O governo Lula III já deu sinais de que irá
gastar mais: prova disso foi o empenho em aprovar a PEC para gastar
bilhões fora do teto de gastos, que no final ficou oficialmente no valor
de R$ 145 bilhões e garantia de outros R$ 23 bilhões em investimentos,
antes mesmo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vestir a faixa
presidencial. E agora? Quando um governante quer (por necessidade ou
capricho) incluir novos gastos no orçamento do país, ele se encontra
diante de um dilema: cortar outros gastos que já existiam ou aumentar a
arrecadação, tirando ainda mais do bolso dos pagadores de impostos e
encarecendo o custo de vida da população. O presidente Lula sinaliza,
desde o ano passado, antes de tomar posse, que escolheu a segunda opção.
Ou seja, você vai pagar essa conta!
E o furo do teto de gastos não vai parar nos R$ 145 bilhões. Na
verdade, a PEC fura-teto permite outros gastos, e, por isso, o furo no
teto pode chegar ao valor de R$ 215,2 bilhões, o equivalente a 2,4% do
PIB (Produto Interno Bruto); de acordo com um novo estudo do Instituto
Millenium. O estudo também lembra que, já que os “programas sociais”
usados como desculpa para furar o teto não vão acabar em 2023, é
provável que os gastos excessivos continuem nos anos subsequentes. A
própria PEC tem um dispositivo para que isso aconteça. Por isso, muita
gente chama de PEC da Gastança.
Fora o Auxílio Brasil ou Bolsa Família de no mínimo R$ 600, a PEC
fura-teto também deixa fora do teto de gastos despesas como a execução
de obras e serviços de engenharia custeadas por recursos transferidos
dos estados para a União; despesas com projetos custeados com recursos
decorrentes de acordos judiciais ou extrajudiciais de desastres
ambientais e despesas das Instituições Científicas, Tecnológicas e de
Inovação (ICTs), custeadas por receitas próprias, de doações ou de
convênios, contratos ou outras fontes, entre entes da Federação ou
entidades privadas. A PEC criou vários ralos que vão permitir gastos
fora do teto.
No meio de suas aberrações, a PEC não apenas fura o teto de gastos,
como também abre margem para que ele seja extinto de vez, “ao definir
que o próximo governo encaminhe ao Congresso Nacional, até 31 de agosto
de 2023, um projeto de lei complementar (PLC) para substituí-lo. Esta
previsão permitirá que o novo governo transforme todos os gastos
‘temporários’ relativos a 2023 em definitivos, além de criar espaço
legal para mais gastos, com uma proposta mais fácil de ser aprovada no
Congresso (um PLC) do que uma PEC”, explicam Marcelo Faria, presidente
do Instituto Liberal de São Paulo (Ilisp) e Wagner Vargas, cientista de
dados especializado em políticas públicas, no estudo publicado pelo
Instituto Millenium.
No meio de suas aberrações, a PEC não apenas fura o teto de gastos, como também abre margem para que ele seja extinto de vez
Como mencionado anteriormente, a consequência de tudo isso é óbvia:
mais dinheiro tirado do bolso dos pagadores de impostos e mais custos
para onerar a vida de todos brasileiros. A princípio, a materialização
desses aumentos começam por meio dos tributos sobre combustíveis, que
haviam sido reduzidos, mas que agora devem aumentar. Atendendo um pedido
do próprio Lula, no final de dezembro, o novo ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, disse ao então ministro da Economia, Paulo Guedes, que
não gostaria que o governo de Jair Bolsonaro prorrogasse a suspensão da
cobrança do Pis/Cofins sobre os combustíveis (suspensos até 31 de
dezembro de 2022). Por pressões da sociedade, em seu primeiro dia de
mandato, Lula prorrogou a desoneração sobre os combustíveis, mas por
apenas 60 dias. Antes da prorrogação da desoneração, a estimativa era de
que a volta da cobrança do imposto federal sobre combustíveis iria
garantir aproximadamente R$ 50 bilhões a mais de arrecadação para o
Governo em 2023 e nos próximos anos. Daqui a dois meses, quando a
cobrança de tributos sobre os combustíveis retornar, toda a sociedade
será penalizada.
Lula, sem dúvidas, poderia utilizar outras alternativas para ter
recursos para investir em programas sociais, inclusive no longo prazo. A
reforma administrativa, por exemplo, que daria fim a privilégios do
alto escalão do setor público como licença-prêmio e férias de 60 dias,
pode economizar cerca de R$ 330 bilhões (considerando União, estados e
municípios) em 10 anos, conforme uma projeção do economista-chefe da RPS
Capital, Gabriel Leal de Barros. Já um estudo do Ipea (Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada) calculou uma economia de R$ 1,751 trilhão
em duas décadas considerando apenas a redução de gastos com servidores
da União. Entretanto, até agora, Lula não sinalizou interesse algum em
negociar a reforma administrativa com o Congresso — e, provavelmente,
não o fará, já que sua base de apoio está repleta de sindicalistas
inimigos da modernização do setor público e do fim dos privilégios.
Daqui a dois meses, quando a cobrança de tributos sobre os combustíveis retornar, toda a sociedade será penalizada
E, em vez de seguir com as privatizações, que tirariam
responsabilidade do Governo com diversos gastos e investimentos com
estatais, ainda na época da equipe de transição, Lula deixou claro que
iria paralisar todas privatizações que pudesse. Assim que assumiu a
Presidência, Lula já revogou o processo de privatização de 8 estatais,
incluindo da Petrobras, dos Correios e da Empresa Brasil de Comunicação
(EBC). Por outro lado, vai aumentar os gastos com publicidade e
propaganda das estatais: a mudança na Lei das Estatais aprovada na
Câmara dos Deputados em dezembro concedeu a Lula o aval para aumentar os
gastos com propagandas estatais em até R$ 20 bilhões. Falta o Senado
votar. E, além disso, as torneiras do BNDES (Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social) devem voltar a jorrar como na época
em que Lula emplacou a política dos campeões nacionais (mais detalhes
sobre isso em minha última coluna e também nesta outra anterior), um
grande fracasso internacional.
O governo deveria trabalhar para melhorar a qualidade do gasto
público, avaliando políticas públicas, cortando desperdícios, combatendo
a corrupção, seguindo o programa de transformação digital do governo
federal, dando continuidade a simplificação das estruturas
organizacionais federais, bem como mantendo a reposição da força de
trabalho de forma técnica, e não para contentar demandas sindicais.
Infelizmente, essa não é a agenda do PT. Você não vai escutar nada sobre
isso nos discursos do Lula. O PT vai seguir a velha cartilha de
aumentar gastos, impostos e a inflação.
O aumento dos impostos e da inflação ampliam as desigualdades sociais
e geram impacto em todos, principalmente nos mais pobres. É uma
contradição que Lula tenha escolhido acabar com o teto de gastos
supostamente para investir mais em programas sociais e assim ajudar os
mais pobres quando o resultado disso é justamente tirar ainda mais
dinheiro do bolso desses cidadãos mais vulneráveis.
Se Lula realmente quisesse reduzir a pobreza no Brasil de forma
perene, deveria primeiro enxugar a máquina pública para poder fazer
investimentos verdadeiramente inteligentes naqueles que mais precisam: e
não apenas no que se refere a programas sociais como o Auxílio Brasil
ou o Bolsa Família, mas também abrindo o mercado para que mais empregos e
oportunidades sejam ofertados a essas pessoas. Ainda dá tempo de mudar a
direção do governo Lula III: será que o presidente irá repensar suas
escolhas ou vai querer continuar a velha prática de passar o custo da
ineficiência estatal para os cidadãos?
Especialista em pagamentos defende que oferecer diferentes métodos é essencial na realidade econômica do país
O fim do ano já está se aproximando e os lojistas já se preparam para
garantir o sucesso de vendas em 2023. Com um fim de ano movimentado no
varejo, por conta de algumas datas sazonais, como: natal e ano novo, os
empreendedores já buscam por dicas para entrar o ano na frente. Com o
mercado cada vez mais competitivo, os preços baixos não são mais o único
fator que atrai os clientes. É preciso que os negócios também olhem com
atenção e carinho a outros detalhes, como por exemplo as formas de
cobrar produtos e serviços dos seus clientes, já que a experiência e
jornada de compra são importantes para a economia doméstica brasileira,
depois de dois anos de restrições.
“Aos poucos, o mercado está se normalizando dentro da realidade
econômica do pós-pandemia. É preciso entender as necessidades de cada
um. Dá para oferecer soluções em que nenhum dos dois lados saia
perdendo, garantindo que os negócios tenham sucesso em suas vendas e os
brasileiros consigam fazer compras dentro da sua realidade”, explica
Marcus Linhares, CEO da fintech BIPP, plataforma que oferece serviços de
pagamento digitais para pequenas e médias empresas.
De acordo com um relatório da Adyen, 41% dos brasileiros utilizam
meios digitais como única forma de pagamento na hora das compras,
evitando dinheiro ou cartões físicos, esses números só crescem e no
próximo ano devem ser ainda maior.. As formas mais comuns são pagamentos
por aproximação via cartão, celular ou smartwatch, Pix, QR code,
carteiras digitais, WhatsApp Pay e links de pagamento online. Pensando
nisso, Linhares separou algumas dicas para facilitar o pagamento em cada
espaço e garantir o sucesso de vendas. Confira:
Continue apostando no PIX: Há dois anos, o Pix
chegou para se tornar uma das ferramentas mais rápidas e práticas para
fazer e receber pagamentos. Com mais de 26 bilhões de transações
realizadas, as operações utilizando o meio de pagamento subiram 94%,
segundo dados da Febraban. “As pessoas cada vez mais estão pagando por
meio da carteira digital e deixando de lado o dinheiro em espécie.
Portanto, crie uma chave Pix para seu negócio ou disponibilize uma
imagem com o QR Code para garantir a venda”, comenta Linhares.
Links de pagamento podem garantir uma boa experiência ao cliente:
Para quem vende pelo WhatsApp ou por outras redes sociais, o link de
pagamento é uma alternativa rápida de envio. Ele pode ser encaminhado
por mensagem direta nos aplicativos, SMS e e-mail. Os links dão aos
clientes o poder de decisão sobre a melhor maneira de pagar por um
produto ou serviço. “Uma das primeiras dicas para fidelizar um cliente é
deixar ele à vontade dentro das suas escolhas de compra, e isso cabe na
hora do pagamento também. Os links são uma ótima opção para deixar a
clientela decidir se deseja pagar por cartão de crédito, débito, Pix ou
dinheiro. Essa liberdade garante uma ótima experiência”, explica o
especialista.
