Mudanças climáticas Por Fábio Galão – Gazeta do Povo
Usina termoelétrica em Chennai, na Índia| Foto: EFE/EPA/IDREES MOHAMMED
A partir deste domingo (31), Glasgow, no Reino Unido, recebe a 26ª Conferência sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (COP26), em um momento em que a ONU aumenta as cobranças para que chefes de estado assumam compromissos mais efetivos para reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa.
Um relatório divulgado nesta semana pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) mostrou que, embora dezenas de países tenham revisado suas metas para os próximos anos, elas ainda seriam insuficientes para evitar um aumento de temperatura até o fim do século que torne mais frequentes desastres climáticos, como ondas de calor e tempestades violentas.
De acordo com o estudo da equipe do Pnuma, até o final de setembro 120 países, que representam pouco mais da metade das emissões globais de gases causadores do efeito estufa, haviam divulgado novas metas climáticas ou atualizações, e três países membros do G20 haviam anunciado novas promessas de mitigação para 2030.
Entretanto, a ONU alertou que esses novos compromissos representariam uma redução de apenas 7,5% das emissões de gases de efeito estufa previstas para 2030 e levariam o planeta a chegar ao fim do século com uma elevação de 2,7°C na temperatura. Segundo o Pnuma, seriam necessárias reduções de 30% para um aumento de 2°C e 55% para o 1,5°C acima dos níveis pré-industriais estipulado no Acordo de Paris.
O relatório destacou que os membros do G20, cuja reunião está sendo realizada neste fim de semana em Roma, adotaram uma série de políticas relativas a mudanças climáticas nos últimos anos. Embora o Pnuma reconheça que houve avanços, enfatizou que também há “exemplos negativos”, como novos projetos de extração de combustíveis fósseis e construção de usinas a carvão e reversão de mecanismos regulatórios durante a pandemia de Covid-19.
“Um grande número de membros do G20 (Argentina, Brasil, China, Índia, Indonésia, México, Rússia e Arábia Saudita) deverão emitir mais em 2030 sob as políticas implementadas do que em 2010”, informou o relatório.
Em entrevista à CNN, a diretora-executiva do Pnuma, Inger Andersen, destacou que os governos nacionais evoluíram na adoção de políticas para mitigar as mudanças climáticas, mas não o suficiente.
“Muitos meio que vão empurrando com a barriga. Não precisamos mais de promessas, e sim de ações concretas. Não estamos nem perto de onde queremos estar”, disse Andersen. “Queremos ser otimistas e dizer que a janela ainda está aberta, que ainda podemos conseguir – mas ela está fechando muito rápido. A realidade é que devemos fazer acontecer nesta década.”
Para a COP26, a ONU definiu quatro metas principais a serem discutidas durante o encontro, que vai até 12 de novembro: definição de medidas mais ambiciosas, para manter a meta de aumento de 1,5°C grau de Paris ao alcance; promover mudanças para proteger comunidades mais vulneráveis e habitats naturais de eventos climáticos intensos; manutenção do compromisso de investimento de pelo menos US$ 100 bilhões por ano por parte dos países desenvolvidos para essas metas e ações de proteção; e fomentar mecanismos de cooperação, com duas submetas em vista: finalizar o Livro de Regras de Paris, os regulamentos detalhados que tornam o Acordo de Paris operacional; e acelerar as ações para enfrentar a crise climática por meio da colaboração entre governos, empresas e a sociedade civil.
Ativismo judicial Por Leonardo Desideri – Gazeta do Povo Brasília
O plenário do STF.| Foto: STF
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, na quinta-feira (28) que o crime de injúria preconceituosa – por exemplo, uma ofensa racista, xenofóbica, homofóbica ou antirreligiosa contra uma pessoa – é inafiançável e imprescritível.
Antes, conforme o Código Penal, a injúria por preconceito contra raça, cor, etnia, religião ou país de origem deveria prescrever em um prazo de oito anos. Agora, a Corte consagrou o entendimento de que injúrias desses tipos são uma espécie de racismo – crime cuja pena, de acordo com a Constituição, jamais prescreve.
Além disso, como o STF equiparou o crime de homofobia ao de racismo em 2019, a injúria homofóbica também passa a ser um crime imprescritível. Isso porque ela faz parte, do ponto de vista judicial, da mesma classe penal das injúrias relacionadas a raça, cor, etnia, religião e procedência.
Para juristas consultados pela Gazeta do Povo, o entendimento do STF contém uma série de erros técnicos. Enumeramos alguns deles.
Imprescritibilidade não pode ser banalizada pelo STF Só há dois crimes imprescritíveis no Brasil, segundo a Constituição de 1988: a ação de grupos armados contra a ordem constitucional (terrorismo) e o preconceito contra coletividades definidas por critérios como raça, cor, etnia e religião (racismo). No primeiro caso, a Carta Magna quer evitar ataques à democracia. No segundo, o objetivo é impedir a segregação social e a criação de cidadãos de duas espécies.
Nem mesmo o homicídio e o estupro são crimes imprescritíveis. O objetivo dessa cautela na aplicação da imprescritibilidade na legislação, conforme os juristas, é evitar que o Estado possa usar a lei para exercer controle sobre o indivíduo.
“A regra do sistema é a prescrição. O Estado tem um prazo para processar uma pessoa, para punir e para executar a pena. A regra é a prescritibilidade dos crimes, porque senão passaríamos ad aeternum esperando o Estado processar. Se a pessoa praticou crime com 18 anos, você vai punir a pessoa com 68? Você não está punindo a mesma pessoa. A imprescritibilidade é a exceção do sistema”, diz Andrew Fernandes Farias, especialista em Direito Penal.
Para ele, “nem sequer uma lei ordinária poderia aumentar a hipótese de crimes imprescritíveis, porque você estaria ampliando o poder do Estado contra o indivíduo. E muito menos uma decisão judicial”.
Não se podem fazer analogias jurídicas que prejudiquem o réu Quando surge, em um julgamento, uma situação que não está claramente definida em lei, o juiz pode recorrer a uma analogia usando uma situação jurídica semelhante para interpretar o problema e tomar a sua decisão.
No entanto, conforme explica André Gonçalves Fernandes, pós-doutor em Antropologia Filosófica pela Universidade de Navarra, o juiz só pode fazer uma analogia para beneficiar o réu, e nunca para prejudicá-lo.
Quando o réu é prejudicado, diz-se que o juiz fez uma analogia “in malam partem”, algo que não se admite no Direito Penal brasileiro. A vedação desse tipo de analogia protege o réu do ativismo judicial, já que um juiz poderia se aproveitar de lacunas na legislação para ampliar penas.
