segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

MINISTROS DO GOVERNO FAZEM CAMPANHA UTILIZANDO JATOS DA FAB

 

Por
Lúcio Vaz – Gazeta do Povo

O ministro da Cidadania, João Roma, foi de jatinho para a missa do evento Hosana Brasil.| Foto: Reprodução/Facebook

Ministros do governo Bolsonaro que são pré-candidatos a governador ou senador viajam com frequência para os seus redutos eleitorais em jatinhos da FAB. Inauguram ou visitam obras e fazem “entregas do governo”. O retorno eleitoral é garantido. Alguns partem desses redutos para outros estados. Um deles foi à missa de jatinho. Quem mais concentra os voos para o seu estado é o ministro do Trabalho, Onyx Lorenzoni. Foram 22 dos 32 deslocamentos em jatos oficiais. O ministro chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, não é pré-candidato, mas fez três voos como único passageiro e dois com apenas um acompanhante – quase um “Uber” aéreo.

Pré-candidato ao governo do Rio Grande do Sul, Lorenzoni fez 23 voos como ministro Trabalho, sendo 14 deles com visitas a cidades gaúchas. Fez palestra sobre “O Trabalho Pós-pandemia”, em Bento Gonçalves; entregas do governo federal nos 1.000 dias do governo Bolsonaro, em Canoas; esteve no lançamento do livro “Escola Cívico-Militar: uma esperança para o Brasil”, em Porto Alegre; no Foro de Desenvolvimento da Bacia do Rio Uruguai em Alegrete; e fez palestras para empresários em Santa Maria e na capital gaúcha.

Como ministro da Cidadania, já havia feito oito viagens em 2021 – sete para o Rio Grande do Sul. Não há registro disponível no ministério da agenda dessas viagens. Fez ainda uma viagem para Erechim, em junho, como ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República.

Prioridade para o reduto eleitoral
O ministro da Cidadania, João Roma, é pré-candidato ao governo da Bahia desde 20 de junho, quando o presidente Jair Bolsonaro apareceu em uma vídeo-chamada durante encontro do ministro com lideranças políticas em Amargosa (BA). “Parabéns pela liderança aí do João Roma. O João Roma é o cara, é o futuro da Bahia com toda certeza”, afirmou aos aliados. O ministro seria a aposta do presidente para um palanque forte na Bahia nas eleições deste ano.

Em 2021, Roma fez 44 viagens pelo país em jatinhos da FAB para visitar obras, fazer entregas de programas do governo e participar de reuniões com lideranças políticas. Dezoito desses deslocamentos foram para cidades baianas ou a partir delas. Salvador e Feira de Santana foram as mais visitadas.

Em 9 de abril, sexta-feira, voou cedo de Brasília para Porto Seguro (BA), onde esteve no Encontro com Trade Turístico e entrega de repasse do Fundo Geral do Turismo. À tarde, seguiu de jatinho para Salvador e fez a entrega da Estação Cidadania-Esporte em Camaçari (BA). Dia 19 de junho, sexta-feira, partiu de Paulo Afonso (BA) para Recife, no final da tarde.  No sábado, teve evento na capital pernambucana e voou para Feira de Santana, no início da tarde, onde cumpriu agenda oficial durante três horas.

No dia 16 de agosto, segunda-feira, partiu de Feira de Santana para Aracaju, depois de passar o final de semana sem agenda oficial. Em 30 de agosto, segunda-feira, partiu de Salvador para Campina Grande (PB), para cumprir agenda no estado. No dia 20 de setembro, novamente partiu de Salvador, sem ter cumprido agenda oficial do final de semana, agora com destino a Campinas (SP). O blog perguntou se o ministro pode chamar o jatinho no seu estado para iniciar um roteiro de viagens pelo país. Não houve resposta.


Fórum conservador, missa e cheias
Em 26 de novembro, sexta, Roma partiu de Salvador, às 13h, para Aracaju, onde participou da Reunião Geral da Frente Nacional dos Prefeitos. Retornou para Salvador à noite, sempre no seu jatinho. Em 3 de dezembro, sexta, o ministro seguiu de Natal para Feira de Santana. No sábado, fez um roteiro no interior baiano. Teve missa da Padroeira em Santa Bárbara, entrega de quadra de esportes em Tapetinga, entrega de títulos de propriedades rurais e o 3º Fórum de Conservadores em Vitória da Conquista.

No domingo, Roma pegou o seu jatinho às 9h15 e rumou para Guaratinguetá (SP), distante 990 km. Foram quase duas horas de voo. Dali, seguiu de carro para Cachoeira Paulista (SP), distante 23 km, onde participou da Missa de Encerramento do Hosana Brasil 2021, das 15 às 16h. Às 19h, retornou para Brasília na aeronave da FAB. Mais 1.290 km, ou 90 minutos de voo. Considerando o custo da hora/voo do jatinho, a presença na missa custou R$ 34 mil.

Dia 12 de dezembro, domingo, Roma decolou de Salvador para Porto Seguro às 7h. Foi acompanhar o presidente Jair Bolsonaro no sobrevoo aos municípios atingidos pelas cheias do Extremo-Sul da Bahia. Houve enorme aglomeração num estádio de futebol.

Uma semana depois, o ministro partiu de Feira de Santana para Porto Seguro, às 7h40, de jatinho. Afirmou nas redes sociais que o presidente pediu para que retornasse às cidades atingidas para atender as necessidades da população. Outra aglomeração foi formada, com a grande maioria das pessoas sem usar máscara de proteção.

O ministro João Roma gera aglomeração no Extremo-Sul da Baia. Foto: Reprodução/Facebook

Obras, moradias, máquinas e um funeral
O ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, pré-candidato ao governo do Rio Grande do Norte, viajou muito pelo país entregando ou visitando obras – eventos com retorno eleitoral. Mas foi mais equânime na distribuição das visitas. Dos 119 deslocamentos em jatinhos da FAB, 17 foram para o estado onde quer se eleger governador. Um sétimo do total, portanto. Foram 15 voos de ida ou volta para Natal.