Não descarte os boletos: Mesmo com a evolução das
ferramentas digitais, há quem prefira o dinheiro e os boletos. Esteja
preparado para receber meios de pagamento tradicionais. Mais da metade
dos brasileiros preferem fazer compras com dinheiro por segurança, de
acordo com uma pesquisa realizada pela Fundação Dom Cabral. “Os boletos
são uma ótima opção, já que podem ser pagos em dinheiro em casas
lotéricas e bancos”, continua Marcus.
Invista em novas soluções, como pagamento por recorrência:
Para os estabelecimentos que oferecem serviços periódicos ou recebem
mensalidades, é possível fazer cobranças recorrentes no cartão de
crédito. É a mesma ferramenta utilizada por serviços de streaming e
assinaturas online, como a Netflix e o Spotify. “Oferecemos aos negócios
uma tecnologia própria para que eles insiram o pagamento por
recorrência no leque de opções. Esse método não compromete o limite
total do cartão de seus clientes, além de diminuir o risco de
inadimplência”, explica o CEO da Bipp.
Fique de olho no controle de pagamentos: A gestão
dos pagamentos é muito importante, não só para controlar o fluxo de
caixa do seu negócio, mas para entender seus clientes, analisar as
melhores formas de pagamentos, reduzir custos e aumentar as vendas.
Existem várias empresas especializadas no mercado para desenvolver,
gerenciar e impulsionar o seu e-commerce. A Startup Valeon é uma
consultoria que conta com a expertise dos melhores profissionais do
mercado para auxiliar a sua empresa na geração de resultados
satisfatórios para o seu negócio.
Porém, antes de pensar em contratar uma empresa para cuidar da loja online é necessário fazer algumas considerações.
Por que você deve contratar uma empresa para cuidar da sua Publicidade?
Existem diversos benefícios em se contratar uma empresa especializada
para cuidar dos seus negócios como a Startup Valeon que possui
profissionais capacitados e com experiência de mercado que podem
potencializar consideravelmente os resultados do seu e-commerce e isto
resulta em mais vendas.
Quando você deve contratar a Startup Valeon para cuidar da sua Publicidade online?
A decisão de nos contratar pode ser tomada em qualquer estágio do seu
projeto de vendas, mas, aproveitamos para tecermos algumas
considerações importantes:
Vantagens da Propaganda Online
Em pleno século XXI, em que a maioria dos usuários tem perfis nas mídias sociais e
a maior parte das pessoas está conectada 24 horas por dia pelos
smartphones, ainda existem empresários que não investem em mídia
digital.
Quando comparada às mídias tradicionais, a propaganda online é
claramente mais em conta. Na internet, é possível anunciar com pouco
dinheiro. Além disso, com a segmentação mais eficaz, o seu retorno é
mais alto, o que faz com que o investimento por conversão saia ainda
mais barato.
Diferentemente da mídia tradicional, no online, é possível modificar
uma campanha a qualquer momento. Se você quiser trocar seu anúncio em
uma data festiva, basta entrar na plataforma e realizar a mudança,
voltando para o original quando for conveniente.
Outra vantagem da propaganda online é poder acompanhar em tempo real tudo
o que acontece com o seu anúncio. Desde o momento em que a campanha é
colocada no ar, já é possível ver o número de cliques, de visualizações e
de comentários que a ela recebeu.
A mídia online possibilita que o seu consumidor se engaje com o
material postado. Diferentemente da mídia tradicional, em que não é
possível acompanhar as reações do público, com a internet, você pode ver
se a sua mensagem está agradando ou não a sua audiência.
Outra possibilidade é a comunicação de via dupla. Um anúncio
publicado em um jornal, por exemplo, apenas envia a mensagem, não
permitindo uma maior interação entre cliente e marca. Já no meio
digital, você consegue conversar com o consumidor, saber os rastros que
ele deixa e responder em tempo real, criando uma proximidade com a
empresa.
Com as vantagens da propaganda online, você pode expandir ainda mais o
seu negócio. É possível anunciar para qualquer pessoa onde quer que ela
esteja, não precisando se ater apenas à sua cidade.
Uma das principais vantagens da publicidade online, é que a mesma
permite-lhe mostrar os seus anúncios às pessoas que provavelmente estão
interessadas nos seus produtos ou serviços, e excluir aquelas que não
estão.
Além de tudo, é possível monitorizar se essas pessoas clicaram ou não nos seus anúncios, e quais as respostas aos mesmos.
A publicidade online oferece-lhe também a oportunidade de alcançar
potenciais clientes à medida que estes utilizam vários dispositivos:
computadores, portáteis, tablets e smartphones.
Vantagens do Marketplace Valeon
Uma das maiores vantagens do marketplace é a redução dos gastos com publicidade e marketing. Afinal, a plataforma oferece um espaço para as marcas exporem seus produtos e receberem acessos.
Justamente por reunir uma vasta gama de produtos de diferentes segmentos, o marketplace Valeon atrai uma grande diversidade e volume de público. Isso
proporciona ao lojista um aumento de visibilidade e novos consumidores
que ainda não conhecem a marca e acabam tendo um primeiro contato por
meio dessa vitrine virtual.
Tem grande variedade de ofertas também e faz com que os clientes
queiram passar mais tempo no site e, inclusive, voltem com frequência
pela grande diversidade de produtos e pela familiaridade com o ambiente.
Afinal de contas, é muito mais prático e cômodo centralizar suas
compras em uma só plataforma, do que efetuar diversos pedidos
diferentes.
Inserir seus anúncios em um marketplace como o da Valeon significa
abrir um novo “ponto de vendas”, além do e-commerce, que a maioria das
pessoas frequenta com a intenção de comprar. Assim, angariar sua
presença no principal marketplace Valeon do Vale do Aço amplia as
chances de atrair um público interessado nos seus produtos. Em suma,
proporciona ao lojista o crescimento do negócio como um todo.
Quando o assunto é e-commerce,
os marketplaces são algumas das plataformas mais importantes. Eles
funcionam como um verdadeiro shopping center virtual, atraindo os
consumidores para comprar produtos dos mais diversos segmentos no mesmo
ambiente. Por outro lado, também possibilitam que pequenos lojistas
encontrem uma plataforma, semelhante a uma vitrine, para oferecer seus
produtos e serviços, já contando com diversas ferramentas. Não é à toa
que eles representaram 78% do faturamento no e-commerce brasileiro em
2020.
Vender em marketplace como a da Valeon traz diversas
vantagens que são extremamente importantes para quem busca desenvolver
seu e-commerce e escalar suas vendas pela internet, pois através do
nosso apoio, é possível expandir seu ticket médio e aumentar a
visibilidade da sua marca.
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A Valeon é uma caixinha de possibilidades. Você pode
moldar ela em torno do negócio. O que é muito importante. O nosso é
colocar o consumidor no centro e entender o que ele precisa. A ValeOn
possibilita que você empresário consiga oferecer, especificamente para o
seu consumidor, a melhor experiência. A ValeOn já é tradicional e
reconhecida no mercado, onde você empresário pode contar com a
experiência e funcionalidades de uma tecnologia corporativa que atende
as principais operações robustas do mundo essencial e fundamental. A
ValeOn além de trazer mais segurança e credibilidade para o seu negócio,
também resulta em muita troca de conhecimento e ótimos resultados para
ambos os lados, como toda boa parceria entre empresas deve ser.
Lembrem-se que a ValeOn é uma Startup Marketplace de Ipatinga-MG que tem
a responsabilidade de levar o cliente até à sua empresa e que temos
potencial para transformar mercados, impactar consumidores e revirar
empresas e indústrias onde nossos produtos e serviços têm capacidade de
escala e de atrair os investimentos corretos para o nosso crescimento.
Novo governo Por Gabriel de Arruda Castro, especial para a Gazeta do Povo
Presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva faz pronunciamento em Brasília
Número alto de ministérios tende a gerar mais custos, tornar o
governo burocrático em excesso e reduzir a eficiência da gestão.| Foto:
José Cruz/Agência Brasil
Ao planejar Brasília, o urbanista Lúcio
Costa imaginou que uma Esplanada dos Ministérios com 19 prédios seria
suficiente. Fazia sentido: à época, o governo federal tinha apenas 15
ministros, incluindo um para a Aeronáutica, um para a Marinha e um para o
Exército (então chamado Ministério da Guerra). De lá para cá, o Brasil
passou a ter um número de ministérios muito maior. Falta espaço na
Esplanada. E vai faltar mais.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá 37 ministérios. A lista
das pastas criadas (ou recriadas) inclui os ministérios dos Portos, dos
Povos Originários e da Igualdade Racial.
O Brasil está acima da média global nesse quesito. O país tem mais
ministérios que países com nível de desenvolvimento similar, como
Argentina (18), Colômbia (18), México (20), África do Sul (27) e até a
Venezuela (33), presidida pelo excêntrico ditador Nicolas Maduro. Na
verdade, os 37 ministros de Lula colocam o Brasil em primeiro lugar
nesse quesito na América Latina. A comparação com países desenvolvidos é
ainda mais desfavorável: Lula terá muito mais ministros que os líderes
de Estados Unidos (15), Itália(15), França (16), Alemanha (16) e Reino
Unido (21).
VEJA TAMBÉM: Mais da metade dos ministros de Lula tiveram problemas na Justiça; veja quem Travesti Symmy Larrat será secretária dos Direitos LGBTQIA+ de Lula Quem é Flávio Dino, ministro da Justiça e Segurança Pública no governo Lula
Lula, entretanto, ainda não alcançou o recorde estabelecido por Dilma
Rousseff: em maio de 2013, ao criar o Ministério da Micro e Pequena
Empresa, ela passou a ter um governo com 39 ministros. Em 2015, já
pressionada pelos protestos que pediam o seu impeachment e tentando
criar uma agenda positiva, a presidente fez uma reforma e eliminou oito
pastas.
