sábado, 23 de outubro de 2021

RELATÓRIO DA CPI DA COVID ESTÁ CHEIO DE FAKE NEWS

 

Relatório Final
A vanguarda do atraso é um luxo caroVenha passar raiva comigo! Fiz uma análise técnica sobre as mais de 200 páginas em que a CPI da Covid fala sobre “fake news”.

Por
Madeleine Lacsko – Gazeta do Povo

O relator da CPI, Renan Calheiros, apresenta lista de indiciados na sessão final.| Foto: Roque de Sá/Agência Senado

Eu não deveria ter lido a parte sobre “Fake News” no relatório final da CPI da Covid. Não é que está errado, é que foi feito como se a gente vivesse na década de 1980, pré-redes sociais. O ecossistema da desinformação é complexo e já é extensivamente estudado, mas o relatório traz uma argumentação que tem a complexidade intelectual do Dollynho. Eu li todas as 221 páginas de delírio no capítulo 9 do relatório final. Não vou passar raiva sozinha, divido com vocês.

Ainda não decidi qual parte do relatório sobre “Fake News” é mais antiquada ou surreal. Tenho muitas opções, difícil escolher uma só. Quem mais ganhou com os conteúdos de desinformação simplesmente não atendeu pedidos de informação da CPI da Covid e ficou por isso mesmo. As medidas legais sugeridas foram declaradas em julho violação de Direitos Humanos pela ONU. Quem fez o relatório não tem a menor ideia do que sejam “Fake News”.

O cidadão comum não tem obrigação de saber dessas coisas, inclusive paga impostos altíssimos que sustentam quem teria a obrigação de saber. Por aí tem o barato que sai caro, aqui tem o caro que sai ainda mais caro. O relatório inteiro tem base no que seriam ou não fatos, no que é verdade ou mentira. Estivéssemos em 1970, seria pertinente. Ocorre que não estamos. Vida digital é um contexto que muda o equilíbrio de poderes independentemente do conteúdo.

Até uns 10 anos atrás, realmente a maioria das pessoas pensava que é possível combater esquemas de “fake news” ou campanhas de desinformação fazendo desmentidos. É algo importante para quem tem dúvida e está aberto a ouvir qualquer versão, mas essas pessoas não são as que produzem ou são massa de manobra em campanhas de desinformação. E essas campanhas não precisam mentir, podem ser feitas usando só verdades.

Confesso que tenho birra de CPI e dessa especialmente. Um sujeito foi preso por Renan Calheiros porque mentiu. Como explicar um adulto que consegue levar isso a sério depois dessa provocação cômica de alto calibre? Chama-se brasileiro. É bom que tenhamos acordado para a política, éramos apáticos. Agora falta avisar a galera que não é novela nem BBB, torcer para personagem e celebrar reviravolta tem consequências reais.

Começo destrinchando algo que é técnico. As expressões “fake news”, desinformação e propaganda amplificada são usadas pelo cidadão em inúmeros contextos, a língua é viva. No entanto, tecnicamente, têm significados precisos. Ao confundir os dois universos, o relatório se perde. Exemplos práticos. Imagine um documento do Judiciário que dissesse “o juiz não é competente para julgar” mas realmente colocasse em dúvida a capacidade do juiz. É por aí.

“Fake News” é algo que caiu na boca do povo como notícia falsa ou tendenciosa, feita por jornalistas, veículos de comunicação ou qualquer cidadão. No entanto, existe uma definição técnica e que não é da comunicação, é dos cientistas de várias áreas que pesquisam o tema. Tenho falado sobre isso em outros artigos.

Segundo publicação científica da editora Routledge unindo estudos de psicologia, neurologia, ciência de dados, cientometria, neuropsicologia e várias outras áreas, “Fake News” é um fenômeno de criação de realidade alternativa unindo fatos reais com relações falsas de causa e consequência. Exemplo anedótico: começo a comer um pão, o fulano ao lado olha para ele com cobiça e ele cai com a manteiga para baixo – logo, o olho gordo do fulano derruba pães.

Campanhas de desinformação podem utilizar o esquema de Fake News para mobilizar grupos. Ocorre que são necessariamente orquestradas e usam a boa fé de uma maioria para legitimar impressões errada que passam a ser críveis para um grupo. Fiz um artigo que praticamente desenha essas operações. Esse tipo de campanha sempre existiu, os métodos mais usados hoje são os criados pela União Soviética e lapidados para a era digital pelo governo Putin. Não são ferramentas ideológicas, são estratégias de aplicação suprapartidária.

Há, no entanto, um novo conceito que acaba demolindo toda a argumentação sobre “Fake News” da CPI da Covid: a Propaganda Ampliada. Campanhas de desinformação não precisam ser feitas com mentiras, podem ser feitas com verdades. A pesquisadora de Stanford Renée DiResta escreveu um paper sobre o tema recentemente e mostrou como verdades que mudam a pauta da imprensa distorcem a realidade tanto quanto mentiras. Não é conteúdo, é contexto.

Nós tendemos a ver propaganda como sinônimo de publicidade, mas são duas coisas diferentes. Publicidade é tornar algo público. Propaganda é moldar uma forma de pensar de acordo com interesses de um grupo. Tanto a desinformação quando a propaganda amplificada só são possíveis com a participação, geralmente involuntária, da imprensa tradicional. Pode parecer complicado, mas vou usar o exemplo da pesquisadora e você vai entender várias situações brasileiras.

Ela relata como a hashtag #PelosiMustGo mobilizou o noticiário nacional nos Estados Unidos. Nancy Pelosi é a democrata mais poderosa do país. Alguém que não gosta dela fez um tweet dizendo #PelosiMustGo, ela deveria sair. De onde? Por quê? Nunca se soube. Primeiro perfis robotizados começaram a espalhar a postagem legítima de um cidadão comum. Quando ela chegou aos Trending Topics, chamou a atenção de influenciadores.

Os influenciadores contra Nancy Pelosi ganharam o contraponto dos rivais. Eles postavam que “#PelosiMustGo to the White House” (Pelosi deve ir para a Casa Branca, ser eleita presidente). Logo havia uma tonelada de jornalistas das mídias tradicionais falando disso nas redes sociais. Então, surgiram artigos, entrevistas e debates na imprensa tradicional.

