domingo, 25 de dezembro de 2022

NATAL POLITICAMENTE CORRRETO

 


Socorro! É véspera de Natal e não quero escrever sobre política hoje

Por
Paulo Polzonoff Jr. – Gazeta do Povo

Watercolor Christmas nativity greeting card, nativity scene with the Holy Family, Angel, sheep illustration, Baby child Jesus. Horizontal greeting card design


Feliz Natal, leitores!| Foto: Bigstock

É véspera de Natal. E eu teria uma ou duas palavrinhas para dizer sobre a data que, neste ano, tem um sentido especial para mim. Afinal, será o primeiro ano em que celebrarei o Natal pelo que ele é: a festa do nascimento de Jesus. E não mera troca de presentes, insultos mal disfarçados de chistes e biquinhos emburrados de quem deu uma joia e em troca recebeu um par de meias.

Mas não adianta. Ao meu redor, só se fala de política. “O golpe já foi dado e você não viu!”, me acusa alguém, os perdigotos cruzando a distância que nos separa como um enxame de andorinhas. “Vamos todos morrer com Lula presidente!”, grita outro, as mãozinhas jogadas para o céu e saindo em disparada. “Quem vai parar Alexandre de Moraes? Vamos ter que aguentar isso até quando?”, me perguntam. E eu me pergunto. E agora pergunto a você: até quando?

Até a hora em que eu resolver evocar a imagem do tio João bêbado, chorando, declarando amor a todos, puxando um Pai Nosso, falando de Jesus para uma plateia desinteressada. Tudo isso depois de dar um banho de mangueira na familhada toda. Até na vó Olívia, que fingia não gostar daquela balbúrdia. Ele morreu há alguns anos e eu não fui ao enterro. Os últimos natais do tio João, imagino que tenham sido solitários. Ele, suas lembranças, suas mágoas, sua cachaça. Me dói pensar que contribuí um pouquinho para essa solidão.

É disso que quero falar. E falo (na verdade escrevo, mas você entendeu) que foi pelas mãos dele, João Moringa, que conheci o perdão. Naquela amanhã de Natal em Maringá, circa 1985, cometi uma traquinagem boba que tirou sangue de um primo. Na verdade foram três pontos na parte de trás da cabeça. Apanhando qual Zezé antes de ir conversar com a laranjeira (quero ver quem vai entender essa referência), fui salvo pela mão amiga do tio João.

Nunca me esqueci. Nunca tive a oportunidade de agradecer. Naquele dia, tio João não apenas salvou um menino da humilhação pública de levar uns muitos tabefes em frente aos primos que, obviamente, se esbaldavam de rir. Ele me ensinou que havia no mundo algo raro, precioso e necessário: o perdão. Como sou um pouco lerdo, porém, levei décadas para entender aquele gesto. Se é que entendi.

Ele que gostava de ouvir Orlando Silva, Nelson Gonçalves, Lupicínio Rodrigues e Ary Barroso. Que adorava pescar – e tudo o que envolvia uma pescaria com os amigos no Paranazão. E que era fã das porcarias que eu escrevia aos 17 anos. Certa vez, tio João disse que mandou um texto meu para o Boris Casoy. Que, reza a lenda, teria elogiado meu “estilo” e dito que meu futuro como jornalista estava garantido. Quantas vezes me lembrei dessa mentira, rezando para que fosse verdade!

Tio João que estava longe de ser perfeito. Daí porque morreu mais sozinho do que se morre normalmente. Na família, as histórias sobre ele se deformaram, a ponto de em alguns momentos o transformarem num monstro. Por isso hoje me pergunto se é do Purgatório que ele me ouve. Se tem orgulho ou raiva pela distância que mantive entre nós durante mais de uma década. Teoricamente para que o ex-menino de orelhas de abano egoisticamente preservasse a imagem idealizada do tiozão do churrasco sentimental que, aqui e ali, interpretava o Velho Sábio arquetípico.

Lula nomeou não-sei-quem para não-sei-qual-cargo. PEC da Gastança. Lira & Pacheco, a dupla de covardes. A corja de ditadores do STF. Tudo muito relevante, crucial, nay!, fundamental para o futuro do país. Mas nada que inspire quem hoje, só hoje, quer apenas contemplar as circunstâncias e as pessoas que nos moldaram, ensinando aqui o certo e ali o errado por meio de exemplos e palavras, nos perdoando quando mais precisávamos de perdão e nos incentivando, mesmo que para isso tenham apelado para mentirinhas inofensivas.

É que ninguém está interessado na história alheia se ela não rende insulto fácil. Se ela não expressa revolta e indignação. Se ela não serve para comprovar a fraude ou o golpe em fogo brandíssimo do Judiciário. Mas hoje, só hoje, eu precisava deixar de lado a Confraria dos Parasitas que, prevejo, circularão muito por essas páginas no ano que vem. Apenas para poder dizer a você e aos tios-joões que por acaso me leiam: a vida é muito mais interessante quando, na véspera de Natal, a gente pode se esquecer da política para se lembrar de quem está na manjedoura – e tudo o que Ele representa.

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É DIFÍCIL INOVAR EM UMA GRANDE EMPRESA

 

Felipe Novaes – Sócio e cofundador da The Bakery

Por que é tão difícil inovar dentro de uma grande empresa?

Poucos ambientes são tão difíceis de inovar quanto uma grande empresa. Conheço excelentes executivos que atuam em multinacionais com ideias brilhantes, mas que exatamente por causa do futuro que imaginam são pessoas consideradas incompreendidas, inconformadas ou até mesmo “loucas”, como dizem. Caso não lhes deem a chance de materializar essas ideias, com o tempo esses profissionais se frustram. Ou eles se adaptam ao padrão, ou escolhem lugares diferentes, que os aceitem. E por que funciona assim?   

Eu mesmo já passei por dilemas semelhantes nos treze anos em que construí minha carreira dentro de multinacionais. A sensação de desencanto me fez repensar a carreira e sair para empreender. O mais curioso hoje é que, cada vez mais, empreender do lado de fora da empresa onde você trabalha é apenas uma das opções. Atualmente, as grandes organizações têm estado mais abertas a diferentes empreitadas dos seus colaboradores, em uma relação lado a lado com ganhos para as duas partes. Ainda assim, há muitos desafios e o maior deles é como vencer a resistência ao novo para que a transformação tenha sucesso.

Certa vez, a escritora americana Brené Brown disse que “coragem é estar vulnerável”. Concordo e acrescento que a inovação também nos demanda uma atitude corajosa. O resultado dessa lógica é que o ato de inovar ganha impulso a partir do momento em que assumimos um estado constante de vulnerabilidade. Muitos dos ambientes corporativos, no entanto, permanecem como locais que não nos permitem agir dessa forma. A empresa tradicional recomenda esconder a fraqueza, o incômodo.

E é aí que entra o paradoxo dessa reflexão. Quando somos promovidos ou mudamos de emprego, ocorre o contrário. Nessa hora nos colocamos em um lugar que dá frio na barriga. Talvez não por insegurança, mas pelo desconhecido, pela nova dinâmica, pela necessidade de arriscar, pelo que é necessário aprender, ou construir entre líderes e liderados. Para assumir uma nova posição somos corajosos e não nos importamos em estar vulneráveis. Não temos medo de questionar e nos mostrar inconformados. Mas quanto tempo isso dura? Em geral, muito pouco.

