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Os governantes latino-americanos praticamente sem exceção se aproveitaram e se aproveitam de um traço cultural típico das nações desta região: a crença enraizada na mente do povo e dos dirigentes de que o atraso econômico e social dos países deste continente é sempre culpa de inimigos externos. Mesmo compreendendo que seria demais exigir da natureza humana a busca das causas do atraso em seus próprios erros (sobretudo em se tratando de políticos), jogar a culpa no resto do mundo pelo fato de países, muitos deles ricos em recursos naturais, seguirem sendo pobres e subdesenvolvidos é atitude infantil e um escapismo político esperto usado pelos governantes para seguirem sendo eleitos e, portanto, detendo o poder.
Aqui no Brasil, só para ficar nos últimos 50 anos, todos os governantes que enfrentaram fraco desempenho na economia e instabilidade política, se esmerarem em culpar crises internacionais ou o “imperialismo” norte-americano. Alguns episódios dessa realidade podem ser mencionados como sintomas do cacoete de sempre culpar os outros. A crise mundial do petróleo nos anos 1973-1974 foi considerada a grande causa da freada no crescimento econômico nacional e da inflação que ali começava a voltar, após ter sido dominada no período anterior. Entretanto, naquela época, a Petrobras era uma vaca sagrada, da qual quem falasse mal era tachado imediatamente de traidor da pátria, mesmo que a empresa, após 20 anos desde sua criação, não tivesse conseguido produzir mais que um quarto do consumo nacional de petróleo e derivados.
A crise do petróleo ocorreu, isso é fato, mas a empresa estatal monopolista que foi criada justamente para dar autonomia em relação ao petróleo apresentava desempenho sofrível diante do problema. Quando o país começava a se refazer, veio outra crise internacional do petróleo em 1979, os preços do barril dispararam novamente, o Brasil continuava dependente de importações, a inflação retornou e os eventos externos, apesar de contribuírem para nova crise e baixo crescimento, apenas revelaram que o Brasil continuava com dificuldade para corrigir suas deficiências internas e crescer por sua própria conta.
O último presidente do regime militar entregou o poder a um presidente da República civil e começava o processo de redemocratização, porém, José Sarney, que assumiu o poder em março de 1985 em substituição a Tancredo Neves que morrera sem tomar posse de fato, tratou de enfrentar a hiperinflação instalada no país com as piores medidas: congelamento de preços, salários e câmbio, quando esse tipo de medida vem fracassando desde que o imperador Diocleciano impôs a todos os domínios romanos, no ano de 301 d.C, o congelamento de preços por meio de uma tabela com 900 mercadorias e 130 serviços, incluindo professor, advogado, pedreiro, entre outros. Quem ficava contra era punido com pena de morte.
Até então, todos os governos jogaram a culpa das crises brasileiras nas crises internacionais, de forma a se isentarem da culpa por seus maus governos e erros de gestão econômica. A cultura de culpar os outros já estava impregnada na América Latina desde a criação, em 1948, da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, com o objetivo de incentivar a cooperação econômica entre os seus membros. A CEPAL foi entregue a uma geração de economistas, políticos e sociólogos que tinham obsessão com a chamada “teoria da dependência”, segundo a qual o atraso dos países latino-americanos era culpa dos Estados Unidos. Ou seja, a CEPAL criou teorias, livros e documentos para dizer que a riqueza e prosperidade do Estados Unidos se deram à custa da pobreza e atraso dos países latinos, tese que foi defendida por dirigentes famosos da CEPAL, como o argentino Raul Prebisch e os brasileiros Celso Furtado e Fernando Henrique Cardoso (FHC).
Desde 1985 até 1994, o Brasil viveu de crise em crise, com elevada inflação, cinco planos econômicos fracassados e, somente em 1994, o país conseguiu extinguir a principal ferida que impedia o progresso: a hiperinflação, que veio a ser debelada com o Plano Real, criado pela equipe montada por Fernando Henrique Cardoso, então ministro da Fazenda de Itamar Franco. O sucesso do Plano Real foi, senão a principal, uma das principais causas que levaram Fernando Henrique a ganhar duas eleições presidenciais e governar o Brasil de 1995 a 2002. Durante o período de FHC, o mundo sofreu várias crises, o desempenho econômico brasileiro foi relativamente baixo e, como sempre, passou-se a culpar as crises internacionais pelos resultados ruins.
Até então, todos os governos jogaram a culpa das crises brasileiras nas crises internacionais, de forma a se isentarem da culpa por seus maus governos e erros de gestão econômica
O Brasil seguia se esmerando em culpar eventos externos e sendo incapaz de criar suas próprias defesas internas. Porém, os políticos, os governantes e seus partidos, que sempre culpavam os outros por seus fracassos, nunca deram o devido crédito ao cenário internacional quando ele era favorável, como ocorreu nos dois mandatos de Lula da Silva. Em todo o período do governo Lula, de 2003 a 2010, o Brasil foi altamente beneficiado pela elevação dos preços das commodities que o país exporta, foi um período sem crise grave, a não ser a crise financeira mundial que explodiu em 2008-2009 e somente causou alguns efeitos já no governo de Dilma Rousseff. Assim, a cultura política brasileira ficou viciada em culpar o resto do mundo quando o Brasil vai mal e nunca atribuir ao bom cenário externo quando o Brasil vai bem.