Custo não é o maior problema De forma geral, existem dois
argumentos contra o número excessivo de ministérios no Brasil. O
primeiro é o de que isso necessariamente gera aumento de custos. Cada
ministério precisa de uma estrutura mínima que envolve funcionários, um
espaço físico e insumos (computadores, carros, cadeiras etc). O próprio
salário do ministro, por lei, é superior ao do chefe de uma secretaria,
por exemplo. O segundo argumento é o de que o alto número de ministérios
torna o governo burocrático em excesso e reduz a eficiência da gestão.
Segundo especialistas, o segundo problema é mais importante que o primeiro.
É razoável supor que mais ministérios implicam mais gasto público.
Mas a relação pode não ser linear. Em tese, é possível desmembrar
ministérios sem que isso gere um impacto financeiro visível. Da mesma
forma, rebaixar um ministério ao status de secretaria, como fez o
governo Bolsonaro em diversos casos, não necessariamente reduz os
gastos. Se o número de funcionários for o mesmo, provavelmente a
estrutura física necessária será idêntica e, assim, a redução de custos
causada pela troca de status será próxima de zero. Obviamente, o governo
pode cortar o orçamento das pastas por outros motivos (por exemplo, ao
reduzir os valores previstos para investimentos). Mas a mudança de
categoria não garante a redução de custos.
Redução na eficiência Já o problema de gestão pode ser ter um
impacto mais significativo. A comunicação entre os diferentes órgãos se
torna mais lenta do que se eles estivessem sob o mesmo guarda-chuva, no
mesmo prédio. As reuniões ministeriais passam a ser mais longas e menos
produtivas. Impasses tornam-se mais prováveis, especialmente quando não
há uma delimitação clara das atribuições de cada um.
Por exemplo: um governo que tenha ministérios distintos para a
Agricultura e a Pesca terá mais dificuldades em colocar de pé um
programa que deseje promover a instalação de tanques de criação de
peixes em pequenas propriedades rurais. O Ministério da Agricultura,
mais antigo, já tem a capilaridade para atingir a população alvo do
programa. Mas, por se tratar de um projeto de aquicultura, o programa
provavelmente ficaria sob o comando do Ministério da Pesca. Assim, ou a
pasta com menos recursos (a da Pesca) pede o apoio da mais rica (a da
Agricultura), ou o Ministério da Pesca teria de criar uma estrutura que,
em grande medida, já existe no Ministério da Agricultura. De uma forma
ou de outra, o resultado não é o mais eficiente.
Demandas sociais x alianças políticas Segundo estudiosos do tema, o
número elevado de ministérios que o Brasil terá no governo Lula pode
ser explicado por dois fatores. Um é a pressão de grupos articulados (no
caso do governo petista, por exemplo, militantes da causa negra terão
uma pasta específica). O outro é a necessidade de garantir apoio no
Congresso usando os cargos no Executivo como moeda de troca.
“Em alguns casos existe um aspecto político e simbólico. Já outros
ministérios servem para atender às pressões políticas do
presidencialismo de coalizão”, diz Ivan Ckagnazaroff, professor de
Economia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Lula tem feito
isto ao entregar cargos a representantes de partidos como MDB e PSD.
Além dos partidos políticos aliados, existe a pressão dos próprios
correligionários por cargos que possam lhe render dividendos
políticos. Talvez isso explique porque, apesar de sua disposição em
fazer um governo mais austero economicamente, Jair Bolsonaro também não
conseguiu implementar o que prometeu neste campo. Durante a campanha de
2018, ele afirmou que sua gestão teria “no máximo” 15 ministérios.
Depois de receber um governo com 29 ministérios de Michel Temer, ele
iniciou o seu mandato com 22. Encerrou com 23 (Bolsonaro recriou a pasta
das Comunicações).
Critério de desempenho deve ser transparente Criar ministérios é
um sinal ao eleitorado de que o governo se preocupa com alguns temas em
particular e vai tratá-los como prioritários. Em grande parte, a criação
de pastas carrega um componente eleitoral. Mas, além dos eleitores, os
sinais também podem ser importantes para o mercado financeiro, por
exemplo. Um governo que tem quase 40 ministérios passa o recado de que a
eficiência administrativa não é sua prioridade. Um presidente liberal,
por outro lado, tende a reduzir esse número, mesmo que o impacto
financeiro seja reduzido.
Economista e professora de MBAs da Fundação Getúlio Vargas (FGV)
Carla Beni afirma que apenas com parâmetros de desempenhos objetivos,
como no setor privado, é possível medir quantos ministérios são
necessários. Isso não existe hoje.
“O Brasil poderia começar a apresentar resultado de produtividade por
ministério para que pudéssemos avaliar esta questão de uma forma
melhor. Nós podemos até chegar à conclusão de que se pode ter 40
ministérios, desde que eles apresentem resultado”, diz ela, que
exemplifica: “Primeiro, o governo definiria qual é a meta de cada
ministério para o ano. Ao final, o governo apresentaria o percentual da
meta que foi atingido”, afirma.
Lentidão na tomada de decisões O professor Ivan Ckagnazaroff
concorda que a criação de ministérios muitas vezes significa a
reorganização de estruturas que já existiam anteriormente, sem um salto
nos gastos. “Se você vai observar as áreas para as quais os ministérios
foram criados, bem ou mal todas elas já existiam – a única que salta aos
olhos é a voltada para os Povos Indígenas”, afirma, em referência ao
novo governo Lula.
Por outro lado, o professor alerta que, sem uma divisão clara das
atribuições, o resultado é a ineficiência do Executivo. “A criação
desses ministérios vai demandar uma definição clara de qual é a
responsabilidade de cada um e de quais recursos eles vão ter para atuar.
Sem isso, a eficiência vai ser extremamente afetada”, ele afirma.
O professor acrescenta que, mesmo que não haja um aumento
significativo nos gastos, o tamanho da máquina em si já pode reduzir a
agilidade do governo para lidar com as demandas que surgirem. “O tamanho
pode tornar os processos decisórios um pouco mais lentos, à medida que
algumas decisões, especialmente as mais conflitivas, vão passar pelo
presidente – segundo ele mesmo disse”, afirma.
De uma forma ou de outra, o número de ministérios no Brasil não deve
se aproximar tão cedo dos 19 planejados por Lúcio Costa. A última vez
que isto aconteceu foi há três décadas, no governo Fernando Collor.
Como Lula usa cargos de 2º escalão para atender aliados e ampliar base no Congresso Por Wesley Oliveira – Gazeta do Povo Brasília
A
Primeira-dama Rosângela Lula da Silva e o presidente da República do
Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, chegam ao Palácio do Itamaraty
Definição dos cargos de segundo escalão do governo Lula vai ocorrer nos próximos dias| Foto: José Cruz/Agência Brasil
Após
os entraves para a composição ministerial, o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva (PT) pretende agora usar os cargos do segundo escalão do
governo para tentar reduzir desgastes junto a aliados que não foram
contemplados na Esplanada dos Ministérios e ficaram insatisfeitos. Em
outra frente, o chefe do Palácio do Planalto também pretende atrair
legendas como Cidadania e Podemos numa ofensiva de tentar ampliar a base
no Congresso Nacional.
Entre os postos mais cobiçados do segundo escalão, estão o comando da
Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf), da
Fundação Nacional da Saúde (Funasa) e do Banco do Nordeste. Mesmo com 37
ministérios, 14 pastas a mais que a gestão do agora ex-presidente Jair
Bolsonaro (PL), Lula não conseguiu contemplar partidos que apoiaram sua
candidatura desde o primeiro turno.
Entre as legendas que ficaram de fora, o PV, que está federado com o
PT e o PCdoB, foi preterido diante de sua bancada de apenas seis
deputados na Câmara. O partido cobiçava pastas como a do Meio Ambiente e
da Cultura, mas agora pode ser contemplado com postos em autarquias
como o Ibama e o ICMBio.
VEJA TAMBÉM: Lula volta à Presidência: o que é possível extrair de bom e ruim dos primeiros discursos Mais Estado, volta de programas petistas, revogaço: o que esperar do terceiro governo Lula
Completam a lista de aliados que ficaram de fora do primeiro escalão o
Solidariedade, o Avante, o Pros e o Agir. O primeiro, liderado pelo
deputado Paulinho da Força (SP), cobiçava o ministério da Previdência,
que acabou ficando com Carlos Lupi do PDT.
O Solidariedade não atingiu a cláusula de barreira e negocia uma
fusão com o Pros. A expectativa é de que o novo partido seja contemplado
com o comando do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e do
Ceagesp, o entreposto de abastecimento de São Paulo que pertence à
União.
As negociações para distribuição dos cargos do segundo escalão
começaram nesta segunda-feira (2) e são lideradas pela presidente
nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), e pelo ministro das
Relações Institucionais, Alexandre Padilha. Também foram escalados para
os encontros com os líderes partidários os líderes do governo na Câmara,
deputado José Guimarães (PT-CE), e o líder do governo no Senado,
senador Jacques Wagner (PT-BA).
“Estamos dando passos na montagem do segundo escalão, o presidente
Lula fez questão de convidar duas mulheres para presidente a Caixa e o
Banco do Brasil. E vamos continuar dando esses espaços”, disse Padilha.
Lula tenta atrair o Podemos e o Cidadania por meio de cargos do segundo escalão Além
de reduzir os desgastes junto aos partidos aliados, o governo Lula
pretende usar os cargos do segundo escalão para atrair legendas como o
Podemos e o Cidadania. A estratégia visa ampliar a base do petista no
Congresso Nacional de olho na aprovação de matérias no primeiro ano do
governo.
No caso do Podemos, a cúpula do PT já vinha buscando atrair o partido
desde a composição ministerial, mas as conversas ficaram travadas
diante das resistências de lideranças que fazem oposição a Lula. Entre
as resistências, o deputado eleito Deltan Dallagnol (PR), e os senadores
Alvaro Dias (PR), Eduardo Girão (CE) e Jorge Kajuru (GO).
O Podemos, que elegeu 12 deputados federais nas eleições de 2022, vai
incorporar o PSC, que elegeu seis. Com 18 deputados, terá a legenda
terá a oitava maior bancada da Câmara, à frente do PSDB e do PDT. Apesar
das resistências internas, avaliação de integrantes do PT é de que o
partido conta com quadros pragmáticos e que poderiam ser atraídos
através dos cargos no segundo escalão.
