sábado, 25 de fevereiro de 2023

JUIZ SUBSTITUTO NÃO QUER SER O COVEIRO DA LAVA JATO

Diz juiz sucessor de Moro na 13.ª Vara Federal de Curitiba

Garantista e crítico dos métodos da operação, Eduardo Appio tenta manter vivo o legado da maior investigação contra a corrupção do País

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Blog do Fausto Macedo

Por Rayssa Motta – Jornal Estadão

O juiz Eduardo Fernando Appio, de 53 anos, assumiu neste mês a cadeira ocupada pelo agora senador Sérgio Moro (União Brasil-PR) no auge da Operação Lava Jato. Ele é o novo titular da 13.ª Vara Federal Criminal de Curitiba, onde ainda tramitam cerca de 240 procedimentos penais derivados das investigações da maior operação de combate à corrupção da história do País.

Os tempos áureos da Lava Jato ficaram para trás. As operações da Polícia Federal para prender políticos e empresários influentes escassearam. A força-tarefa de procuradores foi extinta em 2021 e o apoio popular massivo se diluiu em meio a acusações de parcialidade dos investigadores.

Os processos que tramitam hoje em Curitiba correspondem a 40% do acervo original da operação. O restante foi enviado para a Justiça Eleitoral ou para outros Estados, por força de decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), o que na prática vem atrasando o desfecho das ações, que precisaram ser retomadas do início. 

“Há risco concreto de prescrição. Essa é a razão maior da minha preocupação”, afirma Appio em entrevista ao Estadão. “Tem muita gente interessada no arquivamento desses processos e que seja um Caso do Banestado 2.”

A equipe do gabinete também está menor: são 11 servidores, incluindo o juiz titular, que vem pedindo reforços ao Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4). 

Apesar do cenário, Appio tomou como missão fazer a operação ‘sobreviver’. “A Lava Jato na minha mão não vai morrer, não vou ser o coveiro oficial da Lava Jato, de forma alguma. Eu não aceito esse papel histórico”, garante.

Eduardo Fernando Appio é o novo titular da 13.ª Vara Federal de Curitiba.
Eduardo Fernando Appio é o novo titular da 13.ª Vara Federal de Curitiba. Foto: Divulgação

O perfil do novo juiz da Lava Jato contrasta com o do seu antecessor, Sérgio Moro, a quem atribui um ‘populismo judicial’. “Houve, de forma intencional ou não, uma politização da operação”, avalia. “Quem fala aqui é uma pessoa que, no início da operação, colocou um adesivo no carro: ‘Eu apoio a Lava Jato'”. 

Especialista em Direito Constitucional, Eduardo Appio assume o rótulo de ‘garantista’ e é um crítico declarado dos antigos métodos da operação: “Mesmo no auge da Lava Jato, quando havia essa tsunami popular em favor da operação, eu me sentia muito à vontade, como professor, para fazer uma crítica ao que estava acontecendo, porque entendia que havia excessos.”

As críticas renderam ataques públicos do deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR), ex-coordenador da força-tarefa no Paraná, que acusou o juiz de alinhamento com um programa ideológico de ‘esquerda’. 

Ao Estadão, Appio nega vinculação a qualquer partido ou movimento político e rebate o deputado: “Todo político de extrema-direita acredita que o mundo é vinculado à esquerda.”

Natural do Rio Grande do Sul, o novo juiz da Lava Jato assumiu a vaga de Luiz Antônio Bonat, que sucedeu Moro e agora foi promovido a desembargador do TRF-4. Antes de assumir o cargo, Appio estava na 2.ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais do Paraná, onde cuidava de questões de Direito Tributário. 

Maratonista desde 15 anos, o juiz corre todos os dias: “Sou viciado em endorfina.” Também é fã de cinema e literatura. O autor favorito é Philip Roth e o diretor é Elia Kazan.

Leia a entrevista completa:

ESTADÃO: O que levou o Sr. a se candidatar à vaga do Bonat?

O desafio de assumir a Vara mais difícil do Brasil em matéria criminal é um desafio que acho que move qualquer profissional. Eu fiquei onze anos na turma recursal do Paraná, trabalhando só com matéria previdenciária, o que acabou se tornando muito monótono no dia-a-dia, as mesmas matérias sempre. Então eu me impus esse desafio em uma nova etapa da minha vida, me senti maduro. E as condições macropolíticas, macroeconômicas, a própria cobertura da imprensa, tudo conspira hoje em favor de uma atividade jurisdicional e judicial totalmente independente. Eu sentia que, no auge da Operação Lava Jato, a cobrança que exista em cima da figura do juiz e a própria herança de credibilidade que o ex-juiz Sérgio Moro deixou na época era muito alta. Hoje o Brasil respira outros ares. Existe dentro dos próprios tribunais um equilíbrio de forças entre garantistas e punitivistas. Portanto, hoje eu me sinto mais à vontade e liberto para julgar de acordo só com a minha consciência, com liberdade e total tranquilidade. Como no passado recente o chamado punitivismo era muito forte, eu há dois, três anos atrás provavelmente não aceitaria me candidatar para a vaga. 

ESTADÃO: Então o Sr. acredita que o punitivismo está sendo revisado? A Operação Lava Jato parece estar sendo passada a limpo?

Na frente judicial, a nossa tradição no Brasil sempre foi o chamado garantismo em matéria penal. Sempre se compreendeu as garantias e privilégios previstos na Constituição em favor de qualquer acusado como uma defesa a partir da qual o cidadão tem como se contrapor a uma força quase que onipotente do Estado. Se nós juízes não preservarmos essas garantias, estamos descumprindo a Constituição. A meu ver, o juiz, em matéria criminal, necessariamente tem que ser garantista, porque é o papel dele. O papel de acusação, e eu já fui promotor por três anos, é do Ministério Público. É uma carreira linda, mas cada um no seu espaço, cada um no seu quadrado. Onde houver confusão desses papéis, nós vamos criar uma cultura mais esquizofrênica, que não é permitida pelo Direito constitucional. 

ESTADÃO: O Sr. identifica essa confusão de papéis na Operação Lava Jato? A série de reportagens Vaza Jato, por exemplo, revelou conversas entre Moro e Dallagnol sobre processos.

O que posso dizer, com base em 30 anos de atividade profissional, é que não existe nenhum tipo de comunicação secreta entre juízes e promotores. Eu nunca vi isso acontecer e nunca ouvi falar que isso aconteça. Eu não sei ainda a dimensão exata desses conteúdos da Vaza Jato, porque 95% desses diálogos estão sob sigilo no Supremo Tribunal Federal. São quatro terabytes de diálogo, nós temos diálogo para uma vida inteira e além. O que eu conheço foi o que acompanhei na imprensa, mas existem inúmeros indícios de que os diálogos são verdadeiros. Se fossem fake news, seria muito fácil: os procuradores no dia seguinte entregariam os celulares na Polícia Federal. Fica muito difícil emprestar veracidade à versão de que o hacker fabricou quatro terabytes de diálogos. É muito específico, envolvendo decisões judiciais, quem é de fora do Judiciário sequer conhece a terminologia.

ESTADÃO: O Sr. já disse que é contra o chamado ativismo ou populismo judicial. Na sua avaliação, isso ocorreu na Lava Jato?

Eu compreendo a visão do Sérgio Moro, que foi sempre um destacado juiz, combativo, dedicado, no seguinte sentido: ‘ou nós jogamos os holofotes na operação, a exemplo do que aconteceu na Itália, ou essa operação acaba em pizza, acaba sendo arquivada’. Ele próprio acho que falou, mais de uma vez, que havia uma estratégia no sentido de jogar os holofotes para que a população também se engajasse nessa missão. Quem fala aqui é uma pessoa que, no início da operação, colocou um adesivo no carro: ‘Eu apoio a Lava Jato’. Depois fiz algumas críticas como professor em artigos, porque vi que houve, de forma intencional ou não, uma politização da operação. Eu entendi que a operação estava indo, talvez não de forma intencional, para um lado mais politizado e mais atrelado a essa ideia do ativismo, do populismo judicial.

ESTADÃO: A ida do ex-juiz Sérgio Moro para o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro reforça essa visão?

Evidentemente que os críticos da operação viram nessa migração do então juiz federal Sérgio Moro, que havia determinado a prisão do atual presidente, para o ministério do Bolsonaro como uma cereja do bolo, como a explicação de algo que até então navegava no território das teorias conspiratórias.

ESTADÃO: O Sr. concorda com a reformulação promovida pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, que acabou com as forças-tarefas?

A Lava Jato produziu bons resultados. Por exemplo, apenas um delator, que é o Pedro Barusco, devolveu aos cofres da Justiça Federal US$ 100 milhões. Ele continua sendo ouvido regularmente como colaborador. A meu ver, a reformulação não foi no sentido de enterrar a força-tarefa. Se eu estivesse na posição do procurador-geral Aras, depois dos diálogos da Vaza Jato, provavelmente eu também tentaria reformular a força-tarefa. Trazer pessoas novas, vida nova, numa espécie de resgate dessa neutralidade, dessa imparcialidade.

ESTADÃO: A Lava Jato foi uma operação sem precedente, prendeu dois ex-presidentes, foi superlativa em diversos aspectos e, é claro, trouxe a reboque muitas críticas. Os críticos da operação batem na tecla do uso das prisões processuais para conseguir delações e da própria impunidade dos delatores. O senhor vê problema com esses métodos?

Mesmo no auge da Lava Jato, quando havia essa tsunami popular em favor da operação, eu me sentia muito à vontade, como professor, para fazer uma crítica ao que estava acontecendo, porque entendia que havia excessos. Havia uma crítica forte ao modelo de prisão preventiva que estava muito atrelado à extração de uma confissão, de uma delação. É um cenário ambíguo que na época permitia críticas, que eram procedentes ao meu ver. Eu acho que é papel da academia e dos professores escreverem, publicarem e criticarem. Ainda que naquele momento, auge da Operação Lava Jato, as minhas críticas tenham sido recebidas com alguma reserva, porque elas iam na contramão de um movimento popular ou populista, não sei o nome. A Operação Lava Jato nos ensina, tanto para o bem quanto para o mal, nos dá diversas lições históricas, nós temos que aprender com tudo o que aconteceu. O que foi de bom, positivo, tem que ser aproveitado no futuro. Aquilo que não foi bom, tem que ser criticado, como foi criticado no passado.

ESTADÃO: E o Sr. acha que a espetacularização foi usada como método na Lava Jato?

