupados (R$ 2.880 no primeiro trimestre do ano,
segundo o IBGE), e mais de cinco vezes o salário mínimo (R$ 1.320).
A prioridade será dada a quem não viajou nos últimos 12 meses, com
permissão para compra de até quatro passagens, e o financiamento ficará a
cargo de bancos públicos como Caixa e Banco do Brasil, com pagamento em
até 12 vezes – mas sem subsídios, segundo França.
De acordo com o ministro, programa vai envolver assentos vagos das
companhias aéreas na baixa temporada, que vai do fim do carnaval até
junho e de agosto até novembro. No primeiro trimestre, segundo a Agência
Nacional de Aviação Civil (Anac), a taxa média de ocupação dos voos
domésticos foi de 78,9%.
Em audiência no Senado em abril, França disse que a ideia partiu das
próprias empresas, que o teriam procurado no início do ano pedindo apoio
do governo para a redução de custos. Uma das principais queixas é o
preço do combustível.
VEJA TAMBÉM: Congresso deve manter esvaziamento das pastas ambiental e indígena do governo Lula Ucrânia diz que contraofensiva é iminente: “É hora de retomar o que é nosso” Editorial: Ineficiência, corrupção e concentração de renda Segundo
o ministro, as aéreas teriam sugerido que o governo indicasse os CPFs
das pessoas que não costumam voar – os “90% que não voam”, nas palavras
dele. Essas pessoas teriam acesso ao programa de passagens mais baratas.
“O que eles [empresas aéreas] nos pedem? Que nos aplicativo deles
mesmos, sem nenhum subsídio, eles implantem os voos que vão ser a R$ 200
e nós vamos dizer que tal pessoa não voou há um ano, então pode
comprar”, afirmou.
VEJA TAMBÉM: Governo diz que cortará imposto para baixar preço de carro em até 10,79% Lula quer retomar política de estímulo à indústria naval que fracassou no passado Tarifas aéreas bateram recorde em 2022
Não está claro como as companhias vão baixar preços de parte das
passagens a R$ 200, num momento em que o movimento do setor é exatamente
o oposto. Com empresas buscando resgatar a rentabilidade perdida nos
últimos anos e pagar dívidas, deixando para trás o “legado” da pandemia
de Covid-19, as tarifas bateram recordes no ano passado – e as
perspectivas são de novos aumentos.
“Não existe nem almoço grátis nem preço de passagem mais baixo sem
custos. Os empresários não vão querer diminuir suas margens de lucros. O
efeito [do programa do governo], ao final, será uma combinação de
demissões, às vezes invisíveis, envolvendo pessoal de baixa
qualificação, com aumento de preços para todos os outros passageiros”,
diz Cláudio Shikida, professor do Ibmec-MG e especialista do Instituto
Millenium.
A tarifa média de 2022 para voos domésticos foi de R$ 645, bem acima
dos valores de 2020 (R$ 444) e 2021 (R$ 531) e também a maior da série
histórica da Agência Nacional da Aviação Civil (Anac), iniciada em 2011.
A tarifa média de janeiro de 2023 (R$ 592) foi a maior para o mês desde
2012. E a de fevereiro (R$ 572) ficou abaixo apenas das registradas em
2012 e 2014. Todos os valores foram atualizados pela inflação.
Especialista critica aceno a empresas que lideram setor concentrado Para
Shikida, o programa preparado pelo governo não visa ao aumento da
concorrência nem à redução dos custos de entrada de novas empresas no
mercado. Latam, Gol e Azul, as três maiores, dominam 99,6% do mercado,
segundo a Anac.
“O governo prefere apostar na criação de uma relação perigosamente
próxima com as poucas empresas que atuam no setor. Não é só uma casta
artificial de consumidores que é criada. É pior: sinaliza-se para os
poucos competidores que eles não terão que se esforçar em um ambiente
mais competitivo. Basta que aceitem a proposta do governo”, diz Shikida.