A mesma estratégia vai ocorrer com o Cidadania, que no segundo turno
teve a senadora Eliziane Gama (MA) como uma das principais
interlocutoras de Lula com o segmento evangélico. A Executiva do partido
chegou a se reunir três dias antes da posse presidencial e aprovou por
16 votos favoráveis dos 21 totais a adesão ao governo petista. Outros
cinco integrantes da Executiva restantes não participaram da votação,
entre eles, o presidente do partido, Roberto Freire.
Codevasf entra nas negociações para tentar reduzir o racha dentro do União Brasil Líderes
do PT avaliam que, até o momento, os partidos que foram contemplados na
composição de governo somam 282 deputados. O número, no entanto, fica
abaixo dos 308 necessários para aprovação de uma Proposta de Emenda
Constitucional (PEC), por exemplo. Além disso, existe um racha dentro do
União Brasil, que foi contemplado com três pastas, mas não deve
garantir os 59 votos dos deputados da próxima legislatura.
Para vencer as resistências da bancada, o União Brasil deve manter,
por exemplo, a influência sobre Codevasf, que é responsável por tocar
obras nas regiões dos vales dos rios São Francisco e do Parnaíba.
Atualmente a estatal é comandada por Marcelo Andrade Andrade Moreira
Pinto, apadrinhado do deputado Elmar Nascimento (BA). O parlamentar
baiano teve seu nome vetado para o Ministério da Integração Nacional, o
que ampliou o racha dentro do partido.
Agora, a expectativa é de que Nascimento mantenha sua indicação na
Codevasf como forma de atrair a maioria do União Brasil na Câmara.
Haverá, no entanto, uma conversa de Lula com o novo ministro da
Integração, Waldez Góes, e com o senador Davi Alcolumbre (União-AP), que
liderou as negociações pelo partido.
Aliados do PT e do PSD foram preteridos da escalação do governo Lula A
composição do primeiro escalão do governo Lula gerou desgastes
inclusive dentro de quadros do PT e do PSD de estados como Minas Gerais e
Rio de Janeiro. Os dois colégios eleitorais foram decisivos na disputa
eleitoral, mas nomes desses estados que estavam cotados para a Esplanada
dos Ministérios acabaram preteridos.
No caso do PT, o líder do partido na Câmara, deputado Reginaldo Lopes
(MG), teve o nome especulado para três ministérios e chegou a ser
convidado para assumir Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). No
entanto, teve seu nome barrado diante da necessidade de Lula de ampliar o
espaço para partidos de centro.
“Fui convidado para assumir o MDA, mas como teve um novo arranjo de
governabilidade, em que o União Brasil passa a ter três ministros e
também o PSD, não foi possível”, afirmou o petista.
Com a reorganização, o MDA acabou ficando com o deputado Paulo
Texeira (PT-SP), que estava contado para o Ministérios das Comunicações.
A pasta foi entregue na última hora ao União Brasil, que indicou o
deputado Juscelino Filho (União-MA) para o posto.
Outro que ficou de fora da Esplanada foi o deputado Pedro Paulo
(PSD-RJ), que ficaria com a pasta do Turismo. Ele era o nome indicado
pelo prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), um dos
coordenadores da campanha de Lula no estado fluminense no segundo
turno. Contudo, a pasta acabou sendo levada pelo União Brasil, com a
indicação de Daniela do Waguinho, também do Rio de Janeiro.
“Foi feito um primeiro passo de um governo que começa a ser montado,
mas temos vários passos nessa caminhada ainda”, pontuou Alexandre
Padilha, ministro das Relações Institucionais.
Medida de Lula Pode quebrar clubes de tiro e lojas de armas Por Leonardo Desideri – Gazeta do Povo Brasília
Decreto assinado pelo presidente Lula promove série de restrições a CACs.| Foto: Hedeson Alves / Gazeta do Povo / Arquivo
O
primeiro dia do governo Lula (PT) já trouxe notícias negativas para
quem pretende ter e portar armas no Brasil. Na noite deste domingo (1º),
pouco depois da posse, o presidente assinou um decreto para limitar o
acesso a armas e munições no país, suspendendo a concessão de novos
certificados de registro (CR) a caçadores, atiradores e colecionadores
(CACs).
O decreto também restringe a quantidade de armas e munições que podem
ser registradas por uma pessoa e suspende a possibilidade de registrar
novos clubes e escolas de tiro. Além disso, o Exército não poderá mais
autorizar qualquer tipo de nova aquisição de armas e terá que
interromper os processos de aquisição que estavam em andamento.
Para o deputado federal eleito Marcos Pollon (PL-MS), advogado
especialista em legislação sobre armas, a mudança poderá levar à
falência clubes de tiro e lojas de armas, além de inviabilizar a prática
do tiro esportivo. “Sacrificam em torno de 3 milhões de empregos sem
ouvir absolutamente ninguém”, diz, em referência ao número de pessoas
que trabalham em lojas de armas e clubes de tiros no Brasil hoje. “Não é
democrático você começar o ano colocando 3 milhões de pessoas na rua.”
Pollon é pessimista em relação ao que vai acontecer a partir da nova
regulamentação do Estatuto do Desarmamento, e afirma que o tempo durante
qual o decreto vigorar poderá trazer prejuízos irreparáveis. “O grande
problema é que não vai ter depois. São 30 dias para criar o grupo de
trabalho, aí esse grupo tem 60 dias prorrogáveis por mais 60 (para
elaborar um projeto). Só aí são 150 dias. Aí vai para o Ministério da
Justiça, sem prazo. Isso pode representar um ano parado – na melhor das
hipóteses, seis meses. Não tem setor que sobreviva parado por seis
meses.”
Segundo o deputado eleito, “a situação vai ficar terrivelmente pior
do que era em 2018”. Um exemplo disso é que o número de unidades de
munição que CACs poderão comprar por ano passará a ser de 600 unidades –
o número mais baixo da história, ressalta Pollon.
O decreto também proíbe o transporte de armas com munição e a prática
de tiro esportivo por menores de 18 anos, além de reduzir de seis para
três o número de armas permitidas para o cidadão comum.
Outra mudança é que todos os equipamentos adquiridos a partir de 2019
deverão ser recadastrados no Sistema Nacional de Armas (Sinarm) da
Polícia Federal em um prazo de 60 dias. Nesse processo, será exigida a
comprovação de “efetiva necessidade” das armas adquiridas.
Quem escreveu o decreto sobre CACs não tem a menor noção do assunto, diz especialista O
decreto publicado no domingo ainda suspende a aquisição de insumos para
a recarga de munições por pessoas físicas, o que, segundo Pollon,
“inviabiliza o esporte”. “Um treino de IPSC (modalidade de tiro
esportivo) usa 700, 800 tiros. Em um treino de tiro ao prato, em cada
bateria são 100 disparos. Quem escreveu (o decreto) não tem a menor
noção do que estava escrevendo.”
Outra mudança que revela falta de compreensão sobre o assunto,
segundo ele, é a proibição do porte de trânsito com arma municiada –
isto é, os atiradores não poderão carregar as armas com munição no
deslocamento entre o local onde guardam a arma e o local onde a
utilizam. Isso pode facilitar ações criminosas para roubar armas,
explica Pollon.
“Proibir o porte de trânsito é colocar um alvo nas costas do
atirador, porque está obrigando ele a ir para o treino sem uma arma para
se defender. Basta o criminoso fazer campana na porta dos clubes. O
porte de trânsito é previsto desde 2003, está na lei. Além disso, foi
regulamentado em 2017. Não é do Bolsonaro”, comenta.
Outra mudança promovida pelo decreto é que pessoas sem registro de
CAC não poderão mais praticar tiro em clubes. Pollon diz que isso não
deverá afetar de maneira significativa esses estabelecimentos, já que
hoje, normalmente, a grande maioria das pessoas que frequenta os clubes
tem registro. “Quem não tem registro vai para fazer algum curso,
aprender os fundamentos, conhecer o esporte ou fazer o exame para tirar o
CR, que agora está proibido”, afirma.
Para o deputado, outro problema do decreto é sua justificativa:
alega-se a necessidade de aumentar a segurança da população, mas, nos
últimos anos, mesmo depois dos decretos sobre armas de Bolsonaro, os
índices de homicídio caíram drasticamente. “A fundamentação é com base
no combate à violência, sendo que os indicadores (do governo anterior)
foram os melhores da história (em termos de redução dos homicídios)”,
critica.
Para resolver os problemas que o decreto pode trazer, Pollon pretende
investir em uma saída legislativa ao mesmo tempo em que recorrerá ao
Judiciário. “A partir da posse do Legislativo, em fevereiro, a gente vai
ingressar com um projeto de lei para tentar sustar esse decreto. Vamos
buscar pelas vias judiciais a manutenção dos direitos, porque isso vai
sacrificar um setor inteiro, que, efetivamente, gera emprego e renda”,
diz.
O que diziam os decretos de Bolsonaro sobre armas O decreto de
Lula logo no primeiro dia de governo é uma resposta a quatro decretos
que, em abril de 2021, Jair Bolsonaro publicou flexibilizando regras
para a aquisição, o cadastro, o registro, o porte e a comercialização de
armas de fogo e munição no país. Tratam-se dos decretos 10.627, 10.628,
10.629 e 10.630.
Entre as principais mudanças previstas por esses decretos estavam:
O aumento do limite para a compra de armas por parte de civis que
tivessem o devido registro e de pessoas com prerrogativa de função. Retirada de uma série de itens da chamada lista de produtos controlados pelo Exército (PCEs). A permissão a cidadãos comuns para adquirir até seis armas de fogo de uso permitido – antes, o limite era de quatro unidades. A permissão para pessoas com prerrogativa de função, como juízes e policiais, para comprar até oito armas de uso restrito. A
possibilidade de porte simultâneo de duas armas de fogo em território
nacional para indivíduos ligados às forças armadas e às polícias. Fim
da necessidade de que os CACs apresentassem laudo de capacidade
técnica, substituindo-os por um “atestado de habitualidade”, que poderia
ser emitido por clubes de tiro. Aumento do limite de compra de armas
pelos CACs: caçadores registrados poderiam comprar até 30 armas,
enquanto atiradores, até 60. Aumento da quantidade de munições que os CACs podem adquirir por ano: de mil para 2 mil.