No caso do ex-presidente Michel Temer, houve uma espetacularização, sem dúvida alguma. Foi uma prisão, em via pública, totalmente desnecessária. Não sou fã, não sou eleitor do Michel Temer, mas ele tem uma vida inteira dedicada ao serviço público, é uma pessoa respeitada, jurista, autor de livros, professor. Bastaria um simples telefonema ao advogado do Michel Temer dizendo: ‘olha, temos aqui a prisão decretada, o senhor poderia se apresentar na sede da Polícia Federal?’. A condução coercitiva do atual presidente Lula também foi objeto de críticas na época. O Supremo Tribunal Federal acabou endossando todas essas críticas e declarando que as conduções coercitivas não são compatíveis com a Constituição. Se a Constituição diz que ninguém é obrigado a produzir provas contra si e que o acusado tem direito ao silêncio, evidente que a decorrência lógica é que ninguém pode ser conduzido à força para depor na fase do inquérito policial. Houve uma prisão por via transversa, que é a condução coercitiva, para fins de obter um depoimento que a pessoa não era obrigada a dar na fase do inquérito policial. O que eu defendo é o seguinte: as mesmas garantias que valeriam para o Michel Temer quando foi preso, para o Lula quando foi conduzido coercitivamente até o aeroporto e que participou sob a mira de fuzis do velório do próprio neto ou eventualmente para um futuro do Bolsonaro, são as mesmas garantias que eu defendo para qualquer um.

ESTADÃO: O Sr. concorda com esse entendimento do STF de que, sob o comando do ex-juiz Sérgio Moro, a 13.ª Vara de Curitiba atraiu para si uma espécie de super-competência?

Do ponto de vista estritamente técnico, até porque o caso já transitou em julgado, eu concordo integralmente. Por uma razão muito singela, simples, uma leitura quase que crua do Código de Processo Penal, que diz que o local do processo e julgamento é o local da consumação, onde acontecem os resultados do crime. 

No caso da Lava Jato, praticamente todas as provas foram produzidas pela força-tarefa em Curitiba e autorizadas pelo juiz competente, Sérgio Moro, que na época entendeu que teria competência para os processos do Brasil inteiro, como já havia acontecido na década de 1990 com o Caso Banestado. Houve uma atração de competência universal e depois os processos foram redistribuídos por ordem do Supremo Tribunal Federal.

Eu penso que o melhor para o futuro é que todos os juízes das principais cidades da Justiça Federal deveriam ter competência para processar e julgar crimes de lavagem de dinheiro. Houve uma retirada dessa competência dos juízes do interior. Antes nós estávamos melhor, na minha percepção. Houve uma especialização para concentrar esses casos em cinco ou seis juízes no Brasil inteiro, entre ele Sérgio Moro e o (Marcelo) Bretas no Rio. 

ESTADÃO: A gente vem se referindo à Lava Jato como falecida Operação Lava Jato, extinta Operação Lava Jato. Isso pensando no fim das forças-tarefas, na esteira da reforma encampada pelo Aras. Mas os processos continuam. Qual a situação na 13.ª Vara de Curitiba hoje?

40% do acervo original da Lava Jato permanece conosco. São 240 procedimentos penais, sendo 71 sigilosos. É muita coisa, muita audiência. Cada processo consome muito tempo e uma energia imensa. São processos complicados. Muitos têm colaboradores ou testemunhas morando no exterior, o que depende de autoridades estrangeiras. Há muita coisa técnica envolvendo contabilidade financeira, remessa de recursos ao exterior, para paraísos fiscais, muita coisa foi transacionada em espécie na época também, como propinas. Então o cenário é complexo, demanda muito trabalho. A responsabilidade é grande e o dever de seriedade maior ainda. Nós não queremos que a Lava Jato morra. Essa é a grande questão. Essa lenda urbana de que a Lava Jato morreu não é uma informação verdadeira. O próprio Deltan falou recentemente: ‘A Lava Jato morreu’. Fico uma ideia no ar tipo assim: ‘o sistema judicial não funciona, então eu sou obrigado a migrar para a política’. Peço inclusive ao hoje deputado Dallagnol, muito bem eleito, e ao hoje senador Sérgio Moro que nos ajudem a manter a Lava Jato viva. Todas as declarações no sentido de que a Lava Jato morreu não nos ajudam a fazer a operação sobreviver, pelo contrário, servem como uma pá de cal. A Lava Jato na minha mão não vai morrer, não vou ser o coveiro oficial da Lava Jato, de forma alguma. Eu não aceito esse papel histórico. 

ESTADÃO: Além da transferência dos processos na esteira dessa controvérsia sobre a competência territorial, nós também tivemos mudança de entendimento do STF sobre a competência da Justiça Eleitoral para julgar casos de corrupção relacionados a crimes eleitores. Esses são dois fatores que, na prática, acabaram atrasando o desfecho de alguns processos. O Sr. acha que há um risco dessas ações acabarem sem uma decisão, seja na esfera eleitoral ou seja na criminal? Se sim, como evitar as prescrições?

Há risco concreto de prescrição. Essa é a razão maior da minha preocupação. Vários dos processos que foram para os Tribunais Regionais Eleitorais ainda não foram nem distribuídos, depois de nove meses. Embora compreenda as limitações da Justiça Eleitoral, eu estou cobrando providências. A implicação prática em caso de condenação é grande. Se esses políticos forem condenados, ficam inelegíveis, é a morte da carreira profissional. Então, quer dizer, tem implicação. Não é porque o Supremo redestinou parte dos processos para a Justiça Eleitoral que isso virou pizza, não é verdade. Tem muita gente interessada no arquivamento desses processos e que seja um Caso do Banestado 2. 

ESTADÃO: Como o Sr. recebeu as críticas recentes do Moro e do Deltan?

Nós temos que ter uma noção muito clara e objetiva da realidade: tanto Moro quanto Dallagnol são políticos e a meta do político é se reeleger. A crítica é legítima, até porque eles estão vinculados a partidos mais à direita, o que não é legítimo é pressionar o juiz para tirar o juiz da causa. Isso nem o Moro admitiria, até porque o Moro tem caráter. Ele, por exemplo, nunca faria uma crítica a um pai recém-falecido. Existe um respeito nessas questões familiares.

Se tiver que mexer em algum vespeiro e prestar contas à população, nós vamos fazer. Ninguém vai me tirar dessa função por pressão, nem procurador, ex-procurador, advogados. Eu sigo firme e forte, independente das pressões que nós venhamos a sofrer. As críticas são legítimas, não interferem nos meus julgamentos e não vão ser um instrumento de pressão para me afastar da 13.ª Vara. Esse tipo de pressão eu não aceito.

ESTADÃO: O Deltan chegou a falar que seu pai foi citado em uma delação, que o Sr. é ligado ao espectro político de esquerda…

Eu não conheço o Deltan pessoalmente, sei que é uma pessoa dedicada ao serviço público. Que nós estamos na mesma canoa eu não tenho dúvida: que é a canoa de fazer a Lava Jato sobreviver. O problema é que ele está remando para um lado, eu estou remando para outro, e nisso a operação naufraga. Questões pessoais eu sequer me dou ao trabalho de responder, não vou entrar em uma polêmica. Até porque ele tem milhares de seguidores no Twitter e eu nem Twitter tenho. Acaba sendo assimétrico. Ele é um político, está no papel dele. O papel dele é conseguir cliques nas redes sociais. Se isso tem o custo da memória de um homem recém-falecido, um político honesto, é um preço que cada um julga se vale a pena pagar. Eu sei que, por exemplo, uma pessoa do caráter do Sérgio Moro não faria isso. Eu boto minha mão no fogo. Nem indiretamente existiriam as digitais dele num episódio tão raso. 

Sobre a questão ideológica, todo político de extrema-direita acredita que o mundo é vinculado à esquerda. É um discurso recorrente. Nos últimos quatro anos nós fomos obrigados a, todos os dias, nos ajoelhar diante do altar do totalitarismo e fazer juras de amor a ideias policialescas. Tanto é que houve uma entronização, nos últimos anos, da função policial. Ao largo e a par da eleição de Moro e Dallagnol, nós tivemos um sem número de delegados, policiais militares, que fizeram uma carreira política meteórica e se elegeram com uma quantidade absurda de votos nessa onda ‘Lava Jato lato sensu – momento histórico’.

Em segundo lugar, o meu pai foi um político honesto durante 30 anos. Faleceu em 1 de novembro do ano passado de AVC em Porto Alegre. Ele nunca teve envolvimento em nenhum tipo de escândalo. Eu tenho muito orgulho do meu pai e do que ele nos legou em termos morais, ainda que ele fosse um político de direita. 

Eu, do ponto de vista ideológico, sou um defensor dos direitos humanos, das garantias constitucionais. Não me considero uma pessoa de esquerda, de forma nenhuma. Eu acho que o cenário é muito mais complexo. Quando se fala de esquerda ou de direita nós estamos falando de quê? De pauta de costumes, aborto, educação sexual nas escolas? Na pauta econômica eu acho que o capitalismo é a melhor opção, sem dúvida alguma. Minha família toda votou no Bolsonaro. Meu pai foi deputado estadual e federal, sempre foi um político de direita. As pessoas tendem a misturar. Se você não endossa esse discurso de que: ‘Temos todos que ser contra o Supremo, temos que invadir, temos que mandar prender o ministro Alexandre de Moraes’, você é visto como persona non grata. Todo aquele que não é um patriota, é um comunista. É uma visão de mundo muito simplificada.

ESTADÃO: Acha que a neutralidade que o Sr. vem pregando pode ser questionada por conta dessas críticas e declarações passadas, como jurista e professor de Direito?

Eu, como acadêmico, sempre me apresentei como um garantista, nunca me escondi nas sombras. Se você vai lendo livros sobre garantias fundamentais e direitos humanos é natural que você também seja um produto dessa cultura e desse momento histórico. Democracia é um sistema onde não se bate em jornalista, não se bate em juiz, não se invade a sede do Supremo Tribunal Federal. Se alguém acha que eu sou suspeito, tem o processo de arguição de suspeição, qualquer um pode ingressar.

ESTADÃO: Como vê as críticas da Lava Jato aos ministros do STF?

Alguns ministros foram alvo da Lava Jato, de investigações formais ou informais. E foram, também, alvo nas redes sociais. Existe um relação de causa e efeito, do ponto de vista histórico, entre as críticas diárias feitas via redes sociais contra os ministros do Supremo e a invasão do 8 de janeiro, ainda que seja remota. Começa a criticar, todos os dias, não interessa se Deltan, Moro, ex-procuradores, quem quer que seja. Chega um dia que você cria as condições para que ocorra eventualmente uma quebra do Estado de Direito, uma invasão ao Supremo Tribunal. Não estou dizendo que é culpa deles, de repente não é nem intencional, mas mesmo não intencional vai erodindo a credibilidade, a simbologia do Judiciário.