No caso em questão, de acordo com juristas consultados pela Gazeta do Povo, o STF fez justamente isso: com uma analogia jurídica, aproveitou-se de uma suposta lacuna da lei para ampliar a possibilidade de punição de uma pessoa que proferiu uma injúria racial. Com isso, cometeu um erro técnico grave e incorreu em ativismo judicial.
A gravidade de um crime não justifica a criação de um sistema de vingança estatal No caso que originou o julgamento do STF, uma idosa xingou uma frentista de “negrinha nojenta, ignorante e atrevida” e afirmou que “preto é bicho nojento”. Em seus votos, alguns ministros apontaram a gravidade dessas falas como justificativa para elevar a injúria racial à categoria do racismo no sistema penal.
A repugnância das falas é indiscutível, mas não pode ser usada como justificativa para a criação de uma distorção no sistema jurídico brasileiro, afirmam os juristas.
Antonio Jorge Pereira Júnior, doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), diz que os ministros do STF não podem se apoiar na evidente gravidade do caso em questão para criar um sistema de vingança do Estado contra os indivíduos.
“Podem dar a entender ao público que não vai haver a punição da mulher, e não é isso. A ideia de que, se não for equiparado [o crime de injúria racial ao de racismo], haverá injustiça. Falso. É uma falsa dicotomia, um falso dilema, para encobrir o abuso. É um excesso de punibilidade que distorce o próprio sistema jurídico. Ao invés de favorecer a pacificação social, vai gerar um sistema de vingança”, diz ele.
Não se pode corrigir a ineficiência do Estado com ativismo judicial Fernandes chama a atenção para uma lacuna nos votos dos ministros do STF: eles não discutiram as motivações da prescrição do crime que deu origem ao julgamento.
Edson Fachin, relator do caso, nem chegou a abordar o fato de o Estado ter sido ineficaz no processo. “Ele desloca o mote da questão. O que ele não deixa claro é que isso só se deu devido à inação e à ineficiência do Estado no ato de persecução penal. Isso ele não fala, e isso passa ao largo da discussão, quando isso deveria, também, ser trazido ao debate. Por que prescreveu? Prescreveu porque o Estado não fez nada, ou fez muito pouco”, diz o jurista. “Procurou-se ‘corrigir’ a inação estatal tornando a injúria racial imprescritível”, complementa.
Para o especialista, quando os ministros entendem que é preciso tornar esse crime imprescritível, estão admitindo, implicitamente, que o Estado foi inoperante e culpado. “E o Estado, no caso, tem nome e sobrenome: delegado e Ministério Público. Eles não foram capazes, antes dos prazos prescricionais, naquela circunstância específica, de levar adiante a queixa-crime e transformar aquilo em uma ação penal”, afirma.
O STF faz uma profissão de fé cega na eficiência do sistema penal brasileiro Para Fernandes, os ministros do STF fizeram, durante o julgamento, “uma profissão de fé cega na eficiência do sistema penal brasileiro”. Nos votos, houve uma exaltação do sistema penal como solução para o problema do racismo. Essa crença no Direito Penal como caminho para criar uma sociedade virtuosa, explica ele, é uma ilusão propagada por uma visão de mundo iluminista e positivista.
“As virtudes cívicas são boas, mas elas precisam ser vivenciadas a partir da ética das virtudes. Eu só vou deixar de ser racista a partir do momento em que eu estiver pessoalmente convencido de que é uma questão de justiça – da virtude moral da justiça – respeitar alguém que é semelhante a mim. Enquanto a pessoa não tomar aquilo como uma virtude, vai ser muito mais uma carapaça de virtude, um condicionamento social, do que, propriamente, uma maneira de ser daquela pessoa. Não adianta ficar depositando toda a esperança no Direito, e muito menos no Direito Penal”, diz o jurista.
Ele acrescenta que os ministros carregam uma visão positivista de que o medo à sanção seria “uma solução para que as pessoas se comportem direitinho e deixem de ser racistas”. “Isso vai tocar algumas pessoas, mas outras vão dizer: ‘Eu não estou nem aí’.”
Imagem da próxima edição de “Superman: Son of Kal-El” mostra filho de Clark Kent em manifestação| Foto: Divulgação/DC Comics
Em meio a tantas lições de vida instantâneas e tanta vigilância sobre éticas implacáveis de 1,99, é nosso dever apresentar um conjunto de questões realmente filosóficas que precisam ser respondidas para que o mundo possa continuar girando:
Quando o Super-Homem voou na contramão da rotação da Terra ele já era um transgressor? De quanto é a multa para quem é flagrado voando na contramão? Se essa infração acarretar uma inversão da marcha do tempo sem sinalização de pisca-alerta a licença do infrator pode ser cassada? É verdade que o Super-Homem teria dito: “A criptonita é minha e eu voo na direção que eu quiser”? Se disse isso mesmo poderia ser detido por desacato? Está correta a tese de que o “S” estampado no peito do herói é um código para “sou mais eu”? Um sujeito que tem capa e voa deveria ter sua convivência permitida com os que só se deslocam com os pés no chão ou o certo seria permitir que ele interagisse apenas com outros indivíduos que têm capas e voam? A criptonita é a mãe da criptomoeda? Se o Super-Homem fez a humanidade voltar no tempo ele é: a) um tradicionalista; b) um nostálgico; c) um subversivo; d) um revolucionário; um reaça.
Por despertar tantos debates ideológicos, não seria o caso de ressignificar o lendário e imponente “S” peitoral como designação de “sociologia”?
Responda (certo) todas as questões acima, se você não quer que o mundo pare de girar e a humanidade seja obrigada a implorar ao Super-Homem que volte a usar a sua força bruta para fazer o planeta pegar no tranco.
Gustavo Assi, professor da Universidade de São Paulo que estará em um evento paralelo à COP-26.| Foto: Gabriel Penna
Estamos a poucos dias da COP-26, a conferência global do clima que ocorrerá de 31 de outubro a 12 de novembro, e os olhos do mundo estão voltados para Glasgow, no que foi descrito como uma “corrida contra a mudança climática”. As questões mais prementes são a manutenção da meta de limitar o aquecimento global a 1,5ºC até 2050, estabelecida pelo Acordo de Paris; o apoio político, técnico e financeiro aos países em desenvolvimento; o risco de retrocesso em relação ao Acordo de Paris; e o desafio das mudanças efetivamente transformadoras por parte de países e empresas.
Muito embora o governo Bolsonaro tenha sido até pouco tempo notoriamente omisso, tirando o país de seu histórico protagonismo ambiental, uma surpreendente reviravolta política parece estar em curso. Bolsonaro disse anteontem que não estará presente na cúpula, mencionando vagamente algo sobre “estratégia”, o que foi interpretado por muitos como sinal de descompromisso, mas tenho outro palpite: sua presença não teria mesmo grande potencial de transformar a percepção internacional sobre essa reviravolta política – o homem está queimado demais. Mas, se os olhares se voltarem para o ministro Joaquim Leite e ele tiver sucesso em projetar uma nova imagem de protagonismo ambiental brasileiro, e o Brasil realmente assinar o Forest Deal, o acordo sobre proteção de florestas, segundo anunciado pelo embaixador Carvalho Neto em entrevista à BBC, poderíamos dizer que a política ambiental brasileira voltou para os trilhos.