Uma discussão nacional envolvia grupos que se opunham ao defender que Nancy Pelosi deve ou não sair. De onde? Por quê? Não se sabe. Mas o debate público foi sequestrado para analisar a questão. Não houve mentira, eram opiniões. Ocorre que era apenas um embate nas redes, não uma questão real. Propaganda Amplificada é uma forma de desinformar porque leva a crer que algo é uma questão urgente quando nem é uma questão. Pense bem: quantas vezes você viu isso durante a pandemia?

O relatório da CPI da Covid, no entanto, ignora toda a produção científica sobre “Fake News”, desinformação e Propaganda Amplificada. Tem um capítulo inteiro em que tenta opor fatos a mentiras, ignora a mediação feita pelos algoritmos das redes sociais e a possibilidade de distorção da realidade sem o uso de mentiras. É um documento fundado em negacionismo científico que tenta exigir condenações penais por negacionismo científico. Interessante.

Como eu tenho aflição de passar raiva sozinha, vou transcrever trechos do relatório para ter sua companhia. “Mais uma vez, manifestamos nosso repúdio à perniciosidade dessa prática, que permite ganhos com base simplesmente no volume de audiência, sem ter qualquer preocupação com o conteúdo difundido. Para aumentar seus lucros, os titulares desses canais, páginas e perfis desenvolveram até mesmo técnicas para testar em sua audiência que tipo e forma de conteúdo geram mais engajamento e, portanto, mais retorno. Disso, resulta um uso cada vez mais acentuado do sensacionalismo como forma de promoção de seus conteúdos e da falsidade como meio de produzi-los”, diz o relatório.

Cerca de 70% das visualizações de conteúdos em redes sociais ocorrem por sugestão dos algoritmos das plataformas, não é algo espontâneo. O relatório trata a questão como se algo postado em redes sociais realmente atingisse o público porque aquilo é atraente, como se fosse uma televisão. Ocorre que não vemos aquilo que decidimos seguir nem nossos seguidores vêem tudo o que postamos. A maioria dos posts que vemos não é o que escolhemos ver, é o que as redes sociais escolhem com base no que nos causará mais reação.

Ao tratar do ecossistema antivacina, um mercado bilionário onde quem mais lucra são as Big Techs, o relatório da CPI da Covid absolve as redes sociais. Aliás, é interessante que o relatório em si seja uma peça de desinformação baseada em fake news. Há dois fatos e cria-se uma relação de causa e consequência imaginada, mas colocada como certeza. Ignorar o funcionamento do universo digital leva a ser massa de manobra na desinformação.

“Como consequência desse discurso, citamos resultados de pesquisas de opinião realizadas pelo Datafolha, que demonstram que o percentual de brasileiros que não pretendiam se vacinar aumentou de 8%, em agosto de 2020, para 23%, em dezembro de 2020, após os polêmicos pronunciamentos do chefe do Poder Executivo”, diz o relatório. O percentual de brasileiros que não pretendia se vacinar aumentou em agosto de 2020? Sim, é fato. O presidente faz discurso antivacina igual natureba dos anos 1990? Sim, é fato. Isso pode ter influenciado na vacinação? Pode, mas não é o único fator. Além disso, ele está até hoje falando contra vacina e o percentual de vacinados é maior do que o previsto em pesquisas de opinião ano passado. Fake News raiz, parabéns CPI!

Tem mais. “Ou seja, quanto mais enganam sua audiência, mais benefícios econômicos obtêm, a despeito das nefastas consequências que vêm causando na pandemia. Como já observado, isso decorre da usurpação e do desvirtuamento do processo de monetização das plataformas digitais realizado por essas pessoas, que auferem ganhos com base na quantidade de visualizações de suas páginas, na cobrança de assinaturas, na venda de produtos e nas doações de seus seguidores, a despeito do conteúdo fraudulento que propagam” (grifo meu), diz o relatório da CPI da Covid.

A CPI da Covid afirma, num documento oficial, que é possível USURPAR e DESVIRTUAR o processo de monetização das plataformas. Se quem determina as regras de distribuição de conteúdo e impulsionamento são as plataformas, por meio de algoritmos que controlam e não revelam, como é que burla isso? Mágica, demanda espiritual, força do pensamento? A CPI afirma que é preciso conter mentiras vendidas como verdade, mas também faz isso. Complicado.

Agora uma pérola. “Diante dessas evidências, também resta patente a responsabilidade das redes sociais e das plataformas digitais na difusão das fake news. Como os algoritmos usados por essas empresas não levam em consideração o teor desinformativo das postagens, eles acabam estimulando os abusos por meio de suas plataformas. Dessa forma, é imprescindível endurecer as regras de publicação de conteúdo e monetização de seus titulares, impedindo que tais artifícios sejam empregados para atentar contra a saúde pública ou qualquer outra finalidade contra o interesse público”, (grifo meu) diz o relatório.

Gente, eu vou levar essa galera da CPI da Covid no Congresso dos Estados Unidos, Austrália, União Europeia, China e Taiwan. Aliás, vou levar até em Gana, que briga com as Big Techs em cortes norte-americanas. Os caras descobriram o que o algoritmo leva em conta sendo que isso jamais foi divulgado por nenhuma empresa. Se eu fosse autora do relatório da CPI, já diria que é Fake News. Mas isso seria maldade, foi telepatia mesmo.

Suponhamos que a galera da CPI da Covid tenha vivido os últimos 10 anos trancada numa caverna no Afeganistão. É o recurso mental que utilizo para compreender como o relatório não atribui responsabilizações levando em conta o explosivo depoimento de Francis Haugen, delatora do Facebook que está apoiando investigações no Congresso dos Estados Unidos. Ela disse que a rede social sabe sim que seu algoritmo impulsiona propositalmente desinformação, mas está num beco sem saída. Se mudar, quebra. Com ela quebram milhões de empresas que dependem do ecossistema Whatsapp/Instagram/Facebook.

O relatório mostra quando influenciadores brasileiros ganharam com conteúdo antivacina. Não é muito preciso, porque classifica como antivacina até mesmo dizer que as vacinas são experimentais. E elas são mesmo, os cientistas e as próprias fabricantes explicam isso. Existe um ecossistema antivacina, com pratos feitos para toda ideologia, dos progressistas veganos aos mais conservadores.

A indústria de produção de conteúdo antivacina é lucrativa desde antes da pandemia. Já são organizados e até fazem reuniões anuais do setor como fazem, por exemplo, a indústria automotiva, farmacêutica, de moda, etc. Nos Estados Unidos, a quase totalidade do conteúdo é produzida por 12 canais. Juntos, eles lucraram em 2020 só com conteúdo online US$ 36 milhões. Quanto as redes sociais lucraram com o conteúdo produzido por eles? US$ 1,1 BILHÃO. A CPI perguntou às redes sociais quanto elas lucraram com conteúdo antivacina? Não. Nem perguntou.

