Comboio de veículos militares cruzou a Esplanada dos Ministérios nesta terça-feira (10).| Foto: Pedro França/Agência Senado
A CPI da Covid está reconhecendo que cansou. Tanto o presidente quanto o relator da comissão deram entrevistas dizendo que os trabalhos vão acabar mais cedo do que estava previsto. A prorrogação leva a CPI até 5 de novembro, mas eles estão vendo que o interesse está caindo, que já não sai mais nada dessa “investigação”. Aliás, não saiu nada até agora. Mas claro que eles vão falar que saiu muito.
Como nesta terça, por exemplo, quando os senadores receberam o tenente coronel da reserva Élcio Bruno. Ele teve que invocar por 50 vezes o direito de ficar calado concedido pelo Supremo Tribunal Federal, mas ainda assim respondeu muitas perguntas feitas pelos senadores. Agora, ele não vendeu nada.
A comissão chama pessoas que não venderam vacinas e, no caso dele, parece que não houve nem tentativa de vender, nem intermediação. Ele chegou a negar que estivesse no tal encontro com um cabo da PM, que inventou uma história de pedido de propina de um dólar por 400 milhões de vacinas, que é uma coisa incrível.
A CPI tem que investigar o que foi comprado efetivamente, o que foi pago e não foi entregue. A propina que foi paga, o superfaturamento que houve, é isso que tem que fazer. Mas até agora não fez, não tem nada de material sobre isso, nem mesmo de tentativa.
Aliás, bloquearam quando tentaram investigar a compra de 300 respiradores que nunca apareceram com R$ 48 milhões pagos pelo Consórcio do Nordeste, dos nossos impostos.
Não houve desfile militar Criaram um desfile militar inexistente para intimidar o Congresso. Mas não houve nenhum desfile militar, nada. O que havia era um comboio de 150 veículos que saiu do Rio de Janeiro, na quinta-feira (5) de manhã, com destino ao campo de instrução de Formosa, em Goiás. Alguns desses veículos se desviaram do destino para entregar um convite ao presidente da República para que assista ao exercício das três Forças Armadas às vésperas do Dia do Soldado (25 de agosto).
Então os mesmos que disseram que seria um grande desfile e demonstração de força militar, agora estão dizendo que foi um fiasco, que foi muito fraquinho. Só que se houvesse um grande desfile previsto, a área militar realizaria. O fiasco é da narrativa da oposição que foi para cima e depois teve que voltar — e não voltou honrosamente, teve que inventar que na última hora o tal desfile encolheu. Bobagens assim.
Constituição precisava ser mais concisa Para fazer uma coisa acessória — como criar um comprovante impresso para o voto digital —, é necessário mudar a Constituição. Para isso, necessita do quórum de 308 votos na Câmara dos Deputados. É um absurdo! O Brasil tem a Constituição mais extensa do mundo e certamente não é a melhor.
A Constituição deveria ser mais concisa e deixar essas questões secundárias para lei comum, para lei ordinária. Porque senão é sempre um trabalho enorme para fazer pequenos ajustes.
Por exemplo, essa história da PEC dos precatórios. Para o governo ajustar pagamentos de dívidas judiciais transitadas em julgado de credores com crédito superior a R$ 66 milhões tem que fazer uma emenda à Constituição. Imagina a Constituição tratando disso?
Por outro lado, a Constituição prevê direitos que nem o Supremo Tribunal Federal, os prefeitos e os governadores estão obedecendo: o direito de ir e vir, direito ao trabalho, direito de reunião, direito de culto, até mesmo questões como a inviolabilidade da casa, a inviolabilidade do mandato, a presença necessária de Ministério Público em processos, tudo isso eles estão passando por cima.
O que está havendo com essa Constituição, que tem que ser obedecida. Se tiver que corrigir, muda-se a Constituição, mas o Supremo não tem poderes constituintes para autorizar prefeitos e governadores a passar por cima de cláusulas pétreas de direitos e garantias individuais.
Bolsonaro foi alvo de notícia-crime encaminhada pelo TSE ao ministro Alexandre de Moraes.| Foto: Marcos Correa/PR
No último dia 2 de agosto, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luis Roberto Barroso, encaminhou ao ministro Alexandre de Moraes, no Supremo Tribunal Federal (STF), uma notícia-crime para incluir o presidente da República, Jair Bolsonaro, no inquérito das fake news, por causa de fala na live do dia 28 de julho, onde ele teria, em tese, divulgado notícias falsas sobre a possibilidade de fraudes no sistema eleitoral.
Em 4 de agosto, Alexandre de Moraes incluiu Bolsonaro como investigado no referido inquérito pois, segundo o ministro relator, o presidente se posicionou de forma criminosa e atentatória ao STF, ao dizer que a intenção de seus ministros era de fraudar as eleições para favorecer eventual candidato.
O ministro Alexandre ressaltou que a fala do presidente teria insuflado a população a criar hashtags com “propósito antidemocrático” como #barrosonacadeia e #votoaudidavelja; e que poderia configurar crime contra a honra; incitação e apologia ao crime; associação criminosa; denunciação caluniosa; crimes contra a segurança nacional e eleitorais.
Por fim, determinou a realização de uma série de diligências, como a transcrição oficial do vídeo do presidente e a oitiva dos envolvidos no referido pronunciamento. Contudo, o procedimento adotado pelos ministros mencionados não estão amparados na Lei Penal e nem na Constituição, pois caso uma alta autoridade entenda que o presidente da República poderia ter praticado eventual crime, o procedimento correto a ser adotado seria o encaminhamento de todas as informações e documentos ao Ministério Público, ou seja, ao procurador-geral da República, que é autoridade competente para investigar e, eventualmente, processar o presidente.