Se o Brasil tomar esse rumo, um ponto fortíssimo da equação ambiental brasileira poderá ganhar grande visibilidade: a capacidade estrutural e tecnológica para negativar as emissões de gases de efeito-estufa (GEE). Essa é a bandeira de Gustavo Assi e de um time de cientistas ligado à USP que já estão a caminho de Glasgow, para participar do International Technology Centres Summit & Research Study. Segundo o press release da iniciativa, “o evento paralelo à Conferência do Clima (COP-26) tem o objetivo de facilitar projetos científicos internacionais e auxiliar a comunidade científica e empresarial global a engajar cientistas e institutos de excelência”.
“Finalmente parece que temos boa tecnologia desenvolvida, e um futuro claro pela frente, capaz de mitigar o efeito da ação humana no clima.”
Gustavo Assi, professor da Escola Politécnica da USP Na coluna de hoje entrevistamos Gustavo Assi para falar sobre a sua missão científica na COP-26 e sua perspectiva sobre o desafio ambiental brasileiro. Assi é professor associado do Departamento de Engenharia Naval e Oceânica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, atua como diretor de Inovação e Transferência de Tecnologia do Research Centre for Greenhouse Gas Innovation (RCGI) e é também membro da Associação Brasileira de Cristãos na Ciência (ABC2).
Com um ano de adiamento, devido à pandemia, o relatório científico de ponta do IPCC, divulgado em agosto, e o ruído dos eventos climáticos extremos testemunhado nos últimos meses, a expectativa pela COP-26 subiu às alturas. Como você vê isso nos círculos acadêmicos brasileiros? Há mais desânimo ou algum entusiasmo?
Eu diria que há um pouco de cada. Certamente há entusiasmo para quem estuda esse assunto, especialmente para os que estão desenvolvendo tecnologia para ser empregada na transição energética e no combate à mudança climática. O relatório do IPCC veio cristalizar o que estávamos percebendo: não há mais dúvidas de que as mudanças climáticas se devem à ação humana no planeta. Mas o entusiasmo se deve ao nosso momento tecnológico. Finalmente parece que temos boa tecnologia desenvolvida, e um futuro claro pela frente, capaz de mitigar esse efeito. Por muito tempo ficamos procurando o que a humanidade poderia fazer. Agora temos uma boa perspectiva que deve nortear ações nos próximos anos. A tecnologia não está tão distante assim.
Contudo, pelo outro lado, há certo grau de desânimo – e digo isto principalmente como um pesquisador brasileiro. Ao mesmo tempo que o Brasil tem grande potencial e histórico de contribuição nesse tema, temos sofrido com o abandono da pauta e experimentado um certo descaso com as ações que podem trazer algum proveito. A comunidade acadêmica tem uma inércia maior que os ciclos de governo. Portanto, seu papel de sentinela deve perdurar. Minha opinião é que esperamos tempos melhores nas políticas públicas. Portanto, devemos estar cientifica e tecnologicamente prontos para quando eles chegarem, ao mesmo tempo que devemos contribuir para antecipar seu retorno.
Há poucas semanas, quando conversamos a respeito, nosso assunto era a preocupação com o silêncio do Itamaraty sobre a participação brasileira; mas parece que o dever de casa vinha sendo feito, não? O governo criou o Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima e Crescimento Verde e lançou na última segunda-feira, dia 25, o Programa Nacional de Crescimento Verde. Em cima da hora, mas saiu! O que pensa sobre essa proposta do governo?
Não tive tempo de analisar adequadamente esse programa. Estive muito atarefado com os preparativos para a viagem. De modo geral, é bom ver alguma mobilização do governo brasileiro no tema. Sei que há corpo técnico nos ministérios de Minas e Energia, da Ciência e Tecnologia e até no de Relações Exteriores que se preocupa seriamente com o assunto e com a atuação do Brasil nessa pauta. Mas ações neste tema dependem de uma articulação muito mais ampla e declarada, uma ação genuinamente de governo. Não bastam discussões e intenções técnicas, precisamos de políticas públicas sólidas que transpassem mandatos (mas este é o caso de tantas outras áreas no Brasil, não é? Sempre lamentamos dizendo que precisamos de mais políticas de Estado do que de governo…).
Uma coisa é certa, infelizmente: na nossa percepção, o Brasil deixou de lado a pauta climática e perdeu protagonismo no tema nos últimos anos. Esperamos que haja um retorno na forma de ações de governo diretamente focadas no combate ao aquecimento global, principalmente focando no controle de emissões de gases de efeito estufa (GEE). Mas, no momento, o que temos visto são ações secundárias e pontuais. Falta-nos integração e continuidade. Movimentos “em cima da hora”, às vésperas da principal reunião de cúpula do tema, têm pouco impacto e apenas revelam o abandono do tema.
Uma reclamação entre jornalistas – esse ponto foi até mencionado pelo Bernardo Esteves na Piauí – é que o projeto omitiu o compromisso de zerar o desmatamento da Amazônia até 2030 e de alcançar “neutralidade climática” até 2050 (“emissões líquidas” de gases de efeito estufa igual a zero). No seu julgamento, esses compromissos explícitos são essenciais ou os cursos de ação adotados importam mais?
O Brasil, assim como todas as nações, deve trabalhar com metas bastante específicas. Esta é a maneira técnica de se aferir o avanço das políticas e medidas práticas no tema; não podemos viver de “boas intenções” e “rumos gerais”. Quando empresas, governos e outros setores declaram que vão buscar neutralidade nas emissões num certo período, é importante explicitarem os métodos de obtenção e monitoramento dessas marcas. A equação climática brasileira é bastante interessante. Obviamente, reduzir e reverter o desmatamento faz parte dela. Quando analisamos os parâmetros brasileiros, percebemos que eliminar o desmatamento tem muito impacto, tomando posição prioritária entre as principais medidas para mitigação das emissões de GEE. Se o Brasil vai levar a sério suas metas de neutralidade nas emissões, eliminar o desmatamento tem preponderância urgente.
“O Brasil deixou de lado a pauta climática e perdeu protagonismo no tema nos últimos anos. Esperamos que haja um retorno na forma de ações de governo diretamente focadas no combate ao aquecimento global.”
Gustavo Assi Você poderia resumir para nós o impacto dos gases de efeito estufa no planeta e por que as metas do Acordo de Paris são importantes?
