Suspensão de reajuste inicialmente proposta para o Ceará pode ganhar abrangência nacional.| Foto: Fernando Jasper/Gazeta do Povo
Uma das regras mais importantes – se não for a mais importante – a ser seguida por um país que deseja atrair investimentos é cumprir os contratos. Ninguém se arriscaria a arrematar uma concessão, comprar uma estatal privatizada ou se comprometer a construir ou ampliar unidades fabris se perceber que, a qualquer momento, o poder público pode intervir e desfazer o que está legalmente acertado. Pois o que a Câmara dos Deputados está prestes a fazer é enviar ao investidor, brasileiro ou estrangeiro, um péssimo sinal a respeito do nível de segurança jurídica dos contratos no país.
Insatisfeito com a autorização da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para que a Enel Distribuição Ceará promova um aumento de 23,99% em suas tarifas, o deputado federal Domingos Neto (PSD-CE) apresentou o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 94/2022, que simplesmente suspende o reajuste. Para piorar, o próprio autor da proposta admitiu que há o objetivo de alterar o texto no plenário da Câmara para ampliar seu alcance a qualquer reajuste autorizado pela agência reguladora em 2022 – antes mesmo do PDL de Domingos Neto, as deputadas Talíria Petrone (PSol-RJ) e Rose Modesto (PSDB-MS) já haviam apresentado propostas semelhantes para derrubar reajustes no Rio de Janeiro e no Mato Grosso do Sul, e há a possibilidade de apensar estes e outros PDLs ao texto do deputado cearense. Desde o dia 3, a proposta está tramitando em regime de urgência, aprovado pela Câmara por avassaladores 410 votos a 11; mesmo no Novo, o único partido que orientou voto contrário à urgência, dois deputados foram favoráveis.
Câmara passará a mensagem de que no Brasil os contratos não valem o papel em que são redigidos, pois a qualquer momento um governante ou parlamentar populista pode ignorar seus termos e impor perdas ao investidor
A energia elétrica tem representado fatia importante dos gastos do brasileiro. A crise hídrica, hoje praticamente superada, levou à criação de uma nova bandeira tarifária, ainda mais cara que a “vermelha 2”, resultado da necessidade de ativar mais usinas termelétricas, mais caras. O reajuste, autorizado justamente quando a conta de luz tinha tudo para cair, com o retorno à bandeira verde, é um banho de água fria no consumidor. Mas os aumentos autorizados pela Aneel estão ocorrendo exatamente de acordo com o previsto nos contratos; além disso, a Associação Brasileira de Distribuidoras de Energia Elétrica (Abradee) alega que os porcentuais de 2022 contêm uma recomposição referente a aumentos que deveriam ter sido concedidos durante a pandemia, mas foram represados.
Dois casos emblemáticos vêm à mente do brasileiro neste momento, e um deles tem relação com o próprio setor elétrico. A Medida Provisória 579, assinada por Dilma Rousseff em setembro de 2012, foi saudada em rede nacional de rádio e televisão às vésperas de sua entrada em vigor, como um instrumento que reduziria as tarifas de energia. No entanto, ela atingia esse objetivo desorganizando completamente o setor, forçando o vencimento de concessões e colocando as empresas contra a parede. Em 2013, uma crise hídrica piorou a situação; não demorou para que a conta de luz voltasse aos mesmos níveis de antes da MP e continuasse subindo. Ainda hoje o brasileiro está pagando o estrago na forma de indenizações às empresas de transmissão.
O segundo caso é bem conhecido dos paranaenses, mas ilustra à perfeição as consequências que o país todo pode sofrer graças a voluntarismos como o do PDL 94. Em 1998, o então governador do Paraná, Jaime Lerner, reduziu unilateralmente as tarifas de pedágio das concessões realizadas um ano antes. As empresas buscaram o Judiciário para garantir seus direitos e a batalha durou décadas, com aditivos e alterações nos contratos que fizeram do Paraná o estado com o pedágio mais caro do país até o vencimento das concessões, em novembro de 2021. A confusão criada foi tanta que duas consultorias renomadas e independentes, a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) e a Fundação Instituto de Administração (FIA), analisaram a papelada e chegaram a conclusões opostas sobre quem havia sido beneficiado e prejudicado com todas as emendas aos contratos. A judicialização já é um dos caminhos possíveis citados pelas empresas de energia caso o PDL de Domingos Neto prospere.