ESTADÃO: E a doação eleitoral para a campanha do Lula? Dos R$ 13…

Isso não aconteceu. Não houve essa doação. Constou ali de fato o meu CPF. Tem uma série de teorias conspiratórias, de que seria uma forma de me tirar das funções. É algo que vai ter que ser apurado no futuro. Quando a poeira baixar, eu vou atrás, peço as providências legais e reparações devidas. Mas nesse momento toda e qualquer polêmica atrapalha o nosso foco em manter a Lava Jato viva.

ESTADÃO: O Sr. tem alguma pretensão política?

Eu nunca iria para a política. Eu vi a vida do meu pai. É uma vida muito sofrida. A vida de político tem disso: cobrança diária. O político não pode se furtar.

ESTADÃO: O Sr. e o Sérgio Moro eram amigos?

Sim. O Sérgio foi o único colega que eu convidei para os primeiros aniversários da minha filha. No plano pessoal eu gosto tanto dele quanto da esposa. As portas estão sempre abertas na Vara onde ele ocupou a titularidade por tanto tempo. A partir do momento em que a vida dele tomou esse ritmo tão frenético, ele sempre tão dedicado, nós sequer nos encontramos. Depois que ele assumiu o Ministério da Justiça não houve mais nenhum contato.

 

A ANSIEDADE PODE SER USADA A SEU FAVOR

 

Saiba como usar a ansiedade a seu favor durante uma preocupação

Foto: Ashlyn Ciara/Unsplash

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Por Tracy Dennis-Tiwary – Jornal Estadão

Suprimir pensamentos e sentimentos não funciona. Aprenda outras abordagens para se deter no que é realmente relevante e, com o tempo, se preocupar menos

A preocupação é a parte pensante da ansiedade e pode nos direcionar para descobrir por que estamos ansiosos e o que fazer a respeito. Ela evoluiu para chamar nossa atenção e concentrá-la no futuro incerto, preparando-nos para tomar ações úteis. A preocupação é uma forma de resolução de problemas, na qual usamos simulações “e se” para imaginar os piores e os melhores resultados e encontrar soluções. Nesse sentido, a preocupação é uma tentativa de controlar o futuro. É por isso que a preocupação nos agita de maneira tão persistente ou mesmo implacável: ela existe para nos engajar nas incertezas futuras e trabalhar para que tudo dê certo.

A preocupação precisa ser um sentimento ruim para fazer seu trabalho, mas pode piorar a ansiedade, especialmente quando combinada com a metapreocupação: a preocupação de que a preocupação saia do controle e nos faça mal. Em pessoas diagnosticadas com transtornos de ansiedade, como transtorno de ansiedade generalizada, a metapreocupação geralmente impulsiona o círculo vicioso da ansiedade. Na tentativa de se sentirem mais no controle e com menos dor emocional, elas se preocupam persistentemente – como uma máquina de movimento perpétuo dentro da cabeça. Mas esse rolo compressor de pensamentos e sentimentos amplifica a ansiedade a níveis angustiantes e parece tão fora de controle que faz com que as pessoas se preocupem mais e se sintam menos capazes de lidar com a situação. Quanto mais a pessoa se preocupa, mais difícil sair desse ciclo.

Tudo isso não mostra que devemos prevenir ou reprimir a preocupação o mais rapidamente possível? Não. Essa é exatamente a coisa errada a se fazer. Suprimir pensamentos e sentimentos nunca funciona – e paradoxalmente aumenta a ansiedade e as preocupações, ao mesmo tempo que reforça a crença de que as preocupações são incontroláveis e nos impede de descobrir outras maneiras de lidar com elas.

Descobri isso por mim mesma quando, em 2008, eu estava grávida do meu primeiro filho e meu marido e eu descobrimos que ele nasceria com um problema cardíaco congênito. É um problema fatal se não for corrigido por meio de cirurgia de coração aberto, meses após o nascimento.

Durante o restante da gravidez, quase nunca fiquei completamente livre de preocupações: como podemos contar com os melhores cuidados para ele? Como isso afetará a vida dele? Será que ele vai ficar bem?

Sempre que a ansiedade bater, deixe-a. Faça todas as perguntas possíveis, pesquise, escreva. Mas depois, largue-a
Sempre que a ansiedade bater, deixe-a. Faça todas as perguntas possíveis, pesquise, escreva. Mas depois, largue-a Foto: Marcelo Camargo

Minhas preocupações eram constantes e exaustivas, mas tentar evitá-las não funcionou. Então tentei o oposto. Tentei usar minhas preocupações. Sempre que me preocupava, entrava em ação: lia todos os artigos publicados sobre a doença, fazia um milhão de perguntas aos nossos médicos e imaginava os melhores e os piores cenários para poder planejar cada detalhe do tratamento de meu filho.

Mais do que me preparar, a preocupação me ajudou a sobreviver emocionalmente, porque nunca deixei de acreditar que, se planejasse e trabalhasse bastante, nosso filho iria sobreviver e prosperar – embora eu também soubesse que o controle total sobre o futuro é uma ilusão. Nosso filho tem agora 14 anos. Ele adora tocar piano, escrever, correr e lutar. Como seus médicos nos disseram após a cirurgia, não há restrições sobre o que ele pode fazer.

A preocupação não vai embora. É a condição humana – e pode ser uma vantagem em tempos difíceis. Mas também é uma faca de dois gumes e às vezes vira um problema sério. Suprimir a preocupação simplesmente não funciona, então precisamos de outras abordagens para aprender a nos preocupar bem e, com o tempo, nos preocupar menos. Tente essas etapas, nessa ordem:

Localize a preocupação no seu corpo

A preocupação mantém você dentro da sua cabeça, bloqueando as emoções do seu corpo. Então, quando você se sentir preocupado, faça uma pausa e redirecione a atenção para suas sensações. Procure os sinais habituais: coração batendo mais rapidamente, fraqueza, tensão muscular, garganta seca e contraída, respiração rápida. Explore-os. Tente movimentar o corpo para ver se isso muda como você se sente. Alongue um pouco. Ajuste a postura. Respire.

Deixe a preocupação mais clara e concreta

Em seguida, sintonize seus pensamentos preocupados. Tente ver a si mesmo como um amigo que precisa de ajuda. Você também pode programar o tempo de preocupação: escolha um período de tempo específico para se preocupar. Anote todas as preocupações que surgirem na cabeça e as descreva de forma clara e concreta. Avalie os resultados negativos, mas também as possibilidades positivas. Só se preocupe durante o tempo de preocupação. Você vai se surpreender ao descobrir que, durante o tempo de preocupação, você fica entediado de tanto se preocupar e para logo.

Resolução de problemas

Os planos e ações diminuem as preocupações. Então, assim que identificar uma preocupação, divida o problema em etapas. Faça um brainstorm com soluções que estejam sob seu controle. Avalie seus prós e contras. Tire um tempo para pensar nas ideias. Faça um plano sólido para testar uma ou mais dessas soluções. Quanto mais detalhes você anotar, melhor. Comece com etapas pequenas e factíveis. Se seu plano ficar vago ou ambicioso demais, você terá menos possibilidades de alcançá-lo.

Deixe as preocupações para lá

As preocupações nos mandam para o futuro, mas, depois de passarmos um tempo lá, está na hora de voltar ao presente. Existem muitas maneiras de conseguir isso: faça exercícios físicos, saia para uma caminhada, escreva algo no diário, pinte um quadro, ou fale com um amigo ou conselheiro. O apoio social – falar com alguém em quem você confia para colocar as preocupações em palavras, em vez de mergulhar em sofrimentos confusos – é uma das melhores maneiras de sair desse ciclo./TRADUÇÃO RENATO PRELORENTZOU

FALTA MUITO PARA O BRASIL SER UM PAÍS CIVILIZADO

 

Aqui o verbo cabível é querer, pois a democracia é uma construção, um esforço coletivo, um ‘crafting’ político. Querendo já é difícil, não querendo é impossível

Por Bolívar Lamounier – Jornal Estadão

Em 2012, o filósofo búlgaro naturalizado francês Tzvetan Todorov publicou um magnífico ensaio intitulado Os inimigos íntimos da democracia (Paris, Editora Lafont), que, infelizmente, não chegou a ser discutido no Brasil.

Seu argumento principal é de que não existe um modelo político capaz de competir em legitimidade mundial com a democracia representativa. Esta sofre ameaças graves, mas internas. De fora para dentro não tem adversários à altura no plano das ideias nem no das armas.

No Brasil, essa linha de argumentação costuma ser recebida com ironia. Primeiro, o próprio regime democrático é contestado como uma cínica forma de dominação, ou como uma engrenagem cuja única finalidade é transferir um naco do erário para ladrões, banqueiros e políticos.

Hoje, com a licença do leitor, vou discorrer sobre alguns dos paradoxos que essa discussão envolve. Afirmo, em primeiro lugar, que concordo com grande parte das ironias acima expostas. Segundo, que discordo radicalmente delas, sou um democrata liberal de quatro costados e tenho para mim que só os muito obtusos não percebem a necessidade de conviver e pelejar com esse megaparadoxo.

Comecemos por uma singela estatística. Em sua avaliação bianual, a Economist Intelligence Unit (seção de pesquisas da revista inglesa The Economist) considera que só 8,4% da população mundial, compreendendo 23 países, vivem sob regimes “plenamente democráticos”. Em seguida vem um grupo com 52 países, equivalendo a 41% da população mundial, que eles designam como “democracias defeituosas” – e fazem muito bem, pois trata-se de uma mixórdia assaz heterogênea. África do Sul, Argentina e Brasil aparecem de braço dado, e bem mal, na foto: a África na 45.ª posição na classificação geral dos 167 países, a Argentina na 48.ª e nós na 49.ª posição na classificação geral dos 167 países pesquisados.

Aí já temos o primeiro dos paradoxos a que me referi. Os 8,4% da população mundial que vivem em países democráticos inegavelmente se destacam como os principais representantes do princípio de legitimidade predominante do mundo. Estarei, talvez, a dizer um absurdo? Basta lembrar que numerosos países que nada têm de democráticos com frequência se valem do adjetivo “democrático” em seus títulos oficiais (quem não se lembra das “repúblicas democráticas” do leste europeu nos tempos da União Soviética?), justamente com a pretensão de compartilhar uma legitimidade a que evidentemente não têm direito.