Logo somos engolidos pela burocracia e correria da entrega do dia, do trimestre, do ano fiscal. Não raro, em uma grande empresa, o recém-contratado já não tem quase tempo de chegar, absorver o conhecimento, apresentar-se aos novos colegas. Ele já entra para o jogo. O tempo de inovar fica para quando o ritmo diminuir e por acaso houver um intervalo na agenda – embora a cobrança por fazer diferente continue a existir, com estratégias muitas vezes inadequadas.

O trabalho remoto ou híbrido prejudica ainda mais a situação ao reduzir o contato humano. São times que atuam “juntos”, mas que convivem pouco, sem chance de nutrir empatia ou se conectar de maneira próxima, que fortaleça os laços tão necessários para promover a inovação. Sim, não inovamos sozinhos. Precisamos de uma interação efetiva e com o máximo de clareza. Nesse ponto, como cultivar a vulnerabilidade das pessoas e perceber melhor o outro na tela do Zoom?

Presencialmente ou amenizando os impactos da distância, é na conexão que desenvolvemos coragem, ganhamos liberdade de questionar métricas, regras, processos, status quo. Somos corajosos o suficiente para nos colocarmos em posições de vulnerabilidade, em que até podemos tomar na cabeça, mas com preparo para vencer os obstáculos.

Temos que ser os primeiros a propor novas maneiras de realizar. Precisamos ser aquele vírus insistente dentro do superorganismo vivo, que é a grande empresa. Precisamos de resiliência. E, mais do que tudo, habilidade de comunicação para transitar em todos os espaços. Desde a diretoria executiva, o Conselho até os estagiários. Só aí seremos inovadores.

Aos incansáveis, corajosos e vulneráveis.

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sábado, 24 de dezembro de 2022

CONGRESSO CONSERVADOR NÃO AVANÇOU NAS PAUTAS PRIORITÁRIAS DA NAÇÃO

 


Pautas conservadoras: o que avançou e o que ficou parado nos últimos quatro anos
Por
Gabriel Sestrem


Congresso Nacional em Brasília. Avanços no Legislativo aguardados por eleitores conservadores não se confirmaram na atual legislatura| Foto: Pedro França/Agência Senado

Mesmo com um número expressivo de deputados federais e senadores de direita eleitos em 2018, a atual legislatura, que teve início em 2019 e se encerra neste ano, não trouxe tantos avanços em pautas conservadoras como era esperado pelos eleitores.

Embora tenha havido alguns pequenos progressos, como a aprovação da educação domiciliar na Câmara dos Deputados após dez anos de tramitação, foram poucos os projetos de lei aprovados de temas como defesa da vida e da família, medidas anticorrupção, combate à ideologia de gênero, redução de privilégios, controle fiscal, liberdades individuais e fortalecimento da segurança pública.

Diversas propostas sobre esses temas foram apresentadas, e muitas chegaram a progredir nas comissões da Câmara e do Senado. Parte delas, entretanto, está apta para ir a plenário há tempos, mas não foram por decisão dos presidentes das duas casas legislativas – Rodrigo Maia (PSDB-RJ), por exemplo, bloqueou deliberadamente as pautas de costumes durante o período em que foi presidente da Câmara.

Conforme parlamentares relataram à reportagem, há diferentes motivos que podem explicar o progresso limitado. O principal deles é a pandemia da Covid-19, que desde 2020 passou a tomar grande parte do espaço no Congresso, em temas relacionados tanto à saúde quanto aos impactos econômicos decorrentes da crise sanitária. Além disso, durante o período mais sensível da pandemia todas as comissões das duas casas legislativas ficaram estacionadas, o que retardou o andamento de propostas que não mantinham relação com a crise de saúde.

A desorganização entre os próprios parlamentares de direita e até mesmo a falta de uma atuação mais enfática em discussões sobre temas sensíveis e caros ao conservadorismo também são apontados por congressistas ouvidos pela reportagem como elementos que dificultaram maiores conquistas.

Além disso, alguns dos eleitos na “onda Bolsonaro” de 2018 a partir de bandeiras de direita acabaram mudando suas posições ao longo do mandato. Um exemplo dessas bruscas mudanças de posicionamento é o deputado federal Alexandre Frota (Pros-SP). Eleito como um combativo defensor de bandeiras de direita, rompeu com o presidente Jair Bolsonaro (PL) logo no início do mandato e, passados quatro anos, tornou-se ferrenho apoiador da candidatura de Lula (PT) à Presidência.

Com ironias e críticas frequentes a valores tradicionais, acabou perdendo a base que o elegeu em 2018, quando somou 155 mil votos, e neste ano perdeu a disputa para deputado estadual por São Paulo ao fazer apenas 24 mil votos. Em grande parte das vezes, Frota votou de forma contrária à base conservadora da Câmara e passou a acompanhar a votação de parlamentares de partidos como PT, PSOL e PCdoB.

Por fim, com alguma frequência, parlamentares de direita se manifestaram de maneira atípica em temas de grande interesse de eleitores de perfil conservador. Um desses casos de “fogo-amigo” ocorreu em 2019 durante as tentativas de criação da chamada “CPI Lava-toga”, articulada por senadores para investigar abusos por parte de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O senador Flávio Bolsonaro foi um dos principais opositores da medida, atuando de forma similar à bancada do PT para impedir a instalação da CPI. Na época, o filho de Bolsonaro disse que a investigação de atos de ministros traria “instabilidade política” ao país e pressionou outros senadores a retirarem assinaturas de apoio à CPI.

Ao longo da atual legislatura, essas votações incomuns ocorreram de maneira frequente – mais recentemente, em 13 de dezembro, a Câmara votou favoravelmente a alterações na Lei das Estatais reduzindo de 36 meses para apenas 30 dias o período de quarentena para que pessoas indicadas para a presidência ou direção de empresas públicas possam assumir os cargos. Na prática, a decisão abriu caminho para que o ex-ministro Aloizio Mercadante, indicado horas antes da votação por Lula, assuma o comando do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Entre os que votaram favoravelmente à proposta estão vários deputados que publicamente se denominam conservadores, como Carla Zambelli (PL-SP), Caroline de Toni (PL-SC), Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Marco Feliciano (PL-SP).

Câmara apresentou mais progressos do que o Senado, ainda que pouco expressivos
Apesar de a aprovação do homeschooling (ensino domiciliar) na Câmara dos Deputados, em maio deste ano, ser apontada por deputados de direita como um dos grandes avanços da atual legislatura, o tema ainda deverá ser votado pelo Senado e, dada a sensibilidade do assunto, tende a ter lenta tramitação.

O Projeto de Lei (PL) 3723/2019, que regulamenta o porte de armas para os chamados CACs (caçadores, atiradores e colecionadores), encontra-se em situação parecida. Aprovado em 2019 pela Câmara, a proposta tem tramitação em ritmo lento no Senado – atualmente o texto está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da casa. Vários mecanismos previstos nessa proposta estão nos decretos do governo federal que tratam dos CACs, mas como tais decretos não têm poder de lei, deverão ser revogados pelo novo governo de Lula (PT) caso não sejam transformados em lei.