Essa questão cultural baseada no princípio de que “o sucesso é mérito nosso e o fracasso é culpa dos outros” não é apenas um vício do discurso político governamental: é também um empecilho à capacidade de criar defesas e estratégias que façam o Brasil prosperar mesmo quando alguma crise está em andamento no mundo, coisa que é necessária pela simples razão de que, em um planeta que saiu de 1 bilhão de habitantes em 1830 para 7,8 bilhões em 2022, sempre haverá crise em algum lugar do planeta e que, somada à globalização e integração entre os mercados, terá efeitos sobre o Brasil. Por isso, é recomendável que o país aprenda a conviver com crises internacionais e desenvolva mecanismos de enfrentá-las e prosperar mesmo em cenário adverso. Com as eleições se aproximando é o caso de lançar uma pergunta: o que os candidatos à presidência e seus partidos têm a dizer sobre esse assunto?
André Mendonça, durante sessão nesta terça (8) na Segunda Turma do STF| Foto: Nelson Jr./SCO/STF
O ministro André Mendonça, nomeado no fim do ano passado para o Supremo Tribunal Federal (STF), participou nesta terça-feira (8) de seu primeiro julgamento presencial, na Segunda Turma da Corte, relacionado à Operação Lava Jato. Nos dois casos analisados, ele seguiu o relator, Edson Fachin, votando contra pedidos de dois réus já condenados no esquema de corrupção da Petrobras.
A posição de Mendonça em relação à Lava Jato era objeto de apreensão, no meio jurídico e político de Brasília, durante os mais quatro meses em que que sua indicação para o STF ficou parada no Senado, no ano passado, em razão da resistência de parte da classe política a seu nome.
No primeiro caso julgado pela Segunda Turma do STF nesta terça, os ministros analisaram um pedido de Fernando Moura, empresário apontado como lobista dentro da Petrobras e operador de propinas ligado ao PT, para retirada da tornozeleira eletrônica.
Condenado a 12 anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro, junto com o ex-ministro José Dirceu, ele chegou a cumprir parte da pena entre 2018 e 2019, antes de o STF acabar com a prisão em segunda instância.
Mas desde 2017 ele já era monitorado pela Justiça, depois que quebrou um acordo de delação premiada. Além de mentir, não devolveu mais de R$ 5 milhões que havia prometido devolver, dinheiro que era fruto de propinas, segundo o Ministério Público Federal.
Sua defesa pediu para tirar a tornozeleira, alegando que ele vem cumprindo outras restrições impostas para substituir a prisão preventiva. Mas Fachin votou contra, com base em provas de que ele ainda manteria, em Miami, um apartamento de US$ 1,6 milhão, um carro Aston Martin de US$ 120 mil, além de conta bancária em Miami.
O ministro apontou risco de ele sumir com o dinheiro que deveria devolver ou cometer mais crimes. “O receio de dissipação do produto do crime aliado ao risco de reiteração delitiva são circunstâncias hábeis à imposição de constrição cautelar ainda mais severa ao envolvido”, disse o ministro, cogitando até mesmo a possibilidade de uma prisão preventiva.
No julgamento, Gilmar Mendes abriu a divergência, votando para derrubar o monitoramento eletrônico. Disse, basicamente, que ele nunca contrariou restrições impostas a ele desde 2017, quando o próprio STF derrubou sua prisão preventiva.
Mendonça, no entanto, acompanhou Fachin, argumentando que Fernando Moura não agiu com “boa-fé e lealdade” ao mentir em sua delação premiada e não devolver dinheiro de propina. “Ao ter essa atitude de desprestígio ao próprio Poder Judiciário, não me sinto em condições de confiar nas próprias afirmações dele, de que tem insuficiência patrimonial, ou de que não há risco à ordem pública e ao cumprimento da lei penal”, disse Mendonça.
Gilmar Mendes reagiu. Em resposta ao voto de Mendonça, falou que houve “envelhecimento” do uso da tornozeleira, e depois criticou, genericamente, os acordos de delação feitos pela força-tarefa da Lava Jato em Curitiba. “A palavra lealdade não se fazia presente. Ao contrário, se fazia presente o aproveitamento. Há imprestabilidade de muitas das delações feitas a partir de coerção e que vêm sendo desmentidas nos autos”, afirmou.
Gilmar Mendes acabou vencendo o julgamento, porque foi acompanhado por Ricardo Lewandowski e Kassio Nunes Marques, que também votaram para retirar a tornozeleira de Fernando Moura.
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Em julgamento do espanhol David Muino Suarez, mais um voto pró-Lava Jato de Mendonça Num segundo julgamento na sessão desta terça, relacionado à Lava Jato, André Mendonça também votou contra outro réu condenado na operação: o espanhol David Muino Suarez. Ele era vice-presidente na América Latina do banco suíço BSI e foi condenado no ano passado por lavagem de dinheiro.
A acusação é de que ele abriu contas secretas em nome de offshores que movimentaram ao menos US$ 21,7 milhões de propina, oriunda da compra de um campo de petróleo no Benim pela Petrobras – um dos condenados por corrupção nesse esquema foi o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha.
No STF, a defesa de Suarez queria trancar a ação penal, com o argumento de que os crimes não foram cometidos no Brasil e, por isso, ele não poderia ser processado pela Justiça brasileira. Nesse caso, porém, todos os ministros da Segunda Turma seguiram Edson Fachin e negaram o pedido.