Importante deixar claro que juiz não investiga; juiz não pode conduzir investigações; juiz não pode determinar diligências; assim, não há base legal nem constitucional para que o relator do inquérito das fake news possa determinar diligências à Polícia Federal; pois quem teria essa função seria apenas o Ministério Público ou o delegado. Não é a toa que o ministro Alexandre foi chamado de “xerife” pelo ministro aposentado Marco Aurélio Mello.
Assim, esses atos realizados violam o nosso sistema jurídico, que é o sistema acusatório, onde as funções de acusar, defender e julgar são exercidas por órgãos distintos, não podendo a mesma autoridade ser vítima; investigador e julgador do mesmo crime.
Além disso, quando o ministro Alexandre de Moraes afirma em sua decisão que o presidente da República “utiliza esquemas de divulgação em massa nas redes sociais, com o intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a independência do Poder Judiciário, o Estado de Direito e a Democracia”, ele está antecipando seu entendimento judicial; antecipando um julgamento, fato que compromete a necessária imparcialidade do julgador.
Além de não estar adequada a forma como o presidente da República tornou-se investigado, outra questão extremamente preocupante é a inserção do presidente no inconstitucional “inquérito do fim do mundo”, vez que essa investigação já deveria ter sido arquivada há mais de dois anos, quando a então procuradora-geral Raquel Dogde arquivou referido inquérito por diversas ilegalidades e inconstitucionalidades.
Esse episódio retrata a não observância das normas de Direito Processual Penal e da própria Constituição pelo órgão incumbido de proteger e guardar a Constituição, resultando em enorme insegurança jurídica, política e social.
Democracia não é uma palavra qualquer, tamanho o significado que carrega. Estranhamente, está quase condenada à sarjeta do dicionário, dada a deturpação que seu significado vem sofrendo. Desde as eleições de 2018 falaram tanto em ameaças e riscos à democracia que finalmente conseguiram, ainda que ao avesso do que pregavam.
A democracia brasileira está realmente ameaçada, mas não é porque o atual presidente é autoritário ou porque os militares querem o poder, como tanto repetem os opositores do governo. É a atuação de juízes, especificamente dos ministros das cortes superiores, que está acendendo um sinal de alerta para o que muitos já chamam de ditadura do Judiciário.
Aviso de antemão que o artigo é longo, muito longo. Se preferir, assista à versão em vídeo, clicando no play da imagem que ilustra esta página. Minha proposta aqui é demonstrar como ministros do STF vêm desrespeitando a Constituição, invadindo competências de outros órgãos públicos e ferindo um princípio basilar de toda democracia, que é a independência entre os poderes.
São juízes “superiores” que querem legislar e governar sem nunca terem concorrido a uma eleição. Querem, também, fazer papel de investigadores de polícia ou de integrantes do Ministério Público, coisa que não lhes compete. Acham-se no direito de investigar e acusar, além de exercer as funções de juiz propriamente ditas: julgar, ouvir testemunhas e reús, absolver ou condenar e, se for o caso, mandar prender.
Não à toa hoje, na visão de grande parte da população, ministros do STF e, mais recentemente, do TSE, estão fazendo ruir a credibilidade das próprias instituições em que trabalham e provocando um desmonte do que se convencionou chamar de Estado Democrático de Direito.
Afronta à democracia começou em 2016 Em vez de começar pelo caso mais recente, o da apresentação de notícias-crime contra o presidente da República para investigá-lo por um crime que nem existe no Código Penal, o de espalhar Fake News, vou fazer uma cronologia do que andou acontecendo no STF nos últimos anos.
Nada do que trago aqui é novo, mas como com o passar do tempo a maemória parece que vai se apagando, vale o esforço para reavivá-la. Prepare-se para uma lista de decisões que criaram enorme insegurança jurídica, algo que fragiliza o Brasil perante investidores, prejudica a economia, revolta e amedronta a população, e ameaça a democracia.
A primeira decisão antidemocrática importante de lembrar foi a do Ministro Ricardo Lewandowski, que rasgou a Constituição no dia da votação do impeachment da ex-presidente Dilma Roussef, em 2016. A Constituição prevê perda de mandato e cassação dos direitos políticos por oito anos para governantes que cometem crimes de responsabilidade, como era o caso.
O ministro Lewandowski, porém, que presidia a sessão do impeachment no Congresso, aceitou o pedido de senadores petistas e do então presidente do Senado, Renan Calheiros, e fatiou o julgamento em duas partes, permitindo a manobra. Os senadores aprovaram o impeachment, mas mantiveram os direitos políticos da ex-presidente.
Pela Constituição Dilma deveria ter perdido o cargo e ficado impedida de voltar à vida pública até 2024, mas com os direitos políticos mantidos, ela tentou se eleger já nas eleições seguintes, em 2018.
Quem se responsabilizou por fazer valer a lei e, digamos assim, cassou seus direitos políticos, foram os eleitores de Minas Gerais, estado pelo qual a ex-presidente afastada do cargo se candidatou a senadora, mas não conseguiu se eleger.
Ataques à Lava Jato De 2016 para cá os ministros do STF cometeram vários outros desrespeitos à lei penal e à própria Constituição ao julgarem recursos de réus da Lava Jato. O exemplo mais peculiar talvez tenha sido o de Aldemir Bendini, ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobrás, que cumpria pena por corrupção, mas foi solto apenas porque na fase processual tinha sido ouvido antes de réus delatores.
