domingo, 13 de março de 2022

TSE PRECISA DE AUDITORIA EXTERNA DURANTE A VOTAÇÃO

 

Eleições
Eleições 2022
Segurança do voto

Por
Renan Ramalho – Gazeta do Povo
Brasília

Formado pelo ITA, Carlos Rocha batalha há anos pela patente do primeiro modelo de urna eletrônica.| Foto: Arquivo pessoal

O engenheiro Carlos Rocha, que nos anos 1990 participou da criação da urna eletrônica, defende o controle externo sobre o processo de votação. Com isso, para ele, nem haveria necessidade de implementar o voto impresso para conferir os resultados. Seria uma solução intermediária em meio a uma nova guerra aberta entre o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o presidente Jair Bolsonaro em torno das urnas eletrônicas, que agora também conta com a participação do Exército.

Formado pelo ITA e empresário do ramo de tecnologia, Rocha batalha há mais de 20 anos na Justiça pelo reconhecimento de que pertence a ele a patente pelo primeiro modelo da urna eletrônica, que foi depois adotado pelo TSE e que, de lá para cá, passou por vários aperfeiçoamentos.

Ele considera o equipamento bom e também reconhece a capacitação de técnicos do TSE. Mas sustenta que, sem certificação independente da urna eletrônica e de seus sistemas, não há como garantir a confiabilidade da votação eletrônica. Essa certificação, segundo ele, poderia ser realizada pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), autarquia pública vinculada ao governo; e também por auditorias externas, feitas por empresas especializadas.

De acordo com Rocha, o problema está na centralização de todo o processo no TSE, em que um grupo restrito de técnicos controla a elaboração do código-fonte, as ferramentas que o protegem e sua instalação nas urnas, e os testes feitos com especialistas externos.

“São necessárias auditorias independentes do TSE, que sigam as melhores práticas consolidadas, para garantir a integridade dos equipamentos e sistemas, antes, durante e após a eleição, e para assegurar a assertividade da totalização de resultados”, disse o engenheiro e empresário, em entrevista à Gazeta do Povo.

Assim como outros especialistas, ele não corrobora declarações de Bolsonaro e parte de seus apoiadores de que teria ocorrido fraude na eleição de 2018 ou de que existiria manipulação para adulterar votos no programa que roda dentro da urna. Mas avalia, por outro lado, que não há instrumentos disponíveis para rechaçar de forma segura essas hipóteses, justamente porque o sistema é fechado.

Carlos Rocha entende que a centralização aumenta os riscos, porque falhas humanas internas ou mesmo vulnerabilidades dos sistemas do TSE podem abrir brechas para invasores externos que queiram adulterar o software da urna. Isso ocorreu em 2018, quando um hacker, passando-se por funcionário da Justiça Eleitoral, conseguiu entrar em sistemas internos a partir de máquinas de Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) e navegar por eles durante meses.

O engenheiro considera que o Comando de Defesa Cibernética do Exército, que passou a integrar uma comissão formada pelo TSE para fiscalizar o sistema de votação, pode colaborar para aperfeiçoar o sistema. Mas ele avalia que o melhor seria “segregar as funções”, permitindo que outros atores participem da certificação e verificação do sistema.

Leia abaixo, a entrevista concedida pelo engenheiro. Ela partiu das respostas dadas pelo TSE a dezenas de perguntas feitas pelo Exército no âmbito da comissão de fiscalização. da votação eletrônica.

É possível identificar vulnerabilidades, problemas ou falhas no sistema eletrônico de votação, com base nas respostas dadas pelo TSE ao Exército? Se sim, o que seria o mais grave, na sua visão?

Carlos Rocha – As respostas confirmam a falta de controle externo independente sobre o TSE, sobre os técnicos da administração eleitoral. Isso gera um grave risco de quebra de segurança no sistema eleitoral brasileiro, sem deixar qualquer rastro, a partir de uma invasão interna.

Invasão interna é uma invasão que nasce dentro da organização. Como ocorre? Tem várias formas. Alguém que trabalha dentro da organização e que tem permissão de acesso a diferentes sistemas – por exemplo, ao sistema que constrói o software das urnas. A forma mais comum, 95% das vezes de invasões identificadas, nascem de erros, falhas humanas. Quando uma pessoa comete um erro, alguém que quer fazer uma intervenção, pode se aproveitar daquele erro e, por exemplo, assumir as credenciais daquela pessoa que cometeu o erro.

Em casos mais raros, pode acontecer uma invasão interna por uma atividade indevida, [alguém de dentro] faz um ilícito. E pode ocorrer até por falha no programa, que não se comporta como deveria.

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O que é o controle externo e como se previnem ataques internos?

Um controle externo significa ações de certificação externa. O TSE define as especificações técnicas e funcionais do produto, escrevendo um documento, dizendo que o produto tem que entregar tais resultados. Alguém fabrica o equipamento. Depois, precisa haver uma cadeia de confiança de outras pessoas, que vão receber as especificações técnicas, dos equipamentos e programas, fazer testes e emitir um laudo técnico, uma certificação e vão atestar, dentro das metodologias conhecidas, que aquilo que está especificado de fato acontece nos objetos de entrega, que são equipamentos e programas. A urna tem que ligar, coletar o voto de certa maneira, registrar daquela maneira. O que vai garantir a integridade, é aquilo que está certificado dentro da urna.

Portanto, alguém especifica o que deve ser entregue, alguém diferente desenvolve e entrega o produto, um terceiro diferente verifica a qualidade, e ainda um quarto certifica. A garantia do que é entregue se torna independente de pessoas. Tem um órgão que é administração que contrata, e outro órgão de certificação, que emite um laudo.

Qual a diferença para o que faz o TSE?

Hoje, a integridade dos resultados da eleição depende de um pequeno grupo de pessoas, segundo o site do TSE.

E, sem uma certificação externa independente, a administração eleitoral não consegue demonstrar tecnicamente que o conteúdo de cada voto recebido é o mesmo do registro digital do voto, que não é realizado de modo individual. Todos os votos são reunidos em um arquivo único chamado RDV, sem proteção.