“Embora se encontrasse na Suíça, a movimentação dos valores aconteceu a partir de ordens originadas do Brasil. A abertura das contas teve início a partir de acordos entabulados no Brasil. Isso nos dá tranquilidade necessária para acompanhar ministro Edson Fachin”, disse na sessão André Mendonça.
No fim de fevereiro, Mendonça já havia proferido um voto pró-Lava Jato num julgamento virtual (não presencial) relacionado ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Assim como Fachin, ele defendeu que a Justiça continuasse usando o acordo de leniência da Odebrecht em ações contra o petista. Mas foi vencido. Lewandowski, Gilmar Mendes e Kassio Marques votaram pela proibição e prevaleceram nesse julgamento.
Fábrica da Ceitec, em Porto Alegre: liquidação da estatal foi interrompida pelo TCU.| Foto: Divulgação/Acceitec
Iniciada em 2020, a tentativa do governo federal de encerrar as atividades da estatal Ceitec está paralisada desde setembro de 2021 por decisão do Tribunal de Contas da União (TCU).
Ceitec é a sigla para Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec). Criada no segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, a empresa é a única da América Latina capaz de desenvolver, projetar e fabricar semicondutores de silício – também chamados de chips – em larga escala.
Baseados no voto do revisor da matéria, ministro Vital do Rêgo, os ministros do TCU determinaram que o Ministério da Economia interrompesse o processo de desestatização da empresa até nova deliberação da Corte.
O Tribunal também solicitou à pasta uma série de esclarecimentos, que já foram encaminhados pelo ministério. No entanto, não há previsão para a pauta retornar a julgamento e o trâmite continua suspenso enquanto o caso está sob análise da Secretaria de Recursos do TCU.
O governo não teria seguido o rito legal necessário para a desestatização, ignorando, por exemplo, a necessidade de anuência do Ministério de Ciência, Tecnologia e Informação (MCTI) para a liquidação da estatal, afirmou Rêgo em seu voto em favor da paralisação do processo. Em relatório de administração referente a 2020, publicado em março de 2021, o MCTI sai em defesa da estatal e não demonstrar apoio à ideia de fechar a empresa.
Rêgo apresentou um relatório técnico segundo o qual o Executivo não avaliou riscos e impactos orçamentários e não apresentou justificativas plausíveis para a liquidação da empresa.
O trâmite para a desestatização da Ceitec também encontra obstáculos em outras frentes, como a falta de acordo sobre o terreno ocupado pela empresa e os gastos que o governo terá para fechá-la. Enquanto o processo de liquidação está travado, a manutenção da companhia é estimada entre R$ 200 milhões e R$ 300 milhões, segundo o estudo apresentado pelo revisor.
“Os motivos que conduziram à liquidação da Ceitec não se sustentam, carecendo de maior fundamentação, pois se apoiaram em análises que não ponderaram relevantes perdas e dispêndios de recursos públicos como consequências imediatas desta linha de ação, nem consideraram a evidente tendência atual de melhoria dos indicadores financeiros da empresa, bem como eventuais medidas que poderiam ser adotadas para incrementar tal evolução”, argumentou Vital do Rêgo em seu relatório.
O ministro do TCU decidiu que o processo deveria ser suspenso “para que se possa melhor justificar o seu atendimento ao interesse público e para que se apresentem soluções aos entraves que, caso não sejam oportuna e devidamente equacionados, representarão elevado ônus financeiro à União”. No total, considerando um conjunto de riscos identificados pelo estudo apresentado por Rêgo, a liquidação poderia ter impactos da ordem de até R$ 620 milhões.
Criada em 2008 e localizada em Porto Alegre, a Ceitec é uma sociedade de economia mista de capital fechado que atua no segmento de semicondutores. A União tem 100% das ações da companhia, que, até o início do processo de liquidação, era vinculada ao MCTI.
Os dados da Ceitec não constam do Boletim das Empresas Estatais Federais Dependentes do Tesouro Nacional desde o ano de 2018. As informações também estão ausentes do Relatório de Benefícios das Empresas Estatais Federais (Rebef) de 2021. A liquidação da Ceitec é parte da agenda de desestatizações do governo federal, que também inclui a venda de empresas como Eletrobras e Correios.
No Congresso Nacional, tramita o projeto de decreto legislativo 558/20, de iniciativa dos senadores Jaques Wagner (PT/BA), Jean Paul Prates (PT/RN), Zenaide Maia (PROS/RN), Paulo Paim (PT/RS) e Humberto Costa (PT/PE), que susta os efeitos da liquidação.
A Gazeta do Povo enviou questionamentos às assessorias de imprensa do Ministério da Economia, do MCTI e da prefeitura de Porto Alegre, que não deram respostas até a publicação desta reportagem.
Deficitária desde sua criação, o Ceitec passou a ser alvo de estudos do governo para alternativas de parceria com a iniciativa privada a partir de 2019, quando a empresa foi qualificada para o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) por meio do decreto 10.065.
Na época, o Executivo alegou que “o cenário atual da empresa requer a adoção de estudos abrangentes a fim de aprimorar o desempenho de seus resultados e trazer práticas do setor privado para a gestão da companhia”, segundo o relatório de Rêgo.
Porém, em março de 2020, sem que os estudos tivessem sido concluídos e sem aval formal do TCU, a empresa foi incluída no Programa Nacional de Desestatização (PND). O governo, na avaliação do ministro do TCU, teria tomado decisões sem seguir o rito necessário para a liquidação.