Sabemos todos que insistir na superior legitimidade das democracias é recebido com indisfarçável ironia por milhões de cidadãos neste nosso mundo de Deus. Já imagino o Amazonas de ironia que cairá sobre minha cabeça em seguida, uma vez que vou defender as democracias no tocante à questão social. Volto a Todorov: “Os habitantes dos países democráticos, embora muitas vezes protestem contra suas condições de vida, vivem num mundo mais justo que aqueles dos outros países. São protegidos por leis; participam da solidariedade que permeia a sociedade, que beneficia os idosos, os doentes, os desempregados, os miseráveis; e podem invocar os princípios de igualdade e de liberdade, até mesmo um princípio de fraternidade, que em alguma medida prevalece nas sociedades democráticas”. Aqui, a proverbial ironia de que falei anteriormente vem a calhar, pois justo agora, no Brasil, lulistas e bolsonaristas vêm sendo criticados por suas políticas expansionistas, ou seja, pelo excesso de gastos na área social – excesso que a maioria dos economistas considera imprudente em relação à prioridade das prioridades, que é a retomada do crescimento econômico.

Confrontados com tão complexas opções, não temos como evitar a questão-chave: queremos mesmo ser um país civilizado, vale dizer, mais democrático e economicamente mais desenvolvido que hoje? Aqui o verbo cabível é querer, pois a democracia é uma construção, um esforço coletivo, um crafting político. Querendo já é difícil, não querendo é impossível. A história registra diversos casos de países que estiveram acima das nuvens, bem perto do céu, e despencaram para as profundezas do inferno.

Uma resposta adequada deve começar pela economia, já que um país de miseráveis forçados a viver sob o tacão de uma pequena elite endinheirada dificilmente dará certo. Pior ainda se a escassez dos miseráveis for cinzelada por gastos públicos e hábitos privados de consumo que beiram ao insulto. E o Brasil, convenhamos, é exatamente isso. Relembrar o “orçamento secreto” que uma parcela dos políticos reparte à luz do dia é chover no molhado. Milhões não sabem que refeição terão amanhã, mas milhares decidem com grande antecedência que farão um passeio pela Europa ou farão compras na Flórida. Muitas famílias que se consideram cultas e humanistas acham normal o Estado arcar com as anuidades de seus filhos nas universidades públicas. Não lhes vem à cabeça que tais anuidades poderiam ser custeadas com o que gastam numa viagem ou, em muitos casos, com o que despendem numa fantasia de carnaval.

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SÓCIO-DIRETOR DA CONSULTORIA AUGURIUM, É MEMBRO DAS ACADEMIAS PAULISTA DE LETRAS E BRASILEIRA DE CIÊNCIAS

DESENVOLVIMENTO E APRIMORAMENTO PROFISSIONAL

 

Para profissionais de TI em mercado próspero

Por Mauricio Bitencourt – Gerente da TACK TMI

O mundo vive em constantes mudanças, e pensar na qualificação da mão de obra para acompanhá-las vem sendo um desafio há muito tempo. É aí que os conceitos reskilling e upskilling passam a ter uma importância cada vez maior no desenvolvimento de pessoas e organizações.

O termo upskilling está relacionado ao aprimoramento de competências, conhecimentos e habilidades que um profissional já possui dentro de seu campo ou área de atuação. Geralmente é usado para acompanhar determinada mudança em seu cargo atual em função de uma inovação na forma de atuação ou automatização de um processo, por exemplo. Esta tendência também pode auxiliar na retenção de profissionais na empresa. De acordo com uma pesquisa do LinkedIn em 2021, colaboradores de empresas que promovem a possibilidade de mudar para outros cargos internamente permanecem na mesma companhia por duas vezes mais tempo. 

Já o termo reskilling é quando um profissional, empregado ou não, desenvolve-se em novas habilidades e competências para assumir uma nova função, em uma área de atuação desconhecida até então.

Neste sentido, essas habilidades ganham ainda mais importância em áreas como a de tecnologia, onde sobram vagas por falta de profissionais qualificados. Segundo dados da Associação da Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais (Brasscom), em cerca de cinco anos devem ser criados cerca de 800 mil novos postos no setor, porém o Brasil forma pouco mais de 53 mil profissionais de tecnologia por ano, resultando num déficit de 532 mil pessoas para trabalhar na área.

Essa escassez de mão de obra qualificada também acontece porque mesmo os profissionais mais qualificados não conseguem acompanhar a velocidade das novas demandas. Porém a demanda não está ligada somente ao avanço da tecnologia, mas também pela diversidade de experiências das gerações que temos atualmente no mercado de trabalho. Temos diferentes gerações se adaptando umas às outras e, por muitas vezes, com diferentes culturas por conta da expansão geográfica antes vista como uma barreira no mundo corporativo.

O surgimento destas novas tecnologias acontece de forma rápida, o que requer uma certa resiliência por parte do profissional. Além disso, atualmente as empresas não competem somente entre si em termos de atração e retenção de talento, mas também enfrentam concorrência de fora do Brasil por conta do aumento do trabalho remoto – que já era uma prática no setor de tecnologia antes mesmo da pandemia. Por isso, o investimento em upskilling e reskilling pode contribuir para suprir a falta de profissionais no setor.

Com esse cenário em vista, é possível notar também o aumento no surgimento de escolas de programação, algumas inclusive com parcerias com grandes empresas, nacionais e internacionais, que oferecem cursos gratuitos de TI justamente para preparar os profissionais nos conhecimentos técnicos necessários antes de contratá-los. Observa-se ainda que a demanda tem crescido mais voltada para o desenvolvimento das soft skills. E se tratando do setor de tecnologia, podemos perceber uma maior necessidade de competências específicas como Pensamento Crítico, Inovação, Resolução de Problemas, Metodologia Ágil, Inteligência Emocional e Liderança e Influência.

Desta forma, assim como em qualquer setor, para ter um programa de desenvolvimento efetivo, é necessário analisar os gaps individuais e focar no que de fato é relevante para cada profissional.

Vale ressaltar que criar programas de treinamentos com o mesmo conteúdo direcionado a todos não trará o benefício adequado. Por isso, idealmente é necessário criar um programa de desenvolvimento que considere o upskill e reskill do profissional, atrelado aos planos de carreira e oportunidades dentro da empresa, para desta forma atender à falta de mão de obra qualificada no setor de TI e aumentar o engajamento dos colaboradores por meio de promoções e oportunidades de novas carreiras dentro da organização, por exemplo.

Com isso, ao analisar o olhar pessoal, esse profissional que deseja atuar na área de TI tem diversas opções de desenvolvimento no mercado, como escolas que oferecem pagamento de cursos atrelado ao sucesso profissional ou até mesmo empresas que investem no desenvolvimento de pessoas como ferramenta de recrutamento ou impacto social.

O que é marketplace e por que investir nessa plataforma

ÚnicaPropaganda e Moysés Peruhype Carlech

Milhares de internautas utilizam o marketplace diariamente para fazer compras virtuais. Mas muitos ainda desconhecem seu conceito e como ele funciona na compra e venda de produtos.

Afinal, o que é marketplace?

O marketplace é um modelo de negócio online que pode ter seu funcionamento comparado ao de um shopping center.

Ao entrar em um shopping com a intenção de comprar um produto específico, você encontra dezenas de lojas, o que lhe permite pesquisar as opções e os preços disponibilizados por cada uma delas. Além de comprar o que você planejou inicialmente, também é possível consumir outros produtos, de diferentes lojas, marcas e segmentos.

Leve isso ao mundo virtual e você entenderá o conceito de marketplace: um lugar que reúne produtos de diversas lojas, marcas e segmentos. A diferença é que no ambiente virtual é mais fácil buscar produtos, e existe a facilidade de comprar todos eles com um pagamento unificado.

Os principais marketplaces do Brasil

A Amazon foi a primeira a popularizar esse modelo de negócio pelo mundo, e até hoje é a maior referência no assunto

No Brasil, o marketplace teve início em 2012. Quem tornou a plataforma mais conhecida foi a CNova, responsável pelas operações digitais da Casas Bahia, Extra, Ponto Frio, entre outras lojas.

Hoje, alguns nomes conhecidos no marketplace B2C são: Americanas, Magazine Luiza, Netshoes, Shoptime, Submarino e Walmart. No modelo C2C, estão nomes como Mercado Livre e OLX. Conheça os resultados de algumas dessas e de outras lojas no comércio eletrônico brasileiro.

Aqui no Vale do Aço temos o marketplace da Startup Valeon que é uma Plataforma Comercial de divulgação de Empresas, Serviços e Profissionais Liberais que surgiu para revolucionar o comércio do Vale do Aço através de sua divulgação online.

Como escolher o marketplace ideal para sua loja

Para ingressar em um marketplace, é preciso cadastrar sua loja, definir os produtos que serão vendidos e iniciar a divulgação. Mas é fundamental levar em consideração alguns pontos importantes antes de decidir onde incluir sua marca:

Forma de cobrança: cada marketplace possui seu modelo de comissão sobre as vendas realizadas, que pode variar de 9,5% a 30%. O que determina isso é a menor ou maior visibilidade que o fornecedor atribuirá a seus produtos. Ou seja, o lojista que quer obter mais anúncios para seus produtos e as melhores posições em pesquisas pagará uma comissão maior.

Na Startup Valeon não cobramos comissão e sim uma pequena mensalidade para a divulgação de seus anúncios.

Público-alvo: ao definir onde cadastrar sua loja, é essencial identificar em quais marketplaces o seu público está mais presente.

Garantimos que na Valeon seu público alvo estará presente.

Concorrentes: avalie também quais são as lojas do mesmo segmento que já fazem parte da plataforma e se os seus produtos têm potencial para competir com os ofertados por elas.

Felizmente não temos concorrentes e disponibilizamos para você cliente e consumidores o melhor marketplace que possa existir.

Reputação: para um marketplace obter tráfego e melhorar seus resultados em vendas precisa contar com parceiros que cumpram suas promessas e atendam aos compradores conforme o esperado. Atrasos na entrega, produtos com qualidade inferior à prometida e atendimento ineficiente são fatores que afastam os usuários que costumam comprar naquele ambiente virtual. Ao ingressar em um marketplace, certifique-se de que a sua loja irá contribuir com a boa reputação da plataforma e pesquise as opiniões de compradores referentes às outras lojas já cadastradas.

Temos uma ótima reputação junto ao mercado e consumidores devido a seriedade que conduzimos o nosso negócio.

Vantagens do marketplace

A plataforma da Valeon oferece vantagens para todos os envolvidos no comércio eletrônico. Confira abaixo algumas delas.

Para o consumidor

Encontrar produtos de diversos segmentos e preços competitivos em um único ambiente;

Efetuar o pagamento pelos produtos de diferentes lojistas em uma única transação.

Para o lojista

Ingressar em um comércio eletrônico bem visitado e com credibilidade, o que eleva a visibilidade de seus produtos;

Fazer parte de uma estrutura completa de atendimento e operação de vendas com um menor investimento, considerando que não será necessário pagar um custo fixo básico, como aconteceria no caso de investir na abertura de uma loja física ou online.