[Comentário: RDV é um arquivo, no formato de uma tabela, que registra os votos dados por cada eleitor nos candidatos a cada um dos cargos em disputa. Nesse arquivo, não se identifica o eleitor e a ordem em que cada um votou naquela seção eleitoral é embaralhada. O TSE diz que há “assinatura digital de cada voto” pela urna eletrônica, “obtido mediante a aplicação de sistema de criptografia baseada em tecnologia de chaves assimétricas, conhecido como infraestrutura de chaves públicas”]

O risco se torna ainda mais grave, porque cada voto não é registrado de forma individual, em um documento eletrônico com validade legal, o eleitor não confere o seu voto, após o registro digital, e não há contagem pública dos votos, a contagem é secreta, sem qualquer controle da sociedade.

O TSE reconheceu a ocorrência de 712 riscos à votação eletrônica, sendo 68 riscos considerados críticos e 257 riscos altos. É um número grande e grave, no seu entender?

Essa ocorrência comprova que nem o sistema eletrônico de votação e nem a urna eletrônica, em particular, são invioláveis a quebras de segurança. Em especial, se mostra absolutamente falsa a afirmação repetida inúmeras vezes de que “as urnas eletrônicas são imunes a ataques, porque nunca são conectadas à internet ou a qualquer tipo de rede, o que impede invasões”.

Há um alto risco de invasão interna para alteração dos programas que operam a urna eletrônica, quando não há controle externo independente do TSE. Não existe sistema inviolável 100% seguro. Simples, assim.

Estatisticamente, seria impossível que não tivessem havido muitas tentativas de fraude, desde a eleição de 1996. Assim, a afirmação de que até hoje não foi identificada qualquer fraude no sistema eleitoral confirma que não há ferramentas para rastrear tentativas de quebra de segurança, que permitiriam garantir que não houve fraude.

No caso da invasão da rede do TSE por um hacker, em 2018, os logs [arquivos que guardam o histórico do acesso] foram apagados e não havia uma cópia de segurança para viabilizar um diagnóstico do que teria ocorrido.

A resposta do TSE também diz que “não são raros” ataques conhecidos “negação de serviço (DoS/DDoS)”. O que é isso? E o que a recorrência desses ataques diz sobre a segurança dos sistemas do TSE? O tribunal afirma trabalhar com operadoras de telecomunicações para bloquear os ataques de modo a restabelecer os serviços, e que é prática “bastante operacionalizada e, portanto, testada de modo a aferir sua efetividade”.

DDoS ou negação distribuída de serviço é um tipo de ataque cibernético que tenta tornar um sistema ou recurso de rede indisponível, ao inundá-lo com tráfego mal-intencionado a partir de múltiplas origens.

A prevenção a ataques de negação distribuída de serviços é uma ação necessária, em qualquer sistema de segurança de informação. A administração eleitoral deve implantar um sistema de segurança da informação, que passe por auditorias independentes e seja certificado na norma ISO 27001 de segurança da informação.

Mas reitero que o maior risco não vem de fora; é o de invasão interna à administração eleitoral. E ocorre quando não há o essencial controle externo.

Nas respostas do TSE aos questionamentos dos militares, é possível verificar que 224.999 (38,9%) das urnas eletrônicas a serem usadas neste ano são de um modelo lançado em 2020 que não passou pelo teste público de segurança realizado no ano passado, com técnicos externos chamados ao tribunal para invadir o equipamento. É um risco?

Os testes públicos de segurança não seguem uma metodologia consolidada, nas melhores práticas de segurança da informação. Mostra-se essencial a implantação da segregação de funções recomendada pela norma ISO27001 de segurança da informação, pelo Tribunal de Contas da União e por qualquer empresa de auditoria qualificada.

São necessárias auditorias independentes do TSE, que sigam as melhores práticas consolidadas, para garantir a integridade dos equipamentos e sistemas, antes, durante e após a eleição, e para assegurar a assertividade da totalização de resultados. A totalização dos votos deve ser realizada, de forma distribuída, pelos Tribunais Regionais Eleitorais. A centralização aumenta muito o risco de manipulação, sem deixar rastros.

Outro problema sério é que não há certificação prévia independente dos equipamentos e programas, como ocorre com qualquer produto técnico – como o celular, o roteador WiFi e a balança da padaria. No Brasil, a urna eletrônica deve ser o único equipamento eletrônico profissional, em um sistema de missão crítica, que não é certificado por um laboratório independente credenciado pelo Inmetro, Anatel ou similar.

Há tempos a comunidade científica cobra mais transparência do TSE por meio da divulgação pública do código-fonte da urna eletrônica. Restringi-los aos técnicos do tribunal não o deixa mais seguro? Se não, por quê?

Concordo plenamente que a publicação do código-fonte de todo o sistema eleitoral traria governança e transparência, com significativo aumento da segurança do sistema. O site do TSE informa que “somente um grupo restrito de servidores e colaboradores do TSE tem acesso ao repositório de código-fonte e está autorizado a fazer modificações no software. Uma consequência disso é que o software utilizado nas eleições é o mesmo em todo o Brasil e está sob o controle estrito do TSE”.

É exatamente aí que reside o grave risco de quebra de segurança do sistema eleitoral, incompreendido pelos ministros do TSE, por falta da qualificação técnica mandatória para conduzir a administração eleitoral.

O TSE tem uma estrutura institucional adequada para a segurança do voto?

Uma ótima solução para garantir isenção política e competência técnica na administração eleitoral seria o Congresso Nacional transformá-la em um órgão de Estado exclusivamente técnico, independente do TSE.

Na minha opinião, devemos adotar uma organização similar à de uma agência reguladora, seguindo as melhores práticas de governança organizacional pública, transparência, segregação de funções e segurança da informação.

O conselho diretor da administração eleitoral, incluindo o seu presidente, deveria ser absolutamente isento, proibido de qualquer atuação política, e possuir a qualificação profissional construída pela formação técnica superior acadêmica e pela experiência executiva acumulada na administração de organizações complexas com forte base tecnológica, durante dez anos, no mínimo.

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O Exército pode realmente colaborar para atestar a integridade do sistema?

O Comando de Defesa Cibernética do Exército ( ComDCiber) já está contribuindo de modo relevante, através da interação construtiva com o TSE, para o aperfeiçoamento técnico do sistema eletrônico de votação. O ComDCiber é uma organização altamente qualificada, que coordena e executa ações para proteger o país de ataques cibernéticos.