Os advogados deram uma volta jurídica para dizer que o cliente tinha sido vítima de uma injustiça e convenceram os ministros do STF a criar uma regra que não existe no Código Penal: a de que réus delatores não podem ser os últimos a falar.
Pior do que isso foi terem aplicado a regra retroativamente. Anularam a sentença dada pelo então juiz Sérgio Moro, que havia seguido rigorosamente o Código Penal, afinal não podia prever (e seguir) um ordenamento jurídico que seria criado no futuro. Com a sentença anulada, o processo recomeçou do zero, com o réu solto.
Depois disso ainda teve o julgamento da suspeição do ex-juiz Sérgio Moro, garantindo a anulação das sentenças dadas ao ex-presidente Lula, numa clara inversão de valores. E a liberação para que o ex-condenado seja candidato.
Prisão após condenação em segunda instância Mandar soltar milhares de presos foi a investida seguinte da Corte Suprema contra a democracia. Poucos anos depois de terem decidido que a condenação em segunda instância, por um colegiado de juízes, era o limite para mandar um réu para a cadeia, o STF decidiu voltar atrás.
A nova ordem foi para que criminosos condenados fiquem soltos até que a Justiça julgue todos os infindáveis recursos, mesmo que não haja mais como recorrer em relação à sentença de culpa.
Neste caso não foi exatamente um desrespeito à Constituição. Simplesmente resolveram mudar a interpretação que haviam feito poucos anos antes sobre o artigo que fala da presunção de inocência e do trânsito em julgado como o limite para alguém ser preso.
Ninguém falou, mas todo mundo sabe o porquê dessa mudança de interpretação que colocou na rua o ex-presidente Lula muitos anos antes do fim do cumprimento da pena. Condenado por corrupção e lavagem de dinheiro, ele acabou sendo solto, levando junto vários outros réus da Lava Jato, além de traficantes, homicidas, estupradores, pedófilos…
Em comum o fato de serem todos criminosos que já estavam condenados e não tinham mais chance de mudar a condenação, apenas postergar a finalização do processo com recursos questionando filigranas jurídicas.
Juiz no papel de polícia Várias outras decisões do STF foram jogando o país num mar de insegurança jurídica, mas alguns episódios em especial deixaram clara a ameaça à democracia.
A abertura dos famigerados inquéritos das Fake News e dos Atos Antidemocráticos encabeçam essa parte da lista, que segue com a prisão de ativistas políticos conservadores e até de um jornalista, Oswaldo Eustáquio, sem acusação formal. Isso é democracia?
O capítulo seguinte foi a prisão do deputado federal Daniel Silveira por crime de opinião (que não existe no Código Penal). E isso em desrespeito à imunidade parlamentar, também prevista na Constituição e ignorada pelos ministros do STF.
Neste Brasil de tamanha confusão jurídica, antidemocrático, na visão dos ministros, é criticar o Supremo Tribunal Federal. É por essas e outras que muitos hoje consideram um atentado à democracia ir para a rua desarmado, sem bandeiras de partidos ou candidatos, em manifestações pacíficas, mas gritando palavras de ordem contra os abusos do Supremo.
Já os protestos de vândalos terroristas, carregando facas, pedras e álcool para atear fogo em patrimônio público e privado é considerado e até divulgado como mera manifestação de repúdio a um suposto governo “fascista” e merece a vista grossa dos homens da lei.
Com os inquéritos considerados ilegais pelos maiores juristas do país, juízes estão usurpando funções de outros órgãos, como a polícia e o Ministério Público. O STF não pode abrir inquéritos. Investigação é tarefa policial e não, judicial, ou do Ministério Público. Deveria, portanto, ficar a cargo de promotores e procuradores, jamais, de juízes, nem mesmo os supremos.
No caso de crimes contra a administração pública federal, investigar seria tarefa da Procuradoria Geral da República, que se pronunciou sobre os inquéritos dos Atos Antidemocráticos e das Fake News e pediu seu encerramento, sendo ignorada pelo Supremo.
Os ministros Dias Toffoli e Alexandre de Moraes acharam por bem abrir os chamados inquéritos de ofício, embasados não na Constituição, mas num conjunto de regras aplicáveis a uma única instituição, não ao país: o Regimento Interno do STF.
Lá está escrito que o próprio tribunal pode abrir uma investigação se a Corte, enquanto instituição da República, ou qualquer de seus membros, tiver sido vítima de um crime cometido dentro do prédio em que trabalham os ministros.
Nos inquéritos das Fake News e dos Atos Antidemocráticos não há sequer crime cometido, muito menos a localização dentro das dependências do Tribunal. Repito que Fake News sequer é crime tipificado no Código Penal.
Os ministros se dizem vítimas de ameaças, injúrias, calúnias e difamação cometidos por usuários de redes sociais e, ao invés de pedirem investigação aos órgãos competentes e processar os autores pelos crimes supostamente cometidos, preferem jogar tudo no balaio genérico das notícias falsas e fazer eles próprios a investigação e o julgamento.
A interpretação é a de que, como as ameaças e difamações ocorrem no ambiente virtual, que os ministros acessam de seus gabinetes de trabalho, a internet pode ser considerada como parte das “dependências do STF”. É como se o mundo inteiro estivesse sob a jurisdição dos 11 ministros do Supremo!
Mais uma vez inventaram uma regra que não existe e o povo que se dane, que respeite, engula e cale-se. Muita gente foi perseguida, veículos de imprensa foram censurados, outros foram alvo de busca e apreensão, pessoas e empresas tiveram bens apreendidos, a vida devassada, teve até gente presa. E um desses inquéritos continua em aberto até hoje.