É inegável o componente eleitoreiro da proposta; seus autores e aqueles que derem seu voto ao PDL poderão incrementar seu capital político dizendo aos eleitores em seus estados que ajudaram a impedir um aumento na conta de energia elétrica – também o episódio do pedágio paranaense foi uma cartada de Lerner na campanha pela reeleição. Mas o que conseguirão, ao fim, será apenas um benefício temporário a um custo enorme para o consumidor no médio e longo prazo, pois mais cedo ou mais tarde os valores congelados agora precisarão ser compensados em reajustes ainda mais salgados. Se os parlamentares querem realmente trabalhar para baratear a energia elétrica, que deixem de lado intervencionismos e invencionices como os jabutis incluídos na privatização da Eletrobrás, e trabalhem por uma boa reforma tributária e pela abertura do mercado, com verdadeira competição.
E o maior prejuízo, sem dúvida, será a mensagem de que no Brasil os contratos não valem o papel em que são redigidos, pois a qualquer momento um governante ou parlamentar populista pode ignorar seus termos e impor perdas ao investidor. Neste momento em que marcos legais como os do saneamento e o das ferrovias trazem a perspectiva de dezenas, quando não centenas de bilhões de reais em investimentos privados, a Câmara trabalha ativamente para alarmar todos os interessados em entrar no mercado brasileiro.
Guerra na Ucrânia Por Gazeta do Povo, com Agência EFE
Diretores do Gazprombank, ligado à companhia energética Gazprom, estão entre os alvos das novas sanções americanas.| Foto: EFE/EPA/YURI KOCHETKOV
A Casa Branca anunciou neste domingo (8) novas sanções a pessoas e instituições russas, em resposta à invasão da Ucrânia. Ao todo, 27 diretores do banco Gazprombank, a empresa de armas Promtekhnologiya e as emissoras de televisão “Channel One”, “Rossiya” e “NTV” foram alvo das novas ações, anunciadas depois da reunião virtual dos líderes do G7 – o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, discursou no evento. As sanções entrarão em vigor entre hoje e segunda-feira (9).
De acordo com um funcionário do alto escalão do governo americano, as sanções contra os diretores do Gazprombank buscam dar um “aviso” à instituição financeira, filial da companhia energética Gazprom, que é a única via autorizada pelo Kremlin para que os países da União Europeia façam pagamentos pelo gás russo.
Porém, de acordo com esse funcionário, os integrantes do bloco comunitário poderão seguir fazendo transações com a Rússia, uma vez que as medidas de penalização não se dirigem ao banco em si, mas aos seus diretores. Oito membros da cúpula do Sberbank, que já tinha sido sancionados pelos Estados Unidos, também receberam sanções de Washington. O banco é o mais importante entre os russos, representando 37% do sistema financeiro local.
Todos os indivíduos sancionados tiveram seus vistos de entrada nos EUA revogados. Já as emissoras de TV alvo das sanções ficam proibidas de adquirir tecnologia que precisam para fazer transmissões, como câmeras e microfones fabricados nos Estados Unidos, até equipes de som e sistemas de iluminação. Os Estados Unidos acusam os meios de comunicação de terem se tornado parte da “máquina de propaganda” do presidente russo, Vladimir Putin.
Empresas americanas estão proibidas de vender à Rússia materiais industriais que possam ser usados na guerra da Ucrânia, como ventiladores, caldeiras, motores industriais, escavadeiras e produtos de madeira. Além disso, Washington anunciou sanções contra a Promtekhnologiya, empresa que produz rifles e outras armas usadas pelas tropas russas na Ucrânia, assim como contra sete companhias de navegação, que possuem e operam 69 navios e uma empresa de reboque marítimo.
O governo presidido por Joe Biden decretou que as companhias dos Estados Unidos não poderão prestar serviços de contabilidade e assessoria para qualquer pessoa ou instituição russa. Por fim, a Comissão Reguladora Nuclear, agência intergovernamental americana, suspenderá as licenças que permitiriam a exportação para a Rússia de alguns materiais com urânio e plutônio.
Ao todo, a Casa Branca adotou medidas similares contra 2,6 mil pessoas, que fazem parte da elite russa ou integrantes do governo da Rússia e de Belarus, que, supostamente, teriam ajudado a realizar ataques contra a soberania da Ucrânia ou violaram os direitos humanos.