PIS/Cofins da gasolina deve retornar em março.| Foto: Jonathan Campos/Arquivo/Gazeta do Povo
Ontem eu mencionei aqui a tributação sobre gasolina, diesel e gás, e
saiu a medida provisória. A gasolina ainda fica isenta de PIS/Cofins, ou
seja, com o mesmo preço, até 28 de fevereiro. Aqui em Brasília já houve
posto de combustível que estava botando quase R$ 1 acima do preço,
pensando que a cobrança do imposto já estava entrando em vigor. Mas não:
fica até o fim de fevereiro sem impostos federais; depois eles voltam,
porque o governo está precisando de dinheiro, já que inchou o Estado
brasileiro. Agora são 37 ministérios que nós temos de sustentar.
Quanto ao diesel, que é necessário para manter o transporte sem
encarecer as mercadorias e para não irritar os motoristas de caminhão –
que são bolsonaristas de modo geral –, o governo vai manter até o fim do
ano a isenção de PIS/Cofins. A mesma coisa vale para os mais pobres no
caso do gás, para não alterar o preço assim no primeiro dia de governo
Lula, já que aí o pessoal não vai ter como cozinhar a picanha.
Lula já começou a desfazer o trabalho de Bolsonaro Eu não sei por
que o governo está se metendo agora com garimpeiros. O governo Bolsonaro
publicou um decreto que está sendo cancelado agora, e que trata de um
programa de apoio ao desenvolvimento artesanal e em pequena escala do
garimpo. Isso não é invenção do Bolsonaro; é invenção dos constituintes.
A Constituição diz – no artigo 174, parágrafo 3.º – que deve ser
organizada a atividade garimpeira em cooperativas, protegendo o meio
ambiente para a promoção econômico-social dos garimpeiros. O artigo 20
da Constituição, no item 25, também fala em promover o garimpo
associativo. Então, está tudo na Constituição; Bolsonaro tinha de fazer
isso, mas agora Lula revoga e eu não entendi o porquê.
VEJA TAMBÉM: Lula começa o novo governo gastando o dinheiro do povo para aumentar ministérios Vale tudo para incriminar Bolsonaro Prepare-se que alguém terá que bancar o teto de gastos furado
Outra mudança está no Coaf, órgão que controla transferências de
dinheiro e ajuda a identificar lavagem de dinheiro, dinheiro ilícito,
corrupção, dinheiro voando de um lado para o outro. Quando o Coaf foi
para o Banco Central, que é independente, acabou a fofoca sobre
vulnerabilidades de chantagem política; andavam atrás de transferência
de numerário até de mulher de ministro do Supremo, porque vazava. Mas,
agora, querem tirar o Coaf do Banco Central e levar para o Ministério da
Fazenda, do Haddad, do PT. Como o Banco Central é independente, isso
vai precisar de medida provisória ou lei. Dizem que é urgente, mas vai
ter de ser aprovado no novo Congresso e é aí que fica difícil, porque eu
duvido que deputados e senadores queiram se tornar vulneráveis à
chantagem política por transferência de dinheiro de um banco para outro,
ou de pagamentos.
Lula esqueceu um agradecimento, mas o PSol não
Aliás, falando em corrupção, o agora senador Sergio Moro comentou que
Lula não usou essa palavra no discurso de posse; que ele devia ter dito
algo como “o meu governo não tolerará corrupção”. Alguns estão dizendo
que ele não vai receber nada de corrupção, já que no governo anterior
isso não aconteceu, e então ele não vai ter de se preocupar com isso.
Mas Lula se esqueceu de agradecer por estar recebendo o que não tinha
recebido de Fernando Henrique Cardoso: contas públicas em dia,
equilíbrio fiscal, endividamento público em queda, inflação menor que a
dos Estados Unidos, PIB maior que o da China pela primeira vez na
história, reservas externas de US$ 320 bilhões… esqueceu de agradecer,
não foi? Uma pena.
Na verdade, quem se encarregou do “agradecimento” foi o PSol, partido
que apoiou a eleição de Lula e já entrou no Supremo Tribunal Federal
pedindo a prisão e quebra de sigilo telefônico de Bolsonaro. Começou a
vingança.
O governo Lula não esperou 15 minutos para
mostrar a sua verdadeira cara – mentiu da primeira à última palavra do
discurso de posse, o que deixa claríssimo que o Brasil viverá nos
próximos quatro anos, ou sabe lá Deus quantos, sob o comando de uma
impostura. Se está mentindo já no dia da posse, por que haveria de dizer
a verdade daqui para diante? Não há surpresa nenhuma nisso, é claro.
Lula mentiu durante toda a campanha eleitoral; mente, na verdade, há 40
anos, desde que começou sua carreira política. De lá para cá, só houve
mudanças para pior. Mente mais, hoje, e está tomando decisões concretas
muito mais malignas do que tomou na sua primeira passagem pelo governo –
como fica óbvio pelo ministério francamente patológico que escolheu e
por suas primeiras ações como presidente da República.
A mentira campeã absoluta da estreia de Lula, acima de qualquer
outra, é a absurda afirmação de que recebeu “um país destruído” do seu
antecessor – como havia dito em relação à FCH quando recebeu o governo
em 2003. Mais uma vez, agora, ele faz a falsificação maciça da realidade
para tentar cobrir os desastres que sua irresponsabilidade,
incompetência e escolhas de governo estúpidas vão despejar em cima da
população. Lula não foi capaz de citar, em todo o seu discurso de posse,
um único número ou fato concreto, nem um que fosse, para dar alguma
base lógica ao que estava falando. Não poderia, simplesmente, fazer
isso. A realidade é o contrário do que Lula afirmou – nunca um
presidente brasileiro recebeu o país numa situação materialmente tão boa
quanto ele acaba de receber.
Lula mentiu durante toda a campanha eleitoral; mente, na verdade, há
40 anos, desde que começou sua carreira política. De lá para cá, só
houve mudanças para pior.
A inflação está por volta de 6% ao ano – menor que a dos Estados
Unidos, da Alemanha e de outros sacrários da competência mundial em
matéria de gestão econômica. É a primeira vez que isso acontece na
história. As empresas estatais, que segundo Lula estão “arruinadas”,
deram lucro de 250 bilhões de reais em 2022 – quando ao fim do período
Lula-Dilma estavam à beira da falência, arrasadas pela corrupção sem
limites e pela inépcia na sua direção. O desemprego é o menor dos
últimos oito anos, e isso depois de dois anos com a economia paralisada
por conta da Covid. O agronegócio, a principal turbina econômica do
Brasil de hoje, bateu mais um recorde de produção e exportações em 2022.
As exportações em geral até novembro, última cifra disponível, tinham
passado dos 300 bilhões de dólares – e produziram superavit também
inédito na balança comercial. As contas públicas estão equilibradas. As
reservas internacionais estão acima dos 320 bilhões de dólares.
O que mais Lula poderia querer? Mas o novo presidente é fisicamente
incapaz de ser honesto diante de qualquer situação que lhe apareça pela
frente – se acha que pode ter alguma vantagem mentindo, ele vai mentir. É
o que acaba de fazer, mais uma vez. Ele finge que os números citados
acima não existem; seu DNA político não admite que outros seres humanos
possam ter feito alguma coisa certa, nem uma, e está convencido, de
qualquer forma, de que sempre vai ganhar se mentir automaticamente,
sobre tudo o que lhe aparecer pela frente. É o que fez o tempo todo em
seu primeiro discurso como presidente do Brasil; é o que vai continuar
fazendo. O que esperar de alguém que diz, com cara de indignado, que
gastar apenas o que se arrecada é uma “estupidez”? É isso, o governo
Lula.
Um conto sobre a nossa época Por Theodore Dalrymple Tradução de Bruna Frascolla – Gazeta do Povo City Journal
“Amputação”: ilustração do britânico Thomas Rowland, 1786| Foto: Domínio público
Amos
Wilson não era um homem feliz. O que seus pais (na verdade, seu pai)
tinham na cabeça quando lhe deram um nome desse? Ele sofreu gozações por
causa do nome na infância e nunca se recuperou da zombaria. O menino,
afinal de contas, é o pai do homem.
Mas há outra razão séria para a sua infelicidade. Agora, aos quarenta
anos, nunca conhecera o que todo homem deseja: realização sexual. Por
alguma razão que ele mesmo não conseguia compreender, não encontrava
nenhuma satisfação em nenhuma atividade sexual, a menos que se
imaginasse amputado. Sabia que, segundo os padrões alheios, isso era
algo estranho, bizarro. Mas quem de nós consegue explicar os próprios
desejos, ou como e por que surgem?
A fantasia toda está muito bem, é melhor do que coisa nenhuma. Mas
não é uma substituta para a realidade. Na meia idade, Amos tinha se
cansado de seus fingimentos. Por que deveria ser condenado a uma vida de
segunda só por ter, sem culpa nenhuma, desenvolvido um desejo atípico
que, se realizado, não causaria dano a ninguém mais? Todo homem tem
direito à realização.
É claro que ele não contou a ninguém do seu desejo. Todos no banco em
que trabalhava pensaram que ele era um camarada decente, perfeitamente
normal, exceto pelo fato de que ele nunca se casara – e nem isso, nos
dias de hoje, pode mesmo ser considerado anormal. Hoje os homens não se
comprometem mais, porque sempre pode aparecer algo melhor.
Já era tempo de sair do armário, pensou ele. Não queria morrer sem
ter vivido. Seu primeiro passo, então, foi contar ao médico. Afinal,
amputação é um procedimento médico.
O Dr. Smith era um médico à moda antiga: acreditava que os pacientes
tinham o dever de seguir as ordens do médico, pois a maioria de suas
ordens fazia bem aos pacientes. Mas as suas maneiras eram abrasivas, e
ele dava a impressão de não suportar os tolos (noventa e cinco por cento
da população) de bom grado. Era preciso coragem para lhe fazer
confidências.
Amos reuniu essa coragem. Ao chegar ao consultório do Dr. Smith,
sentiu-se inspecionado de cima a baixo já antes de se sentar. O Dr.
Smith o encarava do topo de seus óculos dourados em forma de meia lua,
que lhe davam um ar de ceticismo implacável.
– Como posso ajudá-lo? – perguntou.
Ao menos Amos não era um habitué entre os queixosos, tampouco um
daqueles pacientes que veem a visita ao médico como o ponto alto da
semana. Então havia ao menos uma chance de haver algo errado consigo, o
que faria dele parte de uma elite entre os pacientes do Dr. Smith.
– Preciso de ajuda, doutor – disse Amos.
– Que tipo de ajuda?
– Tenho um problema.