Provas de Benefícios que o nosso site produz e proporciona:

• Fazemos muito mais que aumentar as suas vendas com a utilização das nossas ferramentas de marketing;

• Atraímos visualmente mais clientes;

• Somos mais dinâmicos;

• Somos mais assertivos nas recomendações dos produtos e promoções;

• O nosso site é otimizado para aproveitar todos os visitantes;

• Proporcionamos aumento do tráfego orgânico.

• Fazemos vários investimentos em marketing como anúncios em buscadores, redes sociais e em várias publicidades online para impulsionar o potencial das lojas inscritas no nosso site e aumentar as suas vendas.

Para o Marketplace

Dispor de uma ampla variedade de produtos em sua vitrine virtual, atraindo ainda mais visitantes;

Conquistar credibilidade ao ser reconhecido como um e-commerce que reúne os produtos que os consumidores buscam, o que contribui até mesmo para fidelizar clientes.

Temos nos dedicado com muito afinco em melhorar e proporcionar aos que visitam o Site uma boa avaliação do nosso canal procurando captar e entender o comportamento dos consumidores o que nos ajuda a incrementar as melhorias e campanhas de marketing que realizamos.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

GUERRA DA UCRÂNIA COMPLETA UM ANO

Editorial
A agressão russa contra a Ucrânia completa um ano
Por
Gazeta do Povo


Barreiras antitanque na Praça da Independência, em Kiev, em fevereiro de 2023: mesmo depois que as forças russas se retiraram das proximidades da capital ucraniana, estruturas foram deixadas como homenagem aos soldados mortos na invasão russa.| Foto: Sergey Dolzhenko/EFE/EPA

A expectativa de Vladimir Putin para a Ucrânia, em fevereiro de 2022, era a de uma campanha relativamente rápida, que terminasse com a anexação de novos territórios a exemplo do que ocorrera com a Crimeia em 2014 e, de preferência, com a derrubada do presidente Volodymyr Zelensky e sua substituição por um fantoche do Kremlin, enquanto o ocidente, especialmente os países europeus dependentes do gás russo, assistiria a tudo calado. A realidade, no entanto, é a de uma guerra que completa um ano nesta sexta-feira e que, apesar de ganhos territoriais, está longe de ser vencida, com Zelensky prestigiado internacionalmente e as nações europeias se unindo contra o agressor, com direito a uma possível expansão da Otan. Assim podemos resumir muito brevemente o conflito provocado pelo delírio imperialista de Putin, e que infelizmente não parece prestes a se encerrar, prolongando o sofrimento da população ucraniana.

Putin recorreu a toda sorte de mentiras históricas, culturais e geopolíticas para justificar a invasão. Ele invocou a possibilidade de adesão ucraniana à Otan como um risco para os russos – por mais que a aliança militar ocidental já estivesse a poucas centenas de quilômetros de Moscou, pois os países bálticos integram a Otan desde 2004. Meses antes do ataque, já havia alegado que a identidade nacional ucraniana, o que inclui sua cultura e seu idioma milenares, seria uma ficção, um artificialismo herdado da era soviética, como se a Ucrânia atual não passasse de uma “filha” ou “irmã mais nova” da Rússia, em uma “unidade histórica” cujos rumos deveriam ser definidos por Moscou. O fato é que Putin não admite que os ucranianos queiram ser mestres de seu destino, o que inclui uma aproximação com o ocidente se assim o desejarem, com ou sem uma adesão formal a entidades como a Otan ou a União Europeia.

Qualquer eventual negociação precisa de algumas condições iniciais: não há como aceitar, por exemplo, que a Rússia tome território ucraniano, ou que os responsáveis pelos crimes de guerra russos escapem sem responsabilização

Pois não apenas os ucranianos – esse povo “artificial” e “sem identidade”, segundo Putin – vêm defendendo sua nação com enorme bravura, como também conquistaram o apoio das democracias do ocidente rico, algumas das quais assumiram os riscos energéticos decorrentes do fim do fluxo de gás russo abundante e barato. Essa combinação tem permitido que a Ucrânia se mantenha viva diante de um agressor com poderio militar muito maior. A ajuda ocidental a Kiev, na forma de recursos financeiros e militares, felizmente vem aumentando em quantidade e qualidade, permitindo aos ucranianos até mesmo a realização de ofensivas bem-sucedidas como a do fim de 2022. Mesmo assim, os russos continuam sendo um adversário poderoso – e inescrupuloso, como demonstrado pelos crimes de guerra descobertos em cidades retomadas pelas forças ucranianas, pelos ataques russos a áreas civis longe das frentes de batalha, e pela tentativa de apagar a cultura ucraniana nas áreas invadidas, com perseguição contra professores.

Ao descobrir, tardiamente, que a Ucrânia está mais para o Afeganistão dos anos 80 que para as outras ex-repúblicas soviéticas mais fracas que Putin subjugava em poucos dias, e ao perceber que o ocidente não ficaria apenas observando como em 2014, Putin passou a lançar mão da ameaça nuclear em discursos e, mais recentemente, com a suspensão da participação russa no tratado de não proliferação New Start. Mesmo um megalomaníaco como Putin, no entanto, deve saber que um ataque nuclear teria consequências imprevisíveis também para a Rússia; mais prudente é tentar conquistar apoios como da China, que já vem ajudando Moscou a contornar as sanções econômicas impostas pelo ocidente e, segundo a inteligência norte-americana, estaria prestes a fornecer armas aos russos para reforçar a ofensiva.


Uma participação chinesa mais ativa no conflito – e os chineses olham com interesse para o desenrolar da guerra, pois têm suas próprias ambições imperialistas – é, talvez, um risco mais concreto que o de uma agressão nuclear russa. Ela deixaria ainda mais evidente que na Ucrânia se desenrola uma disputa entre democracias e autoritarismos, mas também colocaria o ocidente em um dilema, pois cortar laços comerciais com a China seria uma decisão muito mais arriscada que impor sanções à Rússia. Durante a Conferência de Segurança de Munique, dias atrás, o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, avisou Wang Yi, chefe da diplomacia chinesa, que o envio de ajuda militar à Rússia “traria sérios problemas”, sem especificar que tipo de medidas os EUA poderiam tomar.

Também em Munique, o presidente francês, Emmanuel Macron, afirmou não ver perspectiva de um desfecho militar, com uma vitória decisiva de alguma das partes. Para ele, como “nenhuma das duas partes pode ganhar por completo”, será preciso “que a Ucrânia lance uma ofensiva militar que transtorne o front russo, com o objetivo de forçar o retorno das negociações”. Mas qualquer negociação, neste caso, precisa de algumas condições iniciais: não há como aceitar, por exemplo, que a Rússia tome território ucraniano, ou que os responsáveis pelos crimes de guerra russos escapem sem responsabilização. Aceitar novas anexações seria legitimar o modus operandi russo e deixar abertas as portas a novos ataques, à Ucrânia ou a outros países, assim que a Rússia se recuperasse – de certa forma, pode-se dizer que a invasão de 2022 só ocorreu porque a de 2014 foi recebida com apaziguamento em vez de resistência. Os “valentões” de todo o mundo olham para a Ucrânia na esperança de ver ali o sinal verde para suas próprias aventuras imperialistas; que a comunidade internacional lhes diga enfaticamente que isso não será tolerado.

Resolução aprovada
Com visão simplista, Brasil tem papel coadjuvante em votação na ONU sobre a guerra na Ucrânia
Por
Wesley Oliveira
e

Por
Rodolfo Costa – Gazeta do Povo
Brasília


Imagem do resultado da resolução aprovada na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU)| Foto: EFE/Ángel Colmenares

De olho em um eventual protagonismo internacional, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) buscou negociações diplomáticas e a expectativa do petista era propor uma alternativa para o fim da guerra entre Rússia e Ucrânia. Além da tentativa de criar um “clube da paz”, o Itamaraty emplacou um trecho no texto da resolução aprovada em Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) nesta quinta-feira (23). Contudo, os votos e o posicionamento do Brasil colocam o país em uma condição de coadjuvante.

O Brasil votou pela aprovação da resolução que reivindica que a Rússia retire suas tropas da Ucrânia, invasão que completa um ano nesta sexta-feira (24), mas votou pela abstenção em duas emendas apresentadas pela Bielorrússia, que pediam a exclusão de linguagem referente à “invasão em grande escala” à Ucrânia e à “agressão da Federação Russa”. As emendas também pediam alterações ao texto aprovado pela ONU no que se refere à exigência de que a Rússia retire imediatamente todas as suas tropas do território ucraniano.

Ao votar a favor da resolução, o Brasil se posiciona junto aos Estados Unidos, à União Europeia e à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Ao se abster das emendas apresentadas pela Bielorrússia, que beneficiam o próprio país e a Rússia, faz acenos a russos e à China. Dessa maneira, a despeito da pretensão de Lula, a política externa brasileira não demonstra protagonismo, defende o cientista político e diretor de Projetos do Centro de Estratégia, Inteligência e Relações Internacionais (CEIRI), Marcelo Suano.

“A pretensão é de ser protagonista, mas por uma necessidade e interesse pessoal do presidente da República, a maneira como se posiciona é de um coadjuvante”, afirma. Suano sustenta que, sob a gestão Lula, o Itamaraty advoga pela tese de que é possível adotar dois caminhos para situações contraditórias. “Lula tem a pretensão de alguém que quer ganhar o prêmio Nobel da paz, como foi cogitado no passado, mas não tem como estar de um lado e do outro ao mesmo tempo, é uma contradição”, complementa.

O professor Thales Castro, coordenador do curso de Ciência Política da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), endossa a análise. Para ele, os votos do Brasil sugerem que o Itamaraty tenta “resgatar a tradição universalista e ecumênica” das gestões Lula, de trazer a perspectiva de “tentar agradar a todos, todo o tempo e em todos os cenários”.

“A interpretação de coadjuvante é válida porque o Brasil não teve postura altiva no que tange a desenvolver a sua própria formação independente de política externa. Ademais, o Brasil acaba se curvando por interesses externos absolutamente de países do centro, com seus múltiplos vínculos”, pondera.

Já o cientista político Nicholas Borges, da BMJ Consultores Associados, discorda da visão de que a política externa brasileira cumpriu um papel coadjuvante. “Vejo o Brasil tentando recuperar o protagonismo que teve como mediador do conflito entre Irã e Estados Unidos. Os países também reconhecem o papel do Brasil como um país moderado e de perfil moderador que pode, de fato, entrar no período de conciliação de conflitos bélicos”, afirma.