Gosto de falar disso como que falando aos meus alunos de graduação em Engenharia: O planeta passa por ciclos climáticos naturais. Conseguimos avaliar que, ao longo de muito tempo, muito antes de os humanos surgirem, a temperatura média na Terra oscilou entre períodos mais quentes e eras glaciais. Contudo, em nenhum desses períodos a temperatura média da Terra subiu tanto e tão rapidamente quanto na época em que a ação humana começou a ter impacto significativo. A Revolução Industrial é o nosso marco histórico. Desde essa época a população humana no planeta cresce exponencialmente, e todos queremos consumir produtos e energia em maior quantidade e menor preço. Esse efeito fez com que as emissões de gases de efeito estufa do século 19 para cá (sendo o dióxido de carbono o principal deles) amplificassem o efeito de acúmulo de calor na atmosfera terrestre.
Hoje entendemos, “sem dúvidas” (como diz o relatório do IPCC), que a atividade humana teve e tem efeito sobre o clima, aquecendo a temperatura média do planeta acima de qualquer registro do passado, por meio das emissões de GEE. O Acordo de Paris é uma tentativa de controlar esse aquecimento, mantendo a temperatura média da Terra poucos graus acima daquela estimada antes de esse efeito antropogênico ter impactado o planeta. Como o aquecimento está diretamente relacionado às emissões, o Acordo estabelece uma meta de temperatura que requer ações dos povos para conter ou reverter tais emissões danosas. Desculpe a expressão, mas, em resumo, o Acordo de Paris é um chamado nos dizendo que a vaca está indo pro brejo e requerendo ações concretas para reverter seu caminho.
Falando em gases de efeito estufa: esse assunto diz respeito diretamente à missão da qual você está participando, não é? O que é o RCGI e que evento paralelo é esse que ocorrerá em Glasgow?
Sim, esse assunto é a essência do que pesquisamos no Research Centre for Greenhouse Gas Innovation. Compomos um centro de pesquisas baseado na Universidade de São Paulo, com mais de 400 pesquisadores, que busca o conhecimento científico e o desenvolvimento de tecnologia para a mitigação das mudanças climáticas num contexto de transição energética. O centro conta com financiamento da Shell e da Fapesp, principalmente, dentre outras empresas que se juntaram posteriormente. No RCGI juntamos o melhor da ciência brasileira com a motivação da indústria de energia que opera no globo. Nossos projetos têm apresentado soluções interessantes que se aplicam não apenas ao cenário brasileiro, mas também no mundo. Por isso participaremos da COP-26, a Conferência do Clima da ONU, em Glasgow, nesta semana.
De modo geral, a COP-26 tem um evento central, a tal reunião de cúpula com os líderes das nações, que discutirá as metas e compromissos dos povos. Essa parte deve receber forte cobertura da mídia; vale a pena ficar atento aos movimentos nas próximas semanas. Quem leva o assunto com seriedade estará lá. Mas também há os eventos e reuniões técnicas que acontecem em paralelo. Participaremos desses outros eventos, que reúnem a comunidade técnica, científica e acadêmica. Normalmente, as discussões técnicas desenvolvidas numa conferência alimentarão as discussões políticas da conferência seguinte. Nossa missão nestes encontros é apresentar e discutir sobre o potencial e a capacidade brasileira no tema.
Segundo o press release do RCGI, a missão brasileira pretende apresentar algo não apenas inovador, mas bastante ousado: não apenas zerar, mas negativar as emissões de carbono brasileiras. Entendo que o ponto não seja tanto político, mas tecnológico: o Brasil teria a capacidade para fazer isso. Você pode nos dizer algo sobre essa capacidade técnica?
De fato, trataremos desse assunto. Mas o ponto é mais político do que possa parecer. O Acordo de Paris apresentou metas para a redução das emissões de GEE para alcançarmos a redução da temperatura num período. Isso foi há alguns anos. De lá para cá, a humanidade não cumpriu com o que prometeu. O último relatório do IPCC nos indica que estamos atrasados. Antes, falávamos de redução das emissões, depois passamos a falar de neutralizá-las… agora, falamos da real necessidade de torná-las negativas. A percepção atual é que precisamos não apenas nos tornarmos neutros, mas sim rapidamente negativos nas emissões de gases GEE se ainda tivermos algum compromisso com o Acordo de Paris.
O interessante é que descobrimos que há soluções técnicas possíveis e viáveis: existem maneiras de capturar carbono da atmosfera, armazenando-o de forma segura e permanente. A solução técnica é desafiadora, sem dúvidas, mas é factível. Contudo, a implementação dessas tecnologias é fortemente dependente de ações políticas de grande escala. Começando pela escala regional, mas alcançando, necessariamente, a escala continental. Lembre-se, mitigação de GEE nunca é um problema local, de uma ou outra empresa ou de um único país, mas é um problema global que deve ser encarado em escala global. A vantagem brasileira é que nosso país pode ser um grande ator “na escala global” dado o tamanho do nosso território, população, indústria, etc.
A neutralidade das emissões de GEE, quiçá o alcance das emissões negativas, passa necessariamente pela integração de diversos setores industriais no Brasil. Além de tecnologia, isso requer regulamentação e políticas públicas consistentes, abrangentes e duradouras. Tecnicamente, o Brasil tem vantagens que outros países na vanguarda nem sonham em ter: a qualidade de nossa matriz energética, setores industriais, fontes de novas energias, capacidade de armazenamento de carbono, posição geográfica, tamanho da costa, recursos naturais… tudo coopera para que nossa “equação climática” seja bem mais favorável que a de outros países já comprometidos com ações positivas. Posso dizer que a solução técnica está avançando. É necessário que a solução política avance no mesmo passo visando uma implementação bem-sucedida no futuro próximo.
“Precisamos não apenas nos tornarmos neutros, mas sim rapidamente negativos nas emissões de gases GEE se ainda tivermos algum compromisso com o Acordo de Paris.”
Gustavo Assi A captura de carbono já disperso na atmosfera é certamente muito mais difícil do que capturar na fonte, mas isso exige compromisso econômico e político do agronegócio e da indústria de base, não é? E como vocês pretendem articular isso politicamente? Há uma estrutura de advocacy e articulação política para isso?
Correto, a captura do carbono já disperso na atmosfera é mais difícil que capturá-lo na fonte dos processos industriais emissores. De modo geral, podemos pensar em processos naturais de captura, como a fotossíntese nas plantas, por exemplo, e processos artificiais, como sistemas de captura instalados nas plantas industriais. O Brasil deve reconhecer a necessidade de melhorar sua captura natural. Nossa agropecuária é gigante, a silvicultura também é; aumentando-se a eficiência das lavouras e pastagens, e eliminando-se o desmatamento, obviamente podemos alcançar índices de captura muito favoráveis no Brasil. Do outro lado, também devemos lembrar que temos grandes setores industriais de impacto. Se conseguirmos capturar carbono das indústrias de etanol, celulose, cimento, aço, mineração, fertilizantes, produtos químicos, transportes etc., teremos mais um ponto a nosso favor.