Para atestar a integridade do sistema eletrônico de votação, a administração eleitoral deve implantar a segregação de funções, recomendada pela norma ISO 27001, pelo Tribunal de Contas da União e por qualquer empresa de auditoria qualificada, através da certificação prévia independente de equipamentos e sistemas, pela cadeia de confiança do Inmetro. Deve-se realizar, adicionalmente, auditorias da integridade do sistema e da assertividade da totalização dos votos, por empresas independentes, previamente credenciadas.

O voto impresso é necessário para trazer segurança e transparência aos resultados das eleições?

Como a impressão do voto, usada em vários países, não foi aprovada pelo Congresso, há uma solução de baixo custo e viável para implantar nas eleições deste ano. Minha sugestão é criar um documento eletrônico para cada voto, com validade legal certificada pela ICP-Brasil [Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira, sistema brasileiro de certificação digital, mantido pelo governo], utilizando um token criptográfico conectado na urna eletrônica.

Um token e um certificado digital, para cada urna eletrônica, seriam fornecidos por empresas certificadoras credenciadas pelo Instituto Nacional de Tecnologia da Informação [ITI, órgão do governo responsável pelo ICP-Brasil], independentes do TSE.

Em seguida, o voto é gravado em uma nova memória de resultados, com tecnologia de última geração para proteger o voto contra apagamento ou alteração. O sigilo do voto do eleitor fica garantido, com a gravação do documento na memória, de modo aleatório, sem dados do eleitor e sem informação temporal.

O documento eletrônico do voto poderá ser exibido ao eleitor, na tela da urna eletrônica, para a sua verificação e confirmação. A contagem pública ocorreria na seção eleitoral, com a exibição de cada voto na tela, para a fiscalização dos partidos. Auditorias independentes fariam a recontagem dos documentos eletrônicos dos votos, após a eleição.


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RELAÇÕES DO BRASIL COM A UCRÂNIA É ANTIGA DESDE A ÉPOCA DE LULA

 

“Sem posição”

Por
Leonardo Coutinho – Gazeta do Povo

O presidente russo, Vladimir Putin, e a então presidente Dilma Rousseff em encontro dos Brics, na Turquia, em 2015| Foto: EFE/EPA/YURI KOCHETKOV

“O Brasil não tem posição no caso da Ucrânia.” A frase que abre esta coluna foi dita por um presidente brasileiro. Merece um prato de varenyky de queijo cottage e mirtilos – uma das maravilhas da cozinha ucraniana – quem acertar qual deles. Se você, induzido pelos eventos recentes, cravou Jair Bolsonaro, lamento informar. Você errou. Quem disse que “o Brasil não tem posição no caso da Ucrânia”, em 2014, foi a então presidente Dilma Rousseff. Mas, por questão de justiça, você segue merecendo o prêmio. Afinal, quando o assunto são as invasões russas na Ucrânia, Rousseff e Bolsonaro são idênticos.

O PT de Dilma nutre um affair de longa data com Putin e a Rússia. Para eles, embora a União Soviética tenha se desmanchado no ar em 1991, segue sendo o berço de uma utopia. Uma espécie de polo (eternamente ativo) contra o capitalismo ocidental, que o PT busca eternamente como herança de algo que vem impresso em seu DNA.

Recentemente, o bolsonarismo passou a se derreter de amores por Putin. A atração se deve ao fato de o autocrata russo ter se transformado em uma espécie de defensor máximo da moral e dos bons costumes, que combate a ideologia de gênero, o globalismo, o climatismo e não se dobra à agenda idiotizada de movimentos sociais que ocupa o topo das prioridades dos governos ocidentais. Há quem entenda que nas ruas de Moscou há mais liberdade que em Viena, Zurique ou Estocolmo. Um julgamento baseado apenas na repulsa às exigências sanitárias durante a pandemia de Covid-19.

O “conservador” Putin soube aproveitar cada uma das insatisfações nos países ocidentais para apresentar-se como resposta e exemplo, por meio da sua eficientíssima máquina de propaganda. Quem considera Putin como modelo de conservadorismo não está muito longe de aceitar na mesma categoria de lanternas morais o ditador Xi Jinping, da China, e o aiatolá Ali Khamenei, do Irã. Xi instituiu programas para fomentar a masculinidade nos estudantes que estavam efeminados demais para o gosto do regime. Khamenei é tão eficiente que oficialmente não existem gays no Irã. Aqueles que dão a menor bandeira encontram a redenção em enforcamentos em praça pública.

Como se vê, por caminhos diferentes, esquerda e direita no Brasil se encontram em Moscou.

A história de amor mais longeva, obviamente, pertence aos petistas. Em 2003, no seu primeiro ano de governo, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou um contrato com a Ucrânia para o estabelecimento de uma empresa binacional para construção de foguetes e o lançamento de satélites em Alcântara, no Maranhão. A parceria havia sido costurada por Putin, como uma alternativa para os petistas que passaram o governo anterior inteiro minando os planos de Fernando Henrique Cardoso de montar um sítio de lançamento idêntico, mas em sociedade com os americanos. Petistas e assemelhados viam sérios riscos para a soberania nacional.

Lula mostrou que, com a intermediação de Putin, a parceria com os ucranianos colocaria o Brasil no bilionário mercado de satélites sem a dependência dos Estados Unidos. A realidade: as obras atrasaram e o que estava previsto para estar pronto em três anos não passava de obras de engenharia civil uma década depois da assinatura do contrato. E como se não fosse suficiente, em 2013, os ucranianos se rebelaram contra a influência russa. Colocaram o presidente Viktor Yanukovych, um boneco de ventríloquo de Putin, para correr e passaram a mirar uma conexão mais forte com o Ocidente, aspirando à entrada na União Europeia.

Coincidência ou não, o Brasil esfriou a relação com os ucranianos. Deixaram o projeto morrer de inanição e os mais de R$ 2,6 bilhões que os dois países investiram, até aquele momento, foram para o lixo.

Putin não aceitou que os ucranianos voltassem os seus olhos para o Ocidente e em 2014 invadiu a Crimeia, alegando estar defendendo uma região de identidade russa que estava em risco. As democracias ocidentais condenaram o avanço de Putin sobre o vizinho, mas Dilma Rousseff (vale recordar) disse: “O Brasil não tem posição no caso da Ucrânia”.

Naquele mesmo ano, os separatistas armados por Putin abateram um Boeing 777, da Malaysia Airlines, matando 288 pessoas. Questionada, Dilma Rousseff disparou: “O governo brasileiro não se posicionará quanto a isso até que fique mais claro por uma questão não só de seriedade, mas também de prudência”.