“Dados do Google AdSense que constam em levantamento feito pelo Ministério Público Federal encaminhado à CPI apontam que alguns canais no YouTube com perfis bolsonaristas receberam cerca de US$ 1,1 milhão em 740 monetização dos vídeos pela plataforma. Na tabela a seguir é possível perceber que um dos investigados monetizaram aproximadamente meio milhão de dólares em pouco mais de dois anos, divulgando conteúdos pró-governo Bolsonaro, enquanto dois outros receberam no mesmo período trezentos mil dólares. Entre os canais mais lucrativos, estão o Folha Política (mais de US$ 486 mil), Vlog do Lisboa (US$ 87.012,29) e o canal do Roberto Boni (US$ $32.120,43)” diz o relatório.

Monetização não depende de talento, depende de produzir o conteúdo que as redes sociais decidem distribuir porque mantém os usuários mais tempo na plataforma. Atualmente, 70% das visualizações de vídeos no YouTube é feita por sugestão do algoritmo, aquele vídeo que vem depois automaticamente ou os demais que aparecem ao lado quando você busca. Estudos da NYU e de Cambridge mostravam algo confirmado pela delação do Facebook: postagens que geram embates entre dois grupos viralizam 75% mais.

A CPI da Covid perguntou ao Google quanto das visualizações desses canais foram feitas via busca espontânea e quantas foram feitas porque o próprio YouTube sugeriu esses vídeos? Não. A CPI da Covid perguntou ao Google quando o YouTube lucrou com esses vídeos que geraram aos produtores de conteúdo quase meio bilhão de dólares? Também não. Agora vai, né?

Tem mais. “Abaixo, são apresentadas fake news publicadas por esses veículos ao longo da pandemia. Para isso, contou-se com a colaboração dos internautas que fizeram denúncias e também com a valiosa contribuição dos integrantes e colaboradores voluntários do grupo de Telegram Camarote da CPI. A lista de desinformação encontrada e publicada por esses sites não deixa dúvidas sobre a necessária responsabilização futura desses agentes e a adoção de medidas para evitar a proliferação e livre atuação de disseminadores de fake news, escondidos sob os valiosos princípios constitucionais da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão”, diz o relatório.

A sensação que eu tenho ao ver o povo da CPI da Covid nas redes sociais é a mesma de soltar criança de 2 anos sozinha no mar. O Telegram é, atualmente, a rede social legalizada que mais preocupa especialistas em democracia e combate ao terrorismo. Ela foi fundada na Rússia, mudou-se para os Emirados Árabes Unidos e não obedece nenhum protocolo de segurança que faça sentido no ociente. Aliás, nem atende reclamos de autoridades ocidentais mesmo em casos de terrorismo.

A CPI da Covid municiou-se de informação por meio de canais inexperientes em política mas bem intencionados, criados por cidadãos nas redes sociais. Essas contas anônimas noticiavam a CPI, não faziam fake news nem desinformação. Foram, no entanto, massa de manobra importante para a Propaganda Amplificada que garantiu a manutenção do ambiente de desinformação. Eles abriram um grupo no Telegram, a rede legalizada mais problemática e o que apareceu lá entrou no relatório. É como criança que entra em carro de estranho para pegar doce.

O tiro de misericórdia: propostas legislativas
A repercussão do relatório final da CPI da Covid em si é um exemplo lapidar de como a Propaganda Amplificada é o instrumento mais importante da desinformação. O que a gente mais ouviu? Os crimes pelos quais Bolsonaro foi indiciado. CPI indicia? Não. CPI sugere indiciamento aos órgãos competentes. Onde a CPI pode agir? No Congresso. Então vamos a essa ação fantástica que eu não vou passar raiva sozinha por pagar esse naipe de trabalho.

“Esta Comissão analisou quase uma centena de proposições, que estão em andamento no Congresso Nacional, com vistas a coibir a disseminação de fake news, especialmente quando ela ocorre por meio das redes sociais. As propostas analisadas buscam preencher as lacunas existentes no ordenamento jurídico por diversos meios. O primeiro é a tipificação da conduta de produzir ou disseminar notícia falsa no âmbito do Direito Penal. Diversos projetos fazem essa abordagem, o que nos permite concluir ser este um espaço relevante para aprimoramento da legislação brasileira.” (grifo meu), diz o relatório.

Tem mais: “Na esfera do Direito Eleitoral, a infração já foi devidamente caracterizada com o advento da Lei nº 14.192, de 4 de agosto de 2021, que tornou crime divulgar, na propaganda eleitoral ou durante período de campanha eleitoral, fatos que sabe inverídicos em relação a partidos ou a candidatos e capazes de exercer influência perante o eleitorado”, diz o relatório. Essa lei eu tenho paixão. Se a pessoa divulga fatos inverídicos mas diz pensar que eram verdade, então não aplica. Se não se prova cabalmente sua capacidade de influenciar o eleitor, também não se aplica. E a gente pagou por isso.

Na contramão de todas as propostas legislativas mais avançadas do mundo sobre manipulação digital, a CPI da Covid propõe criminalizar a mentira. Mentir é maligno, concordo. Se fosse possível conter mentira por lei, ela já teria sido extinta da humanidade. Já há leis para reparar danos causados por mentiras e distorções. Eu, aliás, uso bastante. Ocorre que isso não tem a ver com fake news. A CPI diz literalmente que Fake News são notícias falsas, ou seja, nem sabe sobre o que está legislando.

Tem mais. Pelo tanto que a gente pagou por isso, vocês merecem passar raiva junto comigo. “Também devem ser apresentadas propostas por esta Comissão sobre a identificação não apenas de usuários e perfis nas redes sociais, mas também na publicação de páginas na internet, por meio de domínios próprios, por exemplo. Assim, não apenas as aplicações de redes sociais precisariam dispor do cadastro completo e atualizado de seus usuários, mas também empresas de registro de domínio, hospedagem de conteúdo e elaboração de páginas e sites na internet”, diz o relatório.