Teve visita às obras da CBTU, em março; entrega de moradias populares e liberação de recursos para obras de saneamento e Adutora do Piquiri, em maio; leilão de saneamento em 16 municípios e entrega de residencial, máquinas e dessalinizadores, em setembro; visita às obras do túnel do Ramal do Apodi, em outubro; e Entrega de Estação Cidadania cestas básicas, em dezembro.

No dia 22 de fevereiro, segunda-feira, Marinho voou para Natal, às 19h, por motivo de “segurança”. O ministro não teve agenda naquele dia. Questionada pelo blog sobre o motivo da viagem, a assessoria do ministério informou que a mãe do ministro faleceu no dia 22 de fevereiro. “Ele estava cumprindo agenda oficial em São Paulo quando recebeu a notícia e, em seguida, embarcou para Natal para o enterro”, diz nota enviada ao blog. Presença em enterro de familiares não está entre as situações que justificam a solicitação dos jatinhos.

O ministro foi de jatinho para Natal, onde entregou um residencial, no dia 14 de maio. Também esteve em Parnamirim. O ministro passou o final de semana em Natal, sem agenda oficial. Na segunda-feira, esteve na Federação dos Municípios do estado. Na terça, às 7h20, voou para Brasília num jatinho. O blog perguntou ao ministério se o jatinho ficou esperando pelo ministro em Natal no final de semana ou um jatinho levou o ministro na sexta e outro foi buscá-lo na terça.

A assessoria respondeu que o ministério “não solicitou a permanência das aeronaves nesta ou em nenhuma outra viagem. As solicitações de aeronaves são apenas para os trechos de deslocamento. As aeronaves geralmente se deslocam após a chegada da comitiva, mas se houve a permanência em alguma das ocasiões não foi a pedido da pasta para atendimento do ministro e sim por decisão operacional da própria FAB”.


Ciro faz voos solos
Ciro Nogueira partiu do Rio de Janeiro para São Paulo às 16h30 do dia 15 de novembro, uma segunda-feira, para a comemoração ao centenário do Hospital Sírio-Libanês. Retornou a Brasília às 22h. Nos dois trechos, era o único passageiro no jatinho. O deslocamento custou R$ 22 mil. No dia 5 de novembro, o ministro já havia voado de Brasília para São Paulo, numa sexta-feira, às 13h, “sem compromissos oficiais”. O voo teve apenas dois passageiros.

O ministro da Casa Civil viajou de Teresina para Brasília, dia 13 de dezembro, numa segunda-feira, às 13h20, como único passageiro da aeronave “chapa branca”. Chegou uma hora antes da Comemoração do dia do Forró e Aniversário do Luiz Gonzaga, no Palácio do Planalto. No dia 27 de agosto, voou para o Rio de Janeiro, onde teve reunião seguida de almoço com o governador do estado, Cláudio Castro. Havia apenas dois passageiros a bordo. Não há registro do voo de volta.

Mesmo não sendo pré-candidato, Ciro trabalha pelos candidatos do seu partido e de aliados no Piauí. É presidente licenciado do Partido Progressista (PP) e o principal líder do Centrão no Congresso. Em 14 de agosto, um sábado, Ciro partiu para Teresina, às 8h40, de jatinho, para atendimento do MEC e do FNDE aos prefeitos do Piauí, em Teresina; e inauguração da Unidade Especializada em Microcrédito Produtivo, em Altos (PI). Os eventos não tinham relação com as atribuições do ministro da Casa Civil. Cabe ao ministro assistir diretamente o presidente da República, na coordenação das ações do governo, na análise das propostas em tramitação no Congresso e na coordenação das atividades dos ministérios.

Em 28 de setembro, terça-feira, seguiu para Teresina às 7h. Esteve na inauguração da nova Unidade Operacional da Polícia Rodoviária Federal, em Piripiri; e na inauguração do novo bloco administrativo e das novas salas de aula do Instituto Federal do Piauí.

Em 8 de outubro, sexta-feira, voou para Teresina às 7h. Visitou as obras do Centro Materno Infantil, entregou equipamentos hospitalares para o Hospital Universitário, ao lado do ministro da Saúde, Marcelo Queiroba, visitou as obras de duplicação da rodovia BR-316 e esteve na solenidade de anúncio da obra de uma nova ponte no município de São Luís do Piauí. Os eventos também não tinham relação com o cargo que ocupa no governo.

Os ministros Ciro Nogueira (Casa Civil) e da Saúde (Marcelo Queiroga) visitam obras em Teresina: Foto: Reprocução/Facebook
Ainda no dia 8 de outubro, Ciro comandou uma cerimônia de filiação de novos progressistas. Pelas redes sociais, saudou os novos aliados: “Bem vindos à família progressista. Tenho certeza de que faremos uma grande campanha na eleição do próximo ano. Vamos que vamos!”


O rei do “Uber” aéreo
O ministro das Comunicações, Fábio Faria, que também almeja a disputa pelo governo do Rio Grande do Norte, também abusou dos voos solos em jatinhos, como mostrou reportagem do blog. Ele fez 12 viagens para São Paulo – de ida ou volta – em jatinhos da FAB, em finais de semana, sem agenda oficial na cidade. Em outras três, saiu da capital paulista na segunda-feira direto para o seu reduto eleitoral. Em oito desses deslocamentos, havia apenas 1 ou 2 passageiros a bordo. Ministros não poder usar as aeronaves oficiais para se deslocar ao local de residência.

Faria fez nove viagens em jatinhos para o seu estado em 2021 para fazer entregas de programas do Ministério das Comunicações e manter encontros com políticos locais. Outras oito viagens atenderam todos os demais estados.

Os ministérios do Trabalho, da Cidadania, da Casa Civil e das Comunicações foram questionados sobre os voos que iniciam no estado de origem dos ministros, geralmente na segunda ou terça-feira, sobre deslocamentos para os seus estados sem agenda oficial e sobre a possibilidade de estar ocorrendo uso da máquina pública com fins eleitorais. A Casa Civil foi questionada também sobre o uso dos jatinhos com apenas um ou dois passageiros, quando seria mais econômico viajar em voo de carreira. Os quatro ministérios não responderam aos questionamentos.