Mas o que faremos com todo este carbono capturado? Considerando que temos a capacidade de armazenar grande quantidade de carbono em reservatórios geológicos (tanto em terra quando no pré-sal oceânico), podemos nos tornar um sorvedouro de CO2 para o mundo (produzindo créditos de carbono). Some tudo isto à nossa matriz energética que é bastante limpa, além do grande potencial de exploração de novas fontes de energia renovável em terra e no oceano. Pronto, a equação brasileira é de dar inveja em muitas nações que se preocupam com o assunto há mais décadas que nós. Perceba como a equação climática passa por vários parâmetros e setores industriais e energéticos. O mais interessante é que o Brasil é abençoado em todos estes aspectos! Por isso o RCGI tem um forte programa de advocacy. Além dos cinco programas que buscam soluções técnicas para o problema, entendemos a importância de articular em nível nacional as políticas necessárias para nossa equação climática sair do papel.
A coisa passa pelo fim do desmatamento, também. Esse me parece um dos pontos cegos mais incrivelmente cegos da atual administração, rendendo inclusive choques do governo com especialistas em meio ambiente. Mas, aparentemente, os maus resultados do marketing governamental nesse campo estão levando a uma moderação. Como está hoje o diálogo entre a academia e o governo na questão ambiental?
Tenho pouco a contribuir aqui. Sei que a academia tem cumprido seu papel de mostrar que o fim do desmatamento é fundamental para nossa equação de emissões. Na verdade, nossas pesquisas mostram que reduzir o desmatamento é a maneira mais rápida e barata de impactar positivamente o balanço de GEE do Brasil. Algumas vezes essa afirmação foi negligenciada, considerada alarmista ou entendida como contrária ao desenvolvimento. Mas minha percepção é de que isto está mudando. Já estamos entendendo que há maneiras mais eficientes de desenvolver a agropecuária, por exemplo, sem aumentar o desmatamento. O desmatamento ilegal que dá lugar às atividades pouco eficientes deve ser rigidamente combatido. Mas o desenvolvimento econômico e social fruto da agropecuária equilibrada deve ser incentivado. Requeremos outro paradigma para equacionar exploração com desenvolvimento.
“Já estamos entendendo que há maneiras mais eficientes de desenvolver a agropecuária sem aumentar o desmatamento. O desmatamento ilegal que dá lugar às atividades pouco eficientes deve ser rigidamente combatido. Mas o desenvolvimento econômico e social fruto da agropecuária equilibrada deve ser incentivado.”
Gustavo Assi Foi uma surpresa para mim, particularmente, ler as palavras “Mudança de Clima” no título do novo comitê governamental. O relatório do IPCC está pesando na consciência do governo ou é só conversa para inglês ver? Você vê indícios de mudança substancial nesse campo?
Espero que o relatório do IPCC esteja pesando na consciência de todos nós. Até que isto tenha impacto nas ações de governos, normalmente, leva mais tempo. Se o trem desacelerou, leva um tempo até que ele retome a velocidade. Portanto, acho que é cedo para fazer essa avaliação. Mas, sinceramente, espero que o Brasil reconheça logo seu papel como ator global nesse tema, assuma seu protagonismo, pelo menos em escala regional, e descubra o potencial que tem para contribuir na pauta climática. Não sei se a consciência do governo está mudando, mas a ausência do termo na boca do governo por tanto tempo nos fez grande falta.
Energias renováveis são outra área quente, e do seu interesse pessoal, se não estou enganado. Você concorda com cientistas que vêm retomando o caminho da energia nuclear como alternativa limpa ou pensa que o Brasil teria alternativas melhores?
De fato, energias renováveis são parte importante da equação climática. Percebeu que uso demais esse termo “equação”? Deve ser vício de professor de Cálculo. Mas acho que ele representa bem a ideia de um balanço necessário entre muitas variáveis. Como disse, nossa matriz energética é bastante limpa. Tanto a energia hidrelétrica quanto o etanol têm participação para que a geração de energia brasileira seja das mais limpas do mundo. Todavia, nossos recursos hídricos já foram explorados ao limite e não suprirão o crescimento da demanda. Nossas fontes convencionais também trazem problemas. Ainda que venhamos a usar o gás do pré-sal para alimentar nossas termelétricas, sua queima contribuirá negativamente para as emissões. Portanto, a busca por outras fontes de energia limpa é uma necessidade para o Brasil – de fato, para o mundo –, se quisermos manter essa variável da equação com baixos índices de emissão. Com o avanço da tecnologia, as energias fotovoltaica e eólica despontam promissoras, especialmente num país com grande extensão territorial e uma das maiores taxas de insolação do mundo.
Mas a solução energética não se resume a uma única fonte; a integração de diversas fontes renováveis é fundamental para equilibrar a sazonalidade e capacidade dos sistemas geradores. A biomassa, bastante associada à agricultura, também tem papel preponderante. Mas não podemos nos esquecer do oceano: energia renovável eólica offshore, de correntezas marinhas e de ondas também tem seu papel complementar. Pessoalmente, como engenheiro naval e oceânico, tenho trabalhado na exploração de energia renovável do oceano.
“Nossos recursos hídricos já foram explorados ao limite e não suprirão o crescimento da demanda. Com o avanço da tecnologia, as energias fotovoltaica e eólica despontam promissoras, especialmente num país com grande extensão territorial e uma das maiores taxas de insolação do mundo.”
Gustavo Assi Mas entendo que a transição energética para uma matriz limpa e sustentável requererá diversas fontes em cooperação. Neste cenário, não podemos simplesmente descartar a energia nuclear (por sinal, a Escola Politécnica da USP acaba de abrir um curso de graduação em Engenharia Nuclear). Seja como energia de transição ou permanente, ela tem um papel importante, especialmente quando o país tem recursos naturais e detém a tecnologia necessária. O cenário tecnológico atual é bem diferente daquele que nos assustou com os acidentes de décadas atrás. As caraterísticas geológicas do Brasil também são bem mais seguras que aquelas do Japão. Havendo rigoroso controle do rejeito nuclear, pode, sim, ser uma fonte de energia interessante durante um processo de transição energética.
Por fim, entendo que há boas alternativas definitivas no horizonte. Ainda exploraremos óleo e gás (de maneira cada vez mais limpa), etanol, urânio… até que tenhamos tecnologia para uma matriz energética totalmente limpa. Até lá, precisamos implementar soluções mais eficientes e menos emitentes para as fontes de energia que temos disponíveis. Isto, somado à captura, armazenamento e utilização de carbono (CCUS), dará ao Brasil uma posição estratégica no processo de transição energética.