Eu quase caí da cadeira quando li que a CPI da Covid recomenda fazer uma lei em que empresas de registro de domínio tenham o cadastro do usuário. Isso já é obrigatório e feito pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil, criado por lei há quase 20 anos e com participação do governo. Sabe a página Registro.br? Todo mundo que tem site sabe que seus dados ficam lá, não tem como criar site no Brasil sem aprovação do CGI, que exige todos os nossos documentos. Confira os órgãos governamentais que fazem parte do Comitê Gestor da Internet:

É verdade que o Congresso Nacional não participa do Comitê Gestor da Internet. No entanto, é dever dos parlamentares fiscalizar a atuação do Poder Executivo. A CPI da Covid, a mais badalada na internet, resolveu ditar regras sobre internet. Mas o pessoal não sabe nem o que o próprio governo faz nessa área, sendo que é dever deles fiscalizar? Por isso me ufano do meu país. Orgulho, viu?

Aqui, a cereja do bolo. “Ainda que em certos casos o uso de contas anônimas seja justificável, tal como forma de proteção a pessoas vulneráveis, a regra geral a ser observada, conforme inscrita na própria Constituição, é que o exercício da liberdade de expressão esteja condicionado à vedação do anonimato. Somente a partir da devida identificação do eventual infrator é que se pode responsabilizá-lo por seus atos e exigir a reparação dos danos causados. Assim, alguns projetos procuram aumentar a responsabilidade dos provedores de aplicação de internet, uma vez que já se sabe que essas empresas dispõem de recursos tecnológicos para, no mínimo, restringir o alcance de conteúdos maliciosos”, diz o relatório.

Como em todo bolo, vamos por partes. A primeira é a confusão entre anonimato e pseudônimo. Contas anônimas não existem, o que existe é a negativa das redes sociais em fornecer as identidades nos países que, como o nosso, proíbem manifestação anônima. Todo usuário é identificado pelo IP. “Ah, é só pedir judicialmente”, dizem os inocentes. Vai lá pedir, eu já fui. As redes não fornecem. Aliás, não forneceram nem para a própria CPI da Covid, que pediu. Ficou por isso mesmo.

A CPI da Covid diz que “somente a partir da devida identificação do eventual infrator é que se pode responsabilizá-lo por seus atos e exigir a reparação dos danos causados” e aqui concordo 200%. Ocorre que a distribuição de conteúdo é feita pela própria rede social segundo regras que ela própria cria. Então um infrator já tem, é a própria rede social. Foi identificada? Foi. O que a CPI fez? Nada. Aliás nem exigiu que parasse de ocultar os demais infratores.

Muita gente, manipulada pelos advogados das redes sociais, cai na balela da comparação entre a atividade delas e as companhias telefônicas. “Então vão punir a companhia telefônica porque o sistema dela foi usado durante um sequestro? Agora vão ter de ouvir todas as conversas?”, costumam perguntar os manipulados. Ocorre que as redes sociais já ouvem, coletam todo tipo de dado, sistematizam e usam para os próprios interesses. Eles já estão ouvindo todo mundo, mas convencendo de que não têm nada com isso.

Ocorre que a solução proposta pela CPI da Covid para enquadrar as Big Techs, só dá mais poder a elas e é oficialmente considerada uma violação de Direitos Humanos pela ONU. É um conteúdo público desde julho sobre legislação, mas nossos legisladores não sabem disso? Ou propositalmente estão propondo violar Direitos Humanos? No bingo do que há de errado com as legislações de combate à desinformação, o Brasil tem o orgulho de preencher a cartela de primeira.

Termino com o último parágrafo da CPI da Covid sobre Fake News: “Espera-se que condutas de criação, disseminação e impulsionamentos automatizados de notícias falsas passem a ser tipificados e imponham penas capazes de coibir a prática criminosa de desinformar para obter ganhos financeiros, pessoais ou políticos. Afinal, está mais do que comprovado que fake news matam”, conclui o relatório.

Eu gostei da lacradinha “Fake News matam”. Quem lê até vai pensar que esse povo sabe o que são fake news, boa ideia. E a CPI espera que algo seja feito. Quem espera sempre alcança, né, Brasil? Falta só alguém avisar os nobres senadores que eles não são pagos para esperar, são pagos para fazer. De preferência fazer direito.


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LIBERALISMO

 

Por
Bruna Frascolla – Gazeta do Povo

Shocked female holding menstrual cup and sanitary pad in hands, decides what to choose for period, stands with open mouth, feminine hygiene product during period, blood absorbent for girls.

| Foto: BigStock

No século XVII deu-se, na Inglaterra, um fenômeno que marcaria para sempre a História Ocidental. O filósofo John Locke percorreu as ruas de Londres mostrando a sua invenção: o modess. Antes de Locke, as fêmeas da espécie humana viviam na mais absoluta indignidade, num problema conhecido desde tempos bíblicos como “pobreza menstrual”. Antes de Locke inventar o modess, as pessoas com vagina não aprendiam a ler, pois não iam à escola. Não trabalhavam, pois não podiam sair de casa. Viviam assim reclusas como as fêmeas humanas das teocracias islâmicas, que não têm modess, aí ficam dentro de casa.

De posse do modess, John Locke foi ao rei dizer: “Vossa Alteza Real deveríeis usar os impostos arrecadados para comprar modess e distribuir às vossas súditas que padecem de pobreza menstrual.” O rei achou uma brilhante ideia, criou o Imposto do Modess e colocou John Locke como Superintendente de Modess, cuidando do fabrico e compra do objeto.

Infelizmente os súditos, reacionários e obscurantistas, se revoltaram e disseram que não queriam pagar mais impostos. Exigiram que o rei só os criasse mediante autorização do Parlamento por eles eleito. Aí o Rei olhou para aquilo, disse “Isso é discurso de ódio” e mandou todo mundo pra prisão.

Esse evento passou à História com o nome de Revolução Gloriosa, e a doutrina que dele emergiu chama-se Liberalismo. Desde então a Civilização Ocidental progride graças à distribuição de modess para pessoas que menstruam e à prisão de quem pratica discurso de ódio.

Post scriptum
Se alguém achou que este texto não corresponde à realidade dos fatos, peça esclarecimentos ao Movimento Brasil Livre, ao Livres e ao Partido Novo. Mas peça com jeitinho e muita humildade, para não passar por bolsonarista e ser enquadrado em discurso de ódio.

Esses grupos, que tomam a palavra “liberalismo” como um rótulo elogioso a ser outorgado ou cassado, estavam até o presente mês jurando que a distribuição estatal de absorventes descartáveis era super compatível com o liberalismo e que quem discorda é mau como um pica-pau – ou seja, um abominável bolsonarista. E contra bolsonarista pode tudo, afinal, é para combater o ódio.