O inquérito das Fake News, aquele que o ex-ministro Marco Aurélio Mello chamou de “inquérito do fim do mundo”, inclui agora até o presidente da República por causa da revelação que ele fez de que a Polícia Federal investiga uma invasão hacker ao TSE, coisa que o próprio TSE confirmou para a polícia. Não é, portanto, Fake News.
Em nenhum país sério quem se diz vítima (os ministros do STF) assumiria as funções de investigador, acusador e juiz. Está tudo errado! Depois de mais de dois anos todo mundo já percebeu que esse inquérito só está aberto para intimidar e coagir pessoas. É ou não é antidemocrático isso?
“Descondenação” de Lula Esse capítulo merece destaque na absurda lista de ataques à democracia por parte da alta cúpula do Judiciário. O ex-presidente Lula já estava solto, devido à inacreditável mudança na interpretação do STF sobre prisão após condenação em segunda instância, mas continuava sendo um réu condenado, ficha suja, inelegível.
Não conseguiram inocentar o ex-presidente, porque as provas de corrupção e lavagem de dinheiro são irrefutáveis, tanto que foram analisadas por mais de dez juízes em três instâncias e eles não apenas confirmaram a sentença inicial, como ainda aumentaram a pena.
Mesmo sem conseguir retirar a culpa, o STF anulou as condenações e, assim, abriu as portas para que Lula possa até se candidatar de novo a presidente da República. Foi a deixa, também, para que saísse espalhando a Fake News de que foi “inocentado”.
Aqui cabe uma observação: essa Fake News do Lula e da militância de esquerda, de que ele foi inocentado, não foi incluída no inquérito do fim do mundo, porque não atinge os ministros. Mas atinge o processo eleitoral como um todo, fere a democracia, derruba a credibilidade do Judiciário e demais instituições. E para todos esses males os ministros fecham os olhos.
No passado recente, quando Dilma era presidente e Lula, ainda um suspeito de cometer crimes que estavam sendo investigados, ele atentou contra a reputação dos ministros dizendo que a Suprema Corte era “totalmente acovardada”, mas isso os ministros também não acharam que era Fake News ou passível de punição.
Nenhum inquérito foi aberto, não decretaram busca e apreensão de celulares e computadores do ex-presidente para vasculhar com quem ela andava conversando e sobre o quê. Não fizeram nada. Passou!
Anularam as condenações do ex-presidente em mais uma manobra jurídica, decidindo que os processos da Lava Jato envolvendo Lula não poderiam ter sido julgados em Curitiba, por não ser este o foro adequado.
Estranho (ou não) é que só viram isso com anos de atraso, depois de terem julgado vários recursos referentes a processos da mesma investigação, sem nunca terem questionado que as condenações não vinham do foro adequado.
Com mais essa decisão, os processos envolvendo o ex-presidente Lula tiveram que recomeçar, em Brasília. E como tudo voltou à estaca zero, um condenado a mais de vinte anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro ganhou aval para responder em liberdade e, quem sabe, ver os crimes prescreverem por excesso de prazo para apuração e julgamento.
Ativismo judicial contra voto impresso auditável É claro que o cidadão comum, aquele que trabalha, paga impostos e sustenta a máquina pública, que vai para a rua manifestar sua vontade, pedir por liberdade, respeito à Constituição e mais transparência no sistema eleitoral, está hoje revoltado com tudo o que o STF vem fazendo.
Foram tantas manobras para soltar bandidos e permitir que um condenado por desviar dinheiro público, possa, eventualmente, voltar ao poder que é impossível não perceber a tirania através da manipulação das instituições.
As pessoas estão verdadeiramente preocupadas com as ameaças ao Estado Democrático de Direito e com a ditadura vinda do Poder Judiciário. E aí chegamos ao momento atual, com a atuação política descarada de ministros do Supremo e do TSE, o que também é proibido.
Já estava evidente o desrespeito à Constituição, mas é estarrecedor que não tentem sequer esconder que se envolvem em atividade político-partidária. Dois deles, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, decidiram combater abertamente a proposta do voto impresso auditável, que já tinha sido aprovada na Câmara Federal três vezes (e derrubada na Justiça), mas voltava agora com força.
Vale relembrar a movimentação dos juízes do Supremo que resultou na mudança de rumo da votação da PEC do voto impresso na Câmara, algo tido como certo até poucas semanas atrás. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC 135/2019) tinha votos suficientes para passar na comissão especial e seguir para votação em plenário.
Uma PEC não pode ser derrubada na Justiça, como aconteceu com projetos de lei anteriores, de mesmo teor. Vendo-se na iminência de ter que adotar o voto impresso já para as próximas eleições, algo com que não concorda, Luís Roberto Barroso, na condição de presidente do TSE, começou uma estranha movimentação contra o trabalho do Poder Legislativo.
Primeiro gravou vídeos garantindo que as urnas são seguras e desmerecendo a Proposta de Emenda à Constituição que, àquela altura, já tinha aprovação popular. Barroso foi além: garantiu que os votos são auditáveis e que as preocupações dos eleitores são infundadas.
Não adiantou levar uma enxurrada de “dislikes” nos vídeos, o ministro fingiu não entender o recado de que a população queria ver a PEC aprovada e seguiu insistindo na confiabilidade das urnas. Chegou a gravar vídeos em inglês, francês e espanhol para convencer até eleitores de outros países de que o nosso sistema eleitoral é seguro.