Ainda segundo defendeu o ministro do TCU em seu voto, a inclusão da empresa no PND, sem a avaliação prévia da viabilidade da desestatização e na ausência da devida análise de riscos decorrentes da extinção da companhia “afronta aos princípios da diligência, da prudência, da motivação e ao art. 173 da Constituição Federal”, que trata das regras para a exploração direta de atividade econômica pelo Estado. “A empresa foi incluída no PPI sem qualquer proposta de projeto ou programa”, apontou.
Ainda sem apresentar estudos concretos, segundo Rêgo, o governo optou por transformar a empresa em uma Organização Social (OS), decisão estabelecida no decreto nº 10.578, publicado em 15 de dezembro de 2020. A OS responsável pela empresa receberia fomento público para promover pesquisa, desenvolvimento, extensão tecnológica, formação de recursos humanos, geração e promoção de empreendimentos de base tecnológica em semicondutores, microeletrônica, nanoeletrônica e áreas correlatas.
Outra falha apontada pelo TCU na decisão de setembro de 2021 foi a “ausência” de participação do MCTI no processo. Segundo o relatório de Rêgo, o ministério não teria concordado com a desestatização da estatal, além de ter apontado que não havia “razão ou fundamento jurídico para propor a qualificação do Ceitec no âmbito do PPI”. A participação do ministério “foi relegada a um papel secundário nas discussões”, disse o magistrado.
Empresa depende do Tesouro para pagar contas e acumula prejuízos Desde sua criação, o Ceitec dependeu de recursos do Tesouro Nacional para fechar as contas, sendo assim classificada como estatal “dependente”. Na visão do Executivo, a relação custo-benefício da companhia é um dos principais argumentos em favor da liquidação.
Se considerado o período entre 2016 e 2019, a estatal recebeu cerca de R$ 360 milhões em aportes do Tesouro. Nos últimos anos, ela registrou os seguintes prejuízos:
2016: R$ 49,6 milhões 2017: R$ 23,9 milhões 2018: R$ 7,6 milhões 2019: R$ 12 milhões 2020: R$ 4,2 milhões “No auge de sua receita, a instituição arrecadou R$ 7 milhões no ano, mas teve R$ 80 milhões de despesa. Ou seja, só obtém menos de 10% do que precisa para desempenhar suas atividades. É injustificado colocar R$ 80 milhões por ano para investir numa fábrica que depende cada vez mais de recurso público. De qual brasileiro, de qual política pública a gente vai retirar para continuar investindo no Ceitec?”, afirmou a secretária especial do PPI, Martha Seillier, durante uma audiência no Senado para discutir o assunto.
Segundo suas demonstrações contábeis, a empresa teve melhora de alguns indicadores entre 2016 e 2019, como a redução das subvenções do Tesouro em 31% (de R$ 96 milhões para R$ 66 milhões ao ano) e a queda de 47% nas despesas gerais e administrativas (de R$ 68 milhões para R$ 36 milhões). Em paralelo, a receita líquida de vendas aumentou de R$ 1,04 milhão para R$ 7,8 milhões.
Em 2020, as subvenções do Tesouro diminuíram mais um pouco e somaram R$ 57,8 milhões. A maior parte do aporte da União era destinada a cobrir despesas com pessoal.
Desde o início da liquidação, o quadro de pessoal da empresa diminuiu de 182 para 77 funcionários. Segundo o MCTI, entre os 182 colaboradores, 59% eram pós-graduados (9% com doutorado ou pós-doutorado, 22% com mestrado, 28% com especialização ou MBA), 27% tinham graduação e 14%, ensino técnico ou médio.
Segundo defendeu Rêgo em seu voto, a “dissolução da empresa, sob o critério contábil-financeiro, representaria uma economia anual de, aproximadamente, R$ 57,8 milhões ao ano, o que representa menos de 0,7% da dotação atual do MCTI para o exercício de 2021, de R$ 8,62 bilhões”.
Associação de funcionários diz que patentes melhorariam resultados da Ceitec A Associação dos Colaboradores do Ceitec (Acceitec) defende que uma série de patentes que estavam sendo desenvolvidas pela empresa teriam impacto positivo em seu fluxo de caixa em um futuro breve, ajudando a diminuir a dependência de produtos importados e fortalecer a indústria nacional.
Entre os produtos, a Acceitec destaca os chips para rastreamento de rebanhos de gado, identificação veicular, monitoramento de saúde e passaporte eletrônico, por exemplo. Segundo a Acceitec, a estrutura fabril, com certas adaptações, também é compatível com produção de componentes para a tecnologia 5G, condição que também poderia viabilizar lucros para a empresa no futuro.
Em 2020, segundo a associação, a área de produto, pesquisa e desenvolvimento da estatal alcançou a marca de 13 novos produtos e processos desenvolvidos. No mesmo ano também foram finalizados protótipos de plataformas eletroquímicas (base de sensores para detecção de doenças).
Em 2021, MCTI saiu em defesa da estatal: “trajetória ascendente” Em relatório administrativo publicado em março de 2021, já com o processo de liquidação em andamento, o MCTI falou em “trajetória ascendente” da estatal. A pasta saiu em defesa da empresa e disse que ela estava aumentando produção, faturamento e receitas, melhorando ano a ano seu resultado, reduzindo despesas e a necessidade de aportes governamentais.
Na avaliação do ministério, a Ceitec demonstrava “inexorável tendência de tornar-se uma empresa independente e consolidar sua posição de pioneirismo e estímulo ao fomento da tecnologia nacional”.