As líderes do setor, por sinal, parecem ter aprovado a ideia. A Latam
Airlines disse que a proposta vai na direção de aumentar de forma
sustentável as viagens de avião no país.
Procurada, a Gol não respondeu às questões da Gazeta do Povo. Em
abril, porém, o presidente da empresa, Celso Ferrer, sinalizou otimismo.
“O importante é que a gente use esse programa em momentos de baixa
sazonalidade para dar acesso a clientes que não estão voando”, afirmou
ao jornal “Valor”.
A Azul, por sua vez, disse à Gazeta ver como positiva a iniciativa
apresentada para estimular o acesso de mais brasileiros ao transporte
aéreo. No fim de março, no entanto, o presidente executivo da companhia,
John Rodgerson, fez uma ressalva: disse que a ideia faz sentido desde
que os demais passageiros não paguem a conta – justamente o risco
apontado por especialistas.
“A questão é como fazer isso de maneira que não seja como a
meia-entrada no cinema, com as outras pessoas pagando mais caro por
isso”, afirmou à “Folha de S.Paulo”.
O diretor da FGV Transportes, Marcus Quintella, vê com reservas a
ideia do governo de ocupar a fatia de assentos “ociosos” das empresas.
Buscar uma ocupação próxima de 100%, avalia, é inviável. “As empresas,
normalmente, trabalham com uma reserva técnica, para atender, por
exemplo, a passageiros que perderam conexões ou enfrentaram overbooking
em outros voos, transporte de tripulantes”, afirma.
Parte dessa reserva é destinada às compras de última hora, mais
próximas dos horários de embarque, que costumam custar várias vezes a
tarifa média.
Aviação se recupera aos poucos da pandemia Em termos de movimento,
a aviação comercial brasileira está se recuperando aos poucos dos
efeitos da pandemia. Embora as empresas tenham procurado o governo em
busca de ajuda, Quintella diz que o setor tende a retomar até o fim do
ano os mesmos níveis de 2019, nos voos domésticos.
Em março, a demanda foi 5,1% inferior à do período do pré-pandemia e a
oferta de assentos, 1,7% menor, segundo a Anac. “Há rotas entre
capitais cujo movimento já corresponde a 95% do pré-pandemia”, diz
Quintella.
O cenário é outro para os voos internacionais, cuja oferta de
assentos ainda é 21,9% inferior ao do período anterior à pandemia.
“Dólar e juros elevados impedem que o brasileiro viaje para o exterior e
a atratividade brasileira para negócios e turismo não é das melhores”,
afirma o especialista.
Uma expansão mais consistente do mercado, avalia Quintella, não virá
de medidas como o “Voa, Brasil”: “É, basicamente, uma questão de
economia: se esta vai bem, o segmento também vai”.
O então presidente americano George H.W. Bush (à esquerda) em
encontro no retiro rural de Camp David com o líder soviético Mikhail
Gorbachev (à direita), em 2 de junho de 1990| Foto: Biblioteca
Presidencial George H.W. Bush
“Nem uma polegada em direção ao
leste da Europa.” Os defensores do presidente Vladimir Putin sempre
tiram da cartola essa frase de 1990 para dizer que a invasão russa à
Ucrânia em 2014 e a que está em curso desde fevereiro do ano passado são
uma reação de Moscou à fome da Organização do Tratado do Atlântico
Norte (OTAN), que jamais teria cumprido o acordo firmado entre os
líderes ocidentais à época e o então líder da União Soviética, Mikhail
Gorbachev.
Mas, de fato, os senhores que aparecem reunidos na imagem acima
acordaram isso? Em 2014, quando Putin usou esse argumento estapafúrdio
para invadir a Ucrânia pela primeira vez e tomar a região da Crimeia,
Gorbachev entrou em cena para dizer que a queixa de Putin se baseava em
um mito.
Gorbachev, que não anistia o que ele definiu como falhas dos Ocidente
e principalmente dos Estados Unidos no pós-Guerra Fria, desmontou a
farsa. Mas de que vale o testemunho de quem realizou as negociações se
há uma história tão bem montada para validar sentimentos antiamericanos?