Não bastasse isso, Barroso e o ministro Alexandre de Moraes partiram para um ativismo político ainda mais explícito. Reuniram-se pessoalmente com 11 líderes partidários.
Nós, o povo, os verdadeiros donos do poder e que, como tais, deveríamos ser respeitados, não ficamos sequer sabendo o que foi conversado nessa reunião. Fato é que depois desse encontro vários deputados que faziam parte da comissão especial do voto impresso auditável e que eram a favor da aprovação do projeto, foram substituídos por colegas que são contra.
Pensaram que ninguém perceberia a manobra, mas as estranhas movimentações do Poder Judiciário foram ficando cristalinas aos olhos do eleitor. A partir dali começou a guerra para derrubar uma pauta que tem o apoio e é desejo da maioria da população, tanto que centenas de milhares de pessoas foram para a rua, em manifestações gigantescas no dia 1 de agosto, defendendo o voto impresso auditável.
Guerra declarada contra Bolsonaro Os ministros do STF decidiram esticar a corda e deram prazo para o presidente da República apresentar provas de que o sistema eleitoral brasileiro não é seguro, como se o próprio eleitor não tivesse passado os últimos anos ouvindo relatos de gente que tentou votar em um candidato, mas via a foto de outro aparecer na urna, levantando claras suspeitas sobre possível manipulação das urnas.
O presidente Bolsonaro respeitou a ordem judicial e apresentou as provas ao vivo e em cores, como se dizia antigamente. Numa live, junto com o ministro da Justiça, Anderson Torres, mostrou vários indícios de fraudes nas eleições de 2014 e 2018.
É bom lembrar que em 2015, quando o presidente Bolsonaro era deputado, ele foi autor da proposta de implantação de impressoras acopladas às urnas. A ideia era que o eleitor pudesse ver impresso, na hora em que digita o voto, o nome dos candidatos em quem votou e, só depois, confirmar para que o voto impresso caísse na urna e passasse a existir fisicamente, sendo passível de conferência em caso de dúvida.
Isso porque desde as eleições de 2014 havia denúncias de profissionais de análise de sistemas e processamento de dados apontando estranhos padrões de gráficos de apuração que jamais aconteceriam pela lógica estatística. O PSDB chegou a contratar uma empresa de auditoria que concluiu que era impossível auditar o sistema eletrônico de apuração.
Além dessa live, com uma série de indícios de possível manipulação do resultado de eleições, o presidente, junto com o deputado Filipe Barros, relator da PEC do voto impresso, deu uma entrevista revelando o conteúdo de uma investigação feita pela Polícia Federal sobre uma invasão de um hacker no sistema do TSE.
O hacker ficou seis meses acessando o código fonte de acesso às urnas eletrônicas sem que ninguém descobrisse. Isso só foi descoberto, porque o próprio hacker contou o que tinha feito para um site de tecnologia e o site informou o TSE, que pediu abertura de investigação.
Foi por isso que a Polícia Federal investigou. Para a polícia, o coordenador de tecnologia da informação do TSE confirmou que o sistema do Tribunal tinha sofrido uma invasão.
Não bastasse isso ele admitiu que os arquivos de entrada do hacker no sistema haviam sido apagados, algo considerado de extremo amadorismo ou má fé por especialistas em tecnologia. Isso significa que o TSE foi invadido e apagou as provas que poderiam esclarecer melhor o crime.
Notícias-crime contra Bolsonaro Quando parecia evidente que o assunto estava pacificado e que finalmente os deputados e o próprio TSE haveriam de entender por que a população tanto desconfia das urnas e quer o voto impresso auditável, TSE e STF decidem fazer o quê? Apresentar uma notícia-crime contra o presidente da República.
A denúncia é de que o presidente ofendeu o mininstro Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral. E, o mais inacreditável, espalhou notícias falsas. Falsas! Um inquérito da Polícia Federal agora é falso? Confissões de um hacker e de um funcionário do próprio TSE são falsas?
Quando ficou muito ridículo sacaram outro trunfo: notícia-crime por vazamento de inquérito sigiloso. Era só o que faltava! O inquérito deixou de ser secreto quando o próprio delegado responsável pelas investigações retirou o sigilo e cedeu parte das informações apuradas pela polícia para o relator da PEC do voto auditável.
Há solução para a democracia brasileira? Tribunal de Justiça, seja Tribunal Superior Eleitoral ou Corte Suprema, não é delegacia de polícia. Juízes não são delegados nem promotores ou procuradores de Justiça. A Constituição não permite que juízes abram inquéritos e muito menos que, sendo as vítimas, eles próprios investiguem, acusem, julguem e dêem a sentença.
Juízes que se metem na política ou que agem ao arrepio da lei são passíveis de impeachment. Deviam perder o mandato para deixar de dar despesas à nação, enquanto geram insegurança jurídica e ameaçam a democracia. Mas aí vem outro grande problema. Apenas uma pessoa pode fazer isso: o senador que está no comando da Casa.
A Constituição, de novo ela, prevê que só o presidente do Senado pode colocar em votação pedidos de impeachment de ministros do STF para, aí sim, os 81 senadores, em conjunto, decidirem o que fazer. E há vários pedidos de impeachment de ministros do STF no Senado, por causa de todas essas decisões inconstitucionais e antidemocráticas citadas neste artigo.
É hora de o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, dar uma resposta à população, que está vendo os ministros das cortes supremas desrespeitarem as leis, ameaçarem as pessoas e incendiarem o país.
Termino com as observações feitas pelo relator da PEC do voto impresso, deputado Filipe Barros (PSL-PR) no Twitter.