O Dr. Smith balançou um pouco em seu assento, uma guindola. Ele não era um homem de abordar as coisas de um jeito sutil.
– Que tipo de problema? – disse – Desembuche.
– Sofro dele há muito tempo –, disse Amos, parecendo sem jeito ou
mesmo culpado – Por toda a minha vida, na verdade, ou ao menos desde
quando cresci.
O Dr. Smith gastava sete minutos com cada paciente. No máximo, oito.
– Que problema? – perguntou – Não temos o dia inteiro.
E olhou para o relógio de pulso, não para se informar da hora, que
ele já sabia pelo relógio de parede à frente que fazia um suave tic-tac,
mas para mostrar que estava ocupado.
Estranhamente, a rudeza do Dr. Smith facilitou a vida de Amos. Era
agora ou nunca, e isso lhe infundiu a coragem dos desesperados.
– Eu quero tirar a minha perna – disse.
– O quê?
– Eu quero tirar a minha perna.
– Para quê? O que há de errado com sua perna?
– Uma está sobrando. Sempre me senti assim, desde quando me lembro. Não é minha, é alheia.
O Dr. Smith tirou os óculos e os colocou cuidadosamente no topo da mesa. Nunca tinha ouvido nada assim.
– O que você quer dizer com isso? – perguntou. Afinal, duas pernas
são o normal, não o objeto de um museu de patologias com gêmeos siameses
em garrafas de formol.
– Sinto que deveria ter nascido com uma –, disse Amos. – O fato é que
eu não posso fazer sexo adequado com duas pernas; tenho que imaginar o
tempo inteiro que só tenho uma.
– Então você quer tirar a sua perna? – disse fraquinho o Dr. Smith.
– Sim, – disse Amos – para eu fazer sexo normal.
– Sexo normal? O que você quer dizer com isso?
– Sexo que me satisfaça do mesmo jeito que satisfaz a todo o mundo.
Afinal, é meu direito, e eu não vejo por que todos podem ter e eu não.
Amos estava se exaltando com a sua questão, agora que a trouxera.
Começou a ver que fora oprimido por toda a sua vida. Perseguido, mesmo.
Sentiu que o Dr. Smith estava no lado dos opressores.
– Quero uma amputação.
O Dr. Smith reconquistou sua confiança e sua certeza. Dava para
perceber porque ele pegou os óculos e colocou-os de volta na ponta do
nariz.
– Está fora de questão – disse. – Nenhum cirurgião aceitaria cortar fora uma perna perfeitamente saudável.
– Nem se eu pagasse? – perguntou Amos.
– Nem se você pagasse. Ele nunca mais poderia praticar medicina se alguém descobrisse que ele fez uma amputação só por dinheiro.
– Ele não estaria fazendo só por dinheiro – corrigiu Amos. – Ele estaria fazendo para me ajudar.
– Os médicos não estão aqui só para dar aos pacientes o que eles
querem, sabia? – disse o Dr Smith. Ele também podia se exaltar com a sua
questão: – Temos que fazer o que é certo para os pacientes, e cortar
membros perfeitamente saudáveis não é o certo. E se você viesse aqui e
pedisse para cortar fora as suas duas pernas?
– Seria ridículo, e, de todo modo, eu não pedi isso.
– E o que você faria depois de sua perna ser cortada fora? Você seria um deficiente, um aleijado.
– As pernas artificiais estão muito boas hoje em dia –, disse Amos. –
Há pessoas andando com elas por aí sem que você nem saiba. Eu só
tiraria a minha perna quando quisesse fazer sexo.
– E quem iria querer sexo com um perneta, sobretudo quando soubesse que ele amputou a perna de propósito para se excitar?
Amos ficou frio e racional, ao contrário do Dr. Smith.
– O senhor pode se surpreender ao saber que há mulheres por aí que só
querem fazer sexo com pernetas. Eu não vejo por que privá-las da sua
satisfação também.
– Amputações naturais – disse o Dr. Smith. – É diferente. Cortaram a
perna deles por razões estritamente médicas; não para satisfazer
perversões sexuais, sejam próprias ou alheias.
Amos ficou horrorizado com a força do preconceito do Dr. Smith. E ele é um homem instruído!
– Meu corpo pertence a mim –, disse Amos, – e é a minha perna. Eu
posso fazer o que quiser com ela, e isso não é da conta de ninguém.
– É da conta de todo o mundo quando você pede a alguém para cortá-la.
Amos nunca foi um grande filósofo, mas súbito descobriu que era.
– Médicos fazem um monte de operações por razões não-médicas – disse. – Lifting, por exemplo.
– Isso é para aprimorar, não para mutilar.
– A quem compete dizer o que é aprimoramento? – perguntou Amos. – Só
ao paciente. Ele é quem tem que decidir. E eu posso dizer que minha vida
seria muito melhor com só uma perna.
O Dr. Smith estava exasperado.
– Amputar a perna é irreversível – disse.
– O lifting também. Tirar apêndice também.
– Isto é para salvar a vida.
– O lifting não é. E eu conheço muita gente que tirou o apêndice cujo apêndice era normal.
– Isso não causa dano. Ninguém precisa de apêndice.
– E eu não preciso da minha perna. Ao contrário! Ela trava o caminho da minha felicidade. Me impede de ter uma vida normal.
– Amputados não têm uma vida normal.
– O que você está dizendo? Que amputados não são normais?
– Vou encerrar esta consulta – disse o Dr. Smith. – Não chega a lugar
nenhum. Você não pode cortar a perna fora e não há nada mais a dizer.
Amos se levantou para sair.
– Veremos – disse, com uma dureza adamantina em sua voz.
A caminho de casa, Amos deu um replay na consulta no vídeo de sua
mente. Concluiu que, de um ponto de vista estritamente dialético, e
tomando em conjunto, ele levou a melhor; mas ganhar uma discussão não é o
mesmo que conseguir o que se quer. Ademais, há coisas que ele deveria
ter dito e não disse. E se, por exemplo, o Dr. Smith usasse o argumento
de que amputados impõem custos aos outros por precisarem de ajustes
especiais? Era melhor estar preparado de antemão para a luta vindoura.
Qual era a resposta? Sim, era isso: todos os ajustes necessários aos
supostos amputados voluntários deveriam já ter sido feitos, de modo que
outro grupo de amputados não fizesse diferença. Ademais, ajustes são
feitos para resgatar alpinistas, e quais benefícios os alpinistas trazem
à sociedade? Por que só aqueles que querem ter apenas uma perna
sofreriam discriminação?
Amos começou a alimentar a raiva ao pensar no assunto. As pessoas são
tão pequenas, censórias e intolerantes! Lhe julgam sem nem saber nada
sobre você; sem fazer nenhum esforço para imaginar como seria estar no
seu lugar. Simplesmente presumem que todo o mundo é ou deveria ser igual
a elas. Não querem ninguém diferente.
Mas o que fazer quanto a isso? Amos decidiu testar o Dr. Smith outra
vez; dar-lhe uma nova chance. Talvez ele repensasse as coisas que disse e
mudasse de atitude, ainda que isso pareça bem improvável.
O Dr. Smith não mudou de ideia. Pelo contrário. Disse que Amos
deveria esquecer tudo e cuidar da vida da melhor maneira possível. Não
queria mais saber do assunto e sua decisão estava tomada.
Sua teimosia enfureceu Amos, que em geral não se enfurecia rápido.
– Se você não me ajudar, vou tomar minhas providências – disse.
– O que você quer dizer com isso? – perguntou o Dr. Smith.
– Eu vou me amputar – disse Amos. – Tem um médico russo que tirou o
próprio apêndice num submarino quando estava debaixo do gelo.
– Não seja ridículo. Era um homem instruído.
– Eu posso aprender.
De fato, ele já tinha comprado alguns livros de anatomia e de
cirurgia ortopédica (os órgãos internos não lhe interessavam). Pensou em
praticar primeiro com um ou dois cães ou gatos, mas isso era ilegal e
aborreceria demais os donos caso descobrissem. Já havia misérias demais
no mundo sem precisar aumentá-las.
Leu sobre guerras. Especialmente as do século XIX, quando volta e
meia bolas de canhão e projéteis arrancavam braços e pernas de soldados.
Muitos sobreviveram, ainda que sem transfusão de sangue e antibióticos.
As esperanças de Amos de prescindir de medidas extremas foram
alimentadas brevemente quando, por acaso, lera no jornal sobre um
cirurgião disposto a amputar membros para gente como ele (veja só, Dr.
Smith, há outros como ele); mas suas esperanças levaram um balde d’água
fria ao continuar lendo e ver que o cirurgião sofreu processos
disciplinares e ouviu que, se insistisse (ele fizera por dinheiro),
ficaria proibido de exercer a medicina.
Não havia nenhuma perspectiva de ajuda oficial, então. Amos teria de
arranjar as coisas por conta própria. Decidiu que o melhor método seria o
treino; não dá para conseguir uma amputação melhor do que isso.
Provavelmente nem doeria; ao menos, não no início. Não se as
histórias dos campos de batalha forem dignas de confiança. Os soldados
cujos braços ou pernas foram arrancados amiúde nem percebiam no começo,
não até serem tirados do campo. Era só quando os médicos e os outros
começavam a peruar que eles começavam a sofrer, e naquela época era
fácil controlar a dor. Bastava tomar remédios até a dor passar sozinha.
Mas aí ocorreu a Amos que ele deveria agarrar a oportunidade de fazer
algo pelos outros. Não só para si; na verdade, por seu país e pela
humanidade como um todo. Percebeu que até então só vinha pensando em si
mesmo. Mas é claro que há outros sofrendo igual a ele. Lamentavelmente, o
público era ignorante, desinformado, indiferente ou hostil. Havia uma
oportunidade de ouro para fazer algo. Pela primeira vez em sua vida,
tinha uma chance dessa. Amos começou a pensar em si mesmo como o líder
de um movimento, o Herzl dos amputados.
Como começar a campanha? O óbvio seria escrever um artigo para o
Clarion, o famoso jornal especializado em consertar os erros e lutar
pelos oprimidos, dando voz aos sem vozes. Uma vez por semana, permitia
que um completo desconhecido publicasse seus rancores. (Desde que, para
serem apaziguados, tais rancores precisassem de uma reforma radical.) O
artigo também constaria no site do jornal, que era lido em todo o
planeta.
Embora ele nunca tenha escrito nada antes, a paixão fez a caneta de Amos fluir.