Nesta semana, o deputado petista Arlindo Chinaglia fez um discurso na
Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos
Deputados que parece ter sido redigido em Moscou. Chinaglia começou com
uma piada que diz que, ao ser interrogado por um juiz, um assaltante de
bancos reconheceu o crime, mas justificou: “Eles me roubaram primeiro”,
referindo-se ao banco como sendo o ladrão original.
O chiste serviu para Chinaglia ressuscitar a frase “nem uma polegada
em direção ao leste da Europa” para abertamente dizer que Putin é a
vítima da história. Que a quebra de um suposto pacto firmado quando da
reunificação da Alemanha está na origem do mal; apesar dos recorrentes
avisos de Putin de que reagiria, a OTAN e os Estados Unidos resolveram
“pagar para ver”.
Chinaglia falava pela liderança de um bloco de partidos de esquerda
que orbitam o PT. Chinaglia repetia o que a ex-presidente Dilma Rousseff
já havia expressado em vários momentos desde o início da invasão.
Chinaglia repetiu o que o presidente Lula, que se postula como o
pacificador, também já verbalizou. Chinaglia papagaiava a propaganda de
Putin, que, por sinal, não conquista apenas petistas e assemelhados. Ela
também faz muito sucesso no polo oposto do espectro político
brasileiro, que, por suposto, tem o formato de uma ferradura.
Putin não construiu sua propaganda do nada. Ele tem como suporte
documentos desclassificados que tratam das negociações da época, que,
sim, passaram pelo tema da não expansão da OTAN, mas que nunca chegou a
ser um tema central. O próprio Gorbachev faz menção à despreocupação da
URSS sobre o papel da OTAN, pois o mundo que estava se desenhando
naquele momento apontava para uma integração de interesses em que a sua
URSS estava se aproximando do Ocidente e não partindo para uma
confrontação.
Este, por sinal, é um ponto central para entender o contexto em que as negociações e promessas se deram.
Era o crepúsculo da Guerra Fria e as negociações se davam com um
parceiro que viria a deixar de existir no ano seguinte, em um ritmo que
talvez nenhum dos atores envolvidos esperasse que fosse tão acelerado.
Nos seus últimos suspiros, a URSS de Gorbachev não buscava expansão.
Na mesma linha do líder soviético, os americanos que testemunharam
aqueles dias contam que a expectativa era a de que cada país tomasse o
seu caminho. E com a vitória do Ocidente na Guerra Fria, era mais que
natural a reorientação dos países que se desmembraram da URSS na busca
de recursos para seu desenvolvimento e reintegração ao mundo livre.
Putin nunca aceitou isso. De uma maneira ou de outra, trabalhou para
alimentar ressentimentos internos, passou a estender seus braços e
exercer sua influência no máximo de antigas repúblicas soviéticas
possível.
Chinaglia e os demais papagaios de Putin não falam de quando a
Ucrânia teve o seu acesso barrado pela OTAN, em 2008. Eles também não
fazem questão de entender que a invasão russa de 2014 foi uma reação
extrema de Putin para punir uma Ucrânia que não aceitava estar sob o
comando de um boneco de ventríloquo comandado por Moscou. Em 2014, Putin
disse não e o então presidente ucraniano seguiu as ordens de não seguir
em frente com o processo de ingresso na União Europeia, contrariando o
desejo de um país inteiro.
O boneco de Putin caiu e ele então resolveu invadir a Crimeia para
“salvar” uma parcela do país vizinho dos malvados fascistas de Kiev que
queriam fazer parte da União Europeia.
A Ucrânia aprendeu, então, na prática, as lições do expansionismo de
Putin. A sua reação à invasão atual é um ato de resistência que, se não
tivesse ocorrido, o país já teria sido anexado. Dizer que os ucranianos
são tão responsáveis pela guerra quanto os russos – ou, até mesmo, os
únicos responsáveis – fala muito do caráter, dos valores morais ou, pelo
menos, da sanidade de quem abraça esse tipo de argumento.