“Estamos diante da maior campanha de desinformação dos últimos anos. O mais grave: promovida pelo próprio TSE.”
Filipe Barros, deputado federal (PSL-PR), relator da PEC do voto impresso E o resumo perfeito do comentarista de política Adrilles Jorge, feito também no Twitter: “Barroso disse que Bolsonaro atropela a democracia e o processa por mentir que urnas são violáveis. Inquérito da Polícia PROVA que urnas são violáveis. Quem deve pagar por ter mentido e atropelado a democracia depois que a mentira de Barroso veio à tona?”
“Soltaram o maior corrupto do país para ser candidato; cercearam poderes do presidente; calaram , prenderam pessoas sem processo. Agora querem prender e tirar o presidente do poder porque ele falou em eleições limpas. O golpe está dado. Só finge não ver quem dele participa.”
Adrilles Jorge, comentarista de política, no Twitter “Sejamos claros: a justiça eleitoral, comandada pelo STF, através de um inquérito ilegal e imoral, parece orquestrar um golpe preventivo contra um golpe imaginário do presidente. O poder judiciário não pode atropelar 58 milhões de votos. A democracia corre risco.”
Além disso, postos com bandeiras também vão poder comercializar combustíveis de outras marcas, desde que o consumidor seja avisado previamente; medida era uma promessa de Bolsonaro
Sandra Manfrini e Anne Warth, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA – O presidente Jair Bolsonaro vai liberar que produtores ou importadores de etanol hidratado vendam diretamente para postos de combustíveis. A prática vai ser autorizada por uma Medida Provisória sobre mercado de combustíveis que será assinada nesta quarta-feira, 11, em solenidade no Palácio do Planalto, segundo informou o Ministério de Minas e Energia.
Promessa do presidente Jair Bolsonaro, a venda direta de etanol das usinas para os postos de combustíveis vinha sendo estudada desde 2019, conforme o Estadão/Broadcast já noticiou. Para abrir caminho para essa operação direta, o governo precisava fazer ajustes para dar suporte legal e tributário à medida. Uma das alternativas que vinha sendo estudada era a edição de uma MP para unificar a cobrança do PIS/Cofins sobre o etanol hidratado – hoje dividida entre produtores e distribuidores – apenas nas usinas.
Promessa de Bolsonaro, venda direta de etanol das usinas para os postos era estudada desde 2019. Foto: Adriano Machado/Reuters – 9/8/2021
A regulamentação via MP e a adoção da cobrança em uma só etapa do PIS/Cofins era defendida pela Receita Federal, por reduzir as chances de evasão fiscal. Parte do setor, no entanto, afirma que essa mudança abre margem para sonegação e falsificação e que não reduzirá a questão do preço ao consumidor. A proposta, porém, atende a uma demanda de usineiros do Nordeste.
Segundo o MME, a MP a ser assinada amanhã também vai permitir aos pontos vender combustíveis de outras marcas, desde que devidamente informado ao consumidor – conhecida como “tutela regulatória da fidelidade à bandeira”. Com a autorização, postos das bandeiras Shell, Ipiranga ou BR poderão vender combustíveis de outros fornecedores, sempre informando ao cliente.
“A ação foi tomada a partir de deliberação do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e estudos realizados pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) com o objetivo de aumentar a concorrência, beneficiando o consumidor final”, diz o MME em nota.
Marinha confirmou passagem de blindados por Brasília nesta terça-feira (10).| Foto: Alan Santos/PR
Nesta terça-feira (10), às 15 horas, o plenário da Câmara dos Deputados vai apreciar a PEC do voto digital com o comprovante impresso. Foi um desejo do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), trazer o tema ao plenário para encerrar de vez com essa discussão. Se for aprovado, a proposta não acaba, porque ainda vai para o Senado; se for rejeitado, acaba de vez.
Já é a quarta vez que se vota isso no Congresso. Nas outras três o comprovante impresso do voto digital foi aprovado por grande maioria. Só que o Judiciário sempre está contra, inventa algum motivo para barrar isso. Só chegou a vigorar na eleição de 2002 — havia sido aprovado em 2001 — em 150 municípios. E funcionou.
O TSE alega que isso pode acabar com o sigilo do voto. Ora, revelar o segredo do voto é quando um hacker entra na urna eletrônica e pega a ordem de votação. Mas, enfim, o assunto vai para o plenário e o plenário é soberano para decidir se aprova ou não.
Desfile militar Faz meses que está programada a passagem de um comboio de blindados que farão um exercício militar no campo de instrução de Formosa, que fica ao norte de Brasília. É um campo de instrução muito bem aparelhado para serviços militares e, por coincidência, a votação da PEC do voto impresso foi marcada nesta segunda-feira (9) também para terça.
Mas estão dizendo que os blindados da Marinha vieram do Rio de Janeiro para atemorizar a votação na Câmara. Um absurdo, chega a ser ridículo. Essa passagem por Brasília é necessária porque vem pela rodovia federal num trajeto de 1.400 quilômetros, atravessa a cidade e vai para o campo de instrução de Formosa.
Mas a oposição ao governo foi à Justiça querendo impedir o que eles estão chamando de “desfile militar de atemorização” para a votação. Ninguém olha o calendário e vê que isso aí é uma coisa que já estava prevista, que não tem nem condição de um blindado vir do Rio de Janeiro de um dia para o outro. É um completo absurdo.
Auxílio Brasil O presidente Jair Bolsonaro atravessou a pé a Esplanada nesta segunda-feira, acompanhado por seis ministros, para entregar em mãos na Câmara dos Deputados a medida provisória do Auxílio Brasil e a PEC dos precatórios.