“Nos orgulhamos”, escreveu, “da suposta tolerância da nossa
sociedade. É verdade que em alguns assuntos somos mais tolerantes do que
antes, mas não foi um padrão difícil de alcançar, e ainda há muito por
fazer. É hora de quebrarmos o último tabu.”
Amos estava bem contente com isso. Acertou em cheio o tom, pois o
jornal estava em busca de novos tabus para quebrar. Deu a eles um senso
de propósito.
“Algumas pessoas”, continuou, “entre as quais estou, só podem obter
satisfação sexual se tiverem somente uma perna. Não é culpa nossa sermos
assim; é um fato da nossa natureza sobre a qual não temos nenhum
controle.
“Nascemos assim.”
Amos em seguida ficou filosófico:
“Todos concordam que uma existência sexual realizada é uma
precondição da vida boa, sobretudo nos dias de hoje, quando estamos
cercados por imagens sexualizadas. Mas isso nos é negado pela ignorância
e preconceito, principalmente, mas não só, da classe médica. Não
desejamos nem causamos dano aos outros, o que (se fizéssemos) seria a
única razão para nossos desejos serem negados de modo justificado.
Enquanto todo o mundo recebe assistência pública para ter uma vida plena
e satisfatória, nós somos os únicos excluídos, por causa do profundo
preconceito que existe contra nós. Somos o objeto da mais nua e crua
discriminação. Somos os crioulos do sexo.”
A expressão lhe agradou, ainda que fosse ousada e ele duvidasse de
que o Clarion iria admiti-la. Ele não quis usá-la de um jeito racista,
claro. Bem o contrário. Mas o uso da palavra em qualquer contexto era
tabu. Quando o artigo foi publicado, porém, a palavra foi deixada – após
uma longa discussão entre os editores. Só mudaram para “Nos sentimos os
crioulos do sexo.”
O artigo teve um impacto imenso. Houve milhares de comentários dos
leitores: desde manifestações de apoio (pelo menos um teve coragem de
sair do armário) até aqueles que achavam que todos os membros do autor,
além de outras partes, deveriam ser amputados sem anestesia. O próprio
Amos se viu cercado por pedidos de entrevistas. Tornou-se celebridade da
noite pro dia.
As entrevistas eram todas iguais.
– Quando você se deu conta, pela primeira vez, de que queria ser um amputado?
– Você acha que é normal querer ser um amputado?
– Você acha que quantas pessoas são iguais a você?
– Deveria existir amputação por demanda?
A repetição permitiu que Amos refinasse as respostas. Logo ele se
sentiu como um toca-fitas se repetindo mais e mais. Disse que a
amputação deveria ser feita sempre por um cirurgião qualificado porque,
do contrário, as pessoas iriam morrer, seja por suicídio ou por operarem
a si mesmas. Isto, por sua vez, as faria recorrer aos trilhos do trem
ou a gente sem qualificações.
– Você conhece casos de pessoas que fizeram mesmo isso? – sempre perguntavam. – Se sim, quantos?
Com uma paciência que de modo algum correspondia ao seu real estado
de espírito, responderia que era impossível dizer, porque o assunto era
um tabu tão grande que nenhuma pesquisa séria havia sido feita.
Autoamputações seriam registradas como acidentes, em vez do que elas
realmente são.
No entanto, era óbvio para Amos que, após a comoção inicial, o
interesse iria se esmaecer. A atenção pública era como uma borboleta que
se esvoaçava de flor em flor e dificilmente voltava. Era necessário
mais.
Ao menos vinte pessoas com os mesmos interesses de Amos, por assim
dizer, o contataram. Decidiram formar uma associação chamada UPE,
Unípedes Por Escolha. Isso iria distingui-los dos amputados que sofreram
algum acidente ou que tiveram uma gangrena por diabetes e fumo. Por
sorte, um dos vinte era um expert em design de sites, e logo havia muito
daquilo que ele chamava de tráfego. A maioria dos visitantes do site
apenas estava curiosa ou concupiscente, esperando um frisson de nojo ou
desdém, uma oportunidade para exercer o seu sarcasmo. Afinal, todos
precisam se sentir superiores a alguém, e a maioria dos que visitaram o
site pôde dizer a si próprio e aos outros: “Ao menos eu não sou assim!”
Mas cada vez mais havia pesquisas de gente interessada a sério.
Escreviam que estavam desesperados e perguntavam se podiam tirar as
pernas. O site começou a agir como uma troca de informação. Listavam-se
os nomes dos cirurgiões e clínicas no exterior que, mediante pagamento,
estavam dispostos a fazer amputações. A isso seguia-se um vívido debate
sobre a injustiça disso. Por que só os endinheirados têm direito a
amputações? Ademais, havia alertas sobre alguns dos cirurgiões e
clínicas do estrangeiro: eles aceitavam o dinheiro, mas podiam ser
perigosos. Começaram a aparecer histórias sobre morte por hemorragia e
infecção, e até de prisões e detenções em terríveis celas escuras, bem
como das propinas necessárias para escapar. Ir para o estrangeiro,
então, não era a panaceia que foi mostrada no começo.
Era óbvio para Amos e para aqueles que ele agora chamava de colegas
que o único caminho a buscar era um serviço de amputação apropriado em
seu próprio país. Teria de ser alheio a interesses comerciais, claro,
pois nada seria mais fácil para o lobby anti-amputados do que imputar
corrupção aonde quer que o dinheiro mudasse de mãos. O serviço, então,
seria feito por adeptos da causa, aqueles que amputassem por convicção.
Mas cirurgiões competentes não bastavam; era igualmente importante que
as amputações fossem feitas de maneira responsável, não numa fantasia
passageira. Portanto era necessário envolver psiquiatras e psicólogos
para assegurar que aqueles que quisessem tirar uma perna (ou, menos
comum, um braço) fossem mentalmente estáveis, de personalidade normal e
totalmente cientes das implicações da operação.
O primeiro problema era encontrar um cirurgião disposto. Isso apesar
do fato que havia um número crescente de gente (sete oitavos dela,
homens) que manifestava o interesse em ter um membro tirado. Houve uma
breve fagulha de esperança quando um cirurgião numa pequena cidade em
Gales declarou que estava disposto, mas a esperança logo se extinguiu
quando ele foi forçado a se retratar e enviado a um curso de ética
médica. No entanto, seu martírio, muito divulgado, se revelou um mal que
veio para bem, porque deu ao grupo a oportunidade de divulgar a triste
penúria das pessoas iguais a eles. O grupo começou uma petição a favor
do cirurgião que foi assinada por mas de mil pessoas; e, ainda que não
tenha produzido nenhum efeito tangível nos círculos oficiais, começou a
mudar a atitude do público geral, ou daquela parte que falava de
assuntos abstratos como direitos. Agora, quando assunto aparecia em
jantares festivos (o que acontecia com uma frequência surpreendente), as
pessoas começaram a dizer: “Afinal, por que não?”
Mas ainda que Amos tenha ficado contente, e até orgulhoso com o
progresso alcançado, ele estava impaciente porque o relógio não tinha
parado de bater e ele não se enxergava mais como um jovem. Um eventual
triunfo na luta pela liberdade era ótimo, e seria uma coisa boa, mas
dificilmente poderia satisfazê-lo pessoalmente. Seu colega mais próximo
no movimento, que ele só encontrava pela tela do computador, sugeriu que
eles precisavam de um golpe de publicidade.
Qual seria?
Amos e seu colega divisaram um plano. Amos seria o primeiro, mas não o
último, a fazer uma autoamputação numa linha de trem. É claro que ela
teria de ser perfeitamente planejada, não um ato impulsivo. Ele faria
isso na presença do seu colega, que se chamava Sam. A primeira vez em
que eles se encontraram em pessoa seria nos trilhos, mas antes se
certificaram de que tinham aprendido como estancar o sangramento e
aplicar bandagens de pressão. Amos inspecionou as linhas férreas locais à
procura de um lugar apropriado para a operação. Teria de ser isolado o
bastante para ficar longe de olhos bisbilhoteiros, mas com acesso fácil à
ambulância que Sam chamaria imediatamente à aproximação do trem
amputador. É claro que Sam iria sumir tão logo a ambulância aparecesse,
para evitar qualquer possível imputação de crime. E também teriam de
encontrar alguém confiável para filmar direto o evento (de preferência,
com qualidade profissional) para postar na internet. Encontraram
William, um estudante de estudos de mídia da universidade local, que
também expressara o desejo de cortar fora a perna. O filme alertaria o
mundo para o ponto aonde pessoas desesperadas podem chegar nas presentes
circunstâncias opressivas. Chocaria e informaria ao mesmo tempo.
Não duvidavam do sucesso, mas um único evento não era o bastante.
Tinham que manter a pressão: o cadáver da sociedade moribunda precisava
de choques repetidos para trazê-lo de volta à vida (se é que estivera
mesmo vivo). Planejaram o que chamaram de “eventos futuros”.
O dia da primeira ação chegou. O local escolhido foi uma linha bem
próxima a uma estrada, mas escondida por bétulas. Para a infelicidade de
Amos, teria de ser uma amputação abaixo do joelho, porque seria muita
trapalhada colocar uma de suas coxas nos trilhos, e era aconselhável
deitar de modo confortável ao esperar pelo trem.
É claro que eles pesquisaram cuidadosamente os horários do trem.
Selecionaram o trem que deveria fazer a cirurgia: um expresso de
passageiros que não seria capaz de diminuir menos que oitenta milhas por
hora entre o momento que o maquinista avistasse Amos e o alcançasse.
William filmou Amos por poucos minutos deitado no chão com uma perna
estendida sobre os trilhos antes da chegada do trem. Amos pareca alegre e
fez joinha com o dedo, embora se sentisse um pouco nervoso, é claro.
Conseguiria se submeter a isso, ou mudaria de ideia no último momento?
Estava determinado, mas nunca se sabe.
O trem se aproximou. Amos podia sentir as vibrações em sua perna
quando o trem ainda estava longe. Sam chamou a ambulância de modo que
ela chegaria logo depois de a cirurgia ser feita, e deu ao controlador a
localização de Amos com coordenadas de GPS, além de detalhar com uma
descrição verbal o local onde estava deitado. Sam colocou a mão no ombro
de Amos para dar-lhe firmeza. Ele também queria que a ação fosse um
sucesso.