Nem bem defenderam um projeto estatista tão suscetível à corrupção, passaram a cassar (pela enésima vez) o título de liberal de Bolsonaro – que não se elegeu com crachá de liberal puro sangue. Se o Brasil quisesse um liberal puro sangue, teria votado em Amoedo. Que a esta altura bem poderia estar fazendo uma deskulakização, que os “liberais” fundamentariam com alguma citação da fase socialista de Mill ou com apelos retóricos à igualdade de oportunidades. Os kulaks seriam acusados de discurso de ódio e de fake news.

As autoridades querem prender mais um cidadão brasileiro, sem o devido processo legal, por crime de opinião. E os “liberais” não têm nada a dizer sobre isso. Porque compatível com o liberalismo é bolsa modess, mas não liberdade de expressão, nem devido processo legal, nem divisão do poder.


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OS MÉDICOS E O COMBATE AO VÍRUS DA PANDEMIA

 

Pandemia

Por
Alexandre Garcia – Gazeta do Povo

20 novos leitos de UTI Covid ativados no Hospital Universitário de Ponta Grossa – Curitiba, 20/03/2021 – Foto: Aline Jasper (UEPG)

Médicos tiveram que enfrentar desafio em meio ao pânico e à emergência da pandemia.| Foto: Aline Jasper/UEPG

Nesses últimos 20 meses, nenhum profissional esteve tão perto do coronavírus quanto o médico. Como segunda-feira (18) foi o dia consagrado ao médico, é oportunidade de lembrar que foram tempos dramáticos, tempos de provações e de muito aprendizado para essa nobre profissão. Um amigo médico me diz que nunca valeu tanto a pena ser médico em sua inteireza, como nesses meses. Tempos de um vírus novo, com características imprevisíveis, que causou uma doença nova também imprevisível, a ponto de se suspeitar que não seja obra da natureza. Enfim, é um vírus que saiu de um laboratório e, estimulado, abriu-se em variantes de consequências e graus de contaminação diferentes.

Desde Hipócrates, o pai da Medicina, se conhece o juramento que os formandos repetem cada ano, de buscar o bem do paciente. O Código de Ética Médica traduz o juramento, estabelecendo que é vedado ao médico causar dano ao paciente, por ação ou omissão. A Declaração de Helsinque, da Associação Médica Mundial, diz que é dever do médico promover e salvaguardar a saúde de seus pacientes, e detalha os cuidados sobre a pesquisa que envolve seres humanos. Nesses 20 meses, todos os dias foram de experiências e pesquisas, ante um novo inimigo, desconhecido e perigoso. Os médicos tiveram que enfrentar esse desafio em meio ao pânico e à emergência da pandemia.

Os mais de 500 mil médicos brasileiros não fugiram dessa guerra. Muitos morreram, assim como médicos foram infectados e grande número teve perdas em sua própria família. Como tantos brasileiros, médicos também foram afetados psicologicamente, por causa das imensas pressões a que foram submetidos. Mas não esmoreceram, continuam no front dos hospitais, nas trincheiras das clínicas, experimentando, observando, pesquisando, conferindo sintomas, consequências e, sobretudo, amenizando o sofrimento e salvando vidas.

A estatística informa que quase 21 milhões de infectados foram salvos. Imagino que haja outro tanto de curados que não foram sequer registrados – e outro grupo de brasileiros que recebeu indicações médicas que impediram maior ação do vírus. Milhares de médicos trabalharam sob a pressão da política que se intrometeu na medicina; foram incompreendidos, perseguidos, injuriados, mas se mantiveram fiéis ao juramento ético de buscar tratamento com todos os meios, aos primeiros sinais de uma doença, de comum acordo com o paciente. Esses têm a consciência de que a luta vale a pena, porque certamente salvaram milhões. A esses a nação deve o reconhecimento. Aos que mandaram o paciente para casa com dipirona, até que sentisse falta de ar, enviemos uma bondosa compreensão, porque não encontraram força para se rebelar contra a voz corrente. Ficarão com suas consciências.


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O TETO DE GASTOS DO GOVERNO VAI DURAR 20 ANOS

 

Editorial
Por
Gazeta do Povo

Bolsonaro deseja pagar um auxílio de R$ 400 para as famílias carentes em 2022, ano eleitoral, e determinou que o ministro Paulo Guedes encontre espaço no Orçamento: saída será mudar correção do teto de gastos.| Foto: Julio Nascimento/Presidência da República

O teto de gastos, o mecanismo que impede a despesa governamental de aumentar mais que a inflação, foi a primeira reforma econômica importante instituída no governo de Michel Temer, ainda em 2016. Era uma resposta à gastança desenfreada da “nova matriz econômica” petista, um modelo que destruiu o país, lançando-o na maior recessão da história do Brasil – e que teria terminado em desastre ainda que não tivesse havido nem a corrupção desenfreada que marcou a passagem do PT pelo poder, nem as maquiagens orçamentárias que levaram ao impeachment de Dilma Rousseff.

As vantagens do mecanismo não são difíceis de entender. O teto é um freio para gestores que acreditam na geração espontânea de dinheiro público e gastam como se não houvesse amanhã, o que mais cedo ou mais tarde gera inflação, desvalorização da moeda, recessão e desemprego, como ocorreu em 2015-2016. Em tempos de vacas gordas, quando o país e a arrecadação crescem, ou quando surgem receitas extraordinárias – por exemplo, oriundas de alguma privatização –, o teto impede que a despesa aumente no mesmo ritmo, permitindo que os recursos adicionais sejam usados, por exemplo, no abatimento da dívida pública ou em uma poupança para temos mais complicados.

O problema não está na instituição de um programa social, mas na insistência em violar as regras de saúde fiscal para que ele seja viabilizado

Pode-se até discutir se foi boa estratégia aprovar o teto de gastos antes da reforma da Previdência, já que sem mudanças no sistema previdenciário o pagamento de aposentadorias e pensões aumentaria muito acima da inflação, absorvendo fatias sempre maiores do orçamento. Da mesma forma, é possível questionar se não seria melhor “desengessar” antes o orçamento, dando maior margem de manobra aos gestores, antes de implantar uma ferramenta de limitação do gasto global do governo. O que não é possível, no entanto, é questionar o papel do teto como medida positiva em um país conhecido por décadas de irresponsabilidade fiscal.