O Ministério do Desenvolvimento Regional informou que a utilização dos jatinhos da FAB são reguladas pelo Decreto nº 10.267, de 5 de março de 2020. E citou a prioridade de atendimento: “Art. 3º As solicitações de transporte serão atendidas nas situações e na ordem de prioridade abaixo relacionada: I – por motivo de emergência médica; II – por motivo de segurança; e III – por motivo de viagem a serviço.


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O BRASIL É UM PAÍS RICO OU POBRE?

 

Editorial
Por
Gazeta do Povo – Gazeta do Povo

Vista aérea da Praça dos Três Poderes.| Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Os temas ligados ao ambiente institucional, jurídico, econômico e social essenciais para o crescimento econômico e o desenvolvimento social já foram tratados em editoriais da Gazeta do Povo em várias oportunidades e, dada sua relevância para definir o futuro da nação, sempre estarão na ordem do dia. Desde a publicação do livro clássico A Riqueza das Nações, em 1776, pelo filósofo e economista britânico Adam Smith, este é um dos principais assuntos pesquisados pelos estudiosos, na tentativa de construir uma teoria do desenvolvimento e oferecer soluções para a eliminação da miséria e a superação da pobreza, sobretudo nos países referidos como “terceiro mundo”, entre eles o Brasil.

Muitos analistas afirmam que a expressão “terceiro mundo” já não é adequada para tratar o problema, especialmente após surgir a ideia de “países emergentes”, aqueles que, embora pobres e atrasados no momento, apresentam trajetória capaz de levá-los ao grupo dos países desenvolvidos. Nesta categoria estão incluídos os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), que apresentam algumas características comuns e perspectivas parecidas em relação ao crescimento econômico e seu papel no sistema econômico mundial. Os países emergentes – que incluem outros além dos Brics – dispõem de recursos naturais, capital físico e nível tecnológico que justificam enquadrá-los em um grupo de detentores de condições para o progresso material.

O Brasil parece um caso de patologia política por sua tendência de fabricar crises, mesmo quando elas parecem ter dado uma trégua

Embora detendo condições favoráveis ao crescimento, um país somente consegue permanecer crescendo sem interrupções bruscas a depender do que governo e sociedade façam com tais condições de forma a garantir estabilidade econômica, política e social. Além dos recursos naturais e da estrutura econômica, a história mostra que um dos principais fatores de progresso é a qualidade das instituições. Foi por estudar e teorizar sobre a importância da qualidade das instituições, da cultura e das crenças do povo como condição para o desenvolvimento que Douglass North recebeu o prêmio Nobel de Economia em 1993.

Vale lembrar que, em relação à qualidade das instituições, destacam-se o funcionamento dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, a atuação do Banco Central, a estabilidade política e as liberdades individuais e econômicas. Douglass North destacou também, como qualidade das instituições, a garantia do direito de propriedade, a proteção aos contratos juridicamente válidos, a estabilidade da moeda, a eficácia da justiça e a estabilidade das leis. Esses fatores estimulam a livre iniciativa, o espírito empreendedor e a disposição dos agentes privados nacionais e estrangeiros quanto a investimentos no país.


Em datas diferentes, o Brasil recebeu elogios da imprensa estrangeira especializada, a exemplo da revista The Economist, que, em 2009, mostrou a imagem do Cristo Redentor impulsionada por um foguete, referindo-se ao crescimento econômico do país. Essa mesma revista – uma das mais prestigiadas publicações mundiais na área – publicou outras matérias favoráveis ao Brasil até 2013, quando, então, fez análise pessimista sob o título “estragou tudo”, repetindo duras críticas em 2016, em matéria intitulada “traição”, referindo-se ao fato de que o Brasil passara de economia promissora a um caso de decepção. A razão era que o país havia mergulhado em grave recessão por dois anos seguidos, com a queda do PIB em 3,5% ao ano durante 2015 e 2016.

O Brasil parece um caso de patologia política por sua tendência de fabricar crises, mesmo quando elas parecem ter dado uma trégua, especialmente por meio das tensões no ambiente político e institucional envolvendo os três poderes. Neste início de 2022, ano conturbado naturalmente em função das eleições estaduais e federais, o ambiente político, agravado pelas consequências econômicas da pandemia e da crise hídrica, apresenta perturbações e instabilidade cujo efeito sobre o ânimo dos investidores privados nacionais e estrangeiros é o de desestimular o empreendedorismo e diminuir a disposição de investir e criar riqueza. O baixo índice de confiança não se restringe aos empresários e empreendedores individuais, mas afeta a todos os agentes de mercado, incluindo os trabalhadores, sejam empregados ou profissionais autônomos.

Uma nação somente caminha rumo ao progresso econômico e ao desenvolvimento social se houver confiança da sociedade nas instituições, nas leis, nas regras sociais, no cumprimento dos contratos e no comportamento ético capaz de minimizar a incerteza

No caso da confiança como clima geral, o sociólogo e cientista político Alain Peyrefitte afirma, em seu livro A Sociedade de Confiança, que uma nação somente caminha rumo ao progresso econômico e ao desenvolvimento social se houver confiança da sociedade nas instituições, nas leis, nas regras sociais, no cumprimento dos contratos e no comportamento ético capaz de minimizar a incerteza. Infelizmente, no Brasil, a baixa confiança nas instituições é alimentada o tempo todo por problemas decorrentes de causas graves, como confusões e tensões fabricadas no âmbito do Estado, suas instituições e seus poderes, muitas vezes por razões aparentemente pequenas. Essas tensões não teriam chance de ocorrer e se agravar em um ambiente político e institucional de bom nível.

Se os políticos, as autoridades públicas e a sociedade não entenderem que sem instituições boas, estabilidade política e econômica, respeito à Constituição e a conquista da confiança não há desenvolvimento, a atual situação de persistência da incerteza e baixo crescimento econômico se tornará doença crônica de um país que não conseguiu normalidade sobre si mesmo.