Qual é a diferença da postura da diplomacia de Lula e Bolsonaro à guerra

A percepção dos analistas ouvidos pela Gazeta do Povo é de que a atual postura do Brasil na ONU se difere do posicionamento da política externa até então vigente, do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Opositores do governo anterior fizeram críticas à posição neutralidade, enquanto o Itamaraty à época argumentou que se tratava de um posicionamento de “equilíbrio”, uma vez que condenou a invasão russa em fóruns internacionais, mas sem pedir sanções.

Embora a postura adotada pela diplomacia de Lula dê continuidade ao tradicional pragmatismo da diplomacia brasileira, os analistas sustentam que ela se difere por refletir os interesses e acordos tratados por Lula com o mundo, diz o professor Thales Castro. “O Brasil mostra que tenta se acomodar, dada a mudança política eleitoral do ano passado, com os múltiplos interesses que tem”, diz.

Castro cita os interesses em relação à Europa e destaca que Lula se reuniu com o presidente e o primeiro-ministro da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier e Olaf Scholz, respectivamente. “Os interesses estão aí postos e a visita de Lula com [Joe] Biden [presidente dos Estados Unidos] também teve esse compromisso e engajamento. Existe uma tradição de ecumenismo, pragmatismo e de universalismo, mas também existem demandas mais imediatas”, destaca.

O diretor de Projetos do Centro de Estratégia, Inteligência e Relações Internacionais endossa a análise e defende que a política externa de Bolsonaro adotou um pragmatismo responsável. “Quando Bolsonaro adotou seu posicionamento, ele nunca ofendeu o [Volodymyr] Zelensky [presidente ucraniano]. Lula ofendeu [- o petista disse em 2022 que Zelensky é culpado pela guerra, assim como o presidente russo Vladmir Putin]”, diz Marcelo Suano.

“Agora, não, Lula quer se posicionar como um líder que vai acabar com a guerra. Ele cria uma armadilha da sua vaidade para si próprio, até porque não sabe como se comportar diante da situação, além das bravatas e fanfarronices dizendo que pode resolver [a guerra] com barzinho e rodada de cerveja”, comenta Suano, em referência a uma declaração do petista em 2022.

Já o analista Nicholas Borges não vê uma desconexão entre as votações da resolução e das emendas e identifica posicionamentos semelhantes de equilíbrio e moderação adotados pelas diplomacias de Lula e Bolsonaro em relação à Ucrânia . “O Brasil tende a não adotar posição mais enfática em qualquer governo. Não agiu de maneira enfática durante o governo Bolsonaro e não deve agir agora, em respeito ao acumulado histórico da política externa brasileira”, afirma.

Quais os efeitos práticos da resolução da ONU em relação à guerra

Outro ponto que reforça a análise de papel coadjuvante da atual política externa é a de que os efeitos práticos da contribuição brasileira para a resolução aprovada é nula. Diferentemente de resoluções do Conselho de Segurança da ONU, que têm força vinculante, as resoluções aprovadas em Assembleia-Geral não têm força imputativa. “A única coisa que poderia ter efeito e fazer Putin recuar seria se a China votasse pela aprovação”, afirma Suano.

Para ele, os efeitos da resolução aprovada nesta quinta são simbólicos e se restringem a possibilitar que países criem algumas diretrizes que poderão ou não ser acatadas individualmente por países que votaram. “Que podem, inclusive, mudar de ideia a qualquer momento. No frigir dos ovos, é algo simbólico que cada um tenta tirar proveito da forma que melhor lhe for aprazível”, destaca.

Em linhas gerais, a expectativa da ONU é de que a resolução estimule “países-membros e organizações internacionais a redobrar o apoio para esforços diplomáticos para alcançar uma paz abrangente, justa e duradoura na Ucrânia”.

O texto também reitera que a Rússia deverá “retirar imediatamente, completamente e incondicionalmente todas as suas forças militares das fronteiras internacionalmente reconhecidas” da Ucrânia. Esse foi o dispositivo em que a diplomacia brasileira articulou um acréscimo que prevê o “fim das hostilidades” de Moscou.

A despeito do acréscimo negociado pela diplomacia brasileira à resolução, o efeito prático é pequeno na estratégia de dar fim ao conflito, analisa Luciano Munõz, professor de Relações Internacional do Centro Universitário de Brasília (UniCeub). “O que nós temos neste momento são duas posições intransigentes. Zelensky quer a retirada das tropas russas para começar a negociar. Já a Rússia quer a manutenção das tropas de ocupação e a garantia que a Ucrânia não vai entrar na OTAN. E hoje não tem esse terreno comum para começar as negociações”, defende.

Na mesma linha, Gunther Rudizit, especialista em Segurança Internacional e Ásia e professor de Relações Internacionais da ESPM de São Paulo, aponta as diferenças do cenário internacional desde a primeira vez em que Lula governo o Brasil pela primeira vez.

“Na década de 2000 havia uma certa convergência de gerenciar o sistema internacional. Hoje estamos caminhando para a formação desses dois blocos do Ocidente, liderado pelos Estados Unidos, e países autocráticos capitaneados pela China. É muito difícil [Lula] achar que na base da conversa e da presença dele vai se resolver esse quadro tão diferente que nós vivemos hoje”, explica.

Na visão de Rudizit, no entanto, a diplomacia brasileira está voltando a ter um certo protagonismo no cenário internacional, mas não com relação à guerra. “Em termos de diplomacia, o Brasil está voltando a ser um daqueles protagonistas internacionais. Por exemplo na questão ambiental, nesse aspecto ele pode ter um destaque e influência. Mas numa guerra, longe da América do Sul, o Brasil não tem capacidade de influência”, completa.

A ONU é composta por 193 países-membros, e desde o início da invasão russa países como Índia, África do Sul e Argélia têm adotado sistematicamente a postura de se abster nas votações da ONU. A mesma posição é seguida por muitas nações africanas e ex-repúblicas soviéticas, além de asiáticos como Vietnã e Paquistão.

Lula pretende abrir diálogo com o presidente da Ucrânia
Além de articular via Itamaraty a inclusão de um trecho na resolução da ONU, os diplomatas do governo costuram uma ligação entre Lula e o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, nas próximas semanas. Esse será o primeiro contato de Lula com o presidente ucraniano desde os resultados das eleições.

No ano passado, Lula foi incluído em uma lista do governo da Kiev como propagandista da Rússia. O relatório do Centro de Contenção de Desinformação do governo da Ucrânia, divulgado em julho, traz uma fala de Lula que desagradou a Ucrânia.

O brasileiro disse que o presidente “[Volodymyr] Zelensky é tão culpado pela guerra quanto [Vladimir] Putin”, presidente da Rússia. A declaração de Lula foi dada em uma entrevista para a revista Time antes de sua eleição no Brasil.

Posteriormente, o governo da Ucrânia retirou o então candidato à Presidência da República pelo PT da lista de “oradores que promovem narrativas consonantes com a propaganda russa”. O motivo para atualização da lista não foi divulgado por Kiev.

Recentemente, no entanto, Lula disse que a Rússia cometeu um “erro crasso” ao invadir a Ucrânia. Mas ponderou apontando que “quando um não quer, dois não brigam”.

“Acho que a Rússia cometeu um erro crasso de invadir o território de outro país. Mas acho que quando um não quer, dois não brigam. Precisamos encontrar a paz”, disse Lula, no final de janeiro, depois de uma reunião com o chanceler alemão, Olaf Scholz, no Palácio do Planalto.

Para o professor Munõz, o apelo do Brasil é de que outros países neutros na guerra também engrossem o apelo por uma pacificação. “Isso pode acontecer, se essa resolução da ONU tiver menos abstenções e mais países apoiem essa abertura do diálogo”, explica.

“O Brasil precisa encontrar um ponto de interseção com a Ucrânia. A gente precisa saber o que eles [Lula e Zelensky] vão conversar. Hoje o que temos de ponto em comum é de que o Brasil condena a agressão à Ucrânia”, completou Munõz.

“Clube da paz” de Lula também deve ser rejeitado pelo China
Paralelamente, Lula deve propor ao presidente da China, Xi Jinping, a criação de um “clube da paz” para buscar uma eventual solução para a guerra. Analistas internacionais, no entanto, acreditam que a medida também deve ser rejeitada pelo governo de Pequim. O tema encampado por Lula também já havia enfrentado resistências por parte do governo norte-americano.

Na estratégia, Lula pretende reunir um grupo de países que, na visão do governo brasileiro, não estão diretamente envolvidos na guerra e poderiam discutir uma visão de longo prazo e uma solução para o conflito. O Brasil reconhece que a Rússia foi um país agressor ao invadir a Ucrânia, mas argumenta que sanções e envio de armas não ajudarão a chegar à paz.

Diferente do Brasil, os EUA têm fornecido armamento e um pacote bilionário de ajuda ao governo de Kiev. Na contramão, o governo chinês tem proximidade com o governo de Vladimir Putin.

Em setembro do ano passado, Xi Jinping disse que “a China estava pronta para trabalhar com a Rússia para estender um forte apoio mútuo em questões relativas aos seus respectivos interesses centrais”. A declaração ocorreu durante um encontro com Putin, que elogiou a “posição equilibrada” da China na guerra da Ucrânia.

“Essa proposta [do clube da paz] não faz o menor sentido. A maior parte dos líderes internacionais também quer acabar com essa guerra, mas não é dessa forma. Acredito que essa é uma visão muito simplista [do Lula], de quando se tem uma disputa de grandes potências, achar que isso será levado a diante pelos outros países”, afirmou Rudizit.


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MAL DA VACA LOUCA SUSPENDE EMBARQUE DE CARNE BOVINA PARA A CHINA

Carne bovina
Vaca louca: acordo ruim com a China faz suspeita mínima virar prejuízo milionário

Por
Marcos Tosi – Gazeta do Povo


| Foto: Wenderson Araujo / Divulgação CNA

As exportações brasileiras de carne bovina para a China foram suspensas, a partir desta quinta-feira (23), por decisão do Ministério da Agricultura. A medida cumpre um acordo entre os países que prevê a decretação de autoembargo diante de qualquer caso suspeito de Encefalopatia Espongiforme Bovina (EEB), o conhecido mal da “vaca louca”, que ataca o sistema nervoso central. A mera suspeita interrompe por tempo indeterminado – o prazo vai depender dos chineses – a exportação de 520 mil animais por mês, a um faturamento médio de US$ 676 milhões.

O Brasil nunca teve ocorrência de caso típico da doença, relacionado ao uso de cama aviária, farinha de carne e ossos na ração bovina, o que é proibido no país. A classificação de risco do Brasil é insignificante, segundo a Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA). Apesar disso, pela terceira vez em cinco anos a cadeia de gado de corte está sendo sacudida por uma mera suspeita.

