segunda-feira, 24 de outubro de 2022

ESQUERDA INFILTRA NAS IGREJAS EVANGÉLICAS

 

Ideologia
Por
Gazeta do Povo


Evangélicos em encontro com Lula, em São Gonçalo (RJ), no mês de setembro.| Foto: EFE/André Coelho

Embora evangélicos tradicionalmente estejam ligados a valores conservadores – o que fica evidente pelo perfil da bancada evangélica recém-eleita no país -, grupos cristãos progressistas têm ganhado força no Brasil nos últimos anos. Longe de uma iniciativa orgânica, o movimento parece ser fruto de uma estratégia articulada em que organizações progressistas estrangeiras financiam projetos de direitos humanos e infiltram suas ideias de esquerda no meio protestante.

“Os esforços de organizações e fundações de fortalecimento de democracia que investiram financeiramente em iniciativas evangélicas progressistas foram realmente louváveis. Mas o que elas fariam sem referencial teórico, formação, mapeamento, cruzamento de dados? Nada. Bolhas.”, tuitou no dia seguinte às eleições o pastor Ronilso Pacheco, que é militante do movimento negro e faz mestrado em teologia na Universidade de Columbia, em Nova York. Ele completou que “em nenhum lugar do mundo, um grupo nesse nível de reacionarismo fascista entra fácil no Senado em uma única eleição” e que, para mudar esse cenário, não surte efeito “conversar com os evangélicos”. “Tem que conversar com e para a sociedade e desarmar essa ideologia reacionária, desfazer a captura do sentido da vida pela extrema-direita”, afirmou. 

A fala de Pacheco deixa implícita a existência de um ecossistema em que instituições internacionais enviam recursos para organizações “guarda-chuvas” brasileiras ligadas a igrejas, que escolhem a dedo para quais projetos ou entidades distribuí-los. Juntamente com o dinheiro, ideias progressistas são disseminadas junto ao público evangélico, fortalecendo um potencial eleitorado de esquerda.

A iniciativa alemã
Em junho de 2016, durante o processo de impeachment da presidente petista Dilma Rousseff, a ONG alemã Brot für die Welt – Pão Para o Mundo (PPM) enviou uma carta a suas parceiras no Brasil lamentando a conjuntura política do país. Para a PPM, eram preocupantes as tendências que se acentuaram naqueles meses e os possíveis retrocessos em relação aos supostos avanços que teriam ocorrido nos últimos 15 anos. 

Ainda segundo a PPM, as entidades deveriam analisar as recentes dinâmicas e buscar pistas para a formulação de novas estratégias de atuação conjunta. Mas a ONG alemã se dizia reconfortada por ter notícias de que as organizações religiosas brasileiras, a despeito do choque, permaneciam “inquietas, atentas e mobilizadas”. 

“Entendemos que foi o árduo e engajado trabalho de suas entidades na sensibilização e mobilização da sociedade brasileira nos últimos 40 anos que fizeram a diferença para tornar o Brasil uma fonte única de riquíssimas experiências.” Em outro trecho, a carta afirmava que “a cooperação internacional foi parceira de suas entidades nesta bela caminhada, que deixou marcas profundas. Agora mais do que nunca, cremos que ela deve prosseguir e continuamos apostando na enorme importância e atualidade do trabalho de suas entidades”. Em um relatório de 2018, a PPM ressaltou que o clima político do Brasil era cada vez mais determinado pelo conservadorismo.

A ONG é controlada pela Igreja Evangélica na Alemanha (EKD) e outras igrejas menores. Segundo seu site, as suas principais fontes de receita em 2019 foram: fundos federais da Alemanha, 174 milhões de euros; doações e arrecadações, 64 milhões de euros; fundos da igreja, 59 milhões de euros. Juntamente com outras contribuições, teriam sido disponibilizados cerca de 320 milhões de euros para o trabalho do PPM em cerca de 76 países, incluindo o Brasil. Isso a torna uma das principais instituições internacionais financiadoras de projetos ligados ao ecumenismo ou a questões religiosas de esquerda no Brasil.

Instituições “guarda-chuva”

Não é simples para uma instituição do outro lado do Atlântico despejar dinheiro em outro país, conforme afirmado pela própria PPM em sua carta às parceiras no Brasil. Assim, são necessárias organizações “guarda-chuva”, que distribuem os recursos a ONGs menores. Uma das instituições que mais recebem fundos da PPM no Brasil é a Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), fundada há 49 anos e composta por seis instituições religiosas brasileiras. 

Entre elas está a Aliança de Batistas do Brasil, que em 2018 fez parte da fundação da Frente Evangélica pela Legalização do Aborto, movimento semelhante ao Católicas pelo Direito de Decidir. A ideia era apresentar uma justificativa teológica para apoiar a ADPF 442, ação proposta pelo PSOL que pede a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gravidez. 

Também compõem a CESE a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, cujo presidente, Inácio Lemke, foi visitar Lula na prisão em 2018 e o tem apoiado abertamente; a Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, que embora seja uma igreja tradicional, celebra casamentos homoafetivos em suas catedrais e tem posição aberta em relação ao aborto; a Igreja Presbiteriana Unida do Brasil, cujos posicionamentos frequentemente se alinham com pautas de partidos de esquerda, mesmo que não siga a sua igreja americana na questão da realização de casamentos gays; a Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, ligada ao Conselho Mundial de Igrejas, instituição progressista com células em todo o mundo.

Na lista aparece ainda a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), uma “associação de bispos” que não faz parte da hierarquia da Igreja Católica e costuma se envolver em ações e mobilizações em conjunto com grupos e até partidos de esquerda, como o tradicional Grito dos Excluídos. 

A maior parte dos recursos (91%) obtidos pela CESE vem de instituições internacionais. Os maiores doadores são PPM (54%), e Fundação Ford (19%). Há ainda Heks Eper (8%), Misereor (5%) , Wilde Ganzen (5%), Terre des Hommes Suisse (1%), União Europeia (1%) e Fundação Appleton (1%); e as instituições brasileiras Instituto Ibirapitanga (5%) e Instituto Clima e Sociedade – ICS (3%).

A CESE seleciona e financia diversos movimentos e organizações de esquerda no Brasil. Segundo dados do seu relatório anual, a instituição doou mais de 4,8 milhões de reais em 2021 a instituições e projetos, como o acampamento “Luta pela Vida”, realizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), em agosto de 2021, em Brasília, contra o Marco Temporal e contra a “política genocida de Bolsonaro”; também a Marcha Nacional das Mulheres Indígenas, encontro organizado pela Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga), em setembro de 2021, em outro protesto contra o Marco Temporal.

Assim, a movimentação de milhares de indígenas para o Planalto Central em meio a votações importantes no Supremo Tribunal Federal (STF) pode ter ganhado um impulso de grandes instituições e recursos de organizações estrangeiras com supostos fins religiosos.

Paz e Esperança

Uma das financiadas pela CESE é a Paz e Esperança – Peace and Hope Internacional (PHI), uma instituição ecumênica de base cristã, que atua em pelo menos seis países da América do Sul, nos Estados Unidos e no Reino Unido, e que, segundo a descrição de seu site, fornece “serviços de apoio jurídico, social, psicológico, espiritual e de liderança” e tem objetivo de “promover justiça social”. 

Na versão peruana do site da PHI a seção de financiadores informa que a instituição, além da PPM, também recebe recursos constantes de Kinder not Hilfe (KNH), Servicio de Liechtenstein para el Desarrollo (LED), Tearfund Suíça e Save the Children, todas instituições filantrópicas sediadas na Europa. 

Segundo o site, a PHI precisou realizar parceria com o Instituto de Estudos da Religião (ISER) para se instalar no Brasil, pois ainda está em processo de regularização no país. O ISER, que se descreve como uma “organização brasileira da sociedade civil de caráter laico, cujo objetivo é promover estudos, pesquisas e intervenção social nos eixos temáticos de defesa e garantia de direitos, segurança pública, meio ambiente e diversidade religiosa”, é financiado por grandes instituições internacionais. A lista traz nomes como Ford Foundation e Open Society, do bilionário George Soros; além da brasileira Instituto Clima e Sociedade, que distribui por aqui recursos de Soros e outras instituições, como a OAK Foundation; e o Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE), organização guarda-chuva que distribui, segundo seus dados de 2020, cerca de 5,3 bilhões de reais em “investimento social” por ano.

Toda a diretoria da PHI no Brasil, em suas redes sociais, declarou voto em Lula nestas eleições: o presidente Alexandre Brasil, sociólogo, professor associado e pró-reitor de pessoal da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); a vice-presidente Lilian Márcia Balmant Emerique, professora adjunta da Faculdade de Direito da UFRJ, a primeira secretária Mônica Santos Francisco, deputada estadual (PSOL-RJ); o segundo secretário Clemir Fernandes, pastor e sociólogo.

Há ainda um Conselho Fiscal na PHI, composto por três integrantes, todos igualmente apoiando Lula nestas eleições: Daniela Frozi, doutora em ciências da nutrição pela UFRJ, Luiz Caetano Grecco Teixeira, padre da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, e Lusmarina Campos Garcia, pastora Luterana, conhecida feminista a favor da legalização do aborto.

Este Conselho Fiscal é o responsável e financiador do Coletivo Bereia, uma agência de checagem de fatos, lançada em outubro de 2019, que se apresenta como uma iniciativa apartidária de organizações e profissionais de base cristã. A maioria das checagens feitas pela agência defende Lula, o PT e movimentos esquerdistas em geral e “desmente” falas de Bolsonaro e seus apoiadores. 

A agência é dirigida por Alexandre Brasil, o mesmo que preside o PHI, que é coordenador de planejamento; Juliana Dias, coordenadora de parcerias; Magali Cunha, editora geral e também pesquisadora do ISER; e Marcos André Lessa, diretor executivo. Todos fizeram declaração de apoio a Lula nestas eleições, direta ou indiretamente, em suas redes sociais.