A MP do Auxílio Brasil que é gigantesca: prevê um orçamento de R$ 53 bilhões para substituir o Bolsa Família, que é de R$ 35 bilhões. Tem bolsa para estudante que se destaca nos esportes e na ciência, para criança ficar na creche, para mãe desvalida que não tem como cuidar dos filhos, para agricultura familiar, para gente que já está empregada, para gente que, no novo sistema, ia ficar com uma diferença entre o Bolsa Família anterior somando os integrantes da família, e tudo isso preparando as pessoas para a independência e autonomia financeira.
Já a emenda constitucional prevê que se possa pagar dívidas que foram convertidas na Justiça em precatórios em dez anos, com 15% de entrada e mais nove prestações. Dívidas que ultrapassarem R$ 66 milhões, ou seja, é credor grande que tem com crédito a receber junto ao governo federal. Em geral, são dívidas feitas 10, 15, 20 anos atrás.
R$ 2,5 milhões para ex-presidentes O blog do Lúcio Vaz, na Gazeta do Povo, relata que seis ex-presidentes da República receberam dos nossos impostos no primeiro semestre deste ano R$ 2,5 milhões para pagar assessores, motoristas e seguranças, inclusive diárias e passagens.
O campeão de gastos é Fernando Collor; em segundo lugar, Lula. E tem lá Fernando Henrique, Dilma, Michel Temer e José Sarney também nessa lista. Só para lembrar que a gente continua sustentando os ex-presidentes da República.
Quando vivo, o ex-presidente Jânio Quadros me contou, lá na casa dele, em Guarujá, que renunciou a tudo isso. Ele disse que vivia da pintura e venda de quadros e de um aluguel em São Paulo.
O Tompkins Park, localizado na Alphabet City, na década de 80: refúgio das drogas e traficantes. No detalhe, o Tompkins Park atualmente| Foto: Reprodução
“Eu trabalhava em um negócio em que a violência fazia parte da rotina. Era como ser soldado em uma guerra, você espera violência. E houve algo que aconteceu naquela época na Nova York do final dos anos 1980 que eu nunca vou esquecer. Tinha um filme há muitos anos, chamado “Operação França”, que falava sobre heroína que vinha da Europa e entrava nos Estados Unidos. O diretor, William Friedkin, era muito famoso e ele ia fazer um filme sobre o DEA (Drug Enforcement Administration, a agência do governo americano dedicada ao combate às drogas), então eu tive que levá-lo comigo por uma semana para ele saber como era ser um agente do DEA, para ter um senso da realidade. Em um dos dias que ele estava com a gente, nós executamos um mandado de busca em uma crack house em Washington Heights. Fomos até lá com vários agentes e eu os mantive do lado de fora até ter certeza de que estava seguro. Levei Friedkin pra dentro e eu nunca vou esquecer o que aconteceu a seguir. De algum jeito uma mulher pulou nas costas de um dos agentes que estava carregando uma arma de fogo. Esta arma disparou para cima, não acertou em ninguém, mas o barulho foi muito alto, quase ensurdecedor. Naquela situação havia uma pequeno garoto, de uns nove anos talvez, sentado no sofá daquela mesma sala, lendo uma revista em quadrinhos e ele sequer olhou quando a arma disparou. Você pode imaginar o nível de violência que esta criança estava acostumada a assistir, que aquilo não a incomodou?”.
Este relato foi contado por Robert Stutman, ex-chefe do escritório do DEA na cidade de Nova York nos anos 1980 e 1990. A história dá um panorama do que era viver na maior cidade do mundo naquela época, assolada pela violência e enfrentando um problema que até então era desconhecido no país: o crack.
A primeira vez que Stutman ouviu falar da droga foi em setembro de 1985, quando um de seus agentes foi até ele para dizer que haviam encontrado frascos de uma droga que eles não conheciam em vários pontos do bairro Harlem. “Eles chamam isso de crack, o agente me disse”. A equipe do DEA então descobriu que apesar de o crack ser feito a partir da cocaína, a diferença é que o efeito desta nova droga durava apenas alguns minutos, ao contrário do pó, que pode durar horas, e que era vendido muito barato — houve uma época em Nova York que uma pedra era vendida por US$ 2.
“Alguns pequenos traficantes de drogas descobriram como fazer crack, não é necessário ser um químico para fazer isso, e resolveram vender para os usuários na rua. Antes disso, a menor quantia em dinheiro que uma pessoa poderia gastar para comprar cocaína era cerca de US$ 80 dólares por uma dose. Aí o crack começou a ser vendido por US$ 8. Então as pessoas que antes não podiam comprar cocaína começaram a comprar crack e o uso da droga se espalhou muito rápido”, conta Stutman.
A partir daquele momento, a cidade de Nova York começou a viver uma epidemia de crack. Alphabet City, no Lower East Side, e Washington Heights, mais ao norte de Manhattan, foram as regiões mais afetadas neste período. Quem caminha por esses lugares hoje, seguros para moradores e visitantes, não imagina que, no final de década de 1980, Alphabet City era uma região tomada por gangues e em Washington Heights algumas ruas eram praticamente um “drive-thru” de drogas, onde os usuários nem precisavam parar o carro para comprar crack.