A “seriedade” e “prudência” de Dilma se explicam por uma outra declaração da presidente: “Tem um segmento da imprensa dizendo que… este avião que foi derrubado estava na rota da volta do avião do presidente (russo, Vladimir) Putin. Coincidia com o horário e com o percurso. Então, que o míssil seria dirigido ao avião do presidente Putin”.

Depois disso, a parceria espacial do Brasil com a Ucrânia melou de vez. Dilma deixou missivas do então presidente ucraniano Petro Poroshenko sem resposta e mandou cortar a verba do programa, que viria a morrer de inanição.

Lula, Dilma e o PT sempre lidaram com a Ucrânia como se o país fosse um puxadinho da Rússia. Seja quando da ocupação da Crimeia em 2014, seja agora com a invasão total.

Não faz muito tempo, o bolsonarismo sonhava em “ucranizar” o Brasil. O termo maldosamente associado ao neonazismo ou fascismo nada mais era que uma referência ao processo de descomunização que levou a Ucrânia a proibir a apologia ao comunismo, que passou, por lei, a ser equiparado ao nazismo. Mais de mil monumentos em homenagem a líderes soviéticos foram destruídos e mais de 50 mil ruas e praças receberam novos nomes em substituição aos que eram dados em homenagem a Stalin, Lênin e outros monstrengos soviéticos.

Mas a ucranização do Brasil parece ter ocorrido de outra forma. Desde Lula, passando por Dilma e chegando a Bolsonaro, o Brasil se deixa ucranizar funcionando como um satélite dos interesses de Moscou.


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CESSAR FOGO NA GUERRA DA UCRÂNIA PARECE DISTANTE

 

Guerra na Europa

Por
Luis Kawaguti – Gazeta do Povo

Reunião na Turquia entre os ministros das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov (ao fundo), e da Ucrânia, Dmytro Kuleba (de costas), na quinta-feira (10) terminou sem acordo| Foto: EFE/EPA/CEM OZDEL/Ministério das Relações Exteriores da Turquia

Rússia e Ucrânia já se reuniram três vezes para buscar uma solução diplomática para a guerra, mas as conversações pouco avançaram rumo a um cessar-fogo. Isso ocorre porque o cenário atual do campo de batalha não favorece a negociação. Mas um acordo de paz pode ser negociado, mesmo sem que a Rússia ou a Ucrânia atinja totalmente seus objetivos estratégicos.

O presidente russo, Vladimir Putin, tem entre suas metas principais deter a expansão da Otan (aliança militar ocidental) rumo ao leste da Europa e desmilitarizar a Ucrânia. Ele também falou em “desnazificar” a Ucrânia, o que na prática quer dizer forçar a queda do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, e tentar substituí-lo por um governo simpático a Moscou.

Aliás, nunca é demais lembrar que o suposto caráter nazista do governo ucraniano é pura propaganda de guerra. Assim como a associação de Putin com a figura de Hitler, feita pelos ucranianos.

O presidente Zelensky, por sua vez, dá sinais diários de que não pretende capitular, mesmo que isso resulte em mais perdas de vidas (incluindo a dele).

No início da guerra, o presidente ucraniano defendia a entrada da Ucrânia na Otan. Mas, ao longo do conflito, essa situação mudou. Ele parece ter percebido que não receberá ajuda militar robusta, como novos aviões de caça ou a implementação de uma zona de exclusão aérea que anule o poder da aviação russa. A Otan teme que seu envolvimento maior possa deflagrar o uso de armas nucleares. Por isso, Zelensky parou de pressionar o Ocidente para aceitar o país na aliança.

Live Jogos de Guerra: Armas químicas, biológicas e nucleares podem ser usadas na Ucrânia?

Por outro lado, o presidente ucraniano dá sinais de que não concordará com a desmilitarização de seu país, exigida pela Rússia. Até porque, na prática, isso implicaria na queda de seu governo e na transformação da Ucrânia em um território fantoche de Moscou (de forma similar ao que ocorre em Belarus).

Isso deixa poucas opções para o governo ucraniano. Kiev se foca agora em resistir à invasão, esperando um momento para tentar contra-atacar e eventualmente empurrar as forças russas para fora das fronteiras de seu país – mesmo que isso pareça pouco realista diante da superioridade militar de Moscou.

Ou seja, por ora há pouco terreno para uma solução diplomática que concilie as ambições das duas partes em um acordo para suspender as hostilidades.

Zelensky já flexibilizou sua posição de advogar pela entrada do país na Otan e se conforma com o fato de que não reaverá os territórios invadidos por rebeldes russos nas províncias de Lugansk e Donetsk.

Mas por que os russos também não cedem em suas exigências para fazer um acordo de paz?

Na esfera militar, a Rússia ainda não conseguiu conquistar território ucraniano suficiente para clamar ao menos uma vitória parcial. Parte disso se deve ao esforço do exército da Ucrânia em retardar a invasão.

“O momentum do campo de batalha não é bom para a negociação”, afirmou o analista militar Alessandro Visacro, autor dos livros “Guerra Irregular” e “A Guerra na Era da Informação” (Editora Contexto).

“Hoje, a Rússia está em uma posição desvantajosa para negociar. Se ela já tivesse conquistado o leste da Ucrânia, estaria numa posição de força melhor”, afirmou.

“Toda a diplomacia é baseada em força. Quando um diplomata senta para negociar, a primeira coisa que ele coloca na mesa é aquilo que a força assegurou para ele”, disse Visacro.

Ou seja, se concordasse em fazer a paz agora, em tese, Putin não conseguiria apresentar ao seu público interno resultados que justificassem a campanha militar e correria o risco de perder valioso capital político. É por isso que Moscou não tem apetite para um cessar-fogo imediato e possivelmente vai aumentar a intensidade de suas ações de combate.

O que a Rússia pode fazer no terreno antes de entrar em uma negociação de paz real? É muito difícil prever esse cenário, mas há algumas possibilidades.

Uma delas é arrasar ainda mais cidades como Kiev, Kharkiv e Mariupol, fazendo bombardeios contra grandes bolsões de resistência urbana. Isso agravaria a situação humanitária e forçaria os ucranianos a ceder mais espaço em uma negociação de paz.