A despeito de seu foco à esquerda, o Coletivo Bereia já integrou o Projeto Comprova, trabalho colaborativo entre vários veículos de comunicação com o objetivo de verificar a veracidade de informações divulgadas na internet, que tem a imparcialidade como um de seus princípios, inclusive recebendo recursos financeiros para tanto. Embora não seja uma agência de checagem certificada pela International Fact-Checking Network (IFCN) — instituição que estabelece uma série de critérios para aprovação de agências de checagem, como não-partidarização e justiça — o Coletivo Bereia informa em seu site que já buscou registro na instituição.

Em março de 2021, o Twitter incluiu a Beraia em uma lista de fact-checking da rede social. Os principais critérios levados em consideração pela curadoria são a imparcialidade, a precisão das informações e o tipo de conteúdo publicado pelo perfil.

Ainda outra financiadora do Coletivo Bereia é a Koinonia, organização parceira da CESE, que em seu site afirma ter a missão de “mobilizar a solidariedade ecumênica”, “prestar serviços a grupos histórica e culturalmente vulneráveis e em processo de emancipação social e política” e “promover o movimento ecumênico e seus valores libertários”. Entre os financiadores da Koinonia está, novamente, a Pão para o Mundo. A Koinonia é ligada também ao Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC) e ao Conselho Mundial de Igrejas.

Sobre o ex-presidente da Koinonia, bispo emérito da Igreja Metodista Paulo Ayres Mattos, falecido na última quarta-feira (19), Magali Cunha, editora do Coletivo Bereia, escreveu na revista Carta Capital: “Em memória do pastor de esquerda que resistiu à ditadura e se tornou um bispo fiel aos princípios cristãos, Paulo Ayres deixa legado e joga por terra a falácia espalhada nestas eleições de que cristãos não podem ser de esquerda”.

A atual presidente da Koinonia é Ana Emília Martins Gualberto, historiadora pela (UERJ) e mestre em cultura e sociedade pela Universidade Federal da Bahia; integrante da Rede de Mulheres Negras da Bahia e do Nzinga Coletivo de Mulheres Negras de Belo Horizonte.

Evangélicos estudados
O ISER tem promovido ao longo dos últimos anos, e de forma mais intensa durante o período eleitoral, pesquisas para traçar o perfil do eleitorado evangélico e estratégias para alavancar candidaturas evangélicas à esquerda. Em artigo publicado na Revista Piauí, intitulado “Precisamos falar sobre os evangélicos”, a diretora Executiva do ISER, Ana Carolina Evangelista, afirma estar apreensiva com pesquisas de segundo turno que apontam 61% das intenções de voto em Bolsonaro e 31% no Lula nesse segmento.

Para ela, os “evangélicos hoje, em sua maioria, seguem optando pela reeleição de um presidente que representa um projeto de sociedade violento, intolerante e excludente”. No texto, Carolina afirma que é preciso incluir ainda mais os evangélicos nos seus estudos e análises, “especialmente fora dos períodos eleitorais”.

A mesma preocupação é encontrada na revista Tricontinental, uma publicação trimestral de esquerda, criada em 2017 pelo indiano Vijay Prashad, com ligações obscuras com o Partido Comunista Chinês. Em 2021, a Tricontinental foi apontada por investigações da inteligência econômica indiana como envolvida em um esquema de lavagem de dinheiro entre o magnata da tecnologia americano Neville Roy Singham e sua empresa NewsClick, que teria movimentado cerca de US$ 5 milhões entre 2018 e 2021 para promover uma narrativa pró-China na mídia indiana, incluindo a negação do “genocídio Uigur”.

No Brasil, os olhos da Tricontinental se voltam para o público evangélico. Em seu relatório “Resistir com fé: evangélicos e trabalho de base”, publicado em abril deste ano, a revista buscou compreender quem é, como pensa e o que quer o público evangélico, com o propósito de “canalizar esta energia para a estratégia revolucionária”. Assim, “o enfoque na religião evangélica ocorre porque há um reconhecimento de que a esquerda brasileira se distanciou da religiosidade popular, que em outro momento era majoritariamente católica e agora passa a ser cada vez mais evangélica”.

Movimento sorrateiramente orquestrado
Para o pastor batista Yago Martins, criador do canal no Youtube Dois Dedos de Teologia, que é mestre em teologia, especialista em economia política e também autor de quinze livros, entre eles, “A Religião do Bolsonarismo” (Episteme, 2021), os evangélicos têm uma tendência maior ao conservadorismo, e isso não mudou muito no Brasil nos últimos anos. Ele endossa, porém, que há muito dinheiro investido para que grupos mais à esquerda recebam mais votos.

Além disso, Martins recorda a existência de apoio midiático a grupos e personalidades da esquerda evangélica, que “vivem no mais absoluto ostracismo para com as comunidades tradicionais, mas que continuam recebendo espaço para dar entrevista, apoio público por socialite e por ‘bom mocismo’ do jornalismo, mas que na verdade não representam nada”. Segundo ele, trata-se de pessoas que utilizam o título de pastor, e até mesmo de um espaço público, mas na verdade não pastoreiam uma igreja real, contando com “apenas um pequeno séquito minúsculo de apoiadores políticos que muitas vezes nem se identificam bem com a fé cristã”.

Ele cita como exemplo a quase morte do movimento brasileiro da Teologia da Missão Integral, movimento evangélico de esquerda semelhante à católica Teologia da Libertação que, segundo ele, teve um momento de auge, mas que “rapidamente foi lançado no esquecimento, com os seus principais personagens ficando relacionados ao apoio inconteste de Lula como personagem messiânico”.

Para o reverendo Afonso Celso de Oliveira, ministro da Igreja Presbiteriana do Brasil, que é advogado e teólogo, com mestrado em divindade, os investimentos estrangeiros em ONGs progressistas, incluindo as “pseudo-cristãs”, visam sedimentar um caminho de reformas em que temas resistentes a mudanças, como a descriminalização do aborto, sejam “azeitados”. Membro do Instituto Brasileiro de Direito e Religião, Oliveira explica que a estratégia para isso é a promoção revolucionária da cultura, de modo que, anulada a resistência conservadora, encontrem-se condições favoráveis junto ao parlamento e a um judiciário ativista para mudança na legislação e a interpretação mais favorável aos temas progressistas.

“Quando ONGs ditas cristãs abraçam esse tema e dizem que o aborto é um caso de saúde pública, repetindo este moto através de personalidades, celebridades e agentes políticos e religiosos, nada mais estão fazendo do que, sorrateiramente, transferir a esfera jurisdicional da criminalização da prática do aborto ilegal para a jurisdição social, onde não haverá nenhuma criminalização a qualquer forma de aborto”, afirma.

De acordo com o Oliveira, existe um evidente interesse econômico por trás deste movimento orquestrado, já que a indústria do aborto movimenta bilhões de dólares nos países onde é permitido. O reverendo acredita que o Brasil é o alvo a ser alcançado por fundações internacionais que trabalham na implantação de uma revolução cultural.

O advogado alerta que o lobby profissional para cooptar políticos e formar políticas progressistas, em um país ainda majoritariamente conservador, atende aos interesses internacionais, sob o manto da ecologia sustentável, da prática do aborto, da implantação da ideologia de gênero, da liberação das drogas, e de outros expedientes comprovadamente lucrativos.

“Interessante que por trás deste movimento liberal progressista, de viés ideológico marxista, se encontram metacapitalistas que têm a expertise de lucrar bilhões de dólares através da falência moral e econômica de uma nação. Por isso, investem em todos os segmentos, e o segmento religioso talvez seja o último bastião a ser rompido”, analisa.

A Gazeta do Povo entrou em contato com PPM, CESE, PHI, Koinonia, ISER, Coletivo Bereia e Tricontinental, mas não obteve retorno até o fechamento da reportagem.


Leia mais em: https://www.gazetadopovo.com.br/ideias/como-organizacoes-progressistas-infiltram-suas-ideias-no-meio-evangelico-brasileiro-inclusive-aborto/
Copyright © 2022, Gazeta do Povo. Todos os direitos reservados.

FUTURO DO E-COMMERCE

Por: Camilo Barros

Head of Sales and Partnerships Latam da VidMob, plataforma líder mundial em Inteligência Criativa que fornece uma solução tecnológica de ponta a ponta para ajudar as marcas a melhorar seus resultados de marketing.

O Fórum E-Commerce Brasil foi um evento grandioso no qual tivemos a possibilidade de trocar experiências e informações com profissionais incríveis das mais diversas áreas. Uma conversa que me marcou foi durante a minha participação no podcast da ClearSale, onde discutimos qual o futuro do e-commerce. De todo o papo, a questão que ficou mais latente e martelando por aqui foi: vai ter espaço para as empresas que não oferecerem experiências encantadoras aos clientes?

O mundo segue em constante transformação e com o e-commerce não seria diferente. Se antes ele se tratava apenas de “um serviço de compras pela internet”, hoje, por outro lado, vai muito além disso. Para que a estratégia seja de fato eficiente, é fundamental que a experiência seja incrível desde o primeiro contato até o pós-venda.

Marcas com muitas oportunidades de impactar o consumidor

Assim, surgiram diversas possibilidades para que as marcas impactem os consumidores onde quer que eles estejam, como é o caso do social commerce – modelo que usa as redes sociais para vender -, que possibilita esse impacto direto no varejo e é mais um ponto de contato entre marca e cliente. Para se ter uma ideia, de acordo com um levantamento da Accenture, o setor de comércio global via redes sociais, que hoje está avaliado em US$ 492 bilhões, deve triplicar e chegar a US$ 1,2 trilhão em 2025.