Urna eletrônica: organizações internacionais irão acompanhar o processo eleitoral do Brasil deste ano.| Foto: Abdias Pinheiro/Secom/TSE
O ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre (DEM-AP) sentiu dores abdominais em Brasília e foi operado em São Paulo. Diz que estava com pus na cavidade abdominal, nada que não pudesse ser resolvido em Brasília. A auxiliar da minha sogra estava com o apêndice supurado há dias, foi atendida em um hospital em Brasília e está bem. Não precisou ir para São Paulo.
Mas nem todos são iguais perante a lei. Tem gente que se considera superior, ou às vezes não tem jeito, tem mais recurso lá em São Paulo. Eu ainda não sei da gravidade do senador, mas tomara que se recupere.
Selou-se a união Lula-Alckmin
Em São Paulo, o incrível, o fantástico, o extraordinário. Selou-se a união Lula-Alckmin. Eles foram antagonistas por mais de 20 anos na política brasileira. Era uma polarização de mais de duas décadas entre PSDB e PT. Alckmin, inclusive, foi candidato à Presidência da República. Essa união aconteceu sob testemunho do PT, do PCdoB, do Psol, do PSB, da Rede e do Solidariedade.
Alckmin fez um discurso interessante, meio culinário, e disse: “mesmo que discordem, eu entendo que Lula é um prato que cai bem com chuchu”.
PL terá maior fatia do fundo eleitoral Esses partidos citados vão pegar 24% do horário eleitoral no rádio e na televisão. Bolsonaro vai ter 19%, mas, para ele, 19% é infinito. Ele não tinha nada, praticamente alguns segundos e se elegeu presidente. Também não tinha dinheiro nenhum e se elegeu.
Agora o PL vai ter a maior fatia do fundo eleitoral porque derrubaram o veto do presidente. Não foi ele que se deu, os deputados e senadores que inventaram esse fundo depois que a Justiça Eleitoral proibiu que as empresas fizessem doações. Inclusive, vale dizer, as empreiteiras da Lava Jato.
Não conseguiram pegar ainda os que se valeram disso e tiraram dinheiro da Petrobras, do Banco do Brasil e da Caixa Econômica porque o Supremo mandou devolver tudo. Devolvê-los das prisões para a liberdade, é uma coisa incrível.
Fachin acata sugestão do ministro da Defesa O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Edson Fachin, concordou com a sugestão do ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, de divulgar as sugestões dos militares da área cibernética para melhorar a segurança, a transparência e a confiança nas apurações.
Os militares estão se oferecendo, não é uma tomada de partido, é para garantir a apuração dos votos de todo mundo, dos votos de Lula, de Bolsonaro, de Ciro Gomes. É para garantir isso a todos os eleitores.
Cinto de segurança faz a diferença O cantor Alexandro, da dupla Conrado e Alexandro, morreu em um acidente de ônibus. Morreram sete com ele. O que fez diferença entre a vida e a morte? Cinto de segurança, que se usa em ônibus, sim, principalmente quando se está dormindo.
O ex-presidente Lula e o presidente Jair Bolsonaro| Foto: Lula Marques/PT e Alan Santos/PR
Os líderes nas pesquisas de intenção de voto para a presidência nas eleições deste ano concorrem para saber quem consegue apresentar o maior grau de populismo petrolífero. Isso inclui os dois favoritos, o ex-presidente Lula (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL), e também o terceiro colocado nas enquetes, Ciro Gomes (PDT). Baseando-se na última pesquisa XP/Ipespe, descobrimos que 83% dos entrevistados pretendem votar em pré-candidatos que, em comum, vêm adotando um discurso de intervencionismo e de ataques à política de preços da Petrobras.
No lançamento de sua pré-campanha, neste sábado (7), Lula disse que se eleito vai “defender a Petrobras”, para que ela “volte a ser uma grande empresa”, e criticou o que chamou de desmonte da estatal pelo atual governo, permitindo que, apesar da autossuficiência em petróleo, o combustível no país seja “cotado em dólar, em vez de real”.
Não fosse trágico, seria engraçado. A corrupção e os subsídios nos governos do PT dilapidaram os cofres da companhia. A gestão incompetente e vulnerável à influência política levou a investimentos desastrosos como a compra da enferrujada refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, que rendeu 792 milhões de dólares em prejuízo, e à malfadada parceria com a Venezuela para a construção da refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco, que custou nove vezes mais do que inicialmente previsto. E isso para citar apenas alguns exemplos de como a Petrobras sofreu, aí sim, um “desmonte” sob o PT.