“Uma empresa/indústria de tecnologia, em função da área e objeto de atuação, tem como característica longos prazos para retornos de investimentos. De maneira geral, são necessários mais de dez anos para que este tipo de empresa se consolide e comece a apresentar resultados econômicos e sociais para o país”, afirmou.
No relatório, o MCTI também ressaltou que a Ceitec “não tem objetivo comercial imediato, nem geração de receita em curto prazo e médio prazo”, mas tem foco na formação de recursos humanos e a realização de pesquisa tecnológica e de inovação, entre outras”. “Portanto, tais atividades precisam ser financiadas num primeiro momento, por meio de receitas de subvenção recebidas do Estado”, afirmou o ministério.
O texto afirma também que, “na contramão dos impactos mundiais da pandemia”, a Ceitec consolidou avanços significativos em seus indicadores em 2020, “os quais só não foram melhores em função da inclusão da empresa no PND”.
Projetos teriam sido descartados pelo governo, diz associação A Acceitec afirma, ainda, que o governo federal contratou produções da Ceitec mas depois preferiu importar os produtos. É o caso do chip utilizado nos passaportes. Ele foi encomendado à Ceitec pela Casa da Moeda, que depois dispensou o produto da estatal.
“O Brasil seria referência a outros países. É algo que não conseguimos compreender. Fizemos investimento de tempo, mão de obra, dinheiro. E, infelizmente, não vendemos”, afirma Silvio Luis, presidente da Acceitec.
“Ficamos muito atrás ao recusar isso, especialmente hoje, quando se se fala muito na tecnologia 4.0, disruptiva. Quando um insumo básico é feito fora, em se tratando de eletrônica, não podemos esquecer que existe uma guerra tecnológica, em que devemos questionar o dispositivo que estamos comprando, o que tem dentro dele, quem poderia estar me espionando, vendo meus dados”, afirma Luis.
“Quando falamos em conectividade, se vou me conectar em rede de Wifi, celular, bluetooth, estou exposto. Se o Brasil compra de fora 100% e não tem capacidade de desenvolvimento de tecnologia nacional, temos um problema de segurança nacional”, diz.
A dependência tecnológica externa e a possibilidade de ser um ramo estratégico para o Brasil também foram preocupações levantadas pelo TCU.
Em seu relatório, o ministro revisor afirmou que “92% da produção mundial de semicondutores de alto valor agregado tecnológico está concentrada em Taiwan, impondo elevados riscos a toda a cadeia do segmento, diante de eventuais instabilidades políticas, desastres naturais ou pandemias globais”.
Em seu relatório, o MCTI destacou os seguintes fatores relevantes para justificar a importância da Ceitec:
“a maior dependência da indústria tradicional de insumos semicondutores – com destaque para a indústria automobilística, com várias delas paradas atualmente por falta de chips; o maior interesse de manter menor dependência no domínio da fabricação desse tipo de insumo em diversos países – vários países implementaram programas arrojados específicos de apoio a esse setor que estão atraindo grande volume de profissionais de outros países; o reconhecimento, cada vez maior, da ligação desse setor com a soberania e segurança nacional – vide as discussões acaloradas sobre o 5G; a potencial contribuição da apropriação dessas tecnologias para a retomada do crescimento econômico (em especial na possibilidade de implementação da fiscalização de autenticidade de produtos e fiscalização automática multimodal – caminhões, vagões e barcos)”.
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PARTICIPE! TCU apontou riscos relacionados à desmobilização da fábrica e ao terreno Em sua análise, o TCU também apontou riscos relacionados ao descomissionamento e à descontaminação da fábrica do Ceitec. Os processos demandam ao menos 16 meses para execução, dado o fato de que são manuseados compostos químicos de alta periculosidade, a exemplo dos ácidos fluorídrico, sulfúrico e nítrico, empregados nos processos de trabalho que se desenvolvem na produção de circuitos microeletrônicos, segundo a Acceitec. O gasto com essas operações foi estimado pelo TCU em, no mínimo, entre R$ 111,9 milhões e R$ 139,4 milhões.
“No momento, não estamos produzindo nada. A fábrica está parada e estamos aguardando a decisão do que fazer. Se ela volta a ser uma empresa ou se dá continuidade ao processo de liquidação. Estamos aguardando a decisão do TCU”, explica Abílio Eustáquio, oficial da reserva da Marinha brasileira e liquidante da empresa.
“Só para a manutenção do complexo fabril, há 38 funcionários, que estão preservando o ativo”, explicou o liquidante. “Para nossa segurança, para a preservação das licenças ambientais, temos no mínimo 38 cuidando do complexo fabril, mantendo total segurança para que não haja nenhum problema, apesar de não estarmos mais produzindo nada”, completou.
Um outro entrave à liquidação está relacionado ao terreno da fábrica do Ceitec. O local é de propriedade do município de Porto Alegre. Porém, o prédio sede da companhia e o local de desenvolvimento das atividades fabris, construídos pelo MCTI, constam dos estudos como patrimônio do ministério. A União investiu recursos da ordem de R$ 400 milhões em instalações, mas não há consenso, até o momento, sobre se poderão ser desincorporados do patrimônio sem nenhuma contrapartida.
“Tal equacionamento, ainda em andamento, deveria ter sido objeto de avaliação em etapas anteriores, quando ainda se avaliavam as alternativas a serem adotadas em relação à desestatização da empresa”, afirmou o relatório de Rêgo. “A regularização do terreno no qual se situam as instalações da Ceitec ainda se encontra pendente de solução e, por este motivo, representa risco ao patrimônio da União, haja vista a possibilidade de se perderem investimentos da ordem de R$ 400 milhões”, apontou o ministro do TCU.