Como exemplo de outros avanços na agenda conservadora está uma mudança na lei nacional de controle de armas que, após ser aprovada na Câmara e no Senado, entrou em vigor em setembro de 2019 e passou a permitir que produtores rurais portem armas de fogo em toda a extensão de suas propriedades – medida apontada como um dos elementos que contribuiu para a queda de roubos em Goiás. O entendimento anterior era de que a arma não podia sair de dentro do domicílio dos moradores; na prática, a medida inviabilizava a autodefesa por parte dessas pessoas, cujas residências normalmente ficam em áreas isoladas, até mesmo dos vizinhos, e distantes da presença das forças de segurança pública.

Outro tema que teve pequeno avanço na Câmara foi o projeto de lei que agrava pena para homicídio com imposição de ideologia de gênero. A proposta foi apelidada de “Lei Rhuan Maycon”, em referência ao menino de nove anos morto pela mãe e sua namorada no Distrito Federal. As mulheres fizeram uma cirurgia caseira para retirar o órgão sexual do menino porque queriam “transformá-lo” em menina. Apesar da ofensiva de deputadas feministas, em junho de 2021 o projeto de lei foi aprovado na CCJ da casa e aguarda ida a Plenário.

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Ativismo judicial e outros temas que ficaram em “banho-maria”
Entre os temas de interesse dos eleitores de direita que ficaram em “banho-maria”, sem avanços nem retrocessos consideráveis, durante a legislatura que se encerra neste ano, estão a prisão em segunda instância, o Estatuto do Nascituro e medidas contra o ativismo judicial.

Sobre este último tema, segundo parlamentares ouvidos pela reportagem, apesar de não ter havido progresso por meio de projetos de lei, a principal conquista foi a conscientização dos congressistas em relação à conduta abusiva de parte de ministros STF e do TSE.

“Hoje você vê parlamentares que há um ou dois anos até concordavam com a conduta do Supremo e com o ativismo judicial, e que agora dizem publicamente que esse ativismo já passou de todos os limites. Até porque isso, na prática, acaba por roubar atribuições do Parlamento e do poder Executivo”, diz Filipe Barros (PL-PR), vice-líder do PL na Câmara dos Deputados.

O alcance de 181 assinaturas de deputados federais, dez a mais do que o necessário, para protocolar o pedido de criação da chamada “CPI de Abuso de Autoridade”, também é apontado como uma conquista. A instalação da CPI – que tem como objetivo investigar abusos cometidos por ministro do STF e TSE –, dificilmente avançará esse ano (não havia tempo hábil para a realização dos trabalhos antes do recesso), mas já é uma sinalização de pressão para o início de 2023. “Por mais que ainda não tenha sido aberta [a CPI], é um recado claro da Câmara para os ministros. O Legislativo está insatisfeito, incomodado com esse ativismo”, afirma Barros.

Outro evento de relevância sobre o tema, ocorrido no fim de novembro, foi a  audiência pública no Senado que tratou da conduta abusiva de ministros. Conforme a avaliação de parlamentares, tais medidas abrem portas para que o tema do ativismo judicial seja revisitado com mais ênfase na próxima legislatura.

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Reformas estruturais, fim do foro privilegiado e outras pautas que ficaram emperradas
Temas sobre os quais havia muita expectativa de progresso, após a eleição massiva de candidatos de direita em 2018, passaram em branco nos últimos quatro anos. Alguns desses exemplos são o fim do foro privilegiado; a implementação do voto impresso; e mais reformas estruturais – em especial a reforma administrativa, que poderia enxugar a máquina pública dos altos custos com a elite do funcionalismo público.

Com a aprovação da reforma da Previdência ainda em 2019, havia esperança de que mais mudanças estruturais avançassem, o que não ocorreu. Em setembro de 2020, o governo federal apresentou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32/20, que trata da reforma administrativa. Até hoje ela não foi a Plenário e deve perder forças na próxima legislatura, que coincidirá com o mandato de Lula na Presidência. O PT, aliás, planeja apresentar sua própria versão da reforma.

Quanto à PEC 333/17, que trata do fim do foro privilegiado, o texto foi aprovado no Senado em 2017 e, desde então, está parado na Câmara dos Deputados. Parlamentares de direita fizeram diversos pedidos à Presidência da casa para que o tema seja pautado, mas sem sucesso. A proposta em questão manteria o foro privilegiado apenas para os presidentes da República, da Câmara, do Senado e do STF, enquanto todos os demais cargos, incluindo parlamentares, ministros, juízes e governadores perderiam tal benefício.

Por fim, uma derrota para parte do eleitorado conservador foi a rejeição da PEC do voto impresso auditável, que era uma bandeira de Bolsonaro, em agosto de 2021. O texto da PEC determinava a impressão de “cédulas físicas conferíveis pelo eleitor” para o registro dos votos em eleições, plebiscitos e referendos.

A PEC obteve votos favoráveis da maioria simples da Câmara – foram 229 a favor e 218 contra –, mas precisava do apoio de 308 deputados para passar pelo primeiro turno de votação.

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Bloqueios de pautas de esquerda
Apesar da estagnação em temas importantes, membros da bancada conservadora avaliam que houve êxito ao impedir o avanço de pautas de esquerda, chamadas “progressistas”. Um dos grandes exemplos disso é o PL 399/15, que estabelece o marco regulatório da Cannabis no Brasil e autoriza atividades como cultivo, armazenagem e comercialização de produtos à base de maconha no país.

Após ser aprovado em uma comissão especial da Câmara em junho de 2021, o projeto poderia seguir direto ao Senado. Dias após a votação, entretanto, o deputado federal Diego Garcia (Podemos-PR) apresentou à Presidência da Câmara um recurso pedindo que o projeto de lei fosse votado pelos 513 parlamentares, e não somente pelos 34 que participaram da comissão especial. O pedido barrou o avanço imediato da proposta ao Senado, e agora cabe ao presidente da casa, Arthur Lira (PP-AL), colocar o recurso para votação.

“O trabalho legislativo quando se refere a pautas ditas de costume é baseado em aprovar projetos que representem aquilo que acreditamos e em barrar pautas contrárias ao que a gente acredita. Pode-se dizer que nessa legislatura muitas vezes esse segundo ponto foi maior do que o primeiro, ou seja, conseguimos barrar muitas pautas da esquerda nas comissões da Câmara e no próprio Plenário”, afirma Filipe Barros.


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A PRÓPRIA JUSTIÇA PERSEGUE A LAVA JATO

 

Editorial
Por
Gazeta do Povo

Rio de Janeiro – O procurador Eduardo El Hage durante coletiva de imprensa sobre a Operação Rizoma na sede da Polícia Federal, na zona portuária do Rio (Tomaz Silva/Agência Brasil)


O procurador Eduardo El Hage, que chefiou a Lava Jato no Rio de Janeiro.| Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

O adágio de dois pesos e duas medidas nunca foi tão apropriado para descrever as ações do Judiciário brasileiro. Enquanto corruptos condenados encontram a redenção, saindo pela porta da frente dos presídios sem cumprir suas penas – alguns até para se candidatar a cargos políticos –, aqueles que ousam se colocar contra os esquemas de corrupção que há décadas mancham a política brasileira são tratados como criminosos. O mais novo capítulo desse enredo, infelizmente, nada novo, aconteceu na última segunda-feira (19).