Mas o presidente Bolsonaro faz questão de não ficar atrás. Obcecado, desde o início de seu mandato, com a questão do preço dos combustíveis, ele vem deixando cada vez mais escancarada sua vontade de mudar a política de preços da petrolífera.
Apesar de dizer que não pode fazer nada e que não tem influência sobre os critérios de gestão da companhia, as duas trocas de comando que ele fez na companhia em pouco mais de um ano foram motivadas pelas altas no preço da gasolina e do diesel.
Nos últimos dias, Bolsonaro vem elevando o tom das críticas à gestão da Petrobras. Também no sábado (7), o presidente disse que os acionistas da empresa, mencionando especificamente fundos de pensão estrangeiros, lucram às custas do “sacrifício do povo brasileiro”.
Dois dias antes, na sua live semanal na internet, Bolsonaro disse: “Petrobras, não aumente mais o preço dos combustíveis. O lucro de vocês é um estupro, é um absurdo.”
Ciro Gomes, em distante terceiro lugar nas pesquisas, resolveu tirar uma casquinha da declaração de Bolsonaro, sugerindo que o intervencionismo do presidente é apenas da boca para fora e que ele, sim, faria algo para desatrelar o custo dos combustíveis dentro do Brasil dos preços internacionais.
“Bolsonaro diz que a Petrobras é estupradora do povo. Canalha! O principal estuprador é ele que não muda a política de preços. Frouxo! Comigo vai ser diferente. Sei como fazer para baixar o preço dos combustíveis”, escreveu o pedetista no Twitter.
Ciro afirmou que, por ser o Estado o acionista majoritário com poder de voto na empresa, “é o presidente da República quem decide, em última instância, a política de preços da Petrobras”.
Os três pré-candidatos, cada um a seu modo, atentam contra a verdade para galgar os degraus do populismo petrolífero.
Lula diz que os combustíveis não podem ser atrelados ao dólar porque o Brasil é autossuficiente, ou seja, extrai todo o petróleo que consome. Mas equipamentos e investimentos na indústria petrolífera são cotados em dólar, assim como o preço do barril no mercado internacional. É o que ocorre com toda e qualquer commodity.
Apesar da conta simples de que o país é “autossuficiente”, ainda assim a Petrobras precisa importar derivados de petróleo (com preço em dólar) para fazer o refino por aqui.
Além disso, cerca de 20% do setor de combustíveis no Brasil é abastecido por empresas privadas, que importam derivados de petróleo e teriam prejuízo se fossem obrigadas, por questões de concorrência, a praticar preços internos desassociados do mercado internacional.
Isso poderia levar até mesmo ao desabastecimento de combustíveis no país.
Bolsonaro, por sua vez, distorce a realidade ao afirmar que o povo brasileiro se sacrifica para garantir as “gordas pensões” de investidores estrangeiros. Em primeiro lugar, a maior parte das ações da Petrobras estão nas mãos de brasileiros. E, segundo, como acionista majoritário, ninguém lucra mais quando a companhia apresenta bons resultados do que o Estado brasileiro. Só no ano passado, a Petrobras rendeu 37 bilhões de reais para o caixa da União.
O governo Bolsonaro estaria disposto a arriscar-se em abrir mão dessa arrecadação bilionária para subsidiar os preços nas bombas dos postos brasileiros?
Ciro Gomes, em meio aos xingamentos direcionados a Bolsonaro (“canalha”, “frouxo”, etc) também desinforma e abraça o populismo petrolífero quando afirma ser perfeitamente possível ao presidente da República mudar a política de preços.
Apesar de ser uma estatal, a Petrobras é uma empresa de economia mista desde 1997 e precisa atuar dentro das regras do mercado. Houve, sim, interferências políticas na empresa desde então, em grande parte porque seu comando é de indicação do governo.
Mas, desde o escândalo do Petrolão e as investigações da Lava Jato, a empresa adotou uma série de regulamentos internos para reduzir o risco de influência política em sua gestão. Há, inclusive, um código de conduta que impede que seus funcionários tenham encontros com políticos se não houver testemunha.
O ex-presidente da Petrobras Roberto Castello Branco disse recentemente que Bolsonaro tentava entrar em contato diretamente com ele para pressionar pela contenção nos reajustes de preços, mas que ele ignorava as mensagens.