Além disso, segundo uma pesquisa publicada pela McKinsey, só nos cinco primeiros meses de 2022, grandes empresas, fundos de venture capital e private equity já investiram mais de US$ 120 bilhões em negócios ou ativos no metaverso. Entretanto, antes de entrarmos de cabeça nesse novo mundo é preciso ter algumas coisas em mente. A principal delas é colocar o seu cliente no centro do negócio e entender o que de fato faz sentido para aquele público que deseja impactar. A verdade é que isso é um ponto fundamental para qualquer empresa, já que, quando você coloca o consumidor como ponto focal da estratégia, é mais difícil errar na tentativa de impacta-lo.

Metaverso – ambiente colaborativo

Outro ponto muito importante é entender que estamos falando de um ambiente colaborativo, então não basta que as marcas simplesmente coloquem uma ação no ar e esperem que o consumidor reaja diante dela. É fundamental chamar o cliente para a conversa para que ele se sinta reconhecido e entenda a importância do seu papel. Depois, é preciso ter muito claro qual seu propósito como empresa e aonde quer chegar. Afinal, de nada adianta criar uma ação no metaverso somente para estar lá.

E, por fim, mas com certeza não menos importante, é preciso entender que o mercado ainda está presenciando uma fase de experimentação, mas essa tendência veio para ficar e esses números só comprovam a força dessas inovações.

O fato é que o futuro do e-commerce está nas experiências imersivas e, nesse sentido, o metaverso pode ser uma peça-chave para criar vivências cada vez mais interessantes para os consumidores. Porém, o metaverso é um ambiente colaborativo, que não está restrito a um único espaço, e ainda é preciso fazer muita coisa para que esse novo universo seja da forma como todos idealizam. Vai ser preciso construir junto, tijolo por tijolo, ou melhor, ativo por ativo.

A Startup Valeon reinventa o seu negócio

Enquanto a luta por preservar vidas continua à toda, empreendedores e gestores de diferentes áreas buscam formas de reinventar seus negócios para mitigar o impacto econômico da pandemia.

São momentos como este, que nos forçam a parar e repensar os negócios, são oportunidades para revermos o foco das nossas atividades.

Os negócios certamente devem estar atentos ao comportamento das pessoas. São esses comportamentos que ditam novas tendências de consumo e, por consequência, apontam caminhos para que as empresas possam se adaptar. Algumas tendências que já vinham impactando os negócios foram aceleradas, como a presença da tecnologia como forma de vender e se relacionar com clientes, a busca do cliente por comodidade, personalização e canais diferenciados para acessar os produtos e serviços.

Com a queda na movimentação de consumidores e a ascensão do comércio pela internet, a solução para retomar as vendas nos comércios passa pelo digital.

Para ajudar as vendas nos comércios a migrar a operação mais rapidamente para o digital, lançamos a Plataforma Comercial Valeon. Ela é uma plataforma de vendas para centros comerciais que permite conectar diretamente lojistas a consumidores por meio de um marketplace exclusivo para o seu comércio.

Por um valor bastante acessível, é possível ter esse canal de vendas on-line com até mais de 300 lojas virtuais, em que cada uma poderá adicionar quantas ofertas e produtos quiser.

Nossa Plataforma Comercial é dividida basicamente em página principal, páginas cidade e página empresas além de outras informações importantes como: notícias, ofertas, propagandas de supermercados e veículos e conexão com os sites das empresas, um mix de informações bem completo para a nossa região do Vale do Aço.

Destacamos também, que o nosso site: https://valedoacoonline.com.br/ já foi visto até o momento por mais de 165.000 pessoas e o outro site Valeon notícias: https://valeonnoticias.com.br/ também tem sido visto por mais de 2.850.000 de pessoas, valores significativos de audiência para uma iniciativa de apenas dois anos. Todos esses sites contêm propagandas e divulgações preferenciais para a sua empresa.

Temos a plena certeza que o site da Startup Valeon, por ser inédito, traz vantagens econômicas para a sua empresa e pode contar com a Startup Valeon que tem uma grande penetração no mercado consumidor da região capaz de alavancar as suas vendas.

E-Mail: valeonbrasil@gmail.com

Site: https://valedoacoonline.com.br/

Fones: (31) 98428-0590 / (31) 3827-2297

 

domingo, 23 de outubro de 2022

PROJETO NA CÂMARA PRETENDE MUDAR O SISTEMA DE GOVERNO

 


Câmara aguarda o segundo turno para avançar com a proposta do semipresidencialismo
Por
Olavo Soares – Gazeta do Povo
Brasília


Vista do Congresso a partir do Palácio do Planalto: semipresidencialismo prevê divisão de atribuições entre o presidente e o parlamento.| Foto: Roberto Stuckert Filho/PR

O projeto que institui o semipresidencialismo no Brasil teve um avanço na Câmara dos Deputados na última terça-feira (18). O grupo de trabalho que discute o assunto aprovou um relatório que recomenda a adoção do novo sistema de governo a partir de 2030. A tendência é de que uma proposta dessa dimensão – que reduziria os poderes do presidente e criaria um primeiro-ministro – não seja votada no plenário ainda em 2022, especialmente porque em fevereiro do ano que vem tomam posse os parlamentares eleitos. Mas líderes da Câmara sugerem que o resultado da eleição presidencial pode mudar essa tendência.

A líder do Psol na Câmara, deputada Sâmia Bomfim (SP), não acredita na possibilidade avanço do projeto ainda em 2022. “Não há acordo e o projeto não é prioridade”, diz ela. “É bem pouco provável que ocorra a votação neste ano.”

Mas outras duas lideranças da Câmara sugerem que a proposta pode avançar após o segundo turno. “Muitas decisões na Câmara serão tomadas adiante, a partir da definição de quem será o presidente da República”, afirma o vice-presidente da Casa, deputado Lincoln Portela (PL-MG), em referência ao segundo turno disputado entre Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A avaliação é semelhante à do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR): “Eu não acho que existe ambiente [para votar o semipresidencialismo]. Terminada a eleição, isso pode mudar”.

Tanto Barros como Portela são aliados de Bolsonaro. E deputados do PT já vinham se posicionando contra o projeto do semipresidencialismo argumentando de que seria uma forma de tentar enfraquecer Lula se ele for eleito presidente. Embora a proposta preveja que a adoção seria em 2030, os petistas argumentam que isso poderia ser modificado durante a tramitação.

O semipresidencialismo foi contestado publicamente tanto por Lula quanto por Bolsonaro. O petista disse, em março, que a medida retiraria poderes do presidente para concedê-los ao Congresso: “Você elege um presidente, pensa que vai governar, mas quem vai governar é a Câmara, com orçamento secreto para comprar o voto dos deputados, para fazer todas as desgraceiras que estão fazendo”. Já Bolsonaro, no ano passado, qualificou a ideia como “idiota”


Discussão foi patrocinada por Arthur Lira
A discussão sobre o semipresidencialismo na Câmara é estimulada pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Ele criou, em março, o grupo de trabalho que debateu o assunto e produziu o relatório aprovado no dia 18. O grupo foi formado por 10 membros, sendo que nenhum deles pertencia aos partidos de oposição formal a Bolsonaro, como PT e PCdoB. O colegiado contou ainda com um conselho consultivo composto por especialistas do Direito, como os ex-ministros Nelson Jobim e Ellen Gracie, do Supremo Tribunal Federal (STF), e o ex-presidente Michel Temer (MDB) – que é advogado constitucionalista

Apesar do apoio inicial, Lira não indicou uma eventual intenção de priorizar o tema e submetê-lo a votação no curto prazo. O relatório aprovado pelo grupo de trabalho no dia 18 não tem nenhum peso regimental – é apenas um texto que pode servir de apoio aos parlamentares em discussões futuras sobre o tema.

O grupo de trabalho foi coordenado pelo deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), que também foi o responsável pela elaboração do relatório. Já o deputado Enrico Misasi (MDB-SP) foi um dos integrantes mais atuantes do grupo e o único deputado a participar presencialmente da sessão de aprovação do relatório, além de Moreira.

Tanto Moreira quanto Misasi não foram reeleitos deputados. Apesar de não exercerem a partir do ano que vem o mandato na Câmara, os dois parlamentares acreditam que o assunto não “morrerá” a partir de 2023, quando eles não estarão mais na Câmara.

“Os deputados estão convictos da necessidade [do semipresidencialismo]. Não vi divergências profundas entre os membros do grupo. E tem outros que foram eleitos agora que podem continuar contribuindo”, diz Moreira. “A causa sempre vai ter deputados, sempre teremos lideranças conscientes para abordar os problemas do presidencialismo”, afirma Misasi.

Segundo Misasi, a meta em relação ao tema agora é “evitar que o assunto caia no esquecimento”. O deputado acredita que a condução da discussão sobre o semipresidencialismo não pode se resumir ao Congresso. “Espero que a mídia e o Poder Executivo também se engajem no debate.”

O que prevê a proposta do semipresidencialismo
O relatório do grupo de trabalho indicou a adoção do semipresidencialismo a partir de 2030 para tentar descolar o tema da atual disputa eleitoral. Se a proposta avançar, deixaria aberta a possibilidade de Lula ou Bolsonaro conduzirem seus mandatos sem serem afetados pela modificação.

O semipresidencialismo manteria a figura do presidente da República eleito pelo voto direto e popular. A principal novidade seria a criação do cargo de primeiro-ministro. Esse primeiro-ministro seria indicado pelo presidente, mas teria que desfrutar de apoio do Congresso para permanecer no cargo. O Legislativo teria a prerrogativa de votar para destituí-lo. Além disso, haveria a separação das funções de chefe de Estado, que ficaria com o presidente, e a de chefe de Governo, a cargo do primeiro ministro. O chefe de Estado é quem representa o país no exterior – uma função mais simbólica. E o chefe de governo é quem efetivamente governa.

De acordo com o relatório do deputado Samuel Moreira, a implantação do semipresidencialismo seria precedida de um plebiscito, para que a população opine se concorda ou não com o modelo.