Mudando nosso papo para um tema mais explicitamente ideológico: como muitos na área, imagino que você se incomode bastante com os discursos que negam que a atual mudança climática tenha causa humana, ou antropogênica, e até mesmo que ela esteja realmente acontecendo. Esse tipo de discurso tornou-se popular em círculos conservadores. Você tem alguma pista sobre como confrontar essas ideias negacionistas?
Infelizmente temos visto muita informação sem fundamento científico neste tema. O trabalho de limpeza parece que não acaba nunca; ouvimos muita bobagem sobre o assunto. Em se tratando de mudanças climáticas, devemos ouvir a opinião da comunidade cientifica especializada. Novamente, a equação tem muitas variáveis, a maioria desconhecida do público em geral. Às vezes ouvimos alguém dizer que “não está sentindo nenhuma diferença na temperatura, como pode haver mudança climática?”. Outros dizem que “o ser humano se acha muito importante pensando que pode mudar a dinâmica do planeta”, ou mesmo afirmam que “esse é mais um ciclo da Terra”. Essas opiniões infundadas fazem muito mal quando contaminam as próximas gerações.
Mas entendo que, muitas vezes, a opinião “negacionista” não se deve a uma má compreensão da ciência, mas à necessidade de justificar uma agenda pessoal. Nestes casos, não será mais informação científica que fará a diferença e provocará convencimento. É preciso, de alguma forma, trabalhar no cerne no problema: o convencimento de que a ciência nos informa adequadamente do funcionamento do mundo natural (ou, pelo menos, é o melhor caminho). Creio que devamos investir na formação dos nossos alunos de graduação, jovens e adolescentes para que entendam o poder e os limites das descobertas científicas. Trata-se de uma questão epistemológica. Erramos ao querer tratar dela com mais informação científica, por mais qualificada que seja, sem fazer uso de uma boa instrução filosófica. Talvez os círculos mais conservadores tenham mais dificuldade de reconhecer que o conhecimento científico tem a capacidade de nos revelar verdades maravilhosas do mundo natural. De certo modo, devem se render à ciência quando ela tiver genuinamente autoridade para falar.
“Se os humanos têm a responsabilidade de zelar pelo ambiente em que vivem pelo menos por respeito às próximas gerações da sua espécie, o cristão tem responsabilidade dobrada diante dos homens e do Criador.”
Gustavo Assi
E quanto à fé? Além de cientista, você também é cristão. O que os cristãos podem fazer diante das grandes questões ambientais do momento?
Sim, sou um cristão evangélico reformado. Permita-me dizer que, como um cristão que atua no campo científico, entendo que este empreendimento humano de se conhecer o funcionamento do mundo natural (ao qual chamamos “ciência”) seja uma dádiva de Deus para a humanidade. O cristão reconhece que, quando a ciência nos revela as entranhas do funcionamento do mundo, está nos revelando verdades do próprio Criador.
Agora, sobre mudanças climáticas… Entendo existirem razões de sobra para qualquer pessoa, cristã ou não, reconhecer a necessidade de ações contra o aquecimento global. Essas razoes vêm do campo científico e nos informam adequadamente sobre quando e o que devemos fazer. Mas, além dessas razões científicas, entendo que o cristão tem uma razão de ordem moral para zelar pelo cosmos. O cristão entende que tudo o que existe é criação de Deus. Como se não bastasse o compromisso com a humanidade, o cristão tem um compromisso com o próprio Criador. Quando a ciência nos revela que estamos estragando o mundo que Deus nos deu para “cultivar e guardar”, o cristão deve ouvir e agir.
Em poucas palavras: se os humanos têm a responsabilidade de zelar pelo ambiente em que vivem pelo menos por respeito às próximas gerações da sua espécie, o cristão tem responsabilidade dobrada diante dos homens e do Criador. Entendo que os cristãos devam participar ativamente dessa agenda de mudanças climáticas porque devem contas ao Criador.
”Todos fomos impactados pela pandemia da Covid-19; tivemos nossas vidas radicalmente mudadas. Podemos usar a mesma analogia para pensar como as próximas gerações serão impactadas por uma ‘pandemia climática’. Só que esta segunda não durará dois anos nem terá vacina.”
Gustavo Assi
Uma pergunta sobre o futuro: equacionando desejos e realismo, o que você espera da COP-26?
Vamos equacionar mais uma vez… Por um lado, lamento que o Brasil pareça não estar assumindo seu papel nestas discussões e ações. Com tanto potencial e protagonismo histórico, esperávamos ações mais visíveis e significativas do nosso país nas reuniões de cúpula. É verdade que haverá alguma representação brasileira nas reuniões das Partes. Sabemos de uma ou outra representação técnica dos ministérios. Por exemplo, na minha percepção, o governo paulista tem assumido uma postura mais ousada e significativa que o governo federal. Mas a ausência de governantes na principal reunião de cúpula sobre o principal problema da nossa geração é um sinal trágico.
Por outro lado, sinceramente espero que a COP-26 venha esclarecer algumas questões técnicas “sem deixar dúvidas”, auxiliando a articulação internacional de ações no combate ao aquecimento global. É impressionante como nosso conhecimento científico do assunto evoluiu desde a Rio-92, a primeira Conferência do Clima. Cada vez mais, pontos cruciais são esclarecidos, norteando políticas dos países realmente comprometidos.
Acho que o momento de pandemia colabora para nossa percepção dos resultados desta conferência. De certo modo, estamos todos mais sensíveis à vulnerabilidade da espécie humana e do nosso habitáculo. Se temos dificuldades para enxergar a perda de habitat de outras espécies que já sofreram e sofrem com o aquecimento global, acho que a pandemia escancarou a nossa fragilidade. Todos fomos impactados pela pandemia da Covid-19; tivemos nossas vidas radicalmente mudadas. Podemos usar a mesma analogia para pensar como as próximas gerações serão impactadas por uma “pandemia climática”. Só que esta segunda não durará dois anos nem terá vacina. Portanto, espero que a COP-26 venha jogar mais luz sobre o assunto e promover ações concretas. Neste espelho veremos a imagem do Brasil.
Arleth Bandera, especialista em intercâmbio e processos migratórios, explica como viver o sonho americano.
Nos últimos meses, muitos brasileiros optaram por investir as verbas rescisórias impostas pelas demissões da pandemia em programas de intercâmbio, seja para aprimorar a fluência em outro idioma ou como porta de entrada para um emprego, em dólar. Afinal, essa busca pelo “sonho americano”, que inclui bons salários e melhor qualidade de vida nunca esteve tão em alta.