Isso significa que a estatal está imune à influência política e à pressão do presidente para a mudança na gestão de preços? Não. A política de Preço de Paridade Internacional (PPI) de fato pode ser derrubada. Mas as consequências negativas, inclusive para os investimentos da companhia e para os desarranjos no mercado de combustíveis, são um forte empecilho para que isso aconteça.
A melhor saída, com resultado apenas de longo prazo, é a abertura do mercado. O setor de combustíveis brasileiro precisa ter mais concorrentes do setor privado. Subsídios apenas irão dificultar ainda mais a concorrência.
A Petrobras ainda domina o setor, especialmente no refino — que carece de novos investimentos.
Os efeitos positivos de uma verdadeira abertura do mercado de combustíveis demorariam para se fazer sentir. Mas é o caminho mais racional para fugir do populismo petrolífero que acomete os principais pré-candidatos à presidência.
Tecnologias inéditas ajudam a reaproveitar maior número de peças dos veículo
Cleide Silva – Jornal Estadão
Mercado antigo no Brasil, a desmontagem de veículos, atividade que sempre transitou entre a formalidade e a ilegalidade, vem ganhando uma nova roupagem no País. Com a entrada cada vez maior de startups no negócio, o processo de descarte e desmonte de carros no fim da vida útil está sendo modernizado com diferentes tecnologias, uso de sistemas de rastreabilidade de peças e introdução de práticas ambientais.
As startups focam na maior rentabilidade que pode ser obtida com a separação individual e destinação adequada de peças, principalmente as que passaram a equipar grande parte dos veículos a partir dos anos 90, como ar condicionado, airbag e itens eletrônicos.
Também estão atentas ao futuro, quando a frota de eletrificados for maior e exigir outro formato de desmanche. Os carros terão mais materiais nobres e o desmanche será ainda mais rentável.
No modelo atual, a maioria das recicladoras retira itens como líquidos, pneus, baterias, estofamentos e catalisadores e o restante vai para as usinas triturarem. Depois as matérias-primas são separadas, o aço fica na siderúrgica para ser derretido e volta ao mercado. O que sobra, como plásticos e borrachas, é vendido para indústrias desses setores. Antes iam para aterros.
Gerdau reciclou mais de 40 mil toneladas de sucata veicularGERDAU/DIVULGAÇÃO
“Acreditamos que muitas partes podem ser reaproveitadas de forma diferente e participar de processos de logística reversa e economia circular para que possamos sair do prensar e triturar o carro quase inteiro”, diz Wladi Freitas de Souza, sócio fundador da startup Green Way for Automotive (GWA).
A proposta da startup recém-criada em Gravataí (RS), que no momento opera em fase de testes, é evoluir o processo de desmanche, separar a maior parte dos itens do veículo e repassá-los principalmente a fornecedores das montadoras para que depois retornem à produção de carros.
Estimativas feitas por empresas formais de reciclagem indicam que, no Brasil, cerca de 500 mil carros são desmontados anualmente, resultando em faturamento estimado de R$ 4 bilhões entre venda de peças e transações de veículos descartados por desgaste natural ou acidentes com perda total.
“Acreditamos que muitas partes podem ser reaproveitadas na economia circular para que possamos sair do prensar e triturar o carro inteiro”Wladi Freitas de Souza, sócio fundador da startup GWA
Por outro lado, calcula-se que existam pelo menos 2 milhões de veículos (automóveis, caminhões, ônibus e motos) em final de vida útil estocados em pátios de órgãos de trânsito, seguradoras ou áreas privadas. Muitas vezes eles permanecem nos pátios por vários anos, passam por corrosão, oxidação e vazamento de líquidos que contaminam o solo e lençóis freáticos, causando impactos ambientais.
“Se a gente aproveitasse o potencial de reciclagem como fazem Estados Unidos, Japão e países da Europa, esse mercado seria muito maior no Brasil”, afirma Arthur Rufino.
Ele é o criador da Octa, startup que faz a intermediação entre empresas com frotas de carros inutilizados com recicladoras e frotistas que podem usar as peças ainda aproveitáveis. Desde setembro, quando passou a operar integralmente, a Octa intermediou cerca de R$ 2 milhões em transações.