Esta é a razão pela qual foram tão preocupantes as últimas declarações de Paulo Guedes a respeito da relativização do teto para que seja possível implantar um Auxílio Brasil de R$ 400 em 2022, como deseja o presidente Jair Bolsonaro. O ministro da Economia, até agora defensor intransigente da âncora fiscal, propôs medidas que, na prática, significavam contornar o teto: ou uma revisão antecipada do mecanismo, o que estava previsto para ocorrer apenas em 2026, ou um “waiver” de R$ 30 bilhões – um termo elegante para se abrir um rombo no teto. No fim, a solução encontrada foi alterar o intervalo de medição da inflação para calcular o reajuste do teto e inserir essa mudança na PEC dos Precatórios, aprovada em comissão especial na quinta-feira.


Fernando Jasper: Chegou o dia: Guedes admite às claras furar ou mudar teto de gastos para atender ao chefe
A reação do mercado financeiro foi semelhante à de terça-feira: bolsa em queda e dólar em nova disparada tanto na quinta quanto na sexta-feira, reflexos de maior desconfiança em relação ao futuro fiscal do país. Além disso, quatro secretários da equipe de Guedes, todos ligados às áreas de Orçamento e Tesouro Nacional, pediram demissão, em um movimento que lembra a saída de dois membros importantes da equipe econômica, Salim Mattar e Paulo Uebel, em agosto do ano passado.

No meio desta discussão, é preciso evitar uma falsa dicotomia entre a ajuda aos brasileiros mais vulneráveis e o ajuste fiscal, como se o problema fosse simplesmente o auxílio de R$ 400. Qualquer brasileiro sabe da importância deste dinheiro para os mais pobres, e todos recordam como o auxílio emergencial de R$ 600 foi essencial durante a pandemia. O problema não está na instituição de um programa social, mas na insistência em violar as regras de saúde fiscal para que ele seja viabilizado porque é “impossível” encontrar os recursos dentro do orçamento, sem precisar recorrer a truques para burlar o teto de gastos – truques que destroem a confiança no país e têm tudo para seguir puxando inflação e juros para cima, prejudicando o crescimento e a geração de emprego, e aumentando as chances de estagnação da economia em 2022.

O teto de gastos, por mais lógico e saudável que seja, é o inferno para políticos porque os força a reconhecer que o dinheiro público não é ilimitado e a fazer escolhas

“Impossível” entre aspas, porque o dinheiro existe. O que não existe é a disposição em fazer os cortes em outras despesas para que aquele recurso seja redirecionado ao Auxílio Brasil. O teto de gastos, afinal, por mais lógico que seja, por mais saudável que seja para a gestão das contas públicas, é o inferno para políticos porque os força a reconhecer que o dinheiro público não é ilimitado e a fazer escolhas – escolhas que sempre deixarão descontentes: aliados políticos e parlamentares gulosos por emendas, grupos de pressão, corporações, alguém deixará de ser contemplado em algum momento. É verdade que todo o engessamento atual do orçamento limita o poder de escolha do gestor, deixando uma parte pequena dos recursos públicos para que ele decida como aplicá-lo, e por isso é essencial retomar o debate sobre os “três Ds” (desvincular, desindexar e desobrigar) propostos por Guedes desde o início do mandato. Mas nem isso justifica o abandono do ajuste fiscal.

Em agosto de 2020, o então colunista da Gazeta do Povo Fernando Schüler escreveu que “uma economia bem arrumada é um bem que interessa especialmente aos mais pobres”. Um país que coloca contas em ordem mostra ser porto seguro para investimentos que geram emprego e renda, impede a desvalorização da moeda (o real enfraquecido tem sido um dos principais motivos para a disparada da inflação, que é especialmente cruel com os mais pobres) e permite crescimento constante e sustentável, em vez de “voos de galinha”. Não é preciso escolher entre ajuste fiscal e políticas de auxílio aos mais vulneráveis, mas conciliar as duas prioridades exige inteligência na gestão do recurso público e coragem para fazer escolhas difíceis, mas necessárias.

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CNMP ALERTA CONTRA CONTROLE POLÍTICO

 

MP sob pressão

Por
Renan Ramalho – Gazeta do Povo
Brasília

Plenário do CNMP durante sessão de julgamentos; após duras decisões recentes, composição vai mudar| Foto: Sergio Almeida/CNMP

A rejeição temporária, pela Câmara, da proposta de emenda à Constituição (PEC) que aumenta a influência dos políticos sobre o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) não fez diminuir, entre procuradores e promotores, o temor de perseguições por causa da atuação deles no combate à corrupção. A recente decisão do CNMP de demitir o procurador Diogo Castor de Mattos, ex-integrante da Lava Jato do Paraná, na última segunda-feira (18), foi interpretada internamente como um recado para quem ousar investigar políticos.

Nesta semana, outras duas decisões chamaram a atenção dos procuradores: a abertura de um processo disciplinar que pode demitir também 11 procuradores que atuaram na Lava Jato do Rio de Janeiro; e também a suspensão, por 45 dias, do promotor do Mato Grosso Daniel Balan Zappia, que investigou fazendas da família do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes.

O clima de alerta tomou conta dos procuradores porque eles consideram que, em todos esses casos, há uma desproporcionalidade nas punições, inclusive à luz de decisões do próprio conselho. “De fato, há um ambiente de preocupação. Isso varia muito de colega a colega. Mas quando vêem situações como essa do Rio de Janeiro, ou do Diogo, a sensação é de alerta”, diz o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Ubiratan Cazetta. “O clima não é bom. Mas quando falo isso não quero dizer que as pessoas estão ameaçadas com terror”, pondera, por outro lado.

Alguns procuradores ouvidos pela reportagem — de forma anônima, por medo de retaliações — consideram que as sanções servem para mostrar que o CNMP não é corporativista nem favorece a impunidade dos membros do MP, numa tentativa de quebrar o discurso que motivou a PEC que muda a composição do órgão. A demissão de Diogo Castor, nesse sentido, seria simbólica, “um exemplo para pendurar em praça pública”, disse um um deles à Gazeta do Povo.

Para outros procuradores, a decisão só confirma a existência, atualmente, de uma maioria de conselheiros dentro do CNMP que, sob influência de políticos, já atua de maneira hostil à Lava Jato e outros procuradores mais combativos na investigação da corrupção. “O clima está muito ruim e hostil. Isso faz com que os procuradores queiram ficar com a cabeça dentro da água. Se tirar, vão tomar pancada”, diz outro procurador.

A avaliação é que nos últimos anos, a notoriedade alcançada pela Lava Jato, na mídia, nas redes sociais e nas ruas, motivou uma “vingança” por parte do mundo político. Não à toa, as principais punições aplicadas pelo CNMP nos últimos anos voltam-se não contra a atuação em si dos procuradores da operação nos casos, mas por manifestações públicas que fizeram sobre o combate à corrupção.