A eventual tomada da capital Kiev por tropas russas seria uma grande vitória política e poderia desestruturar o governo ucraniano. Isso poderia ser exibido por Putin como uma vitória para justificar a guerra. Mas o preço para a Rússia seria a morte de um número muito elevado de soldados, devido às características do conflito em grandes centros urbanos.

Moscou também pode avançar sobre as cidades de Mariupol e Odessa a fim de conquistar todo o litoral ucraniano – criando uma faixa de terra contínua para ligar a Transnístria (região na Moldávia onde já há tropas russas) à Crimeia e ao território russo. Isso privaria a Ucrânia de sua saída para o mar e daria à Rússia importantes portos quentes (que podem ser operados durante todo o ano, porque não congelam).

Em um cenário mais ambicioso, as tropas russas poderiam avançar do norte e do sul para tomar a margem ocidental do rio Dnieper, que corta o país ao meio. Isso ameaçaria as tropas ucranianas do leste com o isolamento e possivelmente deflagraria sua retirada para o oeste. Tal manobra garantiria o controle de Moscou sobre um território onde a população ucraniana tem grande ligação étnica com a Rússia.

Se isso ocorrer, a Ucrânia poderia ser desmembrada em dois países. Um a leste, sob influência russa, e outro a oeste, ligado à Otan e à União Europeia. Em tese, isso seria mais interessante para a Rússia do que partir para uma anexação total do território – que implicaria em uma longa e desgastante guerra de guerrilha contra a resistência ucraniana.

Esse cenário permitiria à Rússia clamar vitória, afirmando que o território a leste do rio Dnieper seria suficiente para fornecer o que se chama no jargão militar de “profundidade estratégica”. Ou seja, parte do território ucraniano serviria como área de proteção para a Rússia contra um eventual ataque da Otan. Esse conceito permeia o imaginário russo desde a guerra contra o exército napoleônico.

Em resumo, qualquer um desses cenários de desenvolvimento da guerra aumentaria a probabilidade da Rússia aceitar um acordo de paz real.

Cessar-fogo vs. paz duradoura
Segundo o analista de risco e ex-major do Exército Nelson Ricardo Fernandes da Silva, a Rússia está aberta a negociar a paz com a Ucrânia, mas para aumentar seu poder de barganha, não deve conceder um cessar-fogo em um futuro próximo.

“A cada negociação, o russo tem mais coisas para botar na mesa, como mais território ocupado e mais refugiados pressionando a Europa”, afirmou.

Por outro lado, não interessa a Moscou manter a guerra indefinidamente. Isso porque só após um cessar-fogo a Rússia poderá negociar com o Ocidente a possível retirada de sanções econômicas – que já derrubaram em um terço o valor da moeda russa e desestabilizaram sua economia interna e balança comercial.

“Vejo que tem mais espaço para negociação”, afirmou Fernandes da Silva. Segundo o analista, embora Moscou ainda não tenha atingido um grande objetivo militar, já avançou muito no campo estratégico e político.

Isso porque, com a invasão da Ucrânia, o país deixou de ser uma força marginal e voltou a ser reconhecido como uma grande potência mundial – capaz de desestabilizar o cenário da segurança mundial.

Além disso, Moscou também mandou um recado claro para países fronteiriços como Geórgia, Moldávia e Finlândia, sobre o que pode acontecer se tentarem entrar na Otan.

Porém, o efeito contrário foi provocado em países mais distantes da fronteira, como a Suíça, que decidiu tomar partido do Ocidente, congelando reservas em dólar da Rússia, após anos de neutralidade.

Outros cenários que podem facilitar uma negociação de paz são um eventual desgaste demasiado das forças russas e uma possível falta de recursos financeiros para manter uma campanha militar prolongada. Não é possível descartar também que o presidente Putin sofra pressões internas da Rússia para encerrar o conflito.

Assim, todos esses fatores indicam que um cessar-fogo é improvável em um futuro próximo. O objetivo mais concreto, que pode ser negociado a curto prazo, é a retirada de civis de regiões atingidas pela guerra, por meio de corredores humanitários.

Mas isso não significa que a negociação para uma paz duradoura vai deixar de ocorrer, mesmo enquanto o campo de batalha continua cobrando seu preço.


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GUERRA INFLUI NO PIB BRASILEIRO

 

Conflito no Leste Europeu

Por
Vandré Kramer – Gazeta do Povo

Guerra na Ucrânia vai respingar na economia mundial. Nos bastidores, governo brasileiro fala em crescimento menor| Foto: EFE/EPA/STRINGER

Mal o mundo saiu de uma crise econômica, causada pela pandemia da Covid-19, e uma nova onda de incertezas foi detonada pelo ataque da Rússia à Ucrânia.

Os maiores impactos sentidos até agora são no preço das commodities. Nas duas primeiras semanas da guerra, o índice que acompanha as cotações das matérias-primas subiu 14%, segundo a Bloomberg. Mas a guerra também deve afetar o crescimento dos países, principalmente em áreas próximas ao conflito. O Goldman Sachs fez um corte severo nas expectativas de crescimento para a Europa neste ano, de 3,9% para 2,5%.

No Brasil, o ponto médio das expectativas para o crescimento do PIB avançou na última semana, passando de 0,3% para 0,43%, segundo o relatório Focus. Esse movimento, porém, é creditado a um efeito estatístico: o crescimento mais forte que o esperado no último trimestre de 2021. “O carregamento [herdado do desempenho de 2021] aumentou”, diz Thiago Xavier, economista da Tendências Consultoria.

Passadas duas semanas da guerra, o mercado financeiro não fez grandes revisões em seus prognósticos para a economia brasileira, embora instituições apontem pontos que podem ajudar e atrapalhar o PIB do país.

A XP Investimentos aponta que houve uma expansão acima do esperado no final de 2021 e deve seguir em alta no início deste ano. “No entanto, com o enfraquecimento da demanda interna adiante e os riscos internacionais, mantemos a projeção de variação nula para o PIB em 2022”, escrevem os analistas da corretora em relatório.

O Bradesco considera que ainda é difícil prever o desfecho da guerra na Ucrânia, que pode alterar de maneira significativa os números do cenário. De forma geral, porém, o banco avalia que o legado do conflito deve ser mais inflação e menos crescimento, inclusive no Brasil. As projeções do banco de inflação para 2022 e 2023 foram elevadas, mas por ora as do PIB permanecem estáveis em 0,5% – até então elas vinham exibindo viés de alta, segundo a instituição.