500 mil É o total estimado de carros desmontados por ano para reaproveitamento de peças e matéria-prima
Somente a Gerdau reciclou, de 2018 a 2021, mais de 40 mil toneladas de sucata veicular, o equivalente a cerca de 50 mil veículos. Segundo a siderúrgica, após a trituração, todo o material é separado automaticamente. “Os metais não ferrosos são vendidos ao mercado e parte dos demais materiais não metálicos é revendida como coprodutos”, informa.
Parceria com a Toyota
Souza, da GWA, conta que a startup foi escolhida pela Toyota do Brasil para uma parceria em que a montadora transfere tecnologias de desmontagem e reciclagem usadas pela matriz do grupo no Japão, que tem uma recicladora própria.
“As empresas estão olhando de maneira geral para a economia circular e o fato de conseguirmos fazer a recuperação de produtos em final de vida é uma forma de fazer parte dessa economia”, diz Viviane Mansi, diretora de comunicação da Toyota na América Latina.
No Japão, ao comprar um carro zero o consumidor paga uma taxa equivalente no Brasil a R$ 450 destinada a custear a reciclagem. Lá, a vida útil dos automóveis é de cerca de 15 anos e a maioria chega rodando ao centro de desmanche. No Brasil, segundo os recicladores, os carros descartados têm em média 30 anos e muitas vezes só saem das ruas porque são apreendidos.https://arte.estadao.com.br/uva/?id=2m8mGQ&show_brand=false
Ex-executivo de um grupo siderúrgico, Souza desenvolveu tecnologia inédita para descontaminação de combustíveis e óleos. “Criamos um equipamento, o CarFluid, que usa a automação industrial para furar o tanque, recolher o óleo por sucção e colocar um estancamento no local”, informa.
“Tudo é controlado por computador, sem que o operador tenha de ficar embaixo do carro, exposto a riscos e contaminações”, ressalta Souza. No mercado, esse processo é quase todo manual.
Hoje, a GWA opera com desmanche parcial, focado nos itens para os quais já tem compradores – como estepe, pneus e rodas, extintor, bateria, alguns plásticos, alumínio, inox e aço –, e busca interessados em estofamento, vidros e espumas.
“As empresas estão olhando de maneira geral para a economia circular e o fato de conseguirmos fazer a recuperação de produtos em final de vida é uma forma de fazer parte dessa economia”Viviane Mansi, diretora de comunicação da Toyota na América Latina
As projeções da GWA são de, até 2030, descontaminar e reciclar 100 mil toneladas de resíduos automotivos e reaproveitar até 85% das partes e peças dos veículos. Até agora foram investidos R$ 750 mil no projeto, e mais R$ 1 milhão a R$ 1,5 milhão serão gastos neste e no próximo ano.
A GWA deve se mudar para uma área maior onde, além de suas instalações, quer criar um hub de inovação para abrigar outras startups que atuam nessa área e um marketplace de peças usadas.
Menos resíduos
Algumas das etapas da ‘nova’ reciclagem que busca reutilizar a maior parte dos componentes dos veículos de forma, rentável e ambientalmente correta para dar fim aos descartes em aterros.
Matéria-prima Carros em pátio à espera do processo de desmonte e reciclagemAutomação Equipamento retira combustíveis sem riscos aos operadoresPeça a peça Parachoque é um dos itens que pode virar material reusável, em especial se for de açoBateria Peça ‘sensível’, contém contaminantes que precisam ser eliminados antes da reciclagemSem potencial Vidro costuma ser desprezado por não ser rentável e de difícil reciclagemPneu e roda Produtos já têm compradores nos mercados de borracha, aço e alumínioPacote No Japão, partes da lataria são entregues às ‘destruidoras’ em forma compactada; no Brasil normalmente vão soltas
Negócio verde
Recém selecionada para receber aporte do programa Google for Startups Brasil, a Octa nasceu no fim de 2020 e tem 100 frotistas e empresas de desmontagem em sua base de clientes. Em maio de 2021 recebeu aporte anjo de R$ 1 milhão e está prestes a concluir uma nova rodada de investimentos.
Filho de Geraldo Rufino, dono da JR Diesel, uma das maiores desmontadoras de caminhões e ônibus da América Latina, o fundador Arthur diz que, em média, uma peça recuperada custa 50% menos que uma nova.
Segundo ele, as empresas começam a ver esse negócio “de uma forma verde, pois a cada veículo desmontado com o propósito de uso de peças se evita a emissão de milhares de toneladas de CO2 por conta da não produção de outra peça ou do aproveitamento de materiais recicláveis”.