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CENTRÃO EXIGE LIBERAÇÃO DE EMENDAS PARLAMENTARES PARA VOTAR COM O GOVERNO

 

Relação entre Poderes
Quais as exigências do Centrão para votar os projetos do governo no Congresso

Por
Rodolfo Costa – Gazeta do Povo
Brasília

(Brasília – DF, 03/02/2021) Presidente da República, Jair Bolsonaro durante coletiva de imprensa. Foto: Marcos Corrêa/PR

Arthur Lira e Jair Bolsonaro: Centrão e governo vão discutir pautas prioritárias e negociar acordos políticos para 2022| Foto: Marcos Correa/PR

A abertura do ano legislativo do Congresso Nacional, na quarta-feira (2) passada, deu início às negociações entre o governo federal e o Centrão para 2022. O Palácio do Planalto quer discutir com a base aliada o alinhamento político para aprovar projetos de seu interesse, como a proposta de emenda à Constituição (PEC) para amenizar as sucessivas altas nos preços dos combustíveis. E o grupo político que apoia o presidente Jair Bolsonaro (PL) quer, em troca, agilidade do governo na liberação de verbas de emendas parlamentares.

A demanda pelas emendas parlamentares é ponto pacífico na base aliada, sobretudo depois de o Centrão ter conquistado poderes inéditos para administrar o Orçamento. Em ano eleitoral, a liberação de recursos de emendas são até mais importantes para a base do governo do que a distribuição de cargos – embora caciques de PP, PL e Republicanos, os principais partidos do Centrão, também debatam nos bastidores com Bolsonaro a indicação de aliados para a reforma ministerial que ocorrerá até abril.

Porém, embora seja importante para os congressistas ter um aliado em ministérios estratégicos para facilitar a liberação de verbas, o ganho de capital político de se ter um indicado no governo é algo mais importante para a cúpula das legenda, e não nas bases. Na prática, o que garante votos a um congressista aliado do Planalto é apresentar em seu discurso a entrega de uma obra ou sua autorização, que advêm de recursos das emendas.

Qual é a importância das emendas para o Centrão e o que pensa o governo
A negociação de emendas parlamentares em ano eleitoral é uma praxe do presidencialismo de coalizão brasileiro. E no Centrão, o discurso é de que Bolsonaro precisa de apoio para vencer a disputa pela reeleição. E, nesse cenário, o grupo político sustenta que os recursos serão imprescindíveis para fortalecer o governo e evitar o desembarque de lideranças da base.

“O governo tem que executar o Orçamento para ter mais condições, de fato, de operação política com sua base. É legítimo e republicano”, diz uma liderança do Centrão próxima do governo. Mesmo alguns mais fiéis dentro do grupo de apoio político ao Planalto e, portanto, menos fisiológicos que outros, reconhecem que as emendas são importantes para que os aliados possam conseguir votos junto aos eleitores, não apenas para si, mas para associar obras entregues ao governo.

“Temos um calendário curtíssimo para o governo liberar as emendas e podermos iniciar e concluir obras pequenas. Boa parte dos recursos é para concluir obras de dimensão maior, mas há muitas obras pequenas pendentes. Para vencer a guerra contra o Lula e o PT, o governo vai ter que abrir os cofres”, afirma outra liderança do Centrão no Congresso.

As negociações entre governo e Congresso já começaram e devem ganhar mais força a partir dos próximos dias, quando o Planalto deve receber líderes e vice-líderes do governo na Câmara e no Senado para discutir a agenda prioritária. Como a abertura do ano legislativo ocorreu na quarta-feira, a expectativa é de que as reuniões avancem a partir de terça-feira (8).

O governo sabe que a demanda pela liberação de verbas será inevitável, mas o discurso no Planalto é de que as cobranças deverão ser discutidas em cima das pautas prioritárias no Congresso. “E, no momento, a demanda mais urgente é a questão dos combustíveis”, sustenta um interlocutor palaciano.

Na segunda-feira (31), Bolsonaro disse que espera propostas do Congresso para zerar impostos sobre combustíveis. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tem conversado com o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para alinhar a discussão.

Uma vez elaborada a redação da proposta, o governo vai entrar nas negociações políticas. Por ora, interlocutores asseguram que ainda não há conversas avançadas e acordos firmados acerca das emendas parlamentares em 2022. “O que está em discussão é criar um texto [sobre os combustíveis] que seja possível de votar e aprovar antes das eleições”, diz um assessor palaciano.

Qual é o montante de emendas e até quando elas podem ser pagas
O pedido de rapidez do Centrão na liberação de emendas se deve a dois motivos: o montante vultoso de recursos orçamentários previsto e o prazo para a liberação dessas verbas. O Orçamento sancionado por Bolsonaro com os vetos prevê cerca de R$ 34,2 bilhões em emendas parlamentares para 2022, segundo levantamento da organização não governamental (ONG) Contas Abertas com base nos dados do Siga Brasil, o sistema de informações sobre orçamento do Senado.

Do total previsto em emendas, R$ 16,5 bilhões são verbas de emendas de relator, as chamadas RP9. São recursos não impositivos. Ou seja, o governo federal não é obrigado a executá-las e elas podem, portanto, ser livremente negociadas conforme os interesses políticos. Desde o ano passado, elas são negociadas entre o relator do Orçamento anual, Arthur Lira, e o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira.

Também são recursos não impositivos as emendas de comissão, previstas no Orçamento em cerca de R$ 976,6 milhões. O volume é inferior aos R$ 2,3 bilhões aprovados pelo Congresso após Bolsonaro vetar cerca de R$ 1,4 bilhão. O veto, no entanto, ainda pode ser derrubado pelo Parlamento.

O restante previsto está distribuído em emendas impositivas, as individuais, de cerca de R$ 10,9 bilhões, e as de bancadas estaduais, de aproximadamente R$ 5,9 bilhões. Por serem de execução obrigatória, tanto congressistas que apoiam o governo quanto os de oposição podem encaminhar essas verbas para suas bases eleitorais.

O interesse do Centrão em assegurar a liberação rápidas das emendas ocorre sobretudo diante do prazo final para a execução dessas verbas. A Lei das Eleições (Lei n.º 9.504/1997) proíbe no artigo 73 as transferências voluntárias de recursos da União aos estados e municípios (e dos estados aos municípios) a partir de um período de três meses antes das eleições. Ou seja, como o primeiro turno das eleições está previsto este ano para 2 de outubro, o governo federal tem até 2 de julho para pagar as emendas parlamentares. o objetivo da lei é evitar que o dinheiro seja usado durante o período eleitoral, o que favorece políticos com mandato.