Os defensores do semipresidencialismo alegam que o modelo funciona em países como Portugal e França e permite uma composição mais eficaz entre o parlamento e o governo. “O sistema atual elege um presidente da República, com o seu programa de governo, e os parlamentares, com outras responsabilidades”, diz Moreira.


Leia mais em: https://www.gazetadopovo.com.br/republica/camara-aguarda-o-segundo-turno-para-avancar-com-a-proposta-do-semipresidencialismo/
Copyright © 2022, Gazeta do Povo. Todos os direitos reservados.

DECISÕES DO TSE APAGAM A LIBERDADE DE EXPRESSÃO

 

Editorial
Por
Gazeta do Povo


Fachada do TSE| Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil / Arquivo

Nos últimos tempos, considerando tanto as semanas finais da campanha do primeiro turno quanto estes dias que antecedem o segundo turno das eleições, não tem passado um dia sem que a Justiça Eleitoral determine algum tipo de interferência no debate político. Peças de propaganda dos candidatos são removidas, publicações em mídias sociais (ou mesmo contas inteiras) são suspensas, conteúdos jornalísticos são censurados. E há quem ainda não esteja contente com isso, a julgar por pedidos ainda mais radicais: na mesma peça que solicitava a censura prévia de um documentário da Brasil Paralelo, os advogados de Lula pediram quebra de sigilos bancários e fiscais de dezenas de pessoas e até a suspensão do site de uma empresa jornalística, a revista Oeste (esses pedidos não foram atendidos – por enquanto). Tudo isso mostra que aquilo que chamamos, em agosto do ano passado, de “apagão da liberdade de expressão no Brasil” chegou às eleições – o que não é exatamente uma surpresa, pois muitos daqueles que promoveram o “apagão” original estão supervisionando o atual processo eleitoral, e seria difícil que tivessem agora o comportamento que deixaram de ter no passado recente.

Quando Alexandre de Moraes prometeu “interferência mínima” ao tomar posse na presidência do Tribunal Superior Eleitoral, já se podia imaginar que, na prática, ele não honraria a promessa, diante do seu histórico liberticida à frente dos inquéritos abusivos das fake news, dos “atos antidemocráticos” e das “milícias digitais”. Mas é fato que tanto a lei quanto a jurisprudência, em termos de campanha político-eleitoral, consagravam este princípio. A remoção ou suspensão de peças com afirmações factuais cuja falsidade era evidente já encontrava amparo legal, tanto mais quanto fosse o potencial de a mentira distorcer a vontade do eleitor, mas este era o limite para a interferência da Justiça Eleitoral. Para todos os demais casos em que algum candidato se sentisse prejudicado, a lei oferecia – e ainda oferece – outros remédios, como o direito de resposta. Por anos, políticos e sociedade conviveram bem com essa forma de proceder para conter a mentira nas disputas eleitorais.

A Justiça Eleitoral se tornou uma direcionadora do debate eleitoral, proibindo a discussão sobre certos temas e a exposição de certos fatos e opiniões

Mas o precedente aberto pelo comportamento recente dos tribunais superiores subverteu completamente este cenário. As medidas que advogados de candidatos e coligações vêm pedindo aos tribunais eleitorais, e que ministros vêm concedendo sem hesitação, estão distorcendo completamente o debate político, suprimindo manifestações que, mesmo em um período mais delicado como o eleitoral, são perfeitamente legítimas. A “incapacidade de distinguir entre narração de fatos, de um lado, e liberdade de opinião (crítica) e exposição de ideias, de outro”, que descrevemos em agosto de 2021, se repete à perfeição neste momento. Alguns casos concretos mostram que a repressão judicial à liberdade de expressão vem atingindo muitos outros tipos de discurso, bastante diferentes da mentira pura e simples.

Veja-se, por exemplo, o caso da proibição da peça da campanha de Jair Bolsonaro que usa uma fala de Lula em defesa da legalização do aborto para afirmar que o petista, uma vez eleito, trabalharia para concretizar esse discurso. Ora, fazer esse tipo de prognóstico com base em declarações e atos passados é natural na campanha eleitoral, já que se trata de uma escolha a respeito do futuro da nação; discutir o que cada candidato fará caso saia vitorioso está na essência do debate eleitoral. Mas Cármen Lúcia vedou esse tipo de peça alegando que Lula precisaria ter “declarado, prometido ou apresentado projeto de governo no sentido de promover a alteração da lei” para que sua intenção pudesse ser criticada. O ridículo de tal pretensão é evidente: ninguém assume explicitamente algo que se sabe ter repercussão amplamente negativa entre o eleitorado, mas é perfeitamente possível inferir o que um candidato pretende fazer com base em palavras e atos passados, ou em diretrizes partidárias. Na prática, o que Cármen Lúcia fez foi censurar uma discussão a respeito do futuro.


Ainda pior que “censurar o futuro” tem sido a censura à divulgação de fatos indubitavelmente verdadeiros a respeito dos candidatos. No início, tratou-se de alegar que se tratava de desinformação ou inverdade, como no caso da censura a publicações em mídias sociais que tratavam da pública e notória parceria entre Lula e o ditador nicaraguense Daniel Ortega, fartamente documentada em imagens, declarações de apoio mútuo e notas oficiais do Partido dos Trabalhadores. Mais recentemente, no entanto, as cortes perderam o pudor e passaram a admitir que os fatos narrados eram mesmo verdadeiros, mas seguiram censurando, agora com base em conceitos vagos e não definidos em lei, como “desordem informacional”: na definição de Alexandre de Moraes, “você junta várias informações verdadeiras e aí traz uma conclusão falsa”; traduzindo sua fala para o português real, não se trataria de conclusão falsa, mas desagradável para determinado candidato. Tirar conclusões a respeito de uma série de fatos é um trabalho de análise que formadores de opinião realizam diariamente; concluir se tal análise faz sentido ou não cabe unicamente ao leitor ou espectador, não ao Poder Judiciário.

Um Judiciário que deveria apenas coibir a mentira, portanto, agora está coibindo e censurando também a opinião, a análise, o prognóstico e a própria verdade nua e crua, apenas porque os fatos são desabonadores em relação a um candidato. A consequência prática dessas restrições cada vez maiores é que, no fim, só será permitido que candidatos, apoiadores e veículos de comunicação publiquem os fatos, as opiniões, as análises e os prognósticos que forem chancelados pelo juiz eleitoral de plantão. A Justiça Eleitoral se torna, assim, uma direcionadora do debate eleitoral, proibindo a discussão sobre certos temas e a exposição de certos fatos e opiniões. Quanto à liberdade, essa repousa trancada em alguma gaveta no gabinete de algum togado em Brasília.

Leia mais em: https://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/editoriais/o-apagao-da-liberdade-de-expressao-chega-as-eleicoes/
Copyright © 2022, Gazeta do Povo. Todos os direitos reservados.

A CARTA DE LULA NÃO ATINGE TODOS OS EVANGÉLICOS

 

Eleições

Por
Jean Marques Regina
e

Por
Thiago Rafael Vieira – Gazeta do Povo


Evangélicos em encontro com Lula, em São Gonçalo (RJ), no mês de setembro.| Foto: EFE/André Coelho

Nesta reta final da campanha, o todo-poderoso Lula finalmente deixou que lançassem a tal “Carta aos Evangélicos”, lida pelo “padreco do Planalto” Gilberto Carvalho (este era seu apelido internamente entre os colegas na administração petista, por ser um ex-seminarista católico), que fazia a articulação entre o governo e os movimentos sociais ligados a igrejas no período do PT no poder.

Algumas fontes dizem que o ex-presidente resistia a lançar a carta, até para manter uma coerência no discurso de “não misturar política e religião” – uma tentativa fracassada neste ano, pois o tema e os eleitores religiosos vieram com força ao debate público. Talvez este seja um dos grandes tabus vencidos, à medida que o tabu judicial da censura se torna a grande chaga deste pleito. Assim como Nero, os poderosos incendeiam Roma e acabam colocando a culpa nos cristãos.

Porém, da leitura da carta, a pergunta que fica é: para quais evangélicos exatamente este documento foi endereçado?

A impressão que se tem é, mais uma vez, de absoluto desconhecimento da equipe petista sobre a natureza, os valores e as preocupações da população desta tradição cristã. Lembremos que o país tinha 22% de evangélicos em 2010, segundo dados do IBGE; atualmente esta parcela parece ser superior a 30%. Deste porcentual, uma maioria mais que absoluta está no campo pentecostal e neopentecostal, deixando as denominações históricas com um número mais modesto. Do universo evangélico, podemos dizer sem medo de errar que os de visão “progressista” representam menos de 5% do total de evangélicos no Brasil.

A impressão que se tem é, mais uma vez, de absoluto desconhecimento da equipe petista sobre a natureza, os valores e as preocupações da população evangélica

A afirmação segundo a qual foi o governo Lula que legou a liberdade religiosa no Brasil através de decretos e leis é uma inverdade: na verdade, foi o Congresso Nacional. Após a aprovação do novo Código Civil, que deixava as instituições religiosas com o formato jurídico – e as obrigações e limitações – de um clube, a sociedade civil se organizou para a aprovação da Lei 10.825/2003, que acrescentou o inciso IV ao artigo 44 do Código, criando as organizações religiosas. Lula nada mais fez que sancionar o texto aprovado no Congresso.

Lula também diz ter sido ele a cuidar dos pobres, como se a responsabilidade final pelo cuidado do quarteto vulnerável (o órfão, a viúva, o estrangeiro e o necessitado) fosse de um ente despersonalizado – o Estado – e não de todos e cada um. O povo evangélico, assim como o católico, vive de acordo com a Lei do Amor, pela qual sua fé se torna ativa pelo serviço ao seu próximo, que é objeto do seu chamado pelo próprio Deus. O governo tem a missão de fazer justiça – entendida como o refrear do mal, por sua vez entendido como algo inato à natureza humana –, produzindo processos sociais que permitam a todos buscar o bem comum. Não é função do Estado produzir resultados comuns, gerando distorções e uma igualdade fictícia, não sustentável, e que normalmente conduz a uma condição de pobreza comum.