Plástico processado pela Ecosystem vira baldesECOSYSTEM/DIVULGAÇÃO
Arthur afirma que o desmanche de veículos é a 16ª maior atividade econômica dos EUA e, em sua opinião, o Brasil tem chances de ampliar essa atividade. “Só uma das empresas americanas (que tentou comprar a JR há alguns anos), fatura US$ 13 bilhões por ano”, diz. Ele acredita que o mercado paralelo e ilegal no Brasil ainda é maior do que o oficial.
Criada em 2011 como startup e hoje uma empresa tradicional, a Ecosystem presta serviços para siderúrgicas, seguradoras, concessionárias e montadoras de veículos nos processos de descontaminação (retirada de líquidos) de veículos e transformação de peças em matéria-prima.
Por exemplo, quando a siderúrgica adquire lotes de veículos em leilão, a Ecosystem faz a descontaminação, leva a sucata para centros de prensagem e depois entrega para a usina triturar, separar o aço e dar destino aos demais materiais.
52 milquantidade de veículos que o Detran/SP colocou em leilão para desmonte e sucata em 2021
Gilmar Adriano de Oliveira, fundador da empresa com sede em Novo Hamburgo (RS), conta que já teve oficina de funilaria e pintura e via partes de componentes saindo de lá para destinos que não considerava corretos. “Por isso decidi fazer um plano de negócio; consegui um sócio investidor e iniciei esse trabalho de receber resíduos automotivos e transformar em matéria-prima”.
A Ecosystem tem entre seus equipamentos um triturador de plásticos. Os polímeros são revendidos a fabricantes de baldes e cepas de vassouras. Outra atividade da empresa é detonar airbags de carros de seguradoras e de montadoras antes de irem para a reciclagem. Segundo Oliveira, a empresa processa cerca de 800 toneladas de matérias-primas por ano e em 2022 projeta crescimento de 20% a 30%.
País reciclou 11,5 milhões de toneladas de aço em 2021
No ano passado, 11,5 milhões de toneladas de ferro e aço foram recicladas no País, segundo o Instituto Nacional das Empresas de Sucata Ferro e Aço (Inesfa). É o produto mais reaproveitado e esse processo envolve cerca de 5 milhões de pessoas, estima Clineu Alvarenga, presidente da entidade.
Estão incluídas nesse número pessoas que recolhem sucata nas ruas, ferros-velhos, centros de desmanche legalizados, processadoras e siderúrgicas. Há equipamentos que trituram um carro em três minutos.
A matéria-prima resultante do processo volta para a indústria de transformação. No caso dos automóveis, está no disco de freio, eixos, bloco de motor, chassi, entre outros. “O aço pode ser reciclado infinita vezes que não perde a propriedade, diferente, por exemplo, do plástico”, informa Alvarenga.
“Os recicladores sempre tiveram papel essencial no Brasil. Mas ainda são pouco reconhecidos e estimulados, principalmente pelos três poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário” Clineu Alvarenga, presidente do Instituto Nacional das Empresas de Sucata Ferro e Aço
Além de perder propriedades, o plástico é mais difícil de reciclar pois há mais de 50 famílias diferentes do produto e, para o reaproveitamento, é preciso isolar cada uma delas. “Por isso há tanto plástico nos aterros, no mar, nas ruas, porque é necessário conhecimento e alto investimento para a reciclagem”, afirma ele.
Única entidade organizada na área de reciclagem de materiais metálicos, o Inesfa passará a representar, a partir de abril, também os recicladores de vidro, plástico, papel, alumínio, pneus e outros.
“Os recicladores sempre tiveram papel essencial no Brasil na preservação e defesa do meio ambiente e na economia circular. Mas ainda são pouco reconhecidos e estimulados, principalmente pelos três poderes do País, Executivo, Legislativo e Judiciário”, diz Alvarenga.
A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) tenta, há mais de 20 anos, criar, junto com o governo, um programa de renovação de frota que consistiria em subsidiar a troca de veículos velhos por mais novos e, em paralelo, desenvolver projetos organizados de reciclagem.
42,7 miltotal de veículos apreendidos pela Polícia Rodoviária Federal no País em 2021 que foram a leilão, dos quais 15.785 para reciclagem
Em 1998, as quatro maiores montadoras da época, Fiat, Ford, GM e Volkswagen, chegaram a montar, em parceria com a Belgo Mineira, um centro de desmontagem de veículos para testar o processo.