Entrega da Ordem do Pinheiro no Palácio Iguaçu – Blario Maggi – Osmar Dias – Geraldo Alckimin .Beto Richa , José Carlos Fernandes
O ex-governador Geraldo Alckmin| Foto: Gazeta do Povo/Arquivo
O PSB havia anunciado que o ex-governador de São Paulo e ex-tucano Geraldo Alckmin iria assinar a ficha do partido para ser candidato a vice-presidente em uma chapa encabeçada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – embora os dois sejam antagonistas e o eleitor pode ter dificuldades para entender essa aliança. Mas mesmo depois do anúncio, Alckmin diz que está pensando ainda.
Quem sabe ele está pensando, e acho que ele teria razão, em se decidir por ser candidato ao governo do estado de São Paulo. Ele teria chance de disputar com Tarcísio Freitas, por exemplo, que deve ser o candidato do presidente Jair Bolsonaro (PL) no maior colégio eleitoral do país. Ele deve estar pensando por que Lula o convidou: “será que é para me tirar do caminho de Fernando Haddad, que também quer ser governador de São Paulo?”. São as coisas que estão no ar na política.
Outra coisa que está no ar é o caso do deputado estadual de São Paulo, Arthur do Val, que foi para Ucrânia pensando que voltaria glorioso com missão humanitária e voltou no maior fiasco da vida dele. Há mais de 10 pedidos de cassação do mandato dele na Assembleia Legislativa de São Paulo, ele já anunciou que sairá do MBL para não prejudicar o movimento, saiu do Podemos para não prejudicar a candidatura de Sergio Moro – embora já tenha prejudicado. São as coisas que acontecem na política.
Americanos já sentem impactos das sanções dos EUA ao petróleo russo As sanções contra a Rússia por causa da guerra na Ucrânia também estão atingindo o mundo ocidental. Por exemplo, o presidente dos EUA, Joe Biden, decidiu não comprar mais petróleo da Rússia. Como resultado, o preço do petróleo disparou, afetando todo mundo, talvez menos a Rússia, que é produtora da commodity.
O petróleo já estava em 100 dólares no dia em que começaram as sanções e posteriormente subiram mais. Nos Estados Unidos, os preços dos combustíveis já deram um salto. E mais, os Estados Unidos dizem que vão comprar da Venezuela. Da ditatura do nosso vizinho do norte. Vão punir o presidente russo Vladimir Putin, mas vão ajudar o Nicolás Maduro. A Shell, por exemplo, parou de comprar petróleo da Rússia e terá prejuízo.
O mesmo acontecerá com os cartões de crédito que deixaram de operar na Rússia. Com a exclusão de bancos russos do Swift (sistema de comunicação que viabiliza o pagamento e a transferência de recursos entre empresas de diferentes países), eles passarão a usar meios de pagamento da China. Então não está servindo para quê as sanções? A Boeing está anunciando que não vai mais comprar titânio da Rússia. E como eles farão aviões? São essas coisas que não estão fazendo sentido.
O progresso da energia solar Enquanto isso, no Brasil, a energia solar, sozinha, já supera em produção de eletricidade da gigantesca Itaipu. Há cinco anos a geração era de 1,2 gigawatts e agora pulou para 13,5 gigawatts. É o progresso. Esse Brasil é um país realmente especial. Já adiantou muito parar de roubar, impedir a corrupção, imagina se os brasileiros começarem a trabalhar à favor dos brasileiros. Acho que, assim, podemos ir muito longe.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fala durante uma coletiva de imprensa em Paris, França, 17 de novembro de 2021| Foto: EFE/EPA/CHRISTOPHE PETIT TESSON
O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu em 2 de março o andamento da última ação penal movida contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo as palavras do ministro do Supremo, o processo não teria um “suporte idôneo” e os procuradores do Distrito Federal seriam parciais, pois teriam criado uma “empreitada persecutória contra o ex-presidente Lula”. Não vejo elementos jurídicos que autorizariam essa suspensão, mas antes de analisar a decisão do ministro do STF é importante relembrar os crimes apurados nesse processo.
Em dezembro de 2016 o MPF do Distrito Federal processou criminalmente o ex-presidente, o seu filho Luiz Claudio Lula da Silva e mais dois empresários por integrarem uma organização criminosa. Lula foi processado por tráfico de influência, lavagem de dinheiro e por integrar organização criminosa, pois, segundo a acusação, prometeu influenciar a ex-presidente Dilma Rousseff para a concessão de benefícios indevidos a três empresas: a companhia sueca SAAB (que venderia 36 caças Grippen para a FAB); a Marcondes e Mautoni; e a CAOA, sendo que essas últimas receberiam prorrogações de benefícios fiscais com a edição da Medida Provisória 627/2013 pela ex-presidente Dilma.
Em contrapartida ao tráfico de influência realizado, o ex-presidente Lula recebeu mais de 2 milhões e quinhentos mil reais, através de seu filho Luiz Claudio, por intermédio da celebração de um contrato de prestação de serviço de marketing fictício (nos termos da acusação). A expectativa era que o valor total recebido fosse de 4 milhões de reais, mas a integralidade desse montante não foi paga por conta da deflagração da denominada Operação Zelotes em março de 2015. Por conta desses fatos, Luiz Claudio também foi processado por lavagem de dinheiro e por integrar organização criminosa. Os crimes teriam sido praticados entre 2014 e 2015.