O dinheiro até pode ser liberado após as eleições. Mas a intenção dos congressistas consigam a verba antes para poderem apresentar realizações a seus eleitores.

A exceção da Lei das Eleições para a liberação de verba às vésperas das eleições cabe somente nos casos de dinheiro destinado a cumprir obrigação prévia para execução de obra ou serviço em andamento, com cronograma já fixado, e também para atender situações de emergência e de calamidade pública.

Quais as chances de o governo pagar os R$ 34,2 bilhões ao Centrão
A pressão para que o governo execute ao máximo os recursos previstos para as emendas parlamentares previstas no Orçamento de 2022 existe e vai continuar. Mas a probabilidade de a gestão Bolsonaro abrir os cofres e pagar para toda a base é muito improvável, dizo economista Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas.

“O governo não vai pagar financeiramente tudo. Isso nunca aconteceu em época nenhuma, em ano nenhum. Em um ano se empenha e, no outro, ele paga [as emendas]”, diz. Castello Branco explica que, normalmente, a briga dos parlamentares da base sobre o Orçamento vigente é para que haja o empenho, etapa em que o governo reserva o dinheiro que será pago quando uma obra, por exemplo, for entregue ou o serviço concluído.

O empenho permite ao parlamentar falar ao seu eleitorado que o dinheiro destinado por ele para um posto de saúde, uma quadra poliesportiva ou para uma creche, por exemplo, está autorizado pelo governo e as obras serão feitas. Contudo, isso não necessariamente significa que os valores serão pagos no mesmo ano. “O valor que está empenhado em um ano geralmente é pago no outro”, reforça Castello Branco.

Mesmo as verbas destinadas a emendas impositivas não necessariamente são pagas todas no ano orçamentário vigente. Dados mapeados pela Contas Abertas no Siga Brasil aponta que há cerca de R$ 9,7 bilhões em restos a pagar de emendas individuais não liberadas em anos anteriores, e de aproximadamente R$ 7,3 bilhões de emendas de bancada estaduais não executadas. Quanto às emendas não impositivas, há um montante de cerca de R$ 18,9 bilhões em restos a pagar e aproximadamente R$ 200 milhões em recursos de emendas de comissão não pagas. Ou seja, ao todo, a Contas Abertas aponta que há R$ 36,1 bilhões em dinheiro não pago de emendas parlamentares de anos anteriores.

A avaliação feita por Castello Branco é que, no âmbito do Orçamento de 2022, o governo vai empenhar muitas emendas e pagar algumas que sejam prioritárias, sobretudo nas emendas de relator. “Que ali é que está a barganha clara”, destaca. “E o Centrão, claro, vai pressionar para negociar o pagamento de restos a pagar. A barganha, claro, vai se dar na emenda de relator, onde é possível liberar para uns e não para outros”, acrescenta.

O representante da Contas Abertas acredita que haverá uma intensificação da liberação de recursos nos primeiros meses do ano tão logo o Orçamento esteja devidamente colocado em ação, após a análise dos vetos pelo Congresso. E para ele, a pressão do Centrão é natural.

“Estamos falando do maior valor previsto em emendas parlamentares para um ano eleitoral em toda a história. Não há a menor dúvida de que o Congresso terá o interesse em alocar recursos nas suas bases e o preço do apoio político será muito alto em função da popularidade do presidente estar em queda e as perspectivas eleitorais também não serem favoráveis”, diz Castello Branco.


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PASSAPORTE VACINAL DEVE SER COBRADO OU NÃO?

 

Passaporte de vacina

Por
Alexandre Garcia – Gazeta do Povo

A Faculdade de Medicina da UnB virou palco de um debate que ganhou proporções nacionais sobre a cobrança do passaporte da vacinação.| Foto: UnB/SECOM

Hoje voltam as aulas presenciais. Algumas coisas preocupam. Eu fui procurado por alguns estudantes da Universidade de Brasília que, não querendo correr risco, vão chegar lá sem o tal passaporte de vacina e dizem que não vão ter acesso às aulas. Eles me perguntaram o que fazer, eu disse: contratem um advogado e entrem na Justiça.

A alínea 1 do artigo 206 da Constituição diz que há igualdade de condições para acesso e permanência na escola. Assim como a alínea 15 do artigo 5º, a qual fala em livre locomoção em todo o território nacional.

O incrível é que estão institucionalizando o denuncismo, que vergonha. Que caia a vergonha sobre nós. Tomara que não seja verdade, mas há um pessoal se queixando que na Universidade Federal de Sergipe, quem entrar lá sem ser vacinado pode ser denunciado à Polícia Federal. Imagine se a Polícia Federal agora vai cuidar disso. É o cúmulo.

Por que o sigilo no inquérito do TSE?
Saiu aquele inquérito da delegada requisitada por Alexandre de Moraes dizendo que o presidente Jair Bolsonaro cometeu crime por divulgar dados sigilosos. Eu queria lembrar que a lei 12.527 dá três classificações para o sigilo: reservado, secreto e ultrassecreto. E a resolução 215 diz que isso está valendo no Poder Judiciário também. Não tem no inquérito essa classificação de reservado, nem de secreto, nem de ultrassecreto. Então, não adianta insistir nisso.

A grande pergunta que fica é: por que esconder num ano eleitoral fragilidades que os hackers descobriram em 2018 nos computadores do TSE? Já faz três anos que aconteceu, está na hora de divulgar as conclusões. Por que o sigilo? Que tipo de pressões estão sofrendo para não divulgar? O que está acontecendo? Eu acho que isso é uma coisa muito importante para prestar contas ao patrão, que é o cidadão, o eleitor, o pagador de impostos.

Transposição do São Francisco

Os nossos impostos estão ficando no Brasil agora. Não vão mais para Cuba ou para Venezuela e, com isso, consegue-se transpor o rio São Francisco. Hoje o presidente vai estar em Salgueiro (PE), depois em Jati (CE), amanhã em Jardim de Piranhas e Jucurutu (RN). Lá a represa no rio Piranhas, a barragem Oiticica, vai ligar a água da chuva que caiu nas nascentes do São Francisco. Dá para fazer, basta não roubar.