“O objetivo era avaliar quantas horas se gastava para tirar cada item, quanto custava a mão de obra, como transportar os carros até lá e saber quanto vale a pena desmontar no veículo em vez de jogar no forno”, explica Marco Saltini, vice-presidente da Anfavea. Ele ressalta, por exemplo, que alguns itens, como vidros e plásticos, só são reciclados se o processo for rentável.
A desmontagem dos automóveis ainda segue sem solução. Por outro lado, a Anfavea e o Ministério da Economia têm hoje um avançado projeto de renovação da frota de caminhões. A ideia, diz Saltini, é destruir veículos com mais de 30 anos e, em contrapartida, o proprietário compra um mais novo com alguns benefícios, ainda não definidos.
Semanas antes da aquisição, Musk afirmou que seria “muito cauteloso” em relação a banimentos permanentes e suspensões temporárias seriam mais eficazes. No entanto, para Raquel Recuero, diretora do Laboratório de Mídia, Discurso e Análise de Redes Sociais (Labmídia), da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), se Musk resgatar contas banidas, o que poderia ocorrer até a eleição brasileira, a ação seria problemática caso se aplique para políticos e influenciadores que já foram banidos.
Para Raquel Recuero, a radicalização ‘normaliza’ a ameaça à democracia, ‘o que é perigoso’. Foto: Daniela Xu/Estadão
Em entrevista ao Estadão, Recuero disse que entende a celebração do presidente e aliados – cujas figuras influentes, como o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS), já tiveram conteúdos removidos – com o negócio de Musk. Ela disse ainda que mudanças mais profundas, como banimento de bots, podem levar mais tempo. Para ela, as primeiras mudanças propostas por Musk podem aumentar a desinformação. “Hoje, uma das estratégias de desinformação é justamente circular algo com uma opinião”, alertou Recuero. A seguir, os principais trechos da entrevista.
A senhora acredita que as propostas de Musk podem afetar a eleição brasileira?
Suponhamos que a questão da liberdade de expressão seja levada ao pé da letra, como ele diz. Isso poderia ter um impacto no sentido de se permitir a circulação de mais desinformação. Hoje, uma das estratégias de desinformação é justamente circular algo com uma opinião, para contornar o algoritmo do Twitter, que já vem coibindo certos tipos de conteúdo. Podemos ter um aumento, sim, da circulação de desinformação que pode ter um impacto negativo na eleição. A desinformação transborda, não fica em um único canal, e vai circulando em outros.
Seria viável aplicar essas mudanças até outubro?
A maioria dessas mudanças, principalmente aquelas no que dizem respeito a autenticar todos os usuários e erradicar bots, vejo como muito improvável. É preciso esperar para ver. Agora tem outras mudanças que ele propõe que podem sim, como resgatar contas banidas.
Seria um problema a volta das contas banidas?
Depende. Eu acho que muitas delas são contas automatizadas que já devem ter dado um jeito de voltar. Mas contas de políticos e influenciadores podem ser problemáticas.
Por quê?
Se essas contas voltarem, os motivos pelas quais elas foram banidas não são mais ilegais. Isso pode acabar por ampliar muito a quantidade de desinformação na plataforma. Outra coisa é discursos intolerantes e de ódio serem ampliados.
Como podemos entender o panorama eleitoral em 2022? Se parece com 2018?
É bem provável que tenhamos campanha e eleição tensas por causa dos ataques às instituições democráticas. Temos articulações de ataques, legitimação de discurso violento.
Qual o efeito de uma normalização dessas articulações no curto prazo?
Nem começou a campanha e já temos uma radicalização das opiniões, já há ameaças veladas e ameaças explícitas e a gente normaliza a ameaça à democracia. É uma normalização perigosa. As autoridades, tanto os tribunais quanto a própria Polícia Federal, precisam ficar atentas a esse tipo de comportamento, porque ele pode, sim, indicar algum outro tipo de ação como vimos nos EUA.
É uma vitória para bolsonaristas a compra do Twitter por Musk?
O momento que estamos é imprevisível. Entendo os bolsonaristas comemorarem porque há sempre esse debate entre as pessoas em que há um posicionamento mais radical sobre a liberdade de expressão ser direito absoluto. Mas sabemos que a Constituição estabelece vários limites. Não posso dizer o que eu bem entendo e fim.