Tudo ocorreu conforme o planejado. O trem chegou na hora certa e não
foi capaz de parar antes de remover a perna de Amos. William filmou,
tomando o cuidado de não colocar nenhuma imagem de Sam aplicando as
bandagens em seguida. A intolerância impôs a necessidade de anonimato.
O evento só teria conseguido a atenção do jornal local, e talvez nem
isso, se não tivesse sido filmado e postado. Os médicos do hospital
local ficaram perplexos com o que Amos fez (um hospital próximo tinha
sido outro critério de escolha do local) porque nunca tinham visto um
caso igual, tamanhas eram a sua inexperiência e falta de informação. Mas
a fama de Amos não se espalhou até o filme da operação ser postado.
Primeiro Amos não sentiu nada: sua exultação conquistou as
terminações nervosas. Depois começou a dor, mas ele foi tratado com
drogas que o afastavam da realidade e o deixavam como que flutuando numa
nuvem. Mas quando ele acordou da operação hospitalar para “limpar” o
seu cotoco, como o disse o cirurgião, ele se deleitou ao descobrir que a
amputação teve de ser estendida para cima do joelho, o que, é claro,
era bem o que ele desejava. Ele tinha isso em muito maior estima do que o
tipo abaixo do joelho.
Foi só depois da primeira postagem do vídeo que a fama de Amos se
espalhou de verdade. Mas não era fama que Amos, Sam e William buscavam,
mas sim aceitação e reforma social. Afinal, o que os outros tinham a ver
isso, para imporem juízos morais? Um ser humano era constituído somente
pela quantidade de membros? Alguém se recusou a obedecer ao Almirante
Nelson porque ele só tinha um braço? É claro que seria diferente se eles
estivessem reivindicando amputações para os outros, mas eles não
estavam.
A segunda parte do plano foi posta em operação. Um rapaz de dezessete
anos se voluntariou para ter a mesma cirurgia feita por um trem em
movimento. Infelizmente, não houve esse sucesso e o rapaz sangrou até a
morte. Por alguma razão, as bandagens não foram aplicadas direito e a
ambulância se atrasou, e foi no atraso que a imprensa nacional focou.
“Esse caso ilustra a loucura cruel e criminosa”, disse o editorial do
Clarion sobre o assunto, “dos cortes orçamentários que sobrecarregam o
serviço das ambulâncias até o ponto de ruptura. O fetiche fiscal mata.”
Mas a morte do rapaz apenas acelerou o próximo estágio do plano, que Amos e Sam chamaram de “amputação em massa”.
O arranjo precisou de cuidados extra porque as autoridades
ferroviárias estavam começando a colocar vigilância extra, instalando
câmeras às pressas acima e abaixo das linhas. Mas é claro que tudo isso
era em vão, porque era impossível cobrir mais do que uma pequena porção
da malha, algumas câmeras não funcionavam, e a típica incompetência
burocrática às vezes as colocava onde eles nunca pensariam em fazer uma
ação – em lugares onde ninguém em sã consciência pensaria em amputar a
perna. O plano precisava de um número maior de voluntários para
assegurar o sucesso.
O grande dia enfim chegou: o dia que iria mudar a nação. Oito
pessoas, só uma delas mulher, deitou seus membros, ou pôs seus membros
em linha (literalmente), pela causa do progresso social e da realização
sexual. (Só um dos membros era um braço.) Desta vez foi um grande
sucesso, com só uma morte, e só porque o hospital local ficou sem
ambulâncias. O evento foi um triunfo da determinação e da organização,
conduzido no maior segredo, tendo escapado completamente às autoridades.
Usaram uma sagaz tática diversionista, enviando um grupo de apoiadores
para uma linha não muito distante de onde o evento real ocorreria. Ao
anunciarem sua presença, chamaram a atenção da polícia e de outras
autoridades para longe do local. Alguns diversionistas foram presos por
invasão da propriedade ferroviária, mas esse leve martírio foi um
pequeno preço a ser pago pelo sucesso de liberar o golpe teatral.
Dessa vez, o evento foi noticiado nacionalmente e ad nauseam. Membros
do Parlamento apareceram na televisão para exigir que doravante os
cirurgiões fossem obrigados a cortar fora os membros de quem quisesse
ser amputado. Disseram que esse era o único jeito de parar a
carnificina. Neurocientistas apareceram na televisão para demonstrar
quais partes dos cérebros dos amputados acendiam ou deixavam de acender
nas ressonâncias antes e depois de os seus membros serem cortados fora.
Amos, cuja ferida já tinha sarado o bastante e aprendera a manejar
suas muletas antes de ficar pronto para as pernas artificiais de última
geração, apareceu muitas vezes na televisão, usualmente descrito como a
vítima do atual estado de coisas. Mas ainda que concordasse com os
membros do Parlamento até onde iam, disse que era preciso mais do que
uma reforma na lei. O problema fundamental, disse, era o que ele chamava
de quadrimembrismo, a presunção de que seres humanos têm quatro membros
e que qualquer desvio do padrão hegemônico era bizarro, anormal ou
patológico. Por exemplo: as ilustrações de todos os livros infantis,
exceto por A Ilha do Tesouro, só mostravam personagens com quatro
membros, isto é, duas pernas e dois braços. Isso doutrinava as crianças
com a ideia de que as pessoas com um ou mais membros faltando eram
anormais de algum jeito. Ele também sugeriu que doravante a palavra
“amputado” não fosse mais usada, já que tinha conotações pejorativas de
deficiência. Sugeriu que doravante os amputados fossem conhecidos como
membrodiversos. Quanto à inclusão da apotemnofilia e da acrotomofilia em
manuais de psicopatologia, ele sugeriu que as páginas fossem
arrancadas. A caça às bruxas medieval dos quadrimembristas aos
membrodiversos tinha que parar.
O governo passou rápido a lei, sem oposição, obrigando os cirurgiões a
amputarem os membros dos adultos com mais de quatorze anos que os
quisessem amputados (os pais dos adolescentes de quatorze anos,
especificamente, não deveriam ser informados) e doravante estava
inscrito no código de ética médica que nenhum médico poderia recusar
assistência a tal pessoa para encontrar um cirurgião disposto a fazer a
operação, doravante a ser conhecida como correção de membro. Quando a
lei passou, milhares de pessoas saíram do armário atrás de uma correção
de membro (em geral, pernas) e logo houve tanta gente esperando pela
operação que isso se tornou uma desgraça nacional. A solução foi treinar
enfermeiras para cortar pernas fora, mas os braços, sendo mais difíceis
de cortar, continuaram a cargo de cirurgiões plenos.
Ainda havia muito a ser feito para combater o preconceito, mas Amos
gostou de ver que as editoras agora imprimiam livros de Mamãe e Papai
(ou só Mamãe) com menos que quatro membros, e alguns com membro nenhum.
Em algumas escolas primárias, as crianças estavam tendo um curso contra o
quadrimembrismo, e ele tinha esperanças de que esses cursos se
tornassem compulsórios por toda parte.
Depois de uma prolongada licença motivada por ansiedade, dois dos
três maquinistas cujos trens fizeram as cirurgias iniciais se mataram.
Rei do Futebol faleceu na última quinta-feira (29) e não viu o futebol que sonhava nos campos do Brasil
Por Robson Morelli
Pelé morreu sem dever nada ao futebol. Mas o futebol brasileiro ainda deve muito a ele. Pelé morreu
aos 82 anos sem ver o futebol com o qual sonhava fora de campo no
Brasil. A lei que levou o seu nome libertou os jogadores do passe, uma
espécie de corrente que prendia os atletas aos clubes por meio do
contrato. Pelé acabou com essa escravidão quando foi ministro dos
Esportes do governo FHC. Foi um avanço na lei.
Mas Pelé morreu
sem ver o futebol brasileiro rico e promissor. Morreu vendo os clubes,
inclusive o seu Santos, passando o chapéu para sobreviver a cada
temporada, sem dinheiro e sem rumo.
Algumas pessoas ligadas ao esporte, essas sim, se tornaram ricas e
famosas no País, mas não o futebol. Nosso futebol ainda é pobre apesar
de ter tido Pelé. Nossos dirigentes, de entidades e times, de
federações, fazem vergonha à história do Rei, que movimentou milhares de
pessoas em seu velório na Vila Belmiro. Muitos tomaram para si parte do
dinheiro do futebol brasileiro. Rendas desapareceram. Cotas altíssimas
de TV não foram suficientes para pagar as contas. Valores de venda de
jogadores são mentirosos. Dívidas aumentam e o calote corre solto na
praça. Pelé morreu sem ter visto o futebol se organizar.
Familiares e amigos de Pelé durante o velório na Vila Belmiro Foto: REUTERS/Diego Vara
Atualmente, os atletas, que não são nada perto do Rei, só pensam em
dinheiro e em encostar o burro na sombra. Alguns se conformam até com a
reserva. Eles dão a mínima para o talento que Deus lhes deu. Jogam
futebol não pelas conquistas e pelo prazer de jogar e alegrar multidões,
como fez Pelé, mas para pegar o primeiro avião para a Europa e começar a
ganhar salários em euros, de modo a abandonar nosso futebol, nossos
clubes, nossa gente. Nenhum deles ajuda o futebol brasileiro a crescer.
A própria seleção, com a qual Pelé ganhou três Copas do Mundo, se
vale de jogadores ‘desconhecidos’ do público brasileiro. Muitos nem
passaram pelos torneios estaduais, regionais e nacionais. Se atuaram no
futebol brasileiro, foi por pouco tempo. São os maiores responsáveis por
enfraquecer o futebol do País. Sim, porque eles são o futebol. Mas
preferem mostrar sua graça em campos distantes. Pelé poderia ter atuado
em qualquer lugar do mundo em sua época. Já existia Barcelona, Real
Madrid e todos os outros. Mas ele preferiu ficar.
Da mesma forma, os presidentes de clubes brasileiros são os primeiros
a aceitar as ofertas milionárias vindas de fora por suas revelações e
melhores jogadores. São aliados aos empresários e não seguram mais
ninguém porque não há planos para esses atletas.
Todos eles, portanto, dão de ombros ao legado de Pelé, sua história e
seu amor a apenas um clube no futebol brasileiro. Pelé nos entregou
tudo. Não fosse ele, o Brasil não seria penta. E nós, do futebol, não
devolvemos nada ao Rei em vida.