Não dá para a gente esquecer que a corrupção foi estimulada em um momento em que anulam-se condenações da Lava Jato. Isso é um estímulo a continuar metendo a mão no dinheiro suado dos nossos impostos.

É condenável o aproveitamento político de uma morte
Vejam só uma coisinha que eu descobri no sábado, quando centrais sindicais se mobilizaram para fazer barulho pelo linchamento daquele congolês no Rio de Janeiro. O Rio tem nove homicídios por dia. Pegaram esse. Mas por quê? É porque despencou o número de homicídios e isso é um número favorável ao governo. Pegaram esse homicídio, que teve uma certa repercussão porque a vítima é estrangeira, aí fizeram o barulho todo. Todo homicídio deve ser condenado, esse também, mas também é condenável o aproveitamento político de uma morte.


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A DEMOCRACIA NÃO PODE SER FEITA COM ÓDIO E VINGANÇA

 

Análise

Por
Francisco Razzo – Gazeta do Povo

Pintura de Philipp Foltz, do século XIX, representando um discurso do estadista Péricles, na era de ouro da democracia de Atenas.| Foto: Reprodução/Wikipedia

A democracia não tem valor quando é reduzida ao tipo de governo “em que a ‘maioria’ (hoi polloi) detém o poder”. Caro leitor, peço desculpas pelo excesso de termos gregos neste texto, mas gostaria de pensar a democracia a partir de sua experiência originária.

No arranjo político da Grécia antiga, os homens considerados livres detinham a possibilidade de resolver assuntos da cidade por meio do uso da palavra persuasiva (peithein) que se justifica (logon didonai) em uma discussão (dialegesthai) dada a partir de uma disputa (agon) de opiniões (doxa) contraditórias e não mediante o uso arbitrário da autoridade do berro, da espada ou do joguinho míope de ressentimentos.

Visto por essa perspectiva histórico-conceitual, democracia não se resume no jargão “poder do povo”. Afinal, sempre me pergunto quem é o povo e o que é o poder. Tampouco se define como poder da minoria, da maioria, da vítima, do indivíduo etc., como o lugar-comum define. De fato, tudo isso faz parte de possíveis definições da experiência democrática. No entanto, o fundamento da democracia reside na capacidade de adotar a persuasão discursiva no espaço público a fim de resolver o conflito de opiniões.

Em outras palavras, democracia significa liberdade argumentativa. O poder político na democracia implica nessa capacidade de justificar racionalmente uma opinião perante os membros da comunidade e não no uso da força, do lamento, da vitimização e da ameaça. Por isso, sem liberdade de poder discutir ideias, não há democracia. Não à toa a preocupação com os detentores dos meios de comunicação. Manda quem pauta o debate, quem é capaz domesticar intelectuais e as massas.

Claro, há mais coisas em comum entre o paraíso das democracias e o inferno dos totalitarismos do que supõe o nosso sonho de liberdade. Por exemplo, a relação direta entre um homem e um voto — como se política se resumisse à festa das eleições democráticas —, sem a mediação das instituições e das virtudes republicanas, parece atraente e justa, não fosse o fato de contradizer a própria ideia de vontade geral: não há concordância entre os homens. Felizmente, a voz do povo não é a voz de deus. O cancelamento nas redes sociais representa uma democracia em que os supostos “representantes do povo” acreditam que a própria voz é a voz de deus.

Voltando à era de ouro da democracia grega, duas eram as condições necessárias para a consolidação da democracia em Atenas: a isegoria e a parrēsia. A primeira marcava a característica de igualdade no direito à palavra: todo homem livre detinha o direito de manifestar-se igualmente no espaço público da assembleia (ekklēsia). A segunda condição definia a possibilidade concreta de dizer livremente aquilo que se quer dizer, pois era o que marcava precisamente a condição e a consolidação do estatuto de um homem maduro se tornar cidadão (politikós).

A beleza das discussões políticas reside no fato de que premissas, argumentos e reflexões são publicamente abertos ao exame crítico da discordância refletida e não no joguinho da discordância difamatória e sentimentalista. A discordância refletida enriquece e eleva o patamar do debate público, enquanto a discordância difamatória não faz outra coisa senão anular a riqueza da irredutível pluralidade de opiniões e impor-nos a homogeneidade histérica do perturbado mundo do sentimentalismo relativista — os gestos de indignação coletiva, como queimar estátuas e livros, não necessariamente significa liberdade.

O problema do atual mundo das discussões públicas é que nem todos são homens livres: há sempre o escravo dos próprios tormentos e da necessidade de calar e destruir adversários. Os deuses têm sede. Coloca-se a democracia em risco toda vez que imaginamos adversários políticos como se fossem inimigos cruéis e ameaças perigosíssimas. Assim, não fazemos política, mas demonologia; não queremos justiça e bem comum, queremos identificar o mal nos outros para arrancá-lo pela raiz.

Nessa inversão, há um potencial destrutivo: “Nós somos a vítima. Eles são nossos inimigos. Devemos eliminá-los”. Infelizmente, foi assim que a democracia grega também matou Sócrates. Em geral, violência política não se apresenta com a fórmula: “vou destruir meu inimigo porque eu o odeio”. Antes, ela esconde um caráter redentor e expressa a seguinte estrutura: “preciso eliminar meu essa ameaça perigosa. Esse é o sentido do meu ódio”.


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DÍVIDAS DOS PARTIPOS PARA A JUSTIÇA ELEITORAL É ENORME

  1. Política 
  2. Eleições 

Boa parte dos débitos se refere a multas aplicadas pela Justiça Eleitoral, mas há pagamentos atrasados para Previdência e FGTS de funcionários; maior devedor é o PT

André Shalders, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA —Os partidos políticos chegaram ao ano eleitoral de 2022 devendo R$ 84 milhões aos cofres públicos – considerando débitos já parcelados ou alvo de acordo esse número supera R$ 100 milhões. Boa parte diz respeito a multas aplicadas pela Justiça Eleitoral, mas há também pagamentos atrasados para a Previdência e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) dos funcionários e impostos não recolhidos. A maior dívida é do PT: R$ 23,6 milhões, quase quatro vezes o valor devido pelo segundo colocado, o Democratas (DEM), com R$ 6,5 milhões.