Na mesma data em que o ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral – cujas condenações já somam 430 anos de prisão por crimes como corrupção ativa, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, formação de quadrilha e organização criminosa –, saía da Unidade Prisional da Polícia Militar, em Niterói, com destino a um imóvel da família em Copacabana, procuradores que atuaram na força-tarefa da Lava Jato no Rio de Janeiro eram julgados pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

Enquanto políticos como Sérgio Cabral acharem que poderão se sair incólumes enquanto aqueles que ousam denunciar seus esquemas corruptos são perseguidos e tratados como bandidos, estaremos cada vez mais longe de ser uma nação livre da praga da corrupção.

Em março de 2016, membros do Ministério Público denunciaram os senadores Romero Jucá, Edison Lobão e seu filho, Márcio Lobão, por crimes na construção da Usina Angra 3. Uma matéria institucional publicada no site do Ministério Público Federal noticiou o oferecimento das denúncias, o que, segundo a Corregedoria Nacional do Ministério Público, não poderia ter acontecido, uma vez que o processo estaria sob sigilo. O detalhe é que a própria Justiça reconheceu posteriormente que o processo não estaria sujeito a sigilo e, portanto, poderia ser noticiado. Ainda assim, a corregedoria abriu, em junho de 2021, a pedido dos senadores investigados, um processo administrativo disciplinar (PAD) contra 12 procuradores para investigar “prática de infração funcional”, o que poderia levar os procuradores a perderem seus cargos.

Em março de 2022, o PAD foi finalizado pela comissão responsável, que concluiu pela improcedência da denúncia. No relatório, assinado pelo relator Ângelo Fabiano Farias da Costa, consta que a comissão considerou “ausentes elementos de materialidade aptos à configuração da infração disciplinar”. O documento explica ainda que o sigilo havia sido imposto de forma automática pelo sistema eletrônico de peticionamento e-Proc, sem que houvesse real pedido de autoridade judicial impondo sigilo ao processo.

Mas contrariando a posição do relator, a maioria dos membros do Conselho Nacional do Ministério Público entendeu que houve, sim, quebra de sigilo e aplicou a pena de suspensão de 30 dias ao ex-coordenador da Lava Jato no Rio de Janeiro, Eduardo El Hage. Além disso, o procurador ficará impedido de participar, por cinco anos, de forças-tarefas, grupos especiais ou mesmo de ocupar cargos de confiança no MPF. Já a procuradora Gabriela de Goes Anderson Maciel Tavares Câmara, responsável pelas tratativas que levaram à elaboração e à publicação no site do MPF do Rio, recebeu a pena de censura. Os demais procuradores foram absolvidos.

Durante cinco anos, El Hage chefiou as ações da Lava Jato no Rio de Janeiro, que levaram à prisão de Sérgio Cabral entre mais de 300 pessoas envolvidas em esquemas criminosos no estado. Em abril do ano passado, ele assumiu o comando do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) no âmbito do MPF-RJ, e entre os casos que estavam sob sua mira estavam justamente os envolvendo Sérgio Cabral e os esquemas de favorecimento para a construção da Usina Angra 3. Agora, com a decisão do CNMP, El Hage deixa o comando do Gaeco fluminense.

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A verdade sobre a Lava Jato
Esse é mais um dos inúmeros duros golpes desferidos contra a Lava Jato. No afã de destruir o legado de uma operação que, pela primeira vez na história brasileira, conseguiu romper o ciclo de impunidade que mantinha intactos os profundos esquemas de corrupção dentro dos governos, os detratores da Lava Jato adotam a tática da perseguição e se debruçam sob insignificâncias, que nem de longe comprometem a relevância dos serviços prestados pelos procuradores e juízes da operação.

O mesmo esmero da Justiça em analisar eventuais erros – que, levando em conta o tamanho e amplitude da Lava Jato podem ter ocorrido –, infelizmente, não se aplica quando se trata de examinar a ação contumaz dos corruptos e bandidos que continuam a achar-se no direito de rir das pessoas de bem, certos de que permanecerão impunes. Enquanto políticos como Sérgio Cabral acharem que poderão se sair incólumes enquanto aqueles que ousam denunciar seus esquemas corruptos são perseguidos e tratados como bandidos, estaremos cada vez mais longe de ser uma nação livre da praga da corrupção.

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FUTURA MINISTRA NÃO REUNE OS CONHECIMENTOS NECESSÁRIOS PARA O CARGO

 

Novo governo
Quem é Luciana Santos
Por
Gazeta do Povo


O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, e a futura ministra da Ciência e Tecnologia, Luciana Santos.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil.

A atual vice-governadora de Pernambuco, Luciana Santos, vai comandar o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações a partir de janeiro de 2023. O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), anunciou 16 novos ministros nesta quinta-feira (22). Formada em engenharia elétrica pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Luciana tem 56 anos e é presidente nacional do PCdoB.

A legenda participou da federação com PT e PV para campanha de Lula nas eleições deste ano. A trajetória política da futura ministra é longa. Ela já foi eleita deputada estadual (1997-2000) e deputada federal (2011-2018). Na Câmara dos Deputados, Luciana integrou as comissões de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, de Desenvolvimento Urbano e de Cultura.

Além disso, foi prefeita de Olinda (PE) por dois mandatos (2001-2008). Também atuou como secretária estadual de Ciência e Tecnologia de Pernambuco, no governo de Eduardo Campos, entre 2009 e 2010. Em 2018, Luciana foi a primeira mulher a ser eleita vice-governadora de Pernambuco, no governo de Paulo Câmara (PSB).

Após ter seu nome anunciado por Lula, ela afirmou que uma das prioridades da pasta será reajustar as bolsas para pesquisas científicas. Os valores estão congelados desde 2013. “Temos como referência o reajuste inflacionário do período todo, mas são decisões que vão ser colocadas dentro do contexto global do orçamento”, disse.

Em outubro de 2019, Luciana foi condenada por improbidade administrativa pela 1ª Vara da Fazenda Pública de Olinda junto com outros servidores da prefeitura. A condenação ocorreu por supostas irregularidades em um contrato de licitação para a gestão do parque energético e de iluminação de Olinda, no ano de 2004.

A Justiça determinou multa de cinco vezes o salário recebido por Luciana na época e seis anos de inelegibilidade. Em nota divulgada pelo PCdoB de Pernambuco à época da decisão, a legenda ressaltou que “a própria sentença reconhece que Luciana Santos e os demais agentes públicos processados não receberam ou desviaram qualquer dinheiro público”.

Além disso, o partido da ex-prefeita de Olinda afirmou na nota que “a licitação foi analisada pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE), sem que fosse encontrado qualquer ilícito e afirma que recorrerá da decisão em todas as instâncias cabíveis”. Luciana recorreu da sentença, mas ainda não há uma nova decisão sobre o caso na segunda instância, informou o portal Jota.

O ex-astronauta Marcos Pontes (PL) foi o responsável pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações durante o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL). Pontes foi eleito senador por São Paulo no pleito deste ano. Após sua renúncia para disputar a eleição, a pasta foi comandada por Paulo Cesar Alvim.