Quanto ao “risco ao funcionamento das igrejas”, basta buscar nas várias cidades espalhadas pelo país qual é o partido que sempre busca regular, dificultar, embaraçar ou até barrar o funcionamento de templos. O Plano Nacional de Direitos Humanos 3 previa, em seu texto original, a regulação da mídia (religiosa, inclusive), o fim dos símbolos religiosos em prédios públicos e o aborto, depois suavizado pelo presidente, que passou do apoio expresso para tratá-lo como “caso de saúde pública”, postura que mantém até hoje.


Basta lembrar os projetos que culminaram no famigerado PLC 122, o grande marco que gerou o despertar dos evangélicos quanto aos perigos da política sem a sua influência. Ainda antes de o PT ser governo, seu texto original, defendido pela bancada petista, previa o fechamento de igrejas por uma postura homofóbica – entendendo ser “homofobia” a expressão do conjunto de doutrina e teologia com a qual se aproximam das Escrituras.

Ninguém está com medo de ter sua igreja simplesmente fechada em 2 de janeiro de 2023. Tampouco teme-se que Lula revogue a Marcha para Jesus ou o Dia do Evangélico. O que realmente assusta este povo – crescente e que trabalha, empreende, paga impostos bem caros e tem historicamente poucas expectativas quanto às instituições da política – são outras coisas.

A liberdade religiosa, assim como a de crença, é cláusula pétrea na Constituição. Porém, embora nossa laicidade colaborativa seja a mais avançada do mundo formalmente, isso não nos ajuda muito na prática. Conforme o Pew Research Institute, que tem índice de exercício da liberdade religiosa em todo o mundo, nós caímos, em um ranking de 168 países, da posição 41 para 128 em apenas dois anos: os da pandemia. E de quem foram os governos que, entre as medidas seriamente questionáveis de gestão, foram radicais quanto às igrejas? Acertou, leitor: os de esquerda!

Caso Lula fosse realmente contrário ao aborto, deveria dizer claramente que vetaria qualquer lei aprovada a respeito do tema, que impediria seu partido ou coalizão de fazer tal propositura, e que é contrário à ADPF 442. Mas não fez nada disso

Foi neste contexto que Ciro Gomes disse que iria mandar prender pastores e padres; que João Doria determinou o fechamento absoluto dos templos (o que foi mantido pelo Supremo Tribunal Federal); que governadores de norte a sul mostraram suas garras para tomarem nacos de liberdade a pretexto de cuidarem justamente delas. E Lula, grande figura pública, que estava sendo reabilitado publicamente, o que falou? Nada. Nenhuma palavra de apoio aos que buscavam na igreja o necessário e essencial auxílio espiritual.

Foi ainda no início da campanha que Lula avisou que não governaria para nenhuma “facção religiosa”, com toda a carga pejorativa que esta palavra enseja. Não, senhores, não existem palavras inúteis na política. Elas expressam o que dizem, e quase sempre codificam para os iniciados as verdadeiras intenções.

Quanto ao aborto, Lula disse em sua carta que sua aprovação não era papel da Presidência e que, pessoalmente, era contra o aborto. A proteção da vida é uma obrigação estrutural do Estado, pois a dignidade humana é o ponto de convergência de toda a Constituição. Assim, em primeiro lugar, é algo que não depende de opinião: é uma vertical objetiva e, como presidente da República, proteger a vida é seu dever. Em segundo lugar, caso Lula fosse realmente contrário, deveria sinalizar isso de maneira clara em seu discurso, dizendo que vetaria qualquer lei aprovada pelo Legislativo a respeito do tema; prometendo não permitir que seu partido ou coalizão fizessem tal propositura; e colocando-se, desde já, terminantemente contra a ADPF 442, que tramita no STF (e que tem dois ministros novos chegando em 2023, indicados pelo novo presidente) e busca a liberação do aborto até o terceiro mês de gestação.


Pelo contrário: foi em seu governo que o Ministério da Saúde permitiu que o aborto fosse administrado em caso de aviso de estupro sem sequer um boletim de ocorrência – o que ficou ainda mais fortalecido com a pandemia, criando-se o “teleaborto”, com denúncias pelo telefone e remédios enviados pelo correio –, com o dinheiro do evangélico pró-vida pagador de impostos.

Por fim, ainda faltou ao presidente deixar claro que sua influência junto ao Ministério Público seria no sentido de não haver perseguição a pastores e líderes que se manifestam quanto a temas sensíveis (como a sexualidade) do ponto de vista doutrinário e que são hoje perseguidos e processados; ou acadêmicos que são absolutamente caçados como presas nas universidades quando – vejam vocês – expõem uma ideia diferente da militância (recentemente vimos uma estudante de História fortemente hostilizada por colegas por ser conservadora).

Sim, senhores. O temor do evangélico é de poder continuar a “crer, e por isso, falar”. Todos sabem que o chamado à fé nos coloca em um caminho árido. Porém a liberdade parece um mero conceito abstrato, até que a perseguição bate às portas. E está batendo.

O que dizem os evangélicos sobre a carta de Lula
Por
Gabriel de Arruda, especial para a Gazeta do Povo


Levantamento do Datafolha mostrou que Bolsonaro tem o apoio de 66% dos evangélicos contra 28% de Lula. Na foto, o petista em evento com evangélicos, na última quarta-feira.| Foto: Ricardo Stuckert / PT Oficial

Em uma eleição presidencial acirrada, os evangélicos podem fazer a diferença em favor de Jair Bolsonaro. A histórica simpatia desse público a Bolsonaro talvez explique porque Lula, candidato do PT, decidiu lançar uma carta aos evangélicos. O documento, divulgado na quarta-feira, traz um tom amigável e argumenta que, enquanto presidente, Lula nunca afrontou os evangélicos — e que por isso eles não devem temer um eventual novo governo do petista.

Na carta, Lula promete “fortalecer as famílias” para manter os jovens “longe das drogas” e diz que “o respeito à família sempre foi um valor central na minha vida, que se reflete no profundo amor que dedico à minha esposa, aos meus filhos e netos”. O candidato também assegura que “o lar e a orientação dos pais são fundamentais na educação de seus filhos, cabendo à escola apoiá-los dialogando e respeitando os valores das famílias, sem a interferência do Estado.”

Mas, para lideranças evangélicas ouvidas pela Gazeta do Povo, o efeito da carta será inócuo; diante da militância persistente do PT e das declarações do próprio Lula em temas como a ideologia de gênero e o aborto, um comunicado de última hora pouco pode fazer. Eles também apontam para a falta de compromissos concretos na carta, como o reconhecimento do homeschooling e a garantia da liberdade religiosa na esfera pública — para, por exemplo, professar publicamente a crença de que a família é formada a partir de um homem e uma mulher.

Na opinião do pastor Franklin Ferreira, a carta de Lula é “uma colcha de retalhos de jargões vazios, que só serve para ludibriar os ingênuos”. Para Ferreira, a carta não é eficaz por causa do histórico do PT e da esquerda. “Entre os pastores pentecostais e protestantes que conheço a carta foi recebida com piadas, desprezo ou cinismo. Não há como apagar da memória dos evangélicos as perseguições movidas por socialistas no passado contra a igreja, como na Europa Central, e os ataques de radicais do PT e do PSOL à fé cristã em anos recentes”, diz Ferreira, que é doutor em Teologia e diretor do Seminário Martin Bucer.

Ferreira diz ainda que o eleitorado evangélico desenvolveu uma capacidade maior de identificar quem são as forças políticas hostis aos seus valores – e que cartas divulgadas às vésperas das eleições não são suficientes para mudar votos. “Ao mesmo tempo em que a esquerda radicalizou suas pautas, os cristãos, católicos, protestantes e pentecostais despertaram para a importância de buscar um bom preparo para a guerra cultural e a preservação de marcos civilizatórios importantes”, diz ele.

Thiago Vieira, presidente do Instituto Brasileiro do Direito e Religião (IBDR) e membro da Comissão de Liberdade Religiosa da OAB Federal, diz que o efeito da carta será “zero, ou pior”. “Acreditamos que a carta é incoerente em relação a várias falas proferidas pelo candidato do PT, e não reflete o pensamento do partido sobre os evangélicos”, escreveu ele, em uma manifestação assinada também pelo vice-presidente do IBDR, Jean Regina. Os representantes do IBDR também afirmam que “as ações do candidato revelam um projeto para relegar a religião ao espaço privado e abre as portas da nação brasileira para permitir práticas que violam a dignidade da pessoa humana”.

Pastor, professor e escritor, Yago Martins tampouco foi persuadido pela carta do petista: “O discurso do Lula nessa carta claramente é oriundo de uma bolha de evangélicos que provavelmente escreveram essa carta para ele, completamente ignorantes sobre os medos e anseios reais daqueles que evitam votar no Lula por medo do trato dele com pautas religiosas”, opina.

Aborto e fechamento de igrejas

A carta de Lula também traz uma menção ao aborto: “Sou pessoalmente contra o aborto e lembro a todos e todas que este não é um tema a ser decidido pelo Presidente da República e sim pelo Congresso Nacional”, ele diz no texto.

Yago Martins afirma que a redação da carta é dúbia porque a posição pessoal de Lula sobre o aborto não é de interesse público. “O discurso da carta sobre o aborto vai contra aquilo que o PT tem estabelecido há muito tempo. O Lula usa uma linguagem pessoal de ‘eu sou pessoalmente contra o aborto’, como se a gente estivesse preocupado com o sentimento privado do Lula sobre o aborto, quando a gente está preocupado é com a política pública de descriminalização do aborto”, ele critica. Franklin Ferreira concorda: “Não há, de fato, nenhum compromisso na carta com a proteção da vida do nascituro. A carta poderia afirmar que se eventualmente Lula chegar à presidência ele agiria para que o PT vete uma decisão do Congresso Nacional”, diz ele.