Mas, cada opção requer uma autorização diferente e o brasileiro precisa estar atento a elas para não se tornar um ilegal. “O visto de trabalho temporário é o H, para consegui-lo é preciso uma petição de trabalho (Form I- 129) submetida pelo empregador dos EUA, que deve ser aprovado pelo serviço de Cidadania e Imigração dos Estados Unidos. E além do visto H, existem outros, como o visto H-1B (ocupação de especialista); visto H-2B (trabalho qualificado e não qualificado) e visto H-3 (estagiários)”, explica Arleth Bandera, especialista em processos imigratórios.
Recentemente o Ministério das Relações Exteriores levantou dados mostrando que há 4,2 milhões de brasileiros vivendo longe do país, se comparado com 2018, houve um aumento de quase 20%. Os dados ficam ainda mais impressionantes se considerarmos que a pesquisa não computa, com exatidão, quem saiu do país e se encontra de forma ilegal. Estimativas falam em até 50% a mais de pessoas nessa condição, dessa forma, o número chegaria a 6 milhões.
“Chega a ser um problema de perspectiva, a conta simplesmente não fecha! Senti essa diferença quando me mudei para os Estados Unidos. O salário no Brasil acaba sendo mais baixo e o custo de vida, muito alto. E por isso, como eu, há vários brasileiros buscando outras oportunidades”, explica a CEO da Eagle que se mudou para os EUA em 2016.
É cada vez maior o número de famílias com integrantes com pelo menos um integrante com diploma superior indo embora, e sem intenção de voltar. Os problemas econômicos do país, a qualidade de vida e o quesito “ganhar em dólar” são os principais motivos dessa “diáspora”.
Enquanto o brasil registra 14,4 milhões de desempregos e uma taxa de desemprego de 14,1%, no segundo trimestre. Nos Estados Unidos, esse nível era de 7,8% há um ano, e agora está em 5,2%, em julho, o país tinha quase 11 milhões de vagas abertas, de acordo com a secretária de estatísticas de trabalho do país.
” Aqui na Eagle, somos uma agência de intercâmbio com cursos de idiomas e cursos em universidade e também, especialistas em processos migratórios( alteração do status do visto, Green Card), contamos com uma equipe super competência que cuida desses casos. E nos últimos meses sentimos um grande aumento na procura por esses processos. As pessoas estão atrás do “sonho americano”, e posso dizer que com o aumento da vacinação, retorno da economia, está sobrando emprego aqui. Profissionais da área de saúde, aviação, tecnologia e logística estão em alta.”, explica Arleth.
Se você quiser saber mais sobre intercâmbio, programas/ cursos, alteração de visto, Green Card, acesse: www.eagleintercambio.com
Sobre: A Eagle intercâmbio é uma startup localizada no Vale do Silício (Califórnia), sendo a primeira agência de intercâmbio feita totalmente por brasileiros na região. Com clientes oriundos de diferentes localidades, a presença física da equipe da Eagle nos Estados Unidos, único destino atendido pela agência, permite com que a empresa dê suporte em tempo real, aos seus alunos, entendendo e identificando as necessidades de cada um deles. Dessa forma, a startup faz parte de um seleto grupo de agências, com um dos maiores índices de aprovação de vistos para alunos brasileiros, carregando em sua trajetória até hoje mais de 1000 alunos brasileiros formados pela Eagle. Para saber mais acesse: www.eagleintercambio.com
Neste mês, no dia 31, hoje, há 504 anos, um monge alemão chamado Martinho Lutero publicou uma lista de queixas contra a Igreja Católica. Ele pregou essa lista – que mais tarde veio a ser chamada de 95 Teses – na porta da capela da Universidade de Wittenberg, e isso deu início a um movimento. Toda a Europa, e eventualmente o mundo inteiro, sentiria os efeitos de Lutero cravar os pregos em sua lista.
Muitos de nós podemos não apreciar totalmente a importância da Reforma, ou entender do que se trata. Mas foi um evento verdadeiramente revolucionário — este monge solitário levantando-se contra os poderes constituídos para clamar por uma reforma e a verdade.
Por esse motivo, não devemos deixar o 31 de outubro passar sem nos lembrarmos da obra que Deus fez em Seu corpo — a Igreja — durante aquele período importante. Aqui estão 4 ideias para nos ajudar a celebrar esta importante data, a Reforma Protestante.
1. Obtenha uma cópia física da Bíblia e leia — começando com Romanos!
Quando Lutero traduziu o Novo Testamento para o alemão, foi um movimento revolucionário: as pessoas não precisavam mais depender daqueles que liam em latim para traduzir para eles, mas podiam ler por si mesmas.
Numa época em que temos Bíblias em todos os lugares, literalmente ao alcance de nossos dedos em nossos telefones, pode ser fácil esquecer as pessoas que dedicaram suas vidas para garantir que pudéssemos ler as Escrituras em nosso próprio idioma. Eu o incentivo a pegar uma cópia física da Bíblia, folhear as páginas e lê-la. Faça isso com coração agradecido, e perceba que ter sua própria cópia em um idioma que você possa ler é um presente monumental.
Se você está se perguntando por onde começar, que tal começar com o livro de Romanos, uma carta de Paulo que influenciou bastante e foi transformadora para Lutero. A passagem de Romanos 1:17 mudou a vida de Lutero: “O justo viverá pela fé.”
2. Reúna seus amigos para uma festa e exiba o filme Lutero
Se você nunca assistiu esse filme, eu o recomendo fortemente! Feito em 2003, Lutero é um excelente retrato dos eventos da Reforma. Embora alguns detalhes sejam destacados ou adicionados à narrativa, eles nos contam a maior parte da história. E, melhor ainda, é cativante. Eu mostro este filme para meus alunos todos os anos, e eles adoram. Eles batem palmas em algumas partes; choram em outras. E não querem que acabe quando chega ao fim. Essa é uma boa recomendação!
Este filme não é recomendado para menores de 13 anos, então coloque os pequeninos na cama esta noite, faça um pouco de pipoca e busque a melhor plataforma para conseguir assistir. Você ficará feliz por ter feito isso!
3. Reflita sobre o que Deus fez por meio de Seu povo — e como você pode fazer o mesmo!
O dia 31 de outubro é uma boa oportunidade para erguemos um monumento (1 Samuel 7) ou memorial (Josué 4) e dedicarmos algum tempo significativo para lembrar o que Deus fez entre Seu povo por meio de Lutero e daqueles que estiveram com ele.
O que tínhamos então era uma igreja sofrendo por anos de corrupção; vimos pessoas buscando união, mas não à custa da verdade. Tínhamos um homem disposto a enfrentar essa corrupção e vimos um punhado de apoiadores se unindo por trás desse ousado líder. O que isso significa para nós hoje? Aqui estão algumas perguntas para pensar e discutir com seus entes queridos esta noite:
Como devemos buscar ativamente a unidade e a verdade nas comunidades de nossa igreja local?
Quando é certo enfrentar a autoridade?
O que a obediência parece para você agora?