O Itaú, por outro lado, vê chance de mudança para melhor em sua projeção para o PIB de 2022, que no momento é de queda de 0,5% do PIB na atividade econômica. “Além de dados melhores na margem, os fundamentos também estão se alterando”, diz o banco. Segundo ele, o PIB brasileiro responde principalmente a três fatores fundamentais no curto prazo: os preços das commodities, a política monetária e a fiscal.

O banco aponta que a postura monetária é significativamente contracionista, mas os preços das commodities estão em alta – mesmo antes do conflito entre Rússia e Ucrânia –, os governos regionais estão aumentando os gastos e há perspectivas de corte de impostos por parte do governo federal.

O que o governo espera
O governo ainda não se manifestou oficialmente sobre os impactos da guerra na Ucrânia sobre a economia brasileira. A projeção oficial da Secretaria de Política Econômica é de uma alta de 2,1% no PIB em 2022. Novas projeções podem ser divulgadas na próxima semana.

Mas, segundo o jornal “Valor”, estimativas que circulam dentro do governo federal estariam sendo revistas para baixo em razão da guerra, que teria reduzido o crescimento do PIB em meio ponto percentual.

Dias antes da invasão, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que o mercado passaria o ano revendo para cima as projeções, e que o Brasil tem uma “dinâmica de crescimento próprio”.

“Vão rever crescimento lá fora pra baixo o ano inteiro. E vão rever o crescimento para cima no Brasil o ano inteiro. Vamos ver um agravamento da situação internacional. Não só da geopolítica, que está séria, mas da economia. Temos crise energética e inflação subindo no maior país do mundo. E nós somos uma economia continental. Temos dinâmica de crescimento próprio”, declarou o ministro.

O que ajuda o desempenho do PIB
Commodities em alta
Segundo a XP Investimentos, para a América Latina, o conflito geopolítico pode trazer algum benefício de curto prazo. “Os preços mais altos das commodities tendem a elevar o valor de suas exportações e aumentar a arrecadação de tributos”, diz a corretora.

Outro fator que pode beneficiar o Brasil, de acordo com a corretora, é que o agravamento da crise militar pode redirecionar fluxos de capitais do Leste Europeu a países com mercados amplos, com grande liquidez e distância geográfica dos conflitos, como é o caso do Brasil.

Outro trunfo é a baixa exposição financeira/bancária e a pequena participação dos dois países no comércio exterior do Brasil. Segundo o Bradesco, o peso das transações com a Rússia corresponde a 0,4% do PIB.

Mas há uma ressalva. A XP aponta que muitos países da América Latina dependem das vendas de fertilizantes dos países em guerra, o que pode pressionar o custo da produção agrícola doméstica e os preços internacionais dos alimentos. É o caso do Brasil.

Expectativas favoráveis para o primeiro trimestre

As expectativas dos analistas para o crescimento da economia no primeiro trimestre são favoráveis. “Para o atual estágio do conflito, o PIB brasileiro não deve ser significativamente impactado, seja pela nossa baixa exposição comercial ou por fatores domésticos que sustentam algum crescimento”, destaca o Bradesco.


Esses fatores são impulsionados por:

expansão da população empregada, que ainda sustenta o consumo privado – em janeiro, foram abertos 155,2 mil postos de trabalho com carteira assinada;
o aumento dos investimentos públicos, principalmente nos governos regionais;
o desempenho positivo de atividades “menos sensíveis ao ciclo econômico”, como a agropecuária, apesar da quebra da produção de soja no Sul do país e a indústria extrativa;
e a normalização da economia, dado o afrouxamento das medidas restritivas relacionadas à Covid-19, que beneficia, principalmente, os serviços prestados às famílias.

Os serviços ainda não se recuperaram totalmente da crise causada pela pandemia, diz Xavier, da Tendências. Dados do IBGE apontam que, em dezembro, o nível de atividade era 11,7% inferior ao registrado em fevereiro de 2020, antes de a Covid-19 ganhar força.

Medidas de estímulo adotadas pelo governo
A adoção de medidas governamentais de estímulo, como o corte de 25% no IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) podem dar mais alento à atividade econômico. Outras medidas que podem vir a ser tomadas são pacotes de crédito para micro e pequenas empresas e novos saques do FGTS.

Mas o economista da Tendências faz um alerta: apesar de o corte do IPI dar mais alento à atividade econômica, pode impactar nas contas de estados e municípios, que recebem pouco menos da metade da arrecadação do imposto.


O que atrapalha o desempenho do PIB
Nova escalada na guerra
Uma nova escalada do conflito militar poderia impactar negativamente o desempenho econômico. Xavier diz que se a guerra se prolongar e as sanções forem intensificadas haverá impactos globais, com menor crescimento do PIB e afetando a demanda por produtos, como as commodities.

A XP Investimentos aponta que nesse cenário haveria uma maior aversão ao risco, o que tenderia a afastar os investidores dos mercados emergentes, levando ao enfraquecimento das economias da América Latina.

Desaceleração à vista a partir do segundo trimestre
As expectativas de analistas econômicos são de esfriamento da atividade econômica a partir do segundo trimestre. A XP Investimentos explica que níveis de renda deprimidos, inflação persistentemente alta e efeitos defasados do aperto da política monetária vão interromper a tendência ascendente verificada no último trimestre de 2021 e no primeiro de 2022. E, segundo o Bradesco, podem contaminar 2023.

Mais tempo convivendo com juros elevados

O brasileiro terá de conviver mais tempo com juros mais elevados, o que impacta negativamente na atividade econômica. Já há casas de análise falando que a Selic poderá ultrapassar 14% neste ano. Atualmente, a taxa está em 10,75%.

“A economia brasileira apresenta certa resiliência à guerra, mas o aumento da inflação e dos juros devem limitar o crescimento a partir do segundo semestre do ano”, apontam economistas do Bradesco.

Eles lembram que o cenário ganhou contornos mais complexos e incertos. A pressão inflacionária, motivada pela alta das commodities, pode se estender por mais tempo. “A guerra na Ucrânia demanda cautela.”

Os efeitos sobre o petróleo já começam a ser sentidos no Brasil. Na quinta-feira (10), a Petrobras aumentou o preço da gasolina, do óleo diesel e do gás de cozinha nas refinarias. A alta chegou a 24,9%.