Em 2007, o PT aprovou em resolução a defesa da legalização do aborto – posição que nunca foi revogada. O próprio Lula, em diversas ocasiões, defendeu que o tema fosse tratado como uma assunto de “saúde pública” — jargão usado pelos defensores da legalização para justificar a liberação da prática. Em abril deste ano, em um evento da Fundação Perseu Abramo, ele afirmou: “Quando que a madame ela pode fazer um aborto em Paris, ela pode escolher Berlim. Aqui no Brasil, ela não faz porque é proibido, quando na verdade deveria ser transformado numa questão de saúde pública e todo o mundo ter direito e não ter vergonha.”

Além disso, apesar de Lula usar a carta para afirmar que jamais cogitou fechar igrejas, pelo menos um projeto de lei endossado por seu partido abriu essa possibilidade: uma proposta da deputada petista Iara Bernardi em 2006 previa, como punição por homofobia, a “suspensão do funcionamento dos estabelecimentos por prazo não superior a três meses”, sem que houvesse exceção para igrejas. O projeto foi amplamente debatido na Câmara e acabou não sendo aprovado. Mais recentemente, governadores e prefeitos petistas determinaram o fechamento temporário de igrejas sob o pretexto de combater a pandemia.

O partido de Lula também defendeu o vereador Renato Freitas (PT), que liderou a invasão à igreja Nossa Senhora Rosário dos Pretos, em Curitiba, durante uma manifestação em fevereiro deste ano. Além disso, o PT e seus aliados são atuantes na promoção da agenda LGBT mais radical. E muitas das figuras ligadas ao partido demonstram hostilidade aberta contra as igrejas evangélicas.

Por tudo isso, é difícil crer que a carta de Lula vá influenciar um grande número de eleitores evangélicos. Yago Martins acredita que, embora parte dos eleitores de forma geral ainda se apeguem mais aos políticos do que às ideias dele, tem se tornado cada vez mais fácil identificar quem são os oportunistas. “Hoje, com as redes sociais, é mais fácil averiguar o que foi dito no passado e o modo como os políticos agiram e se as ações condizem com as promessas. A carta de intenções do Lula não parece condizer com as atitudes que o PT tem tomado ao longo da história”, conclui.


Leia mais em: https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/o-que-dizem-evangelicos-carta-lula/
Copyright © 2022, Gazeta do Povo. Todos os direitos reservados.

FORÇAS UCRANIANAS AVANÇAM SOBRE CIDADE TOMADA PELA RÚSSIA

 

Por

Guerra na Europa

Por
Luis Kawaguti – Gazeta do Povo


Moradores de Kherson chegam à Crimeia, depois que autoridades pró-Rússia do oblast recém-incorporado anunciaram retirada de civis da região| Foto: EFE/EPA/STRINGER

Menos de 40 quilômetros. Essa é a distância entre a principal reserva de tropas ucranianas no sul do país, em Mykolayiv, e a capital do oblast (província) de Kherson – a primeira grande cidade que caiu nas mãos dos russos, no início de março. As tropas ucranianas estão motivadas e acham que serão capazes de libertar Kherson em seis semanas, antes que as planícies ucranianas comecem a congelar. Mas isso terá um custo muito alto.

Se a Ucrânia retomar Kherson, terá nas mãos uma de suas maiores vitórias no campo de batalha até agora. Em setembro, o presidente Vladimir Putin disse que os habitantes dessa e de outras três regiões anexadas agora são russos para sempre.

Em Mykolayiv, tive contato com militares ucranianos que se dizem otimistas com um avanço rápido. Mas isso não quer dizer que eles achem que a tarefa é fácil. Em uma de suas últimas missões, perderam 25 homens de um grupo inicial de 50. Eles não dão entrevistas por medo de represálias às suas famílias por agentes russos. Dizem que estão motivados para o combate em Kherson, apesar de estarem com os soldos há mais de um mês atrasados.

Analistas militares ocidentais também afirmam que a Ucrânia tem condições de retomar Kherson antes do inverno. A cidade foi invadida rapidamente por tropas russas que estavam na Crimeia logo no primeiro dia da guerra, em 24 de fevereiro. Os ucranianos lançaram então um contra-ataque e retomaram a maior parte da capital do oblast. Mas os russos continuaram avançando e a cidade capitulou em 2 de março.

Ela tem uma característica geográfica peculiar: é a única cidade invadida localizada a oeste do rio Dnipro, que praticamente corta o país ao meio, de norte para sul. Os ucranianos conseguiram inutilizar as duas principais pontes sobre esse rio na região. Para isso, eles usaram lançadores de foguetes de alta mobilidade (Himars), fornecidos pelos Estados Unidos – a arma que por ora está fazendo a diferença na guerra.

Assim, os russos estão tendo que utilizar balsas para cruzar os mil metros de largura do rio, transportando comida, munição e armas para suas tropas. Isso deixa o trabalho mais lento e a quantidade de recursos transportada acaba sendo menor.

Os russos montaram pelo menos três linhas de defesa da cidade, com trincheiras e armamentos pesados. Uma delas é a própria linha de frente, onde tropas ucranianas e russas estão tendo contato na zona rural. Se essa linha cair, os russos podem se retirar para a segunda linha, montada próxima do subúrbio da cidade. A terceira e última linha seria praticamente dentro de Kherson, segundo informações de inteligência ocidentais.

Mas há um outro cenário que vem sendo cogitado por analistas americanos e pelas Forças Armadas ucranianas: uma retirada estratégica dos russos para a margem oriental do rio Dnipro – abandonando Kherson para as forças ucranianas.

A possibilidade de concretização desse cenário vem ganhando força depois que a Rússia começou a retirar 60 mil civis, parte da população civil da cidade, e após o general Segei Surovikin, comandante das forças de invasão russas, dar uma entrevista na TV de seu país.

“Nossas próximas ações e planos em relação à cidade de Kherson vão depender da situação tático-militar na ocasião. Eu vou dizer novamente: hoje a situação já está muito difícil”, disse Surovikin na terça-feira (18).

Analistas ocidentais interpretaram a declaração como uma tentativa de preparar o público russo para a notícia da retirada das forças de Kherson.

Do ponto de vista militar, essa decisão seria adequada para poupar vidas de soldados. A Rússia poderia tentar então uma nova ofensiva na região quando receber reforços. Porém, do ponto de vista político, uma retirada no momento seria catastrófica para o Kremlin.

Nesse contexto, um cenário ainda mais catastrófico está sendo discutido em uma verdadeira guerra da informação. Rússia e Ucrânia estão acusando um ao outro de ter planos para dinamitar a represa da hidrelétrica de Kharkovka. Essa ação poderia provocar uma grande inundação em Kherson e causar muitas mortes.

Ao iniciar a evacuação de aproximadamente 60 mil moradores de Kherson, a Rússia disse a eles que a remoção era motivada exatamente pelo perigo dos ucranianos dispararem mísseis contra a represa. O general Surovikin disse que os ucranianos estariam prontos para usar “métodos banidos de guerra” para conseguir tomar Kherson.

Já o think tank americano ISW (sigla em inglês para Instituto de Estudos da Guerra) afirmou que os russos poderiam explodir a represa com dois objetivos: culpar os ucranianos e cobrir sua retirada – impedindo que suas tropas sejam perseguidas ao se retrair. Segundo a instituição, o Kremlin já teria começado uma ofensiva no campo da informação para culpar a Ucrânia pelo ataque.

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, acusou a Rússia diretamente de ter instalado minas no dique da represa e afirmou que sua dinamitação seria um “desastre de larga escala”. Ele pediu à comunidade internacional que enviasse urgentemente observadores para a represa.

Existe ainda a possibilidade ainda mais remota de uma derrota em Kherson aumentar o apetite do presidente Putin de utilizar armamento nuclear tático (uma bomba nuclear com um décimo ou até a metade do poder destrutivo da bomba de Hiroshima). O objetivo de tal ação seria tentar acabar com a guerra apostando na rendição da Ucrânia.

Mas um ataque nuclear também teria um alto custo para o presidente russo: ele provavelmente perderia o apoio de países como China, Índia, África do Sul e Arábia Saudita, além de diversas nações africanas. O apoio econômico chinês e indiano deu à Rússia mercados para os derivados de petróleo russos (cuja venda vem sendo sancionada pelo Ocidente) e fornecedores de produtos que o país não consegue mais comprar da Europa e dos Estados Unidos.

Isso sem falar da reação do Ocidente, que pode variar do envio de mais armas para a Ucrânia até o envolvimento direto da OTAN (aliança militar ocidental) na guerra.

Mas o presidente russo precisa mostrar força internamente. Se não o fizer, começa a correr o risco de perder o cargo.

Contudo, é preciso lembrar que, apesar de ser um objetivo estratégico muito importante, Kherson não decidirá a guerra da Ucrânia. Apesar de seu valor simbólico, mesmo que a cidade seja liberada, cerca de 20% do território ucraniano ainda permanecerá nas mãos dos russos.

Enquanto Kyiv se esforça para retomar Kherson, as forças russas continuam tentando avançar em Donbas, no leste do país, e parecem agora se voltar para a conquista da capital de Zaporizhzhia.

As cerca de 300 mil tropas adicionais que Putin mobilizou recentemente estão chegando aos poucos ao campo de batalha – e nada garante que o presidente russo não tente mobilizar um contingente ainda maior nos próximos meses.