O ex-coordenador da extinta força-tarefa no Paraná Deltan Dallagnol, foi punido duas vezes, com censura e advertência, porque criticou, em tuítes, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) e, numa entrevista, alguns ministros do STF. Ele teve de deixar a operação por questões familiares enquanto tramitavam outros processos para demiti-lo, por causa de palestras sobre a operação e de uma apresentação de PowerPoint sobre denúncia contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Diogo Castor foi punido porque pagou um outdoor em Curitiba que elogiava o trabalho dos colegas.


O caso de Diogo Castor
O procedimento que levou à aprovação da pena de demissão do procurador Diogo Castor é ilustrativo. O outdoor ficou exposto durante poucos dias em meados do mês de março de 2019. Uma semana depois, um pedido de apuração sobre o caso chegou ao CNMP, mas foi arquivado em abril daquele ano. A corregedoria interna do próprio MPF também apurou o caso, mas arquivou o processo disciplinar por prescrição, em razão da pena branda que seria aplicada, de censura.

O processo no CNMP só foi reaberto em agosto, depois que o hacker Walter Delgatti Neto, acusado de interceptar ilegalmente conversas dos procuradores de Curitiba, foi preso e afirmou, em depoimento, que Diogo Castor havia bancado o outdoor — o procurador já havia admitido isso para os colegas em março e se afastou da operação por um quadro de depressão, à época. Quem desarquivou a fiscalização foi o conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello, que ingressou em 2018 no CNMP com o apoio de Renan Calheiros.

Além do depoimento de Delgatti, também alimentou a apuração o interrogatório de João Carlos Queiroz Barbosa, um simpatizante da Lava Jato em nome do qual o contrato do outdoor foi assinado. Ele disse aos policiais que desconhecia a contratação. Segundo a defesa, o depoimento ocorreu no inquérito das fake news, o que, na visão dos advogados, não poderia ser feito, uma vez que seu objetivo era investigar ataques aos ministros do STF, sem relação com o outdoor.

No julgamento do processo, iniciado em setembro deste ano, a relatora do caso, Fernanda Marinela, rejeitou essas objeções, lembrando que o próprio Diogo Castor havia confessado ter pagado pelo outdoor. Optou, no entanto, pela pena de demissão, a mais dura, por considerar que o procurador também pode ter cometido ato de improbidade administrativa, porque teria violado princípios da impessoalidade e moralidade.

“Irrefutável que a conduta perpetrada pelo requerido implicou ato de improbidade administrativa, na modalidade violação dos princípios da Administração Pública, consistente na propaganda pessoal realizada pelo imputado, em razão de seu cargo público e tendo agido de forma escondida, desprestigiando os valores soberanos da Administração”, afirmou em seu voto.

A decisão pela demissão foi apertada: 6 votos a 5, com um desempate, no final, pelo vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros. A ala vencida aderiu ao voto do conselheiro Silvio Amorim, oriundo do próprio MP, que argumentou que deveria ser aplicada uma pena mais brada, de suspensão do cargo por 16 dias. Ele citou decisões recentes do conselho, de casos mais graves, também de improbidade — de assédio moral e desvio de verbas, por exemplo — em que a demissão foi descartada. Argumentou que o fato de Diogo Castor ter bancado um outdoor não representa uma atuação irregular em sua atividade-fim, como procurador da República.

Apesar da sentença, a efetivação só pode ocorrer após uma decisão na Justiça. A defesa de Diogo Castor de Mattos ainda pode recorrer ao próprio CNMP. Se o órgão negar o recurso, será aberto um processo judicial de demissão, dentro do qual o procurador poderá novamente se defender para impedir a dispensa.


Renovação no CNMP é “esperança” de dias melhores
Apesar do “clima ruim” mencionado por Ubiratan Cazetta, da ANPR, vislumbra-se uma possível mudança na atual postura do CNMP por causa de uma grande recomposição de seu quadro. Nesta semana, vários dos atuais conselheiros encerraram seus mandatos e agora, das 14 cadeiras do órgão, nove estão vagas e deverão ser novamente preenchidas.

Serão cinco novos indicados pelo MP, dois pela Ordem dos Advogados do Brasil, um pelo STF e um pelo STJ, que deverão ser aprovados pelo Senado. “A expectativa é positiva. A gente tem esperança que, com a renovação, a gente saia desse momento de críticas e pressão”, diz Cazetta.

Para ele, a discussão da PEC no Congresso que mudaria a forma de compor o órgão — integrantes de fora dos quadros do MP, indicados por Congresso, STF e STJ, passariam a formar maioria — ajudou a classe a compreender algumas queixas dos políticos, relacionadas à forma com que o MP se comunica e conversa com a sociedade. “A crítica em si não nos preocupa. A gente tem que ser criticado, é papel da imprensa e do parlamentar. O problema é enxergar críticas que apontam situações verdadeiras, ou aquelas com premissas falsas”, afirmou.

Apesar da rejeição, na última quarta (20), do texto final da proposta que mudaria o CNMP, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ainda quer votar a versão inicial da proposta.


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VIKINGS DESCOBRIRAM A AMÉRICA PRIMEIRO QUE COLOMBO

 


  1. Ciência
     

Análise de árvores indica presença de povoados vikings 417 anos antes da chegada de Cristóvão Colombo

Fernando Reinach*, O Estado de S.Paulo

Aprendi que a América foi descoberta por Cristóvão Colombo no dia 12 de outubro de 1492 quando aportou nas Bahamas. Mas isso é uma mentira. Nós, os humanos, não sugimos nas Américas, mas sim na África, e nos espalhamos pelo mundo. Aproximadamente 20 mil anos atrás atravessamos o estreito de Bering e chegamos no que hoje chamamos de Alasca. Esses foram os verdadeiros descobridores da América, antes deles nenhum Homo sapiens tinha pisado no continente. Depois deles todos que chegaram por aqui encontraram seus descendentes. Foi o caso de Cristóvão Colombo e Pedro Álvares Cabral. Poderíamos dizer que a descoberta da América pelos europeus aconteceu em 1492. Mas a coisa complicou nas últimas décadas quando foram descobertas diversas construções Vikings no norte do Canadá. Lendas desse povo navegador relatavam sua chegada na América em datas anteriores a 1492, mas a data exata de sua chegada nunca pode ser estabelecida de maneira definitiva.