Quem é o seu grupo que vai encorajá-lo e defender a sua vocação
4. Separe um tempo para aprender mais sobre a Reforma Protestante
Uma última maneira de celebrar a Reforma seria passar um pouco de tempo aprendendo sobre os acontecimentos e os personagens importantes da época.
Comece procurando as 95 Teses. Em seguida, examine as questões que dominaram a Reforma, como indulgências, purgatório, o poder do papa e as cinco solas. Confira pessoas importantes como o Papa Leão X, Johann Tetzel, o Príncipe Frederico e Catarina de Bora. Todas essas pessoas desempenharam papéis importantes na vida de Lutero e na Reforma Protestante. Quem sabe até adicione algumas curiosidades da Reforma à sua noite! Conhecer essa história nos ajudará a apreciar o que aconteceu, e também a saber como os eventos da Reforma afetam nossas igrejas hoje.
Originalmente publicado no @ymi_today, que faz parte de Ministérios Pão Diário, em inglês. Traduzido e republicado com permissão.
SOBRE PÃO DIÁRIO
Por mais de 83 anos, somos um ministério cristão com a missão de fazer a palavra transformadora da Bíblia compreensível e acessível a todos por meio de recursos bíblicos. Contamos com 38 escritórios em todos os continentes e estamos presente em 150 países, com materiais traduzidos para 58 idiomas. Mais que um devocional, nós somos uma missão.
Ele é um dos personagens da série ‘Cidade Invisível’, que resgata lendas do folclore para discutir temas atuais
Leandro Karnal, O Estado de S.Paulo
Toda família que teve ancestrais morando em cidades do interior (na roça, como se dizia) conhece histórias. Cavalos que acordam com as crinas trançadas. Cozinhas que dormitaram imaculadas amanhecem reviradas. Roupas desaparecem do varal. Assobios são ouvidos na mata e ninguém consegue localizar sua origem. Porteiras que o proprietário tinha certeza de ter fechado aparecem abertas. Crianças apavoradas acordam aos berros de um sono tranquilo. Chapéus voam da cabeça de seus donos em dias sem vento. Lamparinas apagam do nada. Já ouviu uma dessas, estimado leitor e querida leitora? Conhece outras similares? Você certamente sabe de quem estou falando e conhece o autor de todas essas travessuras: o Saci-Pererê.
A lenda é antiga demais para sabermos sua origem. Remonta ao sul do Brasil em tempos do fim do período colonial, com relatos escritos no século 19. O grande folclorista Câmara Cascudo via na saltitante personagem de uma perna só uma ode à mestiçagem que nos formou. A mestiçagem é um mito brasileiro muito poderoso, cheio de problemas. Tende a adocicar o passado, esvaziar os preconceitos do presente e deixar invisíveis outras origens que não as do tripé Indígenas, Europa e África como constitutivos de nossa origem como nação. A ideia comporta críticas por um lado, mas, por outro lado, é também inegável que um violento processo que misturou tradições de múltiplos continentes ocorreu em nosso território. O Saci é produto dela. Tem nome indígena tupi-guarani e está ligado a “olho doente”. Pererê tem o mesmo radical de perereca: saltar. Um louquinho saltitante seria uma tradução com liberdade literária.
Cascudo fala-nos de o gorro vermelho, inconfundível, ter origem europeia. O caráter brincalhão também. Criaturas do norte de Portugal, como os trasgos, usavam um tipo de píleo vermelho que lhes dava poderes mágicos. Seria lusa também sua capacidade de se camuflar ou se transportar em redemoinhos. Desde o início da Modernidade, pelo menos, seres maléficos, diabólicos, podiam domar a esfera do ar e usá-la em seu benefício. Sim, nosso simpático herói é retratado, por vezes, não como um menino travesso, mas como um ente malvado.PUBLICIDADE
Na versão pesquisada e imortalizada por Monteiro Lobato, o Saci conta a Pedrinho, perdido na escuridão da noite, o caso do “menino do pastoreio”, um escravo extremamente bondoso e diligente que, nas mãos de um senhor violento e explorador, conheceu a tortura e a morte. Juntos, os meninos exploram outros mitos do folclore nacional e presenciam uma reunião de muitos sacis, alguns minúsculos, que brotavam na mata como trêfegos pirilampos. Pedrinho não havia conquistado a amizade do Saci de maneira gratuita. Pelo contrário, tinha-lhe armado uma arapuca e surrupiado seu gorro. Quem domina o barrete de um saci transforma-o em escravo de suas vontades: espécie de gênio da lâmpada, o Pererê teria que servir a quem o capturasse em uma garrafa arrolhada de forma especial. Daí vem a maior herança da lenda do Saci: as relações perversas da memória da escravidão, da sujeição dos negros à vontade de proprietários brancos. Atos de rebeldia à ordem estabelecida tornam-se malandragem, pilantragem, malvadezas ou travessuras.
Recentemente, um seriado fez enorme sucesso em nosso país, amealhando espectadores mundo afora: Cidade Invisível de Carlos Saldanha. A trama explora a vida de um detetive da polícia florestal que, tragicamente, perde a esposa e se vê envolto em mistérios que não consegue explicar. Descobre, incrédulo, que lendas que ouvira quando criança, como a do boto, da Cuca, do Curupira e tantas outras, desfilam diante de seus olhos e são reais. Não foi a primeira vez que a TV levou nosso rico folclore ao vídeo, mas fazia tempo que ele andava na geladeira, no fundo da sacola de inspirações de roteiristas por aqui. A repercussão da série foi tamanha que uma segunda temporada foi rapidamente confirmada. Pedidos de norte-americanos e da crítica europeia, para que extras fossem produzidos explicando os contextos e que fornecessem mais informações sobre aquelas criaturas míticas, mostram o potencial do ramo. Pererê apareceu nos capítulos de Cidade Invisível como um jovem pobre e periférico, com prótese de perna. Um dos grandes trunfos da série foi criar uma alegoria com base folclórica para questões bastante atuais e controversas: qual o custo da vida moderna? Pode haver crescimento sustentável? O quanto a natureza é impactada pela pegada humana? Podem as comunidades tradicionais conviver (ou até mesmo sobreviver) com o avanço inescrupuloso de nosso meio de vida urbano e descartável? Para fazer essas perguntas, o seriado colige lendas brasileiras associadas à vida rural tradicional, bucólica, com pouca luz elétrica, comunidades ribeirinhas e quilombolas, aldeias indígenas ao assalto das grandes cidades que as engolem. As personagens saem das matas e passam a naufragar no mundo urbano. E o Saci foi vítima do processo. Pode enriquecer… se a ideia continuar a fazer sucesso, mas pode sucumbir ao enredo que o deixa num beco sem saídas. Há esperança para o Saci?
*Leandro Karnal é historiador, escritor, membro da Academia Paulista de Letras, autor de A Coragem da Esperança, entre outros