A defesa do ex-presidente Lula alegou que os Procuradores do Distrito Federal seriam suspeitos (parciais), e foi instaurado um procedimento para apurar essa alegada suspeição perante o Juiz do Distrito Federal (o juiz da causa). Entretanto, enquanto a ação penal tramitava, o ministro Lewandowski determinou a suspensão dessa ação com base em provas ilícitas, quais sejam, as supostas conversas obtidas criminosamente através do ataque hacker, e investigado pela Operação Spoofing.
Embora a Constituição Federal proíba a utilização de provas ilícitas em seu artigo 5º, inciso LVI, essas supostas provas obtidas criminalmente – através de um ataque cibernético – foram utilizadas como fundamento da decisão do ministro do Supremo. Segundo ele, a doutrina brasileira (os juristas escritores) e a jurisprudência (as decisões recorrentes de tribunais) autorizam a utilização de provas ilícitas para demonstrar a inocência do réu.
Entretanto, os diálogos transcritos pelo ministro Lewandowski primeiramente não podem ser classificados como verdadeiros, diante da possibilidade de adulteração dos mesmos pelos próprios hackers e, ainda que considerássemos essas conversas como legítimas, em nenhum momento se extrai do seu teor afirmações ou conjecturas de que o ex-presidente era inocente, pois as supostas conversas – ressalto, ainda que hipoteticamente verdadeiras – apenas demonstram as estratégias adotadas por operadores do direito diante de um complexo e grave caso de práticas ilícitas.
Por outro lado, o STF não poderia ter decidido que os procuradores que atuaram nesse processo seriam suspeitos, ou seja, que teriam agido com parcialidade, pois essa questão deve ser analisada inicialmente pelo juiz da causa, que é o magistrado de 1ª Instância, que deverá assegurar a defesa e o contraditório aos referidos membros do Ministério Público. Assim, essa decisão do STF, ou melhor, de um dos ministros da Suprema Corte, violou um princípio jurídico que impede a supressão de instâncias, ou seja, nosso sistema não permite que uma corte superior decida uma questão antes que o juiz da causa analise determinado assunto.
No Direito há um apelido para esse tipo de recurso que “pula” uma ou mais instâncias, é o conhecido “recurso canguru”, pois ele “pula” alguns degraus de julgamento. Além disso, o ministro do STF consignou em sua decisão que faltaria um “suporte idôneo” para o início da acusação; entretanto, não cabe às cortes superiores – seja o STJ ou o STF – analisar as provas constantes nos processos, pois não cabe a esses ministros adentrar no mérito da causa, vez que referidas cortes devem analisar apenas se uma decisão judicial violou uma lei ou a Constituição.
Quem deve se debruçar na análise das provas de um processo, ou seja, quem analisa o mérito de um caso é exclusivamente o juiz da causa, o juiz da primeira instância (do primeiro degrau de julgamento) e essa análise das provas, poderá ser refeita pelos desembargadores do Tribunal, e não por ministros do STJ (3ª Instância) ou do STF (4ª Instância).
Assim, por força dessa decisão, esse importante processo criminal que apura casos graves de corrupção (na modalidade tráfico de influência) ficará suspenso até que o pleno do STF analise esse caso. Mas, diante das últimas decisões extremamente garantistas do Supremo – principalmente no que se refere ao ex-presidente Lula – possivelmente o STF entenderá que o referido processo deverá ficar de fato suspenso. Aguardemos.
Volume de petróleo da Rússia comprado pelos americanos é pequeno, mas recuperação da economia pós-covid deve ser afetada
Renée Pereira e Luciana Dyniewicz , O Estado de S.Paulo
O impacto global da suspensão da importação do petróleo russo vai depender ainda do tempo que perdurar a decisão dos EUA e do Reino Unido e da adesão de outros países à medida. Por enquanto, é certo que a tendência de alta no preço do petróleo seguirá – provocando inflação e segurando a recuperação da economia pós-covid – e a matriz energética do mundo, principalmente da União Europeia, se transformará.
A Rússia hoje exporta pouco menos de 10% do petróleo consumido globalmente. O corte dos EUA deve corresponder a aproximadamente 7% das vendas internacionais russas. É um volume considerado pequeno, que poderia ser enviado a outro mercado, como a China, e substituído pelo Irã. O problema é que mudar o destino do petróleo não é simples e depende, por exemplo, da adaptação de refinarias – e uma alteração como essa levaria meses. Portanto, não há como evitar a alta na cotação do barril, que pode “perfeitamente” chegar a US$ 200, diz Ruy Alves, diretor da Kinea Investimentos.
“Nada é fácil com o petróleo. É difícil mandar da noite para o dia para outro país. Cada petróleo tem uma densidade diferente”, afirma Alves. Ele acrescenta que uma pequena queda na produção (ou a retirada de parte da oferta russa do mercado) pode gerar um aumento “exponencial” no preço, pois é difícil reduzir a procura pelo produto na mesma proporção. “A cotação tem de ser extremamente alta para cortar a demanda. É muito difícil fazer as pessoas pararem de sair de carro ou não viajarem de avião.”