Leia mais em: https://www.gazetadopovo.com.br/republica/quem-e-luciana-santos-nova-ministra-de-ciencia-e-tecnologia/
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ZELENSKY É UM GRANDE COMUNICADOR

 


O que é necessário para entender a visita de Zelensky a Washington

Por
Filipe Figueiredo – Gazeta do Povo

Washington (Usa), 21/12/2022.- US President Joe Biden (L) speaks during a joint press conference with Ukrainian President Volodymyr Zelensky (R) in the East Room of the White House, in Washington DC, USA, 21 December 2022. Zelensky is on his first known foreign trip since Russia invaded Ukraine more than 300 days ago, travelling to the US on a high-stakes visit to secure support for his war effort. (Rusia, Ucrania, Estados Unidos) EFE/EPA/Oliver Contreras /POOL


O presidente americano, Joe Biden, em entrevista coletiva na Casa Branca com seu homólogo ucraniano, Volodymyr Zelensky| Foto: EFE/EPA/Oliver Contreras

Na última quarta-feira (21), o presidente da Ucrânia falou perante uma sessão conjunta do Congresso dos EUA. Foi a primeira viagem de Volodymyr Zelensky para fora de seu país desde a invasão pela Rússia, em fevereiro. Bastante simbólico que essa viagem tenha sido para Washington, o maior apoiador ucraniano no conflito e também onde as mensagens dessa visita seriam necessárias.

Segundo a imprensa polonesa, Zelensky chegou à fronteira entre Ucrânia e Polônia de trem, cruzando pela cidade de Przemysl. De lá, ele seguiu em um comboio de carros até Rzeszow, onde embarcou em um avião da Força Aérea dos EUA que seguiu para a base aérea de Andrews, em Washington, base dos aviões presidenciais americanos. Logo no desembarque, Zelensky estava com seu habitual figurino de moletom militar e coturnos.

Durante toda a visita, incluindo uma reunião bilateral com Joe Biden no Salão Oval da Casa Branca, Zelensky manteve os trajes militares em tons de verde oliva, assim como fez quando recebeu dignitários estrangeiros em sua capital ou nos vídeos para a comunidade internacional. No caso da visita aos EUA, alguns políticos do país consideraram o ato de estar vestido assim na Casa Branca e no Congresso uma falta de respeito.

Zelensky pode ter muitos defeitos e cada leitor pode ter sua opinião sobre ele. Um atributo que não pode ser negado, entretanto, é o fato dele ser um grande comunicador. Essa é sua profissão, é como ele se tornou uma celebridade em seu país, caminho que o levou até a presidência. Seus trajes “inapropriados” buscam comunicar a ideia de que o país está em uma guerra perene, sem intervalos, sem “pausas” para ternos.

Auxílio militar
Na reunião no Salão Oval, foi anunciado mais um pacote de quase US$ 2 bilhões em assistência militar direta dos EUA aos ucranianos, incluindo munições e uma bateria do sistema Patriot, o principal sistema antiaéreo do arsenal dos EUA. Outras baterias já foram posicionadas perto da fronteira entre a Ucrânia e os países da OTAN, agora com uma fornecida diretamente aos ucranianos.

O propósito é que o sistema contribua com as defesas ucranianas contra os ataques russos com mísseis de cruzeiro e drones contra a infraestrutura de energia e de saneamento da Ucrânia. Joe Biden afirmou que, pelo fato de o sistema ser defensivo, a Rússia não deve encarar o gesto como uma “escalada” no conflito. Não que isso importe muito no momento, no que é uma das intenções da visita.

Como mencionamos, Zelensky viajou via Polônia. Na volta, inclusive, se encontrou com autoridades polonesas. Não na ida, importante. Proporcionalmente aos seus orçamentos, Polônia e Lituânia são os países que mais auxiliaram a Ucrânia até o momento. Em números absolutos, entretanto, essa ajuda militar é ínfima perto do imenso apoio dos EUA, tanto em auxílio militar quanto em auxílio “humanitário” para outras finalidades.

A primeira viagem de Zelensky ao exterior ser aos EUA serve para deixar claro que o apoio de Washington aos ucranianos é inequívoco. Deixar claro para quem? Para a Rússia, principalmente, mas também aos países europeus que são acusados de pouco auxiliarem os ucranianos na guerra. Ou seja, o apoio vai continuar, até a hora que a guerra acabar, por qual motivo que seja.

A visão do governo dos EUA é simples. Contribuir para uma eventual derrota russa na Ucrânia serve amplamente aos interesses dos EUA. No campo moral, possibilita a argumentação de que o país luta pelo que é certo, contra uma agressão. No campo da imagem, fortalece a ideia de que os EUA são um aliado confiável, o líder do chamado Ocidente e seu principal articulador político e militar.

Interesses dos EUA
Não está em discussão se essas frases são verdadeiras, mas que o auxílio na guerra as transmite. Finalmente, no interesse bruto, enfraquece a rival Rússia, fornecendo os recursos para destruição de parte do arsenal russo. Economicamente falando, é muito mais fácil os EUA conseguirem repor seus arsenais do que a Rússia, país com economia bastante menor e com menos gastos militares.

O enfraquecimento russo, por sua vez, possibilita que os EUA usem seus recursos e suas forças em outros teatros de operação, como contra a China. O líder republicado do Senado, o conservador Mitch McConnell, colocou em termos simples:  “As razões mais básicas para continuar a ajudar a Ucrânia a degradar e derrotar os invasores russos são os frios, concretos e práticos interesses dos EUA”.

Outro recado da visita de Zelensky é para os próprios políticos dos EUA. Em seu discurso de cerca de meia hora, em inglês, o presidente ucraniano em diversos momentos apelou aos “dois partidos”, afirmou que o dinheiro dos EUA não é “caridade”, mas “investimento em segurança” e pediu apoio até “a vitória” da Ucrânia. A sessão conjunta do Congresso uniu deputados e senadores.

No final de outubro, lembramos aqui em nosso espaço como as eleições de meio de mandato dos EUA poderiam influenciar o auxílio militar para os ucranianos. Parte das lideranças republicanas consideram que dinheiro demais já foi enviado para o conflito, criticam uma suposta falta de transparência e afirmam que a gestão Joe Biden estaria “arrastando” o conflito.

Em algumas semanas, assume um novo Congresso, com uma Câmara controlada pelos republicanos, o que pode prejudicar os planos de Biden para a Ucrânia. Por isso, um último grande pacote de auxílio militar na ocasião. E também por isso a presença de Zelensky, para articular eventuais renovações do auxílio na próxima legislatura, já que, sem os EUA, a Ucrânia não teria grandes esperanças nesse conflito.

Pausa
A coluna terá um breve recesso nas próximas duas semanas, retornando no dia 10 de janeiro. Agradeço o privilégio de contar com cada um dos leitores de nosso espaço de política internacional e desejo um Feliz Natal e um ótimo Ano Novo para cada um de vocês.

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HADDAD NA ECONOMIA VAI FAZER O QUE O LULA QUER

 

Cenários
Abala confiança de empresários e consumidores

Por
Vandré Kramer – Gazeta do Povo

O futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, durante anúncio de ministros no CCBB Brasília.


O futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e Lula, presidente eleito: resultado das eleições e incerteza sobre política econômica do próximo governo abalaram confiança de empresários e consumidores, indicam sondagens.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A incerteza em relação à economia está em alta e a confiança de empresários e consumidores, em baixa. As indefinições sobre o cenário das contas públicas e a equipe econômica do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que começa dia 1.º de janeiro, são os principais fatores que alimentam esse comportamento.

Bancos, consultorias e corretoras não esperam uma forte redução na taxa Selic, atualmente em 13,75% ao ano, para 2023. O ponto médio (mediana) das expectativas publicadas nesta semana pelo boletim Focus está em 11,75%. “E se as incertezas predominarem, podemos ter uma forte alta”, alerta o head de núcleo de pesquisas da TC, Orleans Martins.


Uma das fontes de preocupação está com a situação do teto de gastos, que pode contribuir para pressionar o endividamento público do país – que recua desde 2021. Em outubro, a dívida bruta correspondia a 75,1% do PIB, segundo o Banco Central, e o Ministério da Economia estima que ela terminará o ano em 73,7%.

Já existia no mercado a expectativa de aumento do endividamento nos próximos anos, para além de 80% do PIB. As negociações da PEC fura-teto – que por fim permitiram um gasto de quase R$ 170 bilhões além dos limites originais do teto de gastos em 2023, além da substituição da política fiscal no ano que vem – reforçam o pessimismo.

“Os juros funcionam como uma trava para os negócios e vêm contaminando as expectativas”, diz o gerente de análise econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Marcelo Azevedo.

Ele aponta que, no caso da indústria, esse cenário de menor confiança pode se refletir em menos investimento, menos contrações e produção menor. Nos 12 meses encerrados em outubro, o setor registra uma retração de 1,4% na produção, comparativamente ao período anterior, aponta o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “O impacto maior acontece em segmentos que dependem mais do crédito”, complementa Azevedo.

Outro fator que afeta o humor de empresários e consumidores é o desaquecimento da atividade econômica. Se, para 2022, as expectativas sinalizam para um crescimento perto ou ligeiramente superior a 3%, para o próximo ano, o ponto médio (mediana) das projeções no boletim Focus está em 0,79%.

O cenário não é dos mais favoráveis, afirma a coordenadora de sondagens da Fundação Getulio Vargas (FGV), Viviane Seda Bittencourt: “Já está precificado que 2023 vai ser um ano mais desafiador, especialmente do lado fiscal. O governo terá dificuldades em atuar como indutor da economia, o que limita a expansão da atividade”.

A FGV detectou, em novembro, a maior queda de confiança empresarial desde março de 2021. “A segunda queda consecutiva de ambos os indicadores confirma a fase de desaceleração do nível de atividade no quarto trimestre e capta projeções pessimistas em relação aos próximos meses”, cita a entidade.

O índice apurado pelo Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV caiu 6,7 pontos em novembro, para 91,5 pontos, o menor nível desde fevereiro. Índices acima de 100 refletem confiança empresarial, enquanto números abaixo de 100 refletem falta de confiança.

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Serviços ainda sentem impactos da inflação

A queda de confiança é disseminada entre os diferentes segmentos de atividade econômica. Apenas 16% tiveram alta. O impacto da inflação elevada, que chegou ao pico de 12,1% ao ano em abril e depois recuou, ainda é sentido. E mesmo setores que vem se mantendo com um grau de resiliência maior, como o de serviços, perderam ânimo.

Os serviços foram beneficiados, neste ano, pela diminuição na intensidade da pandemia da Covid-19, pela vacinação e pela flexibilização no uso de máscaras. Nos dez primeiros meses do ano, o setor acumula um crescimento de 8,7% em relação ao mesmo período de 2021. Os serviços de alimentação e alojamento são o principal destaque, aponta o IBGE.

Ainda assim, o índice de confiança dos serviços caiu 5,4 pontos em novembro, atingindo 93,7 pontos e retornando ao menor nível desde março. “Apesar do termino do período eleitoral, fatores políticos foram citados como limitadores a melhorar os negócios nos próximos meses, o que eleva a incerteza do cenário no curto prazo e um ambiente macroeconômico delicado em 2023”, diz Rodolpho Tobler, economista da FGV, em nota.

Comércio tem o menor nível de confiança entre os setores
Em novembro, o comércio voltou a registrar o menor nível de confiança entre os setores e está em seus menores patamares desde abril. Na escala, onde números maiores que 100 indicam maior confiança, o indicador registrou 87,2 pontos.

Segundo Tobler, fatores políticos parecem contribuir negativamente para a falta de confiança no comércio, limitando a melhora dos negócios nos próximos meses.

“A deterioração [da confiança] chama atenção pela intensidade e disseminação da sua queda. Os empresários percebem uma forte desaceleração da atividade e projetam piora para os próximos meses, em linha com um cenário mais restritivo de elevada taxa de juro, inflação e redução de ímpeto de consumo por parte dos consumidores”, diz ele, por meio de nota.

Orleans Martins, da TC, aponta também que o comércio tende a ser mais afetado pelo aumento nas incertezas porque depende muito dos juros.

A demanda por crédito está em baixa, tanto entre consumidores quanto entre empresas. E nos 12 meses encerrados em outubro, o comércio varejista ampliado – que inclui vendas de material de construção e de veículos – acumula queda de 1% em relação a igual período anterior, de acordo com números do IBGE.

Na construção, confiança teve maior queda desde abril de 2020
Outro setor que vem sentido forte queda na confiança é a construção. Segundo o Ibre/FGV, o índice caiu 5,3 pontos em novembro, o maior recuo desde abril de 2020, e chegou aos 92,9 pontos, patamar mais baixo desde março.

Segundo a coordenadora de projetos da construção do Ibre/FGV, Ana Maria Castelo, depois de sete meses sentindo um otimismo moderado, a percepção para os negócios e a demanda para os próximos três meses sofreu um revés expressivo.

“Não houve nenhuma alteração substancial em relação aos fatores limitativos aos negócios – as assinalações em demanda insuficiente até tiveram queda na comparação com outubro. Assim, mostra-se evidente que o choque de expectativas pode ser associado aos resultados das eleições. As incertezas em relação à política econômica do próximo governo provocam um receio de piora no ambiente futuro dos negócios. O setor está crescendo, mas o futuro é incerto”, diz Castelo.

Industrial tem mais confiança na sua empresa que na economia
A confiança do empresário da indústria caiu em dezembro pelo terceiro mês consecutivo, aponta a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Ela é a menor desde julho de 2020. “De uma forma geral, há ainda confiança do empresário, mas ela é restrita e pouco intensa”, diz o gerente de análise econômica da entidade empresarial, Marcelo Azevedo.

Segundo ele, houve uma inversão na avaliação das condições atuais da economia brasileira. A percepção é de que o cenário piorou. Em relação às expectativas, o cenário é de um otimismo moderado, resultante da confiança do empresário no desempenho de sua empresa. “No tocante à economia brasileira, há percepção de piora das condições atuais e expectativas negativas”, afirma o economista.