A existência de dívidas não impede que os partidos continuem recebendo recursos públicos do Fundo Partidário (cerca de R$ 1 bilhão) e do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (FEFC), conhecido como “Fundão Eleitoral” – o Orçamento de 2022 separou mais R$ 4,9 bilhões para as campanhas eleitorais deste ano. As multas e dívidas também não alcançam a pessoa física dos dirigentes e ex-dirigentes das siglas. A maioria dos diretórios dos partidos procurados pela reportagem não quis comentar, mas, informalmente, alguns dirigentes atribuíram a responsabilidade pelas dívidas aos antecessores.

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Dos 33 partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral, 31 têm algum tipo de dívida com a União Foto: Dida Sampaio/Estadão

A maior parte da dívida do PT é com a Previdência Social: R$ 16,4 milhões. Em seguida, vêm as multas da Justiça Eleitoral (R$ 5,1 milhões). Há também dívidas de impostos (R$ 709 mil) e de FGTS (R$ 135 mil). No caso do PT, todas as dívidas dizem respeito aos diretórios estaduais (R$ 12,7 milhões) e municipais (R$ 10,8 milhões). Procurada, a direção nacional não quis dar explicações.

Dos dez diretórios mais endividados do País, quatro são do PT. O campeão é o diretório estadual no Rio Grande do Sul, com R$ 8,1 milhões em cobrança. O diretório municipal do PT em São Paulo vem em seguida, com R$ 4,6 milhões – o valor é composto por dívidas previdenciárias, descritas como “em cobrança” pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. No caso do diretório gaúcho, há também impostos atrasados, além das dívidas com o INSS.

O PT é a segunda legenda que mais recebeu recursos do Fundo Partidário em 2021 – R$ 95,2 milhões –, atrás apenas do PSL, com R$ 112,7 milhões.

Ao todo, 31 dos 33 partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) têm algum tipo de dívida com a União – as exceções são o Novo, sigla criada em 2015, e a Unidade Popular, legenda de esquerda que obteve o registro formal em 2019. Para obter os dados, o Estadão confrontou os mais de 32 mil CNPJs dos partidos brasileiros com a base de dados da Procuradoria da Fazenda. 

Endividados

Dos 32.013 diretórios nacionais, estaduais e municipais, quase um quinto (17,1%) carrega algum tipo de dívida com a União, seja como devedor principal ou solidário, no caso de multas eleitorais que são aplicadas a uma coligação com várias legendas. Proporcionalmente, a sigla com mais diretórios endividados é o PSB, com mais de um quarto de seus CNPJs relacionados a algum tipo de débito. Procurada, a legenda também se recusou a explicar a situação.

Assim como o PT, a maioria dos partidos concentra suas dívidas nos órgãos municipais e estaduais, deixando a direção nacional livre de débitos. As dívidas dos diretórios nacionais de todos os partidos somam pouco menos de R$ 2 milhões, ou 2,2% do total. Enquanto isso, os diretórios municipais e estaduais ficam com 47,5% e 50,2% dos débitos, respectivamente. No conjunto dos partidos, a maior parte das dívidas é com a Previdência e o FGTS dos funcionários, com pouco mais de R$ 30 milhões dos R$ 84,3 milhões em cobrança – isto é, que não foram alvo de acordo ou benefício fiscal.

O maior débito em cobrança carregado pela direção nacional de um partido pertence ao Cidadania, com pouco mais de R$ 512 mil. A legenda disse que está negociando parte das dívidas previdenciárias e pagando aos poucos o montante devido.

Jurisprudência

Em setembro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) tomou uma decisão que favorece o comando nacional das legendas: por maioria, a Corte arbitrou que os débitos dos diretórios municipais e estaduais são de responsabilidade apenas deles mesmos, e não da direção nacional. A ação foi movida por DEM, PSDB, PT e Cidadania – juntos, os diretórios estaduais e municipais desses quatro partidos somam R$ 37,1 milhões em dívidas.

Ao seguir o entendimento do relator do caso, o ministro Dias Toffoli, a maioria do STF declarou constitucional um trecho da Lei dos Partidos Políticos segundo o qual as dívidas são de responsabilidade exclusiva do diretório.

Dependência

Especialista em direito eleitoral e doutor em direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP), o advogado Renato Ribeiro de Almeida explica que a existência de dívidas não impede as legendas de receberem recursos públicos. “Embora isto possa ser polêmico, o que o legislador pensou foi em garantir a existência do pluripartidarismo no Brasil. Muitos partidos dependem dos recursos públicos. Se eles ficassem impedidos de receber (os fundos Partidário e Eleitoral) em função das dívidas, criaríamos uma situação que inviabilizaria a participação deles nas eleições e o trabalho deles ao longo do ano”, diz ele, cuja tese de doutorado é sobre o funcionamento dos “partidos negócios”.

Uma regra que dificulta a vida dos dirigentes partidários é a de que as multas eleitorais não podem ser pagas com dinheiro do Fundo Partidário. Para quitar essas punições, as legendas precisam buscar outras fontes de recursos.

“Como o Fundo Partidário é dinheiro público, do Orçamento, e uma das fontes dele é justamente as multas eleitorais, as legendas não podem usar recursos dos Fundos Eleitoral e Partidário para pagar essas dívidas. Ele tem que fazer uma arrecadação privada. O que é um grande problema, porque é muito difícil no Brasil você ter esse tipo de doações hoje”, diz o advogado especialista em direito eleitoral Luiz Eduardo Peccinin, que é doutorando em Direito na Universidade Federal do Paraná.

Mesmo estando longe de ser a maior fonte de receita dos partidos, algumas legendas obtêm doações. A Direção Nacional do PT, por exemplo, declarou ao TSE ter recebido R$ 9,1 milhões de pessoas físicas no ano passado.

A pendência mais antiga inscrita na Dívida Ativa da União é um débito contra o Diretório Estadual do PSDB no Rio de Janeiro, de março de 2000. Segundo a base de dados da Procuradoria da Fazenda, os partidos têm dívidas ativas de R$ 646,3 mil com mais de 20 anos sem acordo ou negociação.