Como já aconteceu em 2019 e 2021, o alarme tem tudo para ser falso, devendo se tratar de um caso atípico, ou seja, que ocorre naturalmente em animais mais velhos, devido a uma mutação espontânea. Casos assim não oferecem riso de disseminação no rebanho nem de transmissão ao ser humano.

Acordo draconiano diante de suspeita mínima de EEB

“Imagine uma propriedade com 160 cabeças de gado ser responsável por fechar o mercado do Brasil inteiro de carne bovina”, reage Fernando Henrique Iglesias, analista da Agência Safras & Mercado, referindo-se ao caso suspeito numa pequena propriedade de Marabá (PA).

Lygia Pimentel, estrategista-chefe da Agrifatto, também lamenta a repercussão e os prejuízos gigantescos de uma mera suspeita, com indicativos claros de nenhuma gravidade. “O animal desse caso tem tudo para ser atípico. Ele tem 9 anos, não se alimentava de ração, o que já elimina grandemente a possibilidade, e os animais conviventes com ele não apresentam sintomas. O risco é muito baixo”, avalia.

O problema maior estaria nos termos do acordo comercial entre Brasil e China, costurado em 2015, no governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). No afã de abrir o mercado chinês, aceitaram-se condições que não são exigidas de nenhum outro parceiro comercial dos asiáticos.

“É um defeito no nosso acordo comercial. Talvez a gente pudesse ter colocado que enquanto o risco do Brasil dentro da OMSA fosse insignificante, a gente continuaria exportando. Se mudasse o status, daí a gente pararia. Nesse caso, não é uma mudança de status, é uma suspeita que já suspende tudo. Esse é o grande problema”, avalia Lygia Pimentel.

A Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) também defende uma revisão dos termos do acordo com a China. “Já é hora de rever esse protocolo. Que assim que for detectado que o caso é atípico, ou seja, que não há risco algum, haja uma retomada automática das exportações. Que não precise que venha uma nova equipe sanitária para fazer vistoria e tudo mais. É um ponto que vamos levar ao Ministério da Agricultura, para que o produtor possa não ter prejuízos em situações como essa”, diz Bruno Lucchi, diretor-técnico da CNA.

Brunno Lucchi, diretor-técnico da CNA| Divulgação CNA
Suspeita de vaca louca trancou o mercado da carne
Se as suspeitas ainda seguem no campo das hipóteses, o mesmo não dá para dizer dos prejuízos, que já são reais. O mercado de carne bovina no país travou. Os frigoríficos suspenderam abates e novas compras. Lá fora, nos países concorrentes, o clima também é de expectativa com as oportunidades que podem ser geradas caso o Brasil, que fornece 50% de toda a carne bovina importada pela China, fique fora do jogo por um tempo prolongado.

Após a notícia do embargo, no Pará, a arroba do boi gordo recuou de R$ 235 para R$ 220. No Mato Grosso, de R$ 250 para R$ 240. Mas os negócios estão parados. Uma declaração do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, de que os chineses teriam avisado que, dessa vez, a normalização deve ser mais rápida, evitou uma queda maior no mercado futuro.

Na avaliação de Leonardo Alencar, head do setor Agro da XP, a tendência será de queda de preço no mercado interno nas próximas semanas. E os criadores vão acabar perdendo margem. “O pecuarista provavelmente vai pagar uma parte dessa conta. Ele pode segurar o gado por uns dois meses, temos boas condições de pastagens. Se a China voltar logo, pode ser que o mercado volte. A dependência da China é a questão. Ela paga melhor que outros mercados, mas, se acontece um soluço lá, é muito negativo para nossos frigoríficos”, avalia.

Como mais de dois terços da produção nacional de carne vermelha ficam no mercado doméstico, a CNA não vê razão para um recuo no preço pago ao produtor. A China já estaria comprando menos de qualquer forma, após o ano novo chinês, e a carne bovina vinha num viés de baixa no Brasil. “Não há justificativa para redução de preços ao produtor nesse momento, principalmente porque 72% do que nós produzimos fica no mercado doméstico. E dos 28% exportados, entre 57% e 60% vão para a China. A gente aguarda o resultado oficial, que vai sair do laboratório do Canadá, e logo em seguida, assim que se confirmar que o caso realmente é atípico, a gente acredita que haja um retorno imediato das exportações brasileiras para este país”, afirma Bruno Lucchi, diretor-técnico da CNA.

Preço de carne bovina deverá cair no mercado interno nas próximas semanas; CNA assegura que o risco é zero para o consumo humano| Marcelo Elias / Arquivo Gazeta do Povo

Suspeita de vaca louca trancou o mercado da carne
Se as suspeitas ainda seguem no campo das hipóteses, o mesmo não dá para dizer dos prejuízos, que já são reais. O mercado de carne bovina no país travou. Os frigoríficos suspenderam abates e novas compras. Lá fora, nos países concorrentes, o clima também é de expectativa com as oportunidades que podem ser geradas caso o Brasil, que fornece 50% de toda a carne bovina importada pela China, fique fora do jogo por um tempo prolongado.

Após a notícia do embargo, no Pará, a arroba do boi gordo recuou de R$ 235 para R$ 220. No Mato Grosso, de R$ 250 para R$ 240. Mas os negócios estão parados. Uma declaração do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, de que os chineses teriam avisado que, dessa vez, a normalização deve ser mais rápida, evitou uma queda maior no mercado futuro.

Na avaliação de Leonardo Alencar, head do setor Agro da XP, a tendência será de queda de preço no mercado interno nas próximas semanas. E os criadores vão acabar perdendo margem. “O pecuarista provavelmente vai pagar uma parte dessa conta. Ele pode segurar o gado por uns dois meses, temos boas condições de pastagens. Se a China voltar logo, pode ser que o mercado volte. A dependência da China é a questão. Ela paga melhor que outros mercados, mas, se acontece um soluço lá, é muito negativo para nossos frigoríficos”, avalia.

Como mais de dois terços da produção nacional de carne vermelha ficam no mercado doméstico, a CNA não vê razão para um recuo no preço pago ao produtor. A China já estaria comprando menos de qualquer forma, após o ano novo chinês, e a carne bovina vinha num viés de baixa no Brasil. “Não há justificativa para redução de preços ao produtor nesse momento, principalmente porque 72% do que nós produzimos fica no mercado doméstico. E dos 28% exportados, entre 57% e 60% vão para a China. A gente aguarda o resultado oficial, que vai sair do laboratório do Canadá, e logo em seguida, assim que se confirmar que o caso realmente é atípico, a gente acredita que haja um retorno imediato das exportações brasileiras para este país”, afirma Bruno Lucchi, diretor-técnico da CNA.

Preço de carne bovina deverá cair no mercado interno nas próximas semanas; CNA assegura que o risco é zero para o consumo humano| Marcelo Elias / Arquivo Gazeta do Povo

Não há prazo para reabertura do mercado chinês
Nos termos do acordo comercial entre Brasil e China, no entanto, não há previsão de prazo mínimo para revisão do embargo. Em 2019 tudo se normalizou em duas semanas; já em 2021 foram quase quatro meses de espera.

Na avaliação de Alcides Torres, analista da Scot Consultoria, ainda que os protocolos com a China sejam rígidos, o Brasil não está em condição de mandar no mercado. “Nós somos comprados, não somos vendidos. A China pode comprar carne dos Estados Unidos, Uruguai, Argentina, Austrália, México, Europa. Eles têm todo o planeta de oferta. Nós não determinamos como vai ser”, enfatiza.

Segundo Torres, os chineses “evidentemente identificaram falhas em nosso sistema sanitário” e impuseram a condição de somente importar animais jovens do Brasil (com menos de 30 meses) como precaução, cientes da extensão continental do território, das fronteiras secas e das deficiências de infraestrutura e controle.

“Nós obedecemos porque foi uma maneira de conquistarmos esse mercado. Por outro lado, foi até bom para a zootecnia brasileira, porque acelerou todo o processo de terminação precoce do gado, o que faz bem para o meio ambiente, emite menos gás de efeito estufa. O gado fica menos tempo no pasto, o que aumenta a rentabilidade por hectare”, avalia.

No mercado da carne, Brasil não fica sem China, e vice-versa
Leonardo Alencar, da XP, entende que não será fácil para a China, do dia para a noite, arranjar outro fornecedor de carne vermelha. “Ao mesmo tempo em que o Brasil precisa exportar para a China, a China sem o Brasil não consegue preencher o que fica. Não existe país que possa preencher. Estados Unidos e Austrália podem preencher um tanto, mas, sem o Brasil, o consumidor chinês vai pagar mais caro”, enfatiza.

Quem também não vê muita saída para o gigante asiático é Cesar Castro Alves, consultor agro do Itaú BBA. O Brasil responde por mais de 50% da importação chinesa, cerca de 1,24 milhão de toneladas por ano. “Não faz sentido eles demorarem muito. Sobretudo porque o consumo lá está crescendo. A moeda deles voltou a apreciar um pouco e a previsão de crescimento [do PIB] de 5% é melhor do que no ano passado. Há uma leitura mais positiva que deveria sustentar o cenário para a carne bovina. Agora, há também questões políticas e até comerciais. Pode ser que aproveitem para pressionar a gente, dar uma gelada e depois retomarem. Mas tudo está na mão deles”, observa.

Brasil vende aos chineses mais do que o dobro do segundo maior fornecedor, os EUA| Hugo Harada / Arquivo Gazeta do Povo


Resultado dos exames pode sair nesta sexta-feira
Quais as chances de mudança nos termos do acordo para exportação de carne para a China? “Vai depender da vontade de quem está comprando. E nosso produto é commodity, não tem marca. Eles podem comprar esse produto do planeta Terra”, diz Torres, da Scot Consultoria, que vê dificuldades numa renegociação.

Lygia Pimentel, da Agrifatto, acredita na correção do protocolo, porque, afinal, trata-se de burocracia. “É uma falha que deixa o mercado muito volátil. Não se trata necessariamente de um problema sanitário que o Brasil tenha. Até provar que focinho de porco não é tomada, tem que sair o exame laboratorial, a contraprova, daí é preciso redigir um ofício, comunicar a China, eles têm que receber, ler, interpretar e só então voltar a liberar. São algumas semanas ou meses, com certeza, vamos ter prejuízo”, afirma.

Segundo fontes do portal australiano ABC News, o resultado dos exames no laboratório de referência da OMSA, no Canadá, pode sair nesta sexta-feira. Como os chineses vão dar sequência ao protocolo, é algo que depende, especificamente, dos interesses da China.