A novidade é que agora os cientistas descobriram a data exata em que as árvores usadas para construir os povoados Vikings foram cortadas. Foi em 1021, exatos 417 anos antes da chegada de Cristóvão Colombo. Ou seja, a descoberta da América pelos europeus foi feita pelos Vikings. E se alguma glória sobrou para Colombo, foi o de ser o primeiro europeu da península ibérica a chegar na América. Mas o interessante é entender como os cientistas conseguiram cravar a data exata em que o machado derrubou as árvores.

Vikings America do Norte
Turista fotografa réplica de barco viking em L’Anse aux Meadows, em Newfoundland. Foto: REUTERS (28/07/2000)

O carbono 14 é uma forma de carbono formada na atmosfera quando raios cósmicos atingem moléculas de carbono. As plantas absorvem o carbono 14 quando fazem fotossíntese. E ele fica nos troncos. Com o passar do tempo o carbono é radioativo e se transforma em carbono comum. Se você souber quanto de carbono 14 existia na planta no dia que ela morreu e medir quanto ela tem hoje, é possível calcular a idade da planta, ou melhor os anos que se passaram desde que ela morreu. Foi assim que os cientistas estimavam a idade dos assentamentos Vikings, mas a medida era imprecisa. Faz pouco os cientistas descobriram que em anos específicos no passado, tempestades solares provocaram um aumento brutal da quantidade de carbono 14 anos na atmosfera e, portanto, nas plantas que cresceram nesses anos. Um desses anos é o de 913.

Troncos de árvores possuem anéis de crescimento. Cada anel foi formado durante um ano de crescimento da árvore. Assim se você medir a quantidade de carbono 14 nos anéis de crescimento de uma árvore (aqueles que aparecem quando você corta um troco) cada vez que você vai se aproximando do centro do tronco a quantidade de carbono 14 vai caindo, pois, aquele anel é mais antigo. Essa queda é constante e reflete o decaimento dos átomos desde que aquele anel foi produzido até o presente. Mas se um dos anéis tiver uma quantidade muito maior de carbono 14, você sabe que aquele anel foi produzido no ano 913, quando aconteceu a tempestade de raios cósmicos. E isso permite relacionar um anel específico a um ano específico. Aí basta contar quanto anéis existem entre o anel correspondente a 913 até a superfície da árvore (o último anel produzido antes da morte do tronco), somar o numero de anéis a 913 e pronto, você vai saber a data que a árvore morreu.

O que os cientistas fizeram foi exatamente isso com três troncos usados pelos Vikings para construir suas casas no norte do Canadá. Duas árvores eram de uma espécie e outra era de uma segunda espécie e foram retiradas de diferentes construções na mesma vila. E contanto os anéis, eles chegaram a conclusão que as três árvores haviam morrido no ano de 1021. E como os três troncos tinham marcas de machado, elas realmente foram cortadas por um machado (artefato que os índios canadenses ainda não possuíam, mas que os Vikings conheciam). Ou seja, não resta dúvida que parte daquele povoado foi construído em 1021. Talvez eles tenham chegado antes na América, mas sem dúvida em 1021 já estavam cortando árvores para fazer habitações. A conclusão é inevitável: a América foi descoberta pelos europeus em 1021.

Mais informações: Evidence for European presence in the Americas in ad 1021. Nature

* É BIÓLOGO, PHD EM BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR PELA CORNELL UNIVERSITY

ORWELL E HENRY MILLER

 


  1. Cultura
     
  2. Literatura 

Impressiona a alta estima de Orwell pela ‘coragem intelectual’ de Henry Miller

Sérgio Augusto, O Estado de S.Paulo

Descobri com certo atraso a existência da Fundação George Orwell. Ela fica, como esperado, em Londres. Instituição sem fins lucrativos e mantida por doações, The Orwell Foundation dedica-se, precipuamente, a cuidar do legado do autor de 1984 A Revolução dos Bichos e torná-lo acessível ao maior número de leitores possível. 

Orwell
‘1984’ é um dos principais livros de George Orwell  Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Patrocinar palestras e bolsas de estudo para jovens, promover os valores de integridade, decência e outros predicados amiúde atribuídos ao escritor também fazem parte de suas atribuições. Em 26 de novembro, às 17h (Brasília), poderemos assistir ao vivo pelo canal da fundação no YouTube a uma conferência especial, que terá lugar no Conway Hall londrino. Nada mau fechar uma sexta-feira ouvindo as reflexões de um romancista do nível de Ian McEwan sobre o tema Política e a Imaginação, a partir de um dos ensaios mais conhecidos de Orwell, Dentro da Baleia.PUBLICIDADE

Vinte dias antes chegará às livrarias de lá mais um romance gráfico de inspiração orwelliana. Desta vez, não se partiu de uma obra de ficção, mas de um longo texto memorialístico, Such, Such Were the Joys (Tamanhas Eram as Alegrias), parte da coletânea Como Morrem os Pobres e Outros Ensaios. São lembranças dos folguedos e agruras que o menino Eric Blair (verdadeiro nome de Orwell) enfrentou na Escola de São Cipriano, onde entrou aos 8 anos, ainda fazendo xixi na cama, o que era considerado um “crime repugnante, cometido de propósito”, e para o qual o remédio adequado era uma surra. 

Voltemos à palestra de McEwan. Dentro da Baleia foi publicado em 1940. Ensaio movido a digressões sobre o próprio Orwell, os ficcionistas que testemunharam a 1.ª Guerra, a marcha literária nos anos 1930 e a alienação dos ingleses face à montante do comunismo e do fascismo. A baleia em questão não é Moby Dick, mas o cetáceo bíblico que engoliu Jonas naquela lenda sobre desobediência, castigo e arrependimento. 

Henry Miller, por motivos tão subjetivos quanto obscuros, comparou a escritora e amante Anaïs Nin a Jonas; Orwell simpatizou com a ideia, mas preferiu inverter, comparando Miller a Jonas – e as vísceras da baleia, supostamente aconchegantes, ao útero materno. Impressiona a alta estima de Orwell pela “coragem intelectual” de Miller, por sua prosa fluente e intensa, por seu apreço por gente comum e pelas tolices cotidianas. Ler Trópico de Câncer foi como conversar “com uma voz americana amiga, sem falsidades, sem propósito moral, apenas na presunção implícita de que somos todos iguais”. Onde e como entra a política nessa mélange? McEwan nos dirá daqui a 34 dias. Tudo o que sabemos sobre:George OrwellHenry MillerIan Mcewan

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