 

CANDIDATOS PRESIDENCIÁVEIS ESTÃO UTILIZANDO PODCAST PARA AS SUAS CAMPANHAS

 

  1. Política 
  2. Eleições 

Campanhas põem foco nos canais digitais, plataformas em que pré-candidatos têm muito tempo e são pouco contestados

Levy Teles e Gustavo Côrtes, O Estado de S.Paulo

Em meio a uma atribulada agenda de pré-candidato à Presidência, Sérgio Moro (Podemos) separou um dia de março para participar do podcast Inteligência Ltda., apresentado pelo humorista Rogério Vilela. Com pressa de crescer nas pesquisas e se firmar como alternativa à polarização Lula/Bolsonaro na disputa pelo Planalto, Moro tem cumprido também o script tradicional de uma campanha que, conforme o jargão, “já está na rua”: viagens, encontro com líderes políticos e entrevistas a veículos de comunicação.

Podcast Inteligência Limitada
O comediante Rogério Vilela (à dir.) grava o podcast Inteligência Ltda. no porão de sua casa Foto: Taba Benedicto/Estadão

Se o ex-juiz da Lava Jato tenta conciliar seu roteiro, outras pré-candidaturas, como a de Ciro Gomes (PDT) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), dedicam-se mais às “ruas digitais” neste momento do ano eleitoral. Além da oportunidade de falar com “nichos” de enorme audiência, esta via costuma ser um “ambiente seguro” para os pré-candidatos. Diferente de formatos jornalísticos, que têm tempo delimitado e os entrevistados são confrontados, os podcasts e vodcasts – transmitidos em áudio e vídeo ao vivo na internet – se estendem por horas, dando tempo aos participantes para desenvolver teses com mais conforto.

Programas completos e os chamados “cortes” – trechos selecionados que depois também são usados nos perfis dos futuros candidatos nas redes sociais – atingem milhões de pessoas. Novíssimos modelos desta comunicação também já inspiram pré-campanhas. Sem intermediação, como já acontecia, por exemplo, em 2018, quando o então candidato Jair Bolsonaro privilegiou as redes sociais como foco da campanha – aposta que será dobrada neste ano, como mostrou o Estadão.

No último dia 24, Moro esteve no podcast Flow, e conversou por cinco horas com os youtubers Monark e Igor 3k. Na conversa, sem ser contestado, defendeu sua atuação como magistrado da Lava Jato e fez ataques a adversários. Em clima informal, Monark perguntou a Moro o que ele acha de cogumelo. “Cogumelo plantinha?”, questionou o ex-juiz ao responder. “Cogumelo que deixa doidão”, treplicou o apresentador. O diálogo abriu um debate de cerca de 9 minutos sobre legalização das drogas. Monark defende a liberação da maconha e costuma acender “baseados” durante o programa.

AMBIENTE. “O estilo que eu faço é bom para político e para o público, porque é um ambiente mais ou menos seguro”, disse Rogério Vilela, que faz as gravações no porão da casa onde vive com a mulher e o filho em um condomínio fechado no Morumbi. “Se ele for em um jornal ou em uma revista, vão ter muito mais vontade de pegar ele de calça curta.”https://www.youtube.com/embed/790Q5CNCynQ

Enquanto Vilela recebia o Estadão, as assessorias do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e do deputado federal Felipe Rigoni (PSL-ES) entraram em contato com sua produção. Ambos estavam interessados em uma participação. “Antes a gente tinha que ir atrás. Agora, as assessorias é que querem que eles venham”, disse Vilela, que pretende receber todos os presidenciáveis e garante ter negociações avançadas com a equipe de Lula.

O petista, que lidera as pesquisas de intenção de voto, compareceu ao Podpah, apresentado pelos youtubers Mitico e Igão, em dezembro. Durante duas horas e meia, defendeu seus governos sem tocar em temas polêmicos. O vídeo, que foi transmitido ao vivo, acumula mais de 8,6 milhões de visualizações. Além do Podpah, Lula deu entrevista ao Mano a Mano, podcast do rapper Mano Brown. O episódio foi o mais ouvido do Spotify no ano passado.

O ex-ministro Ciro Gomes (PDT) também falou ao Flow. O vídeo já teve mais de 2,7 milhões de visualizações. Três meses depois da participação no Flow, Ciro acatou a sugestão de um dos apresentadores e criou o Ciro Games, live divulgada semanalmente nas redes sociais do candidato.

No programa, Ciro faz “gameplays” – transmissões de uma pessoa jogando videogame – entrevistas e “reacts” – formato em que uma pessoa assiste a vídeos e opina sobre o que viu – onde Moro é o principal alvo. No último “react”, o alvo foi Bolsonaro. Dário disse que participou de uma reunião com a equipe de comunicação do pré-candidato, que teve a participação do marqueteiro João Santana e outros 90 influenciadores.

Eugênio Bucci, professor da Escola de Comunicação e Artes da USP, aponta que nos podcasts há um “esvaziamento do lugar social do jornalista”. Para ele, a figura do jornalista se torna “desnecessária, indesejável e obsoleta” nesta tendência. Para Maria Carolina Lopes, estrategista política e pesquisadora em comunicação digital, a ideia de buscar novas plataformas faz parte da tentativa de agregar públicos, principalmente os mais jovens, à campanha.

Sidônio Palmeira, da Leiaute Propaganda, que coordenou candidaturas do PT na Bahia, avalia que no ambiente digital é fundamental que o pré-candidato se esforce para passar naturalidade. “O marketing é a arte da síntese. O que se quer nas redes sociais é ter alguém falando de forma mais simples”, afirmou.

Para Daniel Braga, coordenador da comunicação digital de João Doria, presidenciável do PSDB, o trunfo dos canais na internet é que eles têm a “capacidade de atrair alguma coisa mais íntima dos candidatos”. Em uma entrevista ao Inteligência Ltda, Doria aproveitou para reforçar a tática de neutralizar a provocação de Bolsonaro e de sua rede mais fiel. Logo no começo do programa, o tucano deu ao apresentador uma calça “apertada”. “Adotei”, afirmou.

AS ARMADILHAS DA INTERNET E OS FOTÓGRAFOS NÃO NOS DEIXAM TRABALHAR

  Brasil e Mundo ...