Horas depois o Congresso aprovou medidas para suavizar o impacto nos preços, mas ainda assim o próprio governo admite que parte da alta promovida pela Petrobras chegará às bombas.


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RESTAURAÇÃO DO TERROR DE STALIN POR PUTIN

INTERNACIONAL

Foto: Sergiy Starodavniy – Jornal Estadão

À medida que percebe que não conseguirá vencer, Putin recorre cada vez mais à repressão

Quando Vladimir Putin ordenou a invasão da Ucrânia, sonhava em restaurar a glória do império russo. Mas acabou restaurando o terror de Josef Stalin. Não apenas porque desencadeou o mais violento ato de agressão injustificada na Europa desde 1939, mas também porque, como resultado, está se transformando em ditador – um Stalin do século Para entender a escala das mentiras de Putin, veja como a guerra foi planejada. O presidente da Rússia pensou que a Ucrânia entraria em colapso rapidamente, e não preparou seu povo para a invasão nem seus soldados para sua missão – na verdade, ele assegurou às elites que nada disso aconteceria.

Após duas semanas no campo de batalha, ele ainda nega estar travando o que pode se tornar a maior guerra da Europa desde 1945. Para sustentar essa mentira, Putin fechou quase toda a mídia independente, ameaçou jornalistas com 15 anos de na prisão se não repetirem falsidades oficiais e prendeu milhares de manifestantes antiguerra. Ao insistir que a operação militar está “desnazificando” a Ucrânia, a TV estatal está “restalinizando” a Rússia.

Presidente russo aguarda chegada de Lukashenko, presidente de Belarus

Presidente russo aguarda chegada de Lukashenko, presidente de Belarus Foto: Mikhail Klimentyev/Sputnik, Kremlin via AP

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Acordo

Para entender o apetite de Putin pela violência, veja como a guerra está sendo travada. Depois de falhar em obter uma vitória rápida, a Rússia tenta semear o pânico, deixando as cidades ucranianas famintas e as atacando cegamente. No dia 9 de março, atingiu uma maternidade em Mariupol. Se Putin está cometendo crimes de guerra, é porque está pronto para infligir um massacre em casa.

E, para avaliar a paranoia de Putin, imagine como a guerra termina. A Rússia tem mais poder de fogo do que a Ucrânia. Ainda está fazendo progressos, especialmente no sul. E pode capturar a capital, Kiev. No entanto, mesmo que a guerra se prolongue por meses, é difícil ver Putin como vencedor.

Suponha que a Rússia consiga impor um novo governo. Os ucranianos estão agora unidos contra o invasor. O fantoche de Putin não conseguiria governar sem uma ocupação, mas a Rússia não tem dinheiro nem tropas para guarnecer nem metade da Ucrânia. A doutrina do Exército americano diz que, para enfrentar uma insurgência, os ocupantes precisam de 20 a 25 soldados por cada mil pessoas. A Rússia tem pouco mais de 4.

Putin diz que Rússia vai superar sanções ocidentais

Vladimir Putin disse que a Rússia ‘vai superar’ as sanções ocidentais impostas após a ofensiva militar e alertou sobre a disparada da inflação em todo o mundo

Se, como o Kremlin pode ter começado a sinalizar, Putin não impuser um governo fantoche – porque não consegue –, então, ele terá de fazer concessões à Ucrânia nas negociações de paz. No entanto, ele enfrentará dificuldades para cumprir qualquer acordo desse tipo. Afinal, o que Putin fará se a Ucrânia do pós-guerra retomar sua deriva para o Ocidente. Invadir?

A verdade é que, ao atacar a Ucrânia, Putin cometeu um erro catastrófico. Destruiu a reputação das Forças Armadas da Rússia, que se mostraram taticamente ineptas contra um oponente menor e menos armado, porém mais motivado. A Rússia perdeu equipamentos e sofreu milhares de baixas, quase tantas em duas semanas quanto os EUA no Iraque desde a invasão, em 2003.

Sanções

Putin submeteu o país a sanções ruinosas. O Banco Central não tem acesso à moeda forte de que necessita para sustentar o sistema bancário e estabilizar o rublo. Marcas que defendem a abertura, como Ikea e Coca-Cola, fecharam as portas. Alguns produtos estão sendo racionados. Os exportadores ocidentais estão retendo componentes vitais, ocasionando paralisações de fábricas. Sanções sobre energia – por enquanto, limitadas – ameaçam reduzir as divisas de que a Rússia precisa para pagar por suas importações.

Guerra

E, assim como Stalin, Putin está destruindo a burguesia, o grande motor da modernização da Rússia. Em vez de serem enviados para o gulag, os empresários estão fugindo para cidades como Istambul, na Turquia, e Yerevan, na Armênia. Aqueles que optam por ficar no país estão sendo amordaçados por restrições à liberdade de expressão e livre associação. Serão atingidos pela alta inflação e pela instabilidade econômica. Em apenas duas semanas, eles perderam o país.

No 16º dia de bombardeio, Rússia ataca oeste da Ucrânia

Stalin presidiu uma economia em crescimento. Por mais assassino que tenha sido, ele se baseou em uma ideologia concreta. Mesmo cometendo coisas ultrajantes, ele consolidou o império soviético. Após ser atacado pela Alemanha nazista, foi salvo pelo inacreditável sacrifício de seu país, que fez mais do que qualquer outro para vencer a guerra.

Putin não tem nenhuma dessas vantagens. Ele não apenas está fracassando em vencer a guerra enquanto empobrece seu povo: seu regime carece de um núcleo ideológico. O “putinismo”, tal como é, mistura nacionalismo e religião ortodoxa para uma audiência de TV. As regiões da Rússia, espalhadas por 11 fusos horários, já estão murmurando que esta é uma guerra de Moscou.

Fracasso

À medida que a escala do fracasso de Putin ficar mais clara, a Rússia entrará no momento mais perigoso desse conflito. As facções do regime se voltarão umas contra as outras em uma espiral de culpa. Com medo de sofrer um golpe, Putin não confia em ninguém e talvez tenha de lutar pelo poder. Talvez também tenha de mudar o curso da guerra, aterrorizando seus inimigos ucranianos e expulsando seus apoiadores ocidentais com armas químicas ou até mesmo ataque nuclear.