Cena do documentário “Crack: Cocaína, Corrupção e Conspiração”: em Washington Heights algumas ruas eram praticamente um “drive-thru” de drogas, onde os usuários nem precisavam parar o carro para comprar crack .| Netflix Segundo relatório do Departamento de Polícia de Nova York, em 2016 a cidade de Nova York registrou 335 assassinatos. Em 1990, no auge epidemia de crack, houve 2.262 assassinatos, dos quais 7,9% eram diretamente relacionados ao tráfico de drogas ou cometidos por pessoas que estavam sob o efeito de alguma droga, segundo relatório do FBI. “A cidade era muito violenta”, enfatiza Stutman.
Primeiras ações contra o crack em NYC A primeira reação do governo americano frente a esta crise foi aumentar o cerco policial e as prisões nas áreas mais críticas. Em Alphabet City, região sudeste de Nova York, o DEA e o departamento de polícia encheram a área de policiais e começaram a prender muitos pequenos traficantes de rua. Em Washington Heights a mesma ação foi feita. “Começamos a prender um monte de gente, e eu mesmo estava apoiando a operação, só o que a gente não estava percebendo que, fazendo isso, estávamos apenas mudando o problema de lugar, para duas ou três quadras adiante”, diz Stutman.
Chefe do Departamento de Psicologia da Universidade de Columbia, premiado neurocientista e autor de “Um preço muito alto”, publicado no Brasil, Dr. Carl Hart também é de Nova York e lembra deste episódio.
“Nós gastamos muito dinheiro prendendo muitas pessoas na nossa sociedade, e algumas delas ainda estão na cadeia. E elas fazem parte de uma minoria racial. Aqui nos Estados Unidos nós ficamos envergonhados por causa disso e então mudamos a nossa abordagem”, conta Hart.
Estudos feitos pela National Bureau of Economic Research afirmam que a população negra foi a mais afetada com estas ações de repressão da polícia e com a epidemia de crack. Stutman falou que o crack era considerado problema de pessoas negras e que a primeira resposta das autoridades foi colocá-las na prisão. “Foi uma forma de racismo, mas que muita gente não entendia como racismo naquela época”, recorda.
A partir destas ações policiais, a violência se espalhou pela cidade inteira. Foi então que as autoridades da polícia e do departamento antidrogas perceberam que prender pequenos traficantes e usuários não iria resolver o problema.
As medidas que deram certo em NYC Uma nova abordagem então foi pensada para tentar resolver a epidemia de crack e de violência em Nova York. Segundo o ex-chefe do DEA na cidade, quatro ações foram feitas em conjunto.
A primeira delas foi colocar policiais nas áreas mais críticas para fazer rondas a pé, não com a intenção de prender, mas com o propósito de conhecer as pessoas que viviam na região e dar a elas uma sensação de segurança. “Desta forma, os trabalhadores, pessoas pobres, poderiam se sentir seguras ao sair de casa e fazendo isso elas poderiam renovar esta área”.
A aplicação da lei também continuou acontecendo, mas com outro enfoque. Em vez de prender pequenos traficantes que vendiam crack nas ruas, as autoridades de segurança focaram seus esforços para pegar o escalão mais alto do tráfico de cocaína.
“Se continuássemos prendendo pessoas do nível mais baixo do tráfico, chegaria a um ponto que teríamos que prender crianças de dez ou 12 anos, que eram os vigias destes pequenos vendedores de crack. Então mudamos nossa abordagem e fomos atrás de quem fornecia a cocaína para os vendedores de crack. Isso não foi fácil, levou tempo para planejar e fazer boas operações, mas isso fez com que diminuísse a disponibilidade de cocaína na área para ser transformada em crack”, afirma Stutman.
Além disso, o governo americano investiu na prevenção e educação. “Você dá ao crack uma associação tão ruim, que mesmo as pessoas que são usuárias de drogas vão dizer que não querem usar isso, que é muito ruim”, conta Stutman.
Drug Courts Outra medida tomada foi a de organizar um sistema de tratamento que estivesse disponível para as pessoas que quisessem se recuperar do vício das drogas. Nos Estados Unidos, as “Drug Courts”, uma espécie de tribunal especializado para atender usuários de drogas que cometeram crimes não violentos, surgiram em 1989, na Flórida, e se tornaram um caso de sucesso no tratamento de dependentes.
A juíza Jodi Debbrecht Switalski, que trabalhou nos tribunais de tratamento em Michigan e é reconhecida pelo seu trabalho na luta contra a epidemia de drogas sintéticas e opioides nos Estados Unidos, explicou como funcionam as Drug Courts.
“O indivíduo é exposto ao sistema de justiça criminal se ele cometeu algum crime, e como as cortes de tratamento são voluntárias, os usuários de drogas decidem se querem enfrentar a justiça criminal ou o tratamento, que não é um processo fácil, porque a pessoa tem que ficar sóbria, ir à recuperação, passar por diversos processos para ficar saudável”, afirma Switalski.
Entretanto nem todos os dependentes de drogas que cometeram crimes são elegíveis para as Drug Courts. Aqueles que cometeram delitos mais graves, como abuso sexual e assassinato, representam um risco maior, então são encaminhados para outros tribunais. Pessoas que representam um risco mais baixo também não são selecionadas para as Drug Courts, porque geralmente ficam em liberdade condicional, em observação.
Segundo o instituto nacional de Justiça dos Estados Unidos, em 2015 existiam 3.142 Drug Courts no país. Switalski conta que os custos que elas representam são muito inferiores aos gastos de se manter uma pessoa presa. “Por exemplo, na minha jurisdição, custa em torno de US$ 60.000 (R$ 314 mil) para manter uma pessoa presa por ano, e sei que em alguns lugares este valor chega a US$ 90.000 (R$ 471 mil). Já o protocolo de tratamento custa US$ 1,37 por dia, então significativamente o custo é menor”.