Analistas convergem ao dizer que o inverno vai paralisar temporariamente a maioria das manobras militares. Assim, os bombardeios de ambos os lados devem continuar, mas dificilmente grandes parcelas do território vão mudar de mãos nos meses frios.

Por isso, a Rússia terá tempo para equipar e treinar novos recrutas durante o inverno e voltar a atacar os ucranianos na primavera. Ou seja, Kherson pode ser libertada, mas a guerra ainda parece longe do fim.

Leia mais em: https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/jogos-de-guerra/ucranianos-querem-libertar-kherson-antes-do-inverno/
Copyright © 2022, Gazeta do Povo. Todos os direitos reservados.

O NOVO CONGRESSO MAIS CONSERVADOR TERÁ MAIORES RESPONSABILIDADES

 

Por
André Uliano – Gazeta do Povo


Prédio do Congresso Nacional.| Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Muito se tem falado acerca da nova composição do Congresso após o resultado das últimas eleições. O principal ponto a chamar a atenção foi o crescimento do número de parlamentares conservadores no Senado e na Câmara dos Deputados. A questão que fica a partir daí é: como esse novo Congresso poderá alterar a vida dos brasileiros? Quais seriam as prioridades de um Parlamento conservador?

A meu ver, dois pontos se destacam entre as principais responsabilidades desse novo Legislativo: 1) consolidação democrática; e, 2) redução da pobreza e das desigualdades injustas.

O ativismo judicial deixou as democracias latino-americanas em frangalhos.

A primeira missão decorre do fato óbvio de que o ativismo judicial deixou as democracias latino-americanas em frangalhos. Por estas bandas, além dos problemas que típicos do ativismo judicial – como concentração de funções, violação da separação de poderes, déficit democrático nas decisões e deterioração da segurança jurídica – o ativismo ainda foi fortemente direcionado contra as liberdades necessárias para a consolidação de regimes democráticos funcionais. As principais vítimas foram a liberdade de expressão e o devido processo legal.

Os inquéritos por crime de opinião em curso no Brasil são um símbolo dessa triste era. Neles, opiniões e palavras – por vezes, sem qualquer prova minimamente consistente de natureza ilícita – são perseguidas com uma voracidade assustadora. A brutalidade de uma máquina policialesca que atua à margem da Constituição e das leis é voltada contra pessoas eleitas como “inimigas”, sendo-lhes negados os direitos processuais mais básicos. Ali as funções de investigar, acusar e julgar se confundem numa única pessoa, enquanto a defesa é reduzida a mero formalismo irrelevante.

Portanto, creio que esse é um ponto essencial de atuação. O novo Congresso terá de se posicionar com liderança e viabilizar um debate social que busque restaurar a legalidade da persecução penal, ao mesmo tempo em que – com equilíbrio – protege figuras públicas altamente expostas (por crimes reais, não por meras críticas) e compensa as vítimas das perseguições políticas ocorridas durante os últimos anos.

Os caminhos para isso são variados: concessão de anistia, reconhecimento de culpa do Estado e indenização aos perseguidos, e responsabilização das autoridades envolvidas. Ademais, legislações que resguardem e reafirmem a liberdade de expressão são necessárias ante os arroubos testemunhados nos últimos anos.

Também é preciso que o novo Congresso resguarde o modelo acusatório de persecução penal, condene e proíba investigações dirigidas por autoridades judiciais e declare ilícitas todas as provas daí derivadas para quaisquer fins. Aliás, seria conveniente a criação de um crime de responsabilidade expresso para ministros do STF que desobedeçam a essa caro comando constitucional.

O outro ponto relevante é a redução da pobreza e das desigualdades injustas. É curioso que muitos conservadores sintam certo receio de abordar o tema, talvez por imaginarem que as únicas respostas disponíveis favoreceriam a dita “esquerda”. Mas a verdade é que a preocupação social está no coração das propostas conservadoras.

O que caracteriza o conservadorismo não é a insensibilidade com esses temas, mas o cardápio diferenciado de políticas públicas para fazer frente a eles. Nesse ponto, são dois os pilares: fortalecer a igualdade de oportunidades; e favorecer a mobilidade social ascendente.

Quanto ao primeiro ponto, relativo à equidade de oportunidades, é preciso equalizar a qualidade da educação primária e profissionalizante. De modo complementar, para permitir a ascensão social, é necessário reduzir as disfuncionalidades tributárias, permitindo ganhos de produtividade e facilitando o empreendedorismo. Ainda é relevante reduzir o custo da empregabilidade, o que já vem sendo feito desde a reforma que modernizou as relações de trabalho em 2017.

Se em meio aos vários problemas do Brasil, da América Latina e do mundo, o novo Congresso conseguir avançar nesses dois pontos – consolidação democrática, com restauração da liberdade de expressão e fortalecimento do devido processo legal, e redução da pobreza e das desigualdades injustas – creio que prestaria um enorme serviço ao país nesses quatro anos de legislatura, tornando-se uma exceção em meio ao caos regional das nações vizinhas.


Leia mais em: https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/andre-uliano/responsabilidades-do-novo-congresso-nacional/
Copyright © 2022, Gazeta do Povo. Todos os direitos reservados.

O BRASIL VIROU TESTE DE FAKE NEWS PARA O MUNDO

 

Por
Madeleine Lacsko

Brasília – O Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, durante entrevista coletiva para apresentação do Plano Nacional de Segurança (Marcelo Camargo/Agência Brasil)


Jornal americano disse que atuação de Alexandre de Moraes no STF e no TSE “despertou preocupações de que seus esforços para proteger a democracia do país tenham na verdade seu erudito”| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

As últimas decisões do TSE são vistas de forma bastante diferente pela imprensa brasileira e internacional. Se você me acompanha, sabe que há anos tenho mergulhado na questão de desinformação e “fake news”. Por aqui, o debate público ainda é muito primitivo, está focado naquilo que pode ou não ser dito. Não é esse o nó da desinformação.

Aqui não me proponho a uma avaliação política ou moral do que está acontecendo. Aliás, se você está em busca disso, sugiro as colunas do meu amigo Polzonoff. O tema aqui é Cidadania Digital. Tento compreender como chegamos aqui e de que forma sairemos dessa situação que é, para dizer o mínimo, incômoda e quase incompreensível para muita gente.

Na maioria das vezes, operações de desinformação de sucesso nem utilizam mentiras. São mais críveis e efetivas quando lidam apenas com fatos verificáveis.

Lidar com a mentira é uma atividade humana desde que desenvolvemos a linguagem. Os esforços internacionais no combate à desinformação já passaram desse ponto específico há muito tempo. Cometemos o erro primitivo de traduzir “fake news” como notícias falsas ou mentiras. Não são e, arrisco dizer, na maioria das vezes, operações de desinformação de sucesso nem utilizam mentiras. São mais críveis e efetivas quando lidam apenas com fatos verificáveis.

Isso sempre existiu, faz parte do treinamento de inteligência militar há décadas. Com as redes sociais, o jogo muda primeiro pela rapidez e depois pela capacidade de coletar informações individuais que apontam os melhores indivíduos a envolver nas operações. Melhor explicar com exemplos. Como alguém pode contar uma grande mentira usando apenas verdades? Volto ao ano de 1987 e um comercial da W/Brasil para a Folha de São Paulo.

A imagem inicial na tela é de uma foto vista de muito perto, vemos pixels, não dá para saber o que é. Na medida em que o locutor fala, a câmera vai se afastando e formando uma imagem. Diz a locução: “Este homem pegou uma nação destruída, recuperou sua economia e devolveu o orgulho ao seu povo. Em seus quatro primeiros anos de governo, o número de desempregados caiu de seis milhões para 900 mil pessoas. Este homem fez o produto interno bruto crescer 102% e a renda per capita dobrar. Aumentou o lucro das empresas de 175 milhões para 5 bilhões de marcos. E reduziu a hiperinflação a no máximo 25% ao ano. Este homem adorava música e pintura e, quando jovem, imaginava seguir a carreira artística”. Nesse momento, a imagem fica nítida na tela. O homem é Adolf Hitler.

Não há uma única mentira no texto. Ocorre que contextualizar a história de Hitler omitindo suas perversidades forma uma grande mentira. Como isso seria usado nas redes sociais numa operação de desinformação? Aí damos um passo além. Meu exemplo preferido é pouco conhecido aqui no Brasil. Gosto dele porque não desperta paixões.

Trinidad e Tobago, no Caribe, é um país que se divide entre eleitores de etnia indiana e etnia caribenha. A tão falada Cambridge Analytica foi contratada pela candidata a primeira-ministra do partido dos indianos, que estava atrás nas pesquisas.


Foram coletados dados de comportamento trivial da população, todos aqueles que as plataformas de redes sociais disponibilizam, com análise de inteligência artificial. Era necessário mudar o voto dos jovens. Como isso foi feito? Foi lançada uma dessas campanhas com influencers que parecem espontâneas. Ela pregava a abstenção eleitoral como ato de protesto contra a corrupção no país.

Havia um sinal específico – os braços cruzados adiante do corpo – e uma coreografia que eram repetidos nas redes sociais pelos jovens. Começou a virar uma febre juntar a própria turma para fazer a coreografia dos que não iriam votar, postar nas redes sociais e receber uma chuva de likes e comentários. Todos os jovens aderiram. Influencers e famosos aderiram também. Inicialmente houve um impulsionamento, mas depois a maioria era legítima, gente que aderiu voluntariamente.

Eram jovens das duas etnias, tanto indianos quanto caribenhos. De que forma a Cambridge Analytica pretendia mudar as eleições a favor da candidata que a havia contratado se também o eleitorado dela ameaçava não ir às urnas? Aí é que está o pulo do gato das operações de desinformação. Tudo era tratado como se fosse uma reação espontânea das pessoas, mas não era. A ação foi planejada tendo em conta os dados coletados via redes sociais.