Soldados ucranianos ajudam idosa a cruzar ponte destruída durante retirada da cidade de Irpin Foto: Sergei Supinsky/AFP
Para Walter de Vitto, da Tendências Consultoria, enquanto a proibição de importação do petróleo russo se restringir a EUA e Reino Unido, a inflação global pode até ser controlada. “Ela terá de ser abatida com aumento de juros e redução de gastos de governos, tudo para segurar a economia e o consumo de petróleo. Mas, se toda a exportação de petróleo da Rússia for cortada, será uma hecatombe.” Nesse caso, não teria como repor o produto, diz Vitto. “Aí você pode imaginar o barril a US$ 300 ou mais.”
O economista não descarta o risco de o mundo viver um cenário semelhante ao dos anos 70, quando os choques de petróleo provocaram uma estagflação. Por enquanto, vê um impacto maior nos preços do que na atividade – hoje, a Tendências projeta que o PIB global avançará 3,8% no ano.
Vitto afirma ainda que, também como ocorreu em choques anteriores de petróleo, é provável que mudanças no setor energético ganhem tração. Nos anos 70, por exemplo, o Brasil começou a desenvolver o etanol para evitar o preço dos derivados do petróleo. Agora, é provável que as energias solar e eólica saiam fortalecidas.
O professor Helder Queiroz, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, afirma que o mundo vai entrar em uma era em que a geopolítica da energia vai mudar, sobretudo na Europa. O continente será obrigado a pensar alternativas para diminuir a dependência dos combustíveis russos, e isso vai alterar os fluxos energéticos mundo afora. Se houver um aumento da demanda de GNL (gás natural liquefeito), por exemplo, os preços vão subir para todos, incluindo no Brasil, que usa o gás em termoelétricas.00:0001:18Media Quality360PMobile PresetRússia quer suspender exportações de fertilizantes
Para o sócio-diretor da consultoria Roland Berger George Almeida, a guerra altera também as prioridades. Até o início do conflito, o foco dos governos e das empresas era a mudança climática e a sustentabilidade. Agora, será segurança energética e preço, diz Almeida. Ele lembra que, para rever a dependência da Rússia, a Europa já iniciou discussões para aumentar a vida útil das usinas nucleares e reativar unidades a carvão.
Tudo isso tem prós e contras, diz Almeida. Algumas medidas da transição energética serão aceleradas, como a mobilidade elétrica e o desenvolvimento do hidrogênio, ao mesmo tempo que outras fontes mais sujas são reativadas. “Será uma transição acelerada, mas dando passos para trás.”
Dependência
Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), é mais pessimista em relação ao avanço da transição energética. Ele avalia que a Europa errou na estratégia de ficar dependente de um único país e de apostar apenas em energias renováveis, que variam conforme as condições da natureza para produzir. Muitos países europeus não têm condições de ficar sem o combustível russo. “Não se pode ter dependência tão grande de um país que sempre teve um histórico como a Rússia.”
Desconfio que basta dizer que a festa de família é para unir as pessoas que tudo degenera
Leandro Karnal, O Estado de S. Paulo
No clássico 1984, de George Orwell, os ministérios do governo totalitário possuem nomes opostos a suas funções. Aquele que trata da guerra permanente, claro, é o da Paz. O ministério que censura e deforma os dados é, obviamente, o da Verdade. Há o da Fartura e do Amor. Bem, claro, parece a célebre piada diplomática conhecida de quase todos: em uma festa, nossos vizinhos paraguaios, sem litoral, informam a existência de um “Ministério da Marinha”. Os brasileiros questionam. Os diplomatas de Assunção devolvem: “Ora, vocês possuem um Ministério da Justiça no Brasil!”. Riram? Não? É boa, porém é quase da geração que criou a graça do pavê.
George Orwell. Foto: British Library
Volto aos termos contraditórios. Sabemos que uma instituição religiosa nem sempre consagra os princípios do fundador daquela expressão de fé. Separam-se significado e significante.
Vamos ampliar: poucos lugares causam tanto horror à leitura e ao conhecimento quanto uma escola. Por vezes, eu, professor, achava que todo o sistema escolar era um plano de desescolarização. Machado de Assis é genial e, quase sempre, criamos birra com o autor nas aulas sobre ele. Temas de Ensino Religioso, em escolas confessionais, costumam ser máquinas geradoras de céticos e de ateus. Já devo ter afastado muitas vocações de historiadores falando das Grandes Navegações.
Permito-me outra piada diplomática, ou quase: relações matrimoniais são constituídas para a felicidade de duas pessoas. Não me alongo em exemplos: vá que a queridíssima leitora e o diligentíssimo leitor estejam com o jornal ao lado da companheira ou companheiro e solte, agora, justamente agora, uma ruidosa gargalhada que demande explicação. Posso assegurar, após anos de estudo e de observação: sim, o casamento é para a felicidade do casal, plena e permanente, eterna e fiel.
Ministérios, igrejas, escolas e o matrimônio inclinariam a natureza humana ao contraditório? O mesmo Machado falou disso na igreja do diabo: obrigados ao mal, os humanos praticam o bem às escondidas. Seria o caso de perseguir as religiões para que surgissem cristãos da têmpera dos mártires das catacumbas? Proibir o amor para que emergissem mais Romeus e Julietas apaixonados? Interditar leituras (como na obra Fahrenheit 451) para que os alunos fizessem bibliotecas secretas clandestinas? Na busca do amor cristão, do conhecimento e da felicidade conjugal, caberia a repressão como método? Não sei, mas desconfio que basta dizer que a festa de família é para aproximar as pessoas que tudo degenera. Há esperança para nossa incoerência?