A queda da confiança é generalizada na indústria. Em dezembro, ela caiu em 19 de 29 setores industriais, em três regiões do Brasil e em todos os portes de empresa. O recuo mais pronunciado é entre as empresas de grande porte. E no Sul e no Sudeste, os industriais demonstram falta de confiança.

Não é só a CNI que mostra essa perda de ímpeto na confiança da indústria. Outra instituição que aponta o mesmo é o Ibre/FGV, cujo índice caiu para 92,1 pontos, o menor desde julho de 2020.

O economista Stefano Pacini, do FGV Ibre, avalia que há deterioração de percepções sobre a situação atual decorrente de uma piora na demanda e consequente aumento do nível de estoques, o maior desde o período de lockdown.

Também há, de acordo com ele, uma piora das expectativas para os próximos meses, possivelmente relacionada a uma desaceleração global prevista e um cenário econômico brasileiro de incertezas para o início do próximo ano.

Juros e inflação afetam confiança dos consumidores
As expectativas para a demanda tiveram uma queda forte no mês passado, mesmo com contratações elevadas e queda da inflação, que nos 12 meses encerrados em novembro atingiu 5,9%, segundo o IBGE.

Além de refletir a desaceleração da economia, essas expectativas partem de um quadro de juros mais elevados, um crédito mais restrito e maior endividamento das famílias, ressalta a FGV.

“O mercado de trabalho vem se recuperando, mas com vulnerabilidade. Quem está tendo mais chance são as pessoas com mais qualificação, o que acaba impactando negativamente as famílias de baixa renda”, diz Bittencourt.

A confiança dos consumidores também está em queda. Segundo a coordenadora de sondagens da FGV, passado o efeito das transferências do governo, os consumidores de baixa renda voltaram a se sentir menos satisfeitos em relação à situação financeira familiar e revisaram suas expectativas para baixo nos próximos meses.

“Mesmo com uma queda nas perspectivas sobre a inflação e um efeito ainda positivo no mercado de trabalho, há um aumento do pessimismo sobre as finanças familiares nos próximos meses. É possível que exista algum espaço para o consumo pelas famílias de maior poder aquisitivo, mas, dadas as condições macroeconômicas, sua sustentação nos próximos meses acaba sendo uma tarefa difícil”, ressalta.

Os juros mais altos dificultam a procura por crédito e a renegociação das dívidas. Os dados mais recentes da Serasa Experian, de outubro, mostram que a demanda por dinheiro entre os consumidores caiu 14,8% no comparativo entre outubro de 2021 e 2022. É a quinta retração seguida desde maio. O maior recuo na demanda por crédito ocorreu entre aqueles que ganham entre R$ 500 e R$ 2 mil por mês.

A inadimplência também está elevada entre as pessoas físicas. São 69,1 milhões de consumidores com pendências, o maior número da série histórica da Serasa, iniciada em março de 2016.


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CASA CIVIL DE LULA TERÁ MUITOS PODERES

 

Foto: Wilton Junior/ Estadão

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Por Vinícius Valfré

24/12/2022 | 05h00

Pasta comandada pelo governador da Bahia Rui Costa vai recuperar protagonismo na gestão petista

BRASÍLIA – A Casa Civil do novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva vai monitorar todos os programas sociais e econômicos da Esplanada dos Ministérios. A ideia é que o ministério a ser comandado por Rui Costa tenha um perfil mais técnico do que político, a exemplo do modelo adotado quando Dilma Rousseff esteve à frente da pasta, de 2005 a 2010.

O Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), hoje no Ministério da Economia, também será abrigado na Casa Civil. O objetivo é retomar uma tarefa típica da pasta que, na avaliação de auxiliares de Lula, foi deixada de lado. “A minha ida para a Casa Civil é para ajudar na gestão. Não farei articulação política diretamente”, afirmou Costa, atualmente governador da Bahia.

O presidente Jair Bolsonaro entregou a Casa Civil ao senador Ciro Nogueira (PP), em meados do ano passado, quando decidiu abraçar o Centrão para formar uma base de sustentação no Congresso e evitar um processo de impeachment.

Lula dará poderes para ministério dirigido pelo governador da Bahia, Rui Costa.
Lula dará poderes para ministério dirigido pelo governador da Bahia, Rui Costa. Foto: Wilton Junior/ Estadão

“As prioridades de governo serão monitoradas pela Casa Civil. Os ministérios executam, mas a Casa Civil vai monitorar para que elas sejam implementadas no ‘timing’ necessário. Todas as políticas sociais, econômicas e de infraestrutura passarão a ser monitoradas para que os resultados sejam alcançados”, disse Miriam Belchior, futura secretária-executiva da Casa Civil.

O acompanhamento dos programas pela Casa Civil vai ajudar o governo Lula até mesmo a rever pagamentos indevidos de benefícios sociais. Técnicos apontam que a gestão Bolsonaro facilitou repasses irregulares ao tornar beneficiárias pessoas fora do Cadastro Único dos Programas Sociais (CadÚnico).

“Precisamos ajudar os ministérios a resolver dificuldades para que as entregas sejam feitas. E também fazer uma cobrança fina para que isso aconteça. Perseguiremos aperfeiçoar políticas, especialmente as de transferências de renda, como o Bolsa Família, em que nunca teve tanta gente sendo paga irregularmente”, destacou Miriam, que foi ministra do Planejamento no primeiro mandato da então presidente Dilma.

Miriam Belchior, futura secretária-executiva da Casa Civil.
Miriam Belchior, futura secretária-executiva da Casa Civil. Foto: Dida Sampaio/ Estadão

Miriam também foi subchefe de Articulação e Monitoramento da Casa Civil no governo Lula. Na função, coordenava a ação de governo e acompanhava os projetos estratégicos. Mais tarde, ela se tornou secretária-executiva do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

A equipe de Lula recebeu sugestões para retomar o método de trabalho da Casa Civil até mesmo de técnicos que trabalharam no governo de Fernando Henrique Cardoso. A leitura é a de que os programas sociais estão desorganizados e precisam de uma coordenação para que sejam alcançados os mais necessitados e evitados os desperdícios.

O diagnóstico foi detalhado no relatório final do gabinete de transição. O documento indica que apenas 60% dos dados do CadÚnico estão atualizados. Das cerca de 40 milhões de famílias inscritas, 13,9 milhões compõem arranjos unipessoais. A informação sobre famílias de uma só pessoa é mais um indício de irregularidade na lista de beneficiários.

O Bolsa Família é considerado por petistas como a “alma do governo”. O Ministério do Desenvolvimento Social, responsável pela execução do programa, será chefiado pelo senador eleito Wellington Dias, ex-governador do Piauí. A pasta era cobiçada pela senadora Simone Tebet (MDB-MS), que ficou em terceiro lugar na disputa presidencial e apoiou Lula no segundo turno. O PT, porém, pressionou o presidente eleito a não entregar esse ministério a Simone, que pode ser adversária do partido nas eleições de 2026.