Eles revelavam que jovens caribenhos têm mais independência dos pais do que os indianos. Na comunidade indiana, existe a liberdade para aderir a modinhas e socializar com os amigos. Porém, na hora do “vamos ver” a família vem em primeiro lugar e o jovem obedece os pais sem questionar.

Foi assim. Todo mundo aderiu nas redes à campanha pela abstenção contra a corrupção. No dia da eleição, os jovens indianos compareceram às urnas em massa e votaram na candidata indicada pelos pais. Ela ganhou.

Publicações de órgãos de imprensa ou de campanhas oficiais acabam sendo colocadas no mesmo balaio desse sistema dinâmico. Elas são diferentes porque têm uma curadoria e um responsável.

Operações bem sucedidas de desinformação eleitoral são feitas com esse nível de sofisticação. Derrubar conteúdos é suficiente para impedir que elas tenham sucesso? Não. Selecionar o que pode ou não ser dito impede o sucesso de estratégias tão sofisticadas? Não.

Depois de um escândalo internacional, a Cambridge Analytica acabou encerrando suas atividades. Mas a atividade em si permanece viva e representa uma ameaça real à democracia. Pela saúde da democracia, o correto seria que as pessoas soubessem da maquinação por trás da campanha aparentemente espontânea de não votar em protesto contra a corrupção.

Caso esses jovens que aderiram soubessem realmente do que se tratava, teriam tido o mesmo comportamento? Não há como saber. Mas é certo que eles tinham o direito de saber que estavam sendo manipulados por meio dos dados individuais que revelam como eles se comportam. Esses dados são vendidos pelas redes sociais aos seus anunciantes. Na maioria das vezes, são empresas. Quando entramos na seara política, a coisa começa a complicar pela mistura entre dois tipos de poder.

O poder econômico é decisivo em eleições de diferentes formas, mesmo quando as pessoas têm a consciência de como ele atua. Quando se mascara essa atuação, as coisas ficam muito complicadas e não dá para dizer que as decisões tomadas pelos eleitores são conscientes.

Tivemos anos para evoluir em sistemas conjuntos para que as instituições públicas, todas elas, estivessem unidas e vigilantes. O poder governamental e político precisa traçar um limite de ação em que não seja contaminado ou manobrado pelo poder econômico. Ainda não há uma receita de bolo sobre isso e muitos países estão tentando. As alternativas mais avançadas estão na Alemanha, Taiwan e Estados Unidos.

Por aqui, o foco ficou inteiramente no conteúdo, sem atenção devida ao contexto, à dinâmica digital e às manipulações.

Publicações de órgãos de imprensa ou de campanhas oficiais acabam sendo colocadas no mesmo balaio desse sistema dinâmico. Elas são diferentes porque têm uma curadoria e um responsável. O tratamento precisa ser diferente. Quando o foco fica no conteúdo, o tratamento é similar para situações muito diferentes. É o caminho pelo qual o Brasil optou.

O mundo todo tenta uma solução para equilibrar a economia digital e o mercado predatório das Big Techs com as instituições públicas e a democracia.

Para o New York Times, o Brasil se colocou em um caminho de testes sobre os limites para combater a desinformação. “Ao permitir que uma única pessoa decida o que pode ser dito online no período que antecede as eleições de alto risco, que serão realizadas em 30 de outubro, o Brasil se tornou um caso de teste em um debate crescente sobre até onde ir no combate às fake news”, diz o jornal.

Na CNN, o jornalista Iuri Pitta relatou ter conversado com funcionários de diversas redes sociais. Como as sedes da maioria ficam nos Estados Unidos, onde a liberdade de expressão é um valor nacional, eles relatam dificuldades em explicar o que havia sido decidido como regra por aqui.

“A decisão provocou protestos de apoiadores do presidente de direita Jair Bolsonaro, bem como preocupação de muitos especialistas em direito da internet e direitos civis, que disseram que representava uma expansão de poder potencialmente perigosa e autoritária, que poderia ser abusada para censurar legítimos pontos de vista e balançar a disputa presidencial”, completa o New York Times.

Não há dúvidas de que teremos uma semana muito agitada. As discussões nacionais sobre o tema já estão em ebulição. Agora, os olhos da comunidade internacional também estão voltados para nós. O mundo todo tenta uma solução para equilibrar a economia digital e o mercado predatório das Big Techs com as instituições públicas e a democracia. A opção do Brasil foi feita. Será avaliada internacionalmente.


Leia mais em: https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/cidadania-digital/brasil-virou-caso-de-teste-sobre-qual-o-limite-do-combate-a-fake-news-diz-new-york-times/
Copyright © 2022, Gazeta do Povo. Todos os direitos reservados.

HOMEM CABEÇA DE OVO QUE DITA AS REGRAS

 

Autoritarismo
Brasil através do espelho

Por
Leonardo Coutinho – Gazeta do Povo


Ilustração do livro “Alice através do espelho e o que ela encontrou por lá”, de Lewis Carroll, publicado em 1871| Foto: John Tenniel/Domínio Público/Wikimedia Commons

“Quando eu uso uma palavra”, disse Humpty Dumpty num tom bastante desdenhoso, “ela significa exatamente o que quero que signifique: nem mais nem menos.”

“A questão é”, disse Alice, “se pode fazer as palavras significarem tantas coisas diferentes.”

“A questão”, disse Humpty Dumpty, “é saber quem vai mandar — só isto.”

O trecho acima é de “Alice através do espelho e o que ela encontrou por lá”, livro publicado no final do século XIX pelo inglês Charles Lutwidge Dodgson, conhecido pelo pseudônimo de Lewis Carroll. Humpty Dumpty é uma figura antropomórfica presente em várias obras literárias em inglês. Algumas representações mostram um homem com cabeça de ovo, mas a mais clássica é de um grande ovo com feições humanas, braços e pernas e ideias.

No diálogo com Alice, Humpty Dumpty se revela arrogante e autoritário. Do alto de um muro, ele mal olha para a interlocutora que está no solo e ela tem que erguer sua cabeça como se estivesse diante de um trono. Muitas vezes, ele a despreza em favor de sua autoridade e suposta superioridade.

Mas nada é mais útil, nesse encontro entre a menina e a criatura oval, que um fragmento do diálogo em que Humpty Dumpty fala sobre o significado das palavras. Ou melhor, o sentido que ele escolhe dar às palavras. Ainda que ele não faça sentido algum.

Quando Humpty Dumpty fala que o cada um diz só vai significar aquilo que quem manda diz que significa, ele está falando de manipulação, propaganda e censura. É a vontade se sobrepondo à verdade ou realidade. De acordo com o homem-ovo, não importa o fato ou o mais óbvio dos significados. O que vale é o que quem tem o poder decide o que é dito, ou pode ser dito.

Assim são as ditaduras. Ou assim surgem as ditaduras.

No mundo de Humpty Dumpty, não importa o que você quer dizer. Mas o que o chefe quer que você diga, ainda que a subversão dos significados envie o interlocutor para a cadeia ou lhe imponha o silêncio sob penas de multa e prisão.

O mais insólito é que ovo-homem se comporta como se estivesse na mais nobre posição de defender as palavras. Um guardião. Seus argumentos não fazem sentido algum. Aplica sobre si um verniz de virtude para ocultar o que realmente é. Uma figura despótica e autoritária.

Humpty Dumpty não se importa com nada além de sua própria visão de mundo e a sua pretensa capacidade de dizer o que cada coisa vem a ser. O que cada um “realmente” disse ou quis dizer. E o que cada um disse, mesmo sem dizer. Seu diálogo com Alice ensina sobre totalitarismo, populismo e censura.

Em outro ponto central da conversa, Alice percebe o óbvio. Um ovo-homem se equilibrando sobre um muro achando que aqui é um trono é algo bem precário. “Não acha que ficaria mais seguro no chão?”, perguntou Alice. “Chão”, no caso dos delírios ditatoriais de Humpty Dumpty, talvez pudesse ser também uma referência à realidade ou ao compromisso com a realidade factual.

Mas Humpty Dumpty, mesmo sendo um ovo, se sente invulnerável.

“Claro que não acho! Se por acaso eu caísse — o que não tem a menor chance de acontecer —, mas se eu caísse…”, disse Humpty Dumpty. Em tom cerimonial, ele completou que tinha proteção. Que o Rei lhe havia prometido “de sua própria boca” que mandaria todos os seus cavalos e todos os seus homens. “Eles me levantariam de novo num segundo.”

O encontro de Alice com Humpty Dumpty segue caótico e demarcado pela postura autoritária do ovo-homem que duvida, inspeciona, checa o que a menina diz. Mesmo uma subtração matemática absolutamente simples: 365 menos um. O ovo-homem quer ter o controle. Quer dar a palavra final.

Alice se cansou e foi embora. Disse adeus, mas Humpty Dumpty fingiu que não ouviu. Em sua mente, ela disse uma frase incompleta: “De todas as pessoas insatisfatórias que já encontrei…”. Carroll parece ter deixado a lacuna para cada um de nós buscar o seu próprio complemento para a frase.

Um ato de liberdade intelectual, criativa e até mesmo cívica. Uma liberdade cada vez mais ameaçada. Pois Humpty Dumpty não existe apenas na literatura. Ele está à espreita olhando o mundo desde cima e decidindo o que cada um pode pensar, dizer ou o que significa cada coisa dita ou escrita. Ele acha que pode tudo. Afinal, ele se diz amigo do rei. Resta saber quem é o rei.

Leia mais em: https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/leonardo-coutinho/brasil-atraves-do-espelho-humpty-dumpty-decide-o-que-se-pode-pensar-e-dizer-e-o-que-significa-cada-coisa-dita-ou-escrita/
Copyright © 2022, Gazeta do Povo. Todos os direitos reservados.

DIA DO CORTADOR DE CANA-DE-AÇÚCAR E CURIOSIDADES

  Dia do Cortador de Cana-de-Açúcar e Curiosidad...