Enquanto observa, o mundo precisa limitar o perigo que surge no horizonte. Precisa derrubar as mentiras de Putin e promover a verdade. As empresas de tecnologia ocidentais estão erradas em fechar suas operações na Rússia, porque estão entregando ao regime o controle total sobre o fluxo de informações. Os governos que acolhem os refugiados ucranianos também devem acolher os russos.

A Otan pode ajudar a moderar a violência de Putin – na Ucrânia, pelo menos – continuando a armar o governo de Volodimir Zelenski e o apoiando se ele decidir que chegou a hora de entrar em negociações sérias. Também pode aumentar a pressão sobre Putin avançando mais rápido e mais fundo com sanções energéticas, embora com um custo para a economia mundial.

Zelensky acusa Rússia e FMI alerta sobre economia mundial

Zelensky acusa Rússia de ataque com tanques em rota humanitária rumo a Mariupol e FMI alertou que a Guerra na Ucrânia abala o crescimento econômico global.

Liberdade

E o Ocidente pode tentar conter a paranoia de Putin. A Otan deve declarar que não atirará nas forças russas, desde que elas não ataquem primeiro. E não deve dar a Putin uma razão para atrair a Rússia para uma guerra mais ampla, declarando uma zona de exclusão aérea que precisaria ser reforçada militarmente. Por mais que o Ocidente queira um novo regime em Moscou, deve declarar que não irá arquitetá-lo diretamente. A libertação é uma tarefa para o povo russo.

À medida que a Rússia afunda, o contraste com o presidente vizinho é gritante. Putin está isolado e moralmente morto. Zelenski é um homem comum e corajoso que uniu seu povo e o mundo. Ele é a antítese de Putin – e talvez sua nêmesis. Pense no que a Rússia pode se transformar quando se libertar de seu Stalin do século 21. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

 

HELICÓPTEROS RUSSOS SERÃO SUCATEADOS NO BRASIL

 

INTERNACIONAL

Foto: Johnson Barros/FABPor Claudio Lucchesi – Jornal Estadão

FAB fica sem os helicópteros de fabricação russa, usados para patrulhar a Amazônia, que foram retirados de serviço

Longe dos combates na Ucrânia existe uma zona de guerra em que americanos e russos já se enfrentam de maneira não declarada: o mercado mundial de produtos de Defesa. Uma das mais recentes vítimas desse confronto pode ser uma aeronave essencial para a defesa do Brasil na Amazônia, o helicóptero de ataque Mil Mi-35M, operado pela Força Aérea Brasileira (FAB), mas fabricado na Rússia.

Em fevereiro, a FAB oficializou a desativação dos Mi-35M da FAB, num processo que deve estar concluído em 31 de dezembro – ou seja, nessa data, nem um único dos 12 helicópteros hoje em serviço estará mais ativo. O documento da Aeronáutica, porém, não aponta nenhuma razão para a “aposentadoria” dos helicópteros, adquiridos novos de fábrica, com pouco mais de dez anos de uso.

Em serviço na Amazônia, os helicópteros russos se revelaram úteis e eficazes, inclusive no combate a voos ilícitos, muitos a serviço do narcotráfico. Em 2018, tenente-coronel aviador Rômulo Amaral, comandante da unidade que opera o Mi-35M, em entrevista à revista do fabricante russo, destacou a confiabilidade dos Mi-35M em condições climáticas difíceis e áreas selvagens. “Podem pousar em qualquer superfície dura, em áreas remotas”, disse.

Além disso, o Mi-35M é o único helicóptero de combate no mundo capaz não só de atuar como aeronave de ataque, mas também para assaltos de tropas e comandos, podendo levar até oito soldados armados, retirar feridos e transportar técnicos para locais remotos.

Sanções

Estranhamente, não existe nenhum substituto à caminho, e a FAB deixará de ter uma aeronave com as suas capacidades. Na Aeronáutica, a explicação é a falta de dinheiro para operar os helicópteros. Especialistas e técnicos envolvidos com o programa do Mi-35M, ouvidos pela reportagem em condição de anonimato, apontam uma outra razão: as sanções dos EUA à Rússia.

Entre as empresas incluídas na lista de sanções americanas estão a Russian Helicopters e a Rostvertol, que produzem as aeronaves. Hoje, qualquer instituição financeiras que fizer negócio com as empresas russas podem sofrer punições.

Mas os Mi-35M são apenas parte do “dano colateral” da disputa entre russos e americanos. Nos últimos cinco anos, os EUA têm atuado diretamente na briga por contratos de Defesa com a Rússia. “As sanções se tornaram um instrumento de concorrência desleal e estão servindo para nos expulsar de certos mercados”, disse Viktor Kladov, diretor da estatal russa Rostec, que reúne empresas russas que atuam no setor.

Helicóptero da FAB é 'vítima colateral' das sanções norte-americanas contra a Rússia, do presidente Vladimir Putin, pela invasão à Ucrânia.

Helicóptero da FAB é ‘vítima colateral’ das sanções norte-americanas contra a Rússia, do presidente Vladimir Putin, pela invasão à Ucrânia. Foto: Sergey Guneev/Kremlin via Reuters

Segundo Kladov, contratos já firmados com outros países foram cancelados por pressão dos EUA. As ameaças americanas, no entanto, podem também ser um tiro no pé e criar situações incômodas com aliados como a Índia, vista como peça-chave para conter a expansão chinesa na Ásia e, ao mesmo tempo, parceira tradicional da Rússia em sistemas de Defesa.

Desenvolvimento

Kladov diz que as sanções não afetam apenas a Rússia, uma vez que diversas empresas ocidentais lucram em acordos com os russos. “As sanções sempre têm efeitos negativos em ambos os lados”, disse. “É verdade que estamos perdendo oportunidades. Mas tenho certeza que nossos parceiros americanos e europeus também não estão satisfeitos com as restrições.”

Um resultado disso foi a substituição, na indústria militar russa, de componentes ocidentais pela produção local. Em janeiro, a OAK (Corporação Aeronáutica Unificada), holding que reúne os fabricantes aeronáuticos russos, entregou à aviação naval os primeiros caças multifuncionais Sukhoi Su-30SM2. Segundo o especialista búlgaro Alexander Mladenov, a principal vantagem do Su-30SM2 é que os componentes eletrônicos da versão anterior, que eram fornecidos pelos franceses, foram substituídos por similares russos.

AS ARMADILHAS DA INTERNET E OS FOTÓGRAFOS NÃO NOS DEIXAM TRABALHAR

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