CONGRESSO DOBRA AS EMENDAS PIX

 

Após fim do orçamento secreto

Foto: Wilton Junior/Estadão

Por Daniel Weterman – Jornal Estadão

PEC da Transição redistribuiu recursos derrubados pelo Supremo Tribunal Federal para outras despesas de interesse dos parlamentares, incluindo emenda com ainda menos transparência

BRASÍLIA – Depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter derrubado o orçamento secreto, o Congresso transferiu parte do dinheiro para outro mecanismo, com ainda menos transparência: as chamadas emendas Pix. Com a promulgação da PEC da Transição, que redistribuiu as verbas do orçamento secreto, os recursos reservados para esse dispositivo em 2023 quase dobraram: saltaram de R$ 3,8 bilhões para R$ 6,7 bilhões.

O dinheiro das emendas Pix é direcionado por parlamentares para Estados e municípios e pode ser gasto em qualquer área, sem transparência nem fiscalização dos órgãos de controle. Diferentemente do orçamento secreto, as emendas Pix discriminam o parlamentar responsável pelo gasto, mas o destino dos recursos é uma caixa-preta. O mecanismo recebeu esse apelido por ser uma transferência rápida e direta do caixa do governo federal para os cofres de governos estaduais e prefeituras. É diferente do que ocorre com outros tipos de emenda, pagos só depois da apresentação de projetos.

O pagamento é impositivo, ou seja, precisa ser feito pelo governo federal conforme a escolha do parlamentar e não pode ser adiado, a não ser que as contas públicas estejam em risco.

As emendas Pix são chamadas tecnicamente de “transferências especiais” e fazem parte das emendas individuais, destinadas a deputadas e senadores, reabastecidas pelo rateio do orçamento secreto na PEC da Transição. Dos R$ 19,4 bilhões que estavam reservados para o orçamento secreto, R$ 9,55 bilhões migraram para emendas individuais. Desse valor, R$ 4,6 bilhões foram parar nas emendas Pix, que se somam aos R$ 3,8 bilhões que já estavam previstos para essa modalidade no Orçamento de 2023.

O aumento das emendas Pix só foi possível pelo acordo de Lula com o Centrão para aprovar a PEC da Transição e redistribuir a “herança” do orçamento secreto. O rateio foi uma condição dos líderes partidários para aprovar a proposta, que viabiliza o aumento do programa Bolsa Família e outras promessas de campanha do presidente eleito. Além das emendas Pix, os recursos do esquema considerado inconstitucional pelo STF foram parar nas emendas individuais e em verbas dos ministérios.

PEC da Transição foi aprovada no Congresso na última quarta, 21
PEC da Transição foi aprovada no Congresso na última quarta, 21 Foto: Pedro França / Agência Senado

A emenda foi criada por uma mudança na Constituição em 2019, sob o pretexto de eliminar a burocracia e tornar o pagamento de emendas mais rápido. A justificativa dos parlamentares é acelerar a transferência de recursos para redutos eleitorais, onde deputados e senadores pedem votos para suas eleições. O modelo, no entanto, é menos transparente e abriu margem para desvios, de acordo com especialistas e órgãos de controle.

Conforme o Estadão revelou, esse tipo de emenda bancou shows milionários no período da campanha eleitoral deste ano em cidades pobres sem atender necessidades básicas da população no meio de calamidades. Municípios receberam as emendas e contratam shows sertanejos enquanto a população reclamava da falta de atendimento na saúde e no saneamento básico.

O uso livre e sem prestação de contas só é possível com essa emenda. Nas outras modalidades, o município ou Estado só recebe o recurso se assinar convênios, comprovar a capacidade de executar as obras, contratar empresas e prestar contas ao Tribunal de Contas da União (TCU).

Valor pode ir a R$ 10,6 bi

Além do aumento de recursos chancelado pela PEC da Transição, as “emendas Pix” podem aumentar ainda mais em 2023. Isso porque o Congresso aprovou um dispositivo na Lei Orçamentária Anual (LOA) autorizando deputados e senadores a mudar suas emendas de lugar durante o ano que vem. A única exigência é que metade seja destinada à saúde. No limite, as emendas Pix podem chegar a R$ 10,6 bilhões em 2023.

No próximo ano, até parlamentares que não foram reeleitos poderão fazer esse remanejamento, os autores das emendas são os deputados e senadores atuais. Se um congressista quiser tirar recursos da educação e colocar na emenda Pix, por exemplo, ele está autorizado a fazer essa mudança. Por isso, os recursos desse mecanismo especial ainda podem aumentar para além do valor indicado no Orçamento.

“Foi um ajuste que valoriza os municípios. É um recurso coringa, mais dinâmico e um S.O.S mais ligeiro que qualquer outro”, afirmou o deputado José Priante (MDB-PA), coordenador do Comitê de Admissibilidade de Emendas (CAE) do Congresso e cotado para assumir o Ministério das Cidades. Ele é defensor da emenda Pix e diz que, apesar de ser repassada sem exigências, o gasto final está submetido às mesmas regras das demais transferências. “Não é um bicho papão.”

O presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), é um dos adeptos desse modelo. Ele indicou R$ 9,85 milhões em emendas Pix para municípios de Alagoas em 2023. Com a PEC, o valor vai saltar para R$ 16 milhões. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), fez o mesmo. Emplacou R$ 7,7 milhões para Minas Gerais e agora terá R$ 23 milhões.

Desde 2020, a adesão às emendas Pix aumentou, atraindo parlamentares pela rapidez com que o dinheiro cai na conta de aliados políticos. Enquanto uma emenda tradicional pode demorar até cinco anos para ser paga, se enfrentar entraves técnicos, o repasse especial é liberado em aproximadamente três meses após ser colocado no Orçamento da União. Neste ano, o dinheiro foi gasto no meio da campanha, driblando a lei eleitoral, o que não acontece com outras emendas.

Em 2020, no primeiro ano de existência, as emendas Pix somaram R$ 621 milhões e atenderam 137 parlamentares. Para 2023, o valor aprovado pelo Congresso saltou para R$ 6,7 bilhões após a aprovação da PEC, com indicação de 507 congressistas, ou seja, 85% do Legislativo.

Fiscalização

Até o momento, não está claro quem deve fiscalizar esses recursos. O papel de fiscalização é motivo de um impasse entre órgãos de controle. A mudança na Constituição aprovada em 2019 para criar essas emendas não criou nenhum instrumento formal de prestação de contas e fiscalização. O Ministério da Economia lançou uma plataforma para que os prefeitos relatassem o que fizeram com o dinheiro. Essa informação, no entanto, é opcional.

A área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) sugeriu que as transferências especiais sejam investigadas pela Corte. Os tribunais locais, no entanto, entendem que possuem a competência, porque os recursos passam a pertencer ao município ou ao Estado que recebe. No vácuo, o dinheiro não está sendo fiscalizado

Ao votar pela derrubada do orçamento secreto, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, fez um alerta sobre as emendas Pix. O instrumento, no entanto, não estava em julgamento. A magistrada afirmou que, na ausência de um convênio ou instrumento formal que indique para qual obra o recurso vai ser usado e quais as condições de contratação, o dinheiro fica sem transparência.

“A transferência da titularidade desses valores aos Estados e municípios, realizadas sem as condicionantes próprias aos convênios, sem vinculação a qualquer programa governamental, nem referibilidade a nenhuma meta ou objetivo, caracteriza verdadeiro cheque em branco, expondo esses recursos à manipulação política”, afirmou Rosa.

STARTUP VALEON DESEJA UM FELIZ NATAL PARA TODOS OS LEITORES