Leia mais em: https://www.gazetadopovo.com.br/agronegocio/vaca-louca-acordo-ruim-com-a-china-faz-suspeita-minima-virar-prejuizo-milionario/
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OS BASTIDORES REAIS E FICTÍCIOS DE JANJA NO CARNAVAL DA BAHIA

 

Entrudo literário

Por
Paulo Polzonoff Jr. – Gazeta do Povo


Gilberto Gil no meio de três mulheres, entre elas Janja.| Foto: Reprodução/ Twitter

Por Athayde Petreyze, esquire*

Sexta-feira. Noite. Dois Dragões da Independência tocam as trombetas que anunciam a entrada da Excelentíssima Primeira-dama Janja da Silva, a.k.a. Janja (pronuncia-se à francesa: Jânjáh) no recinto. Trajando um vestido assinado por algum estilista militante cujo nome não ouso mencionar para não correr o risco de errar os pronomes, feito com materiais exóticos por mãos de minorias, e comprado numa boutique da Oscar Freire pela bagatela de [DADOS MANTIDO EM SIGILO POR CEM ANOS] reais, ela entra e:

  • Proletários do mundo, arrumem minhas malas e mandem o piloto do avião presidencial ligar as turbinas! Sextou e eu tô indo pra Bahia! – grita ela, tão elegantemente quanto possível.

Sábado. Manhã. Enquanto toma seu delicioso café, Janja recebe dois integrantes da Equipe Permanente de Marketing do Partido dos Trabalhadores. Visivelmente irritada e desconfiada de que foi Gleisi Hoffmann quem mandou os publicitários atrapalharem seu desjejum à base de acarajés, vatapás, cururus e mungunzás e um umbu pra ioiô, Janja ouve as instruções que parecem entrar por um ouvido e sair pelo outro.

  • Não pode isso? Ai, que gente reacionária! – diz ela aqui e ali, enquanto os marqueteiros a instruem a:

(i) não se deixar fotografar sob o efeito de álcool;
(ii) não usar roupas muito reveladoras;
(iii) não vestir fantasias que possam ferir suscetibilidades, tais como [e aqui eram tantas as fantasias proibidas que Janja teve tempo até de ir ao toilete enquanto os marqueteiros falavam];
(iv) não cantar músicas do Ultraje a Rigor, nem que seja em ritmo de marchinha;
(v) nem pensar em cumprimentar um membro da família Odebrecht, hein!

Janja assina um papel com a logomarca do PT. Acho que é um termo de compromisso. E, subindo – literalmente – nas tamancas Hermès feitas de ipê-rosa apreendido pelo Ibama, couro de mico-leão-dourado e cola natural à base de lágrimas de político em tragédias naturais com potencial eleitoral, diz:

  • Agora me dá licença que eu quero cair na gandaia.

Sábado. Tarde. Janja cai na gandaia. Mas não pense que é assim fácil. Afinal, estamos falando da nossa primeira-dama. Uma socióloga de respeito, formada na mesma alma mater de Leandro Narloch e deste que vos fala, a UFPR de tantos porres e tantas ilusões deixadas pelo caminho. Mas me perdi aqui. O que é que eu estava falando mesmo?

Ah, sim. Janja. Enquanto pula ao som de clássicos do cancioneiro popular como “arerê, um lobby, um hobby, um love com você”, a primeira-dama sempre arruma um tempinho para descer do trio elétrico e ler Marx, Rousseau e Nietzsche.

  • Saúde! – diz ela, como ouvisse meus pensamentos.
  • Não, Janja. Eu estava explicando aos leitores que você…
  • Senhora!
  • …que a senhora gosta de ler autores clássicos & profundos entre uma música da Ivete Sangalo e outra.
  • E da Claudia Leite também! Bota aí que eu ouço Claudia Leite senão ela fica chateada. Sobre os livros, tipo assim, o comunismo e o niilismo me ajudam a relaxar – diz.

Sábado. Noite. Janja liga para o marido e os dois discutem longamente a Guerra da Ucrânia e as mudanças climáticas.

Domingo. Manhã. Hora de prestar homenagem a Gilberto Gil. Vamos, Janja. Acorde!

Domingo. Final da manhã. Janja acorda reclamando da assessora por ter perdido a hora. A assessora explica que tentou de tudo: despertador, vuvuzela, bateção de panela, água no rosto. Janja olha em minha direção esperando que eu confirme ou negue a história da assessora, mas digo que sou apenas um jornalista com um olhar objetivo e imparcial sobre os fatos.

  • Ah, você é petista, né? Bem que eu desconfiava – diz a primeira dama. Não nego. Apenas registro a fala dela no bloquinho cheio de anotações objetivas e imparciais e, assim à toa, lembro que estamos atrasados para a visita ao camarote da família Gil.

Antes de sairmos, ela liga para Djamila Ribeiro e as duas ficam lá discutindo a questão racial no Brasil enquanto o octogenário Gilberto Gil espera.

Domingo. Tarde. Janja finalmente chega à casa dos Gil. O porteiro não a reconhece e por isso há um princípio de tumulto. Janja diz que isso é um absurdo, uma ameaça à democracia, que vai chamar o Alexandre de Moraes, etc. O porteiro faz o L (assim meio deitado, mas tá valendo) e a deixa subir. Janja é recebida por Gil, que aparentemente estava no meio de um solilóquio sobre a importância do carnaval na luta contra o conservadorismo.

  • Ou não – conclui ele depois de um monólogo de meia hora.

É a deixa para Janja pedir que o ídolo pegue o violão e lhe cante alguma coisa antes da foto para viralizar no Instagram. Enquanto Gil vai buscar o violão, Janja e a ex-ministra da Cultura Flora Gil tricotam.

  • Menina, você não sabe quem conseguiu autorização pra captar R$5 milhões!
  • Não sei! Me diga!
  • A Cláudia Raia!
  • Mas não é possível! Sabia que ela apoiou o Collor em 1989?
  • Menina, nessa época eu nem era nascida!

E caem na gargalhada. Gilberto Gil volta e começa a tocar o clássico “Minha Nega na Janela”. O espetáculo particular, porém, é interrompido por uma ligação do ministro Silvio Almeida, que pede pelamordedeus! pare com essa música agora! Submisso às ordens do Partido, Gil obedece. Sem se dar por vencida, Janja insiste e tenta puxar o coro:

  • A paz/ invadiu o meu coração…

Domingo. Noite. Janja se esbalda de tanto pular o carnaval. Aqui e ali, porém, ela para a fim de atender o telefone. A primeira-dama está sempre atenta aos problemas do Brasil, como a transposição do rio São Francisco, o genocídio yanomami, os bilhões, trilhões, zilhões de famintos – e, claro, a reforma no Palácio do Planalto que certas pessoas deixaram i-na-bi-tá-vel.

No intervalo da folia, Janja recebe súditos que lhe beijam a mão e lhe pedem pequenos favores imperiais que ela, olhando para um lado e para o outro para se certificar de que não tem ninguém da Lava Jato por perto, republicanamente nega. E aqui não tenho culpa se você se decepcionou porque esperava um escândalo de corrupção fictício e provavelmente calunioso, difamatório e injurioso. Não sou desses.

Segunda. Manhã. Janja ainda deve estar dormindo. Não sei. Não levantei ainda.

Segunda. Tarde. Começam a surgir histórias de que houve um temporal em São Sebastião, litoral norte de São Paulo. Morreram umas cinquenta pessoas. O marido a essa hora já deve estar lá andando de helicóptero e posando para fotos, registrando para a posteridade toda a sua empatia. Janja, o cenho franzido quando a manicure lhe arranca um bife, pergunta aos assessores se ela deve se manifestar e, se sim, a que horas chega o cabeleireiro. Ela folheia um velho número de uma famosa revista de celebridades.

  • Que saco! Bom, ossos do ofício. Só não me peçam pra interromper o carnaval! – E se virando para mim: – Não vai escrever lá no jornal que eu tô lendo Caras, hein! Diz que eu tô lendo… Alguém aí sabe o livro da moda? Bacurau? Não, não. Bacurau eu acho que é filme. Como é o nome daquele outro?
  • “Tudo é Rio” – diz um assessor. – Escreve que ela tá lendo “Tudo é Rio”.

Então tá. Janja, leitora insaciável, devora “Tudo É Rio”, de Carla Madeira, e sentencia:

  • Pode pôr aí que eu disse que é a melhor obra da história da literatura universal de todos os tempos.

Segunda. Noite. Janja recebe um relatório da Abin que mostra uma queda abrupta em sua popularidade. Tudo porque ela se recusou a ajudar na limpeza das casas enlameadas em São Sebastião.

  • Liga pra Mônica [Bergamo, aquela]. Pergunta se é verdade.

Alguém liga e a Mônica [Bergamo, aquela] diz que é verdade. Janja, então, se reúne às pressas e a portas fechadas com um comitê de crise. Não me deixam entrar, mas grudo minhas orelhas como se fosse ventosas contra a madeira e lá de dentro escuto alguém perguntar:

  • “País” é com “z” ou com “s”?
    Depois:
  • Põe assim, ó: “me enche de tristeza e angústia”. As pessoas gostam desse negócio de angústia. Tá na moda.

Não demora e vejo pelo Twitter o que a equipe de comunicação escreveu para a primeira-dama: “Estive muitas vezes no litoral norte de São Paulo, um dos cantos mais lindos do nosso país. Ver as praias e morros desfigurados, as pessoas sofrendo, me enche de tristeza e angústia. A superação deste momento tão difícil para o litoral de SP, em especial São Sebastião, virá com união de esforços do Governo Federal, Estadual e municipais. O Presidente Lula está lá para reforçar esta mensagem. Toda minha solidariedade às famílias atingidas por este desastre”.

A ambiguidade final me desnorteia. A que desastre ela se refere? Será uma crítica velada ao marido? Será que rende manchete e escândalo? A porta se abre e Janja se prepara para continuar exibindo toda a sua solidariedade no trio elétrico.

Sábado. Quinze minutos mais tarde. Esta reportagem fictícia acaba com o repórter deprimido por ter de explicar que é fictícia. Bom, a maior parte.

  • Athayde Petreyze é colunista social, terapeuta holístico, árbitro de sumô e psicanalista da linha trotskista ortodoxa. Seu livro de poesias “O Parque de Diversões dos Substantivos Abstratos”, com prefácio de Fernando Pessoa (psicografado), não lhe rendeu nada além de dor de cabeça e zoação dos amigos. Membro honorário da velha guarda da Unidos do Bairro Alto, ele provavelmente terceirizou essa reportagem para um estagiário.

  • Leia mais em: https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/polzonoff/os-bastidores-de-janja-no-carnaval-da-bahia/
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