sexta-feira, 30 de julho de 2021

STF ENTRA EM COLISÃO COM O EXECUTIVO

 

STF x Bolsonaro

Por
Madeleine Lacsko – Gazeta do Povo

Estátua A Justiça, de Alfredo Ceschiatti, praça dos três poderes, Fachada do Supremo Tribunal Federal (STF)

STF publicou hoje em suas redes vídeo que tenta desmentir Fake News, mas a emenda fica pior que o soneto.| Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Eu estava toda radiante com a medalha de prata da Rebeca Andrade, daí me mandaram um link com uma postagem do STF. E eu só fiquei pensando por que cargas d’água alguém resolve cometer um desatino desses e justo hoje. Posto aqui o vídeo e depois explico por que é inadequado institucionalmente e completamente arcaico e ineficiente sob o ponto de vista técnico.

Fiz parte da equipe que criou as redes sociais do STF, durante a presidência do ministro Gilmar Mendes, entre 2008 e 2009. A documentação interna produzida pela equipe para atuação nesses canais tinha a maior preocupação com institucionalidade. Ali não é o canal do Felipe Neto ou do MBL, é a Suprema Corte de um país. Aliás, fosse canal de YouTubber, pelo menos a edição, sonorização e locução do vídeo postado hoje seriam mais profissionais.

Há um conceito que aprendi naquela oportunidade profissional, o da magnanimidade na posição institucional. Ministros do STF são pessoas e, embora não seja o que se espera deles, podem entrar em embates pessoais de todo tipo de natureza, inclusive pela imprensa. A Suprema Corte de um país jamais entra em bate-boca ou intitula-se dona da verdade. É um caminho kamikaze numa hora grave.

A magnanimidade é o posicionamento necessário tendo em vista que o STF deve ser o guardião da Constituição Federal e é peça chave no sistema de freios e contrapesos dos Poderes da República. É fato que há uso político da disseminação de uma mentira sobre decisão do STF. No entanto, uma investida atabalhoada e pouco institucional só piora as coisas.

O presidente da República adotou a lenha botada na fogueira e já jogou mais gasolina. Diz que o STF cometeu crime. Ou seja, o STF virou ator político e o presidente da República virou juiz. Você pode odiar o STF e os ministros, mas a instituição Suprema Corte é o que garante o equilíbrio de um sistema político.

Num exemplo prático: qual a diferença entre a Venezuela e a Bolívia? Hugo Chávez conseguiu convencer o povo a implodir o “STF” deles, Evo Morales tentou mas não conseguiu. A Suprema Corte venezuelana tinha problemas sim, aliás bem piores que os nossos. Ocorre que poder não admite vácuo. Assim que se retiram os freios e contrapesos, os políticos ocupam este espaço de poder sem pedir licença. O resultado é sempre imprevisível.

O vídeo começa dizendo uma frase do propagandista do nazismo, Joseph Goebbels: uma mentira repetida mil vezes vira verdade. Questiona a afirmação e responde de forma absolutamente pueril que isso não acontece. Então não aconteceu no Holocausto? As mentiras repetidas mil vezes não viraram verdade? Seria cômico se não fosse trágico.

Termina com uma hashtag que nem sei como comentar, foi como jogar álcool em gel nos meus olhos: #VerdadesDoSTF. Em primeiro lugar, o STF não decide o que é verdade, decide o que é constitucional. Depois, o STF não é dono da verdade. A hashtag pode induzir a leitura dúbia, a de que alguns fatos seriam verdadeiros só para o STF.

O grande problema do vídeo, no entanto é o negacionismo científico. Há publicações científicas mostrando que duas coisas não funcionam na era da Cidadania Digital, a que vivemos hoje:

  1. Contrapor fatos para estabelecer a verdade em grupos que já divulgam Fake News.
  2. Utilizar interlocutores em que um grupo não confia para constestar suas “verdades absolutas”.
    O vídeo do STF faz as duas coisas e com dinheiro público.

Fosse uma peça poderosa de comunicação, capaz de acabar com a lenda urbana mentirosa do STF tirando poderes do presidente da República, talvez até valesse avaliar o risco institucional. Ocorre que a peça é um tiro no pé, só serve para gerar mais suspeição sobre a Suprema Corte nos grupos que já não simpatizam com ela.

Isso não sou eu quem estou dizendo, é a ciência. Ignorar fatos científicos porque eles não encaixam na nossa narrativa nunca acaba bem. Todo mundo tem um amigo ou parente que entrou em paranóia por causa de grupo de Whatsapp ou de internet. Eles cismam com uma coisa e danem-se os fatos. Na comunicação há um grupo parecido, aquele que acredita na possibilildade de desmontar Fake News com fact checking.

A ineficácia de fact checking para quem acredita ou compartilha Fake News é um fato científico, não uma opinião minha ou de outra pessoa. Poderia passar o dia empilhando estudos feitos com método científico que comprovam este fato. Vários deles estão compilados no livro Psychology of Fake News, da editora Routledge, que custa quase mil reais mas está de graça no Kindle do Brasil.

Como já trouxe aqui na coluna o último estudo do Jay Van Bavel sobre o tema, além de inúmeros outros, trago hoje o da Briony Swire-Thompson. Ela é uma pesquisadora das universidades Northwestern e Harvard dedicada exclusivamente a compreender por que algumas pessoas não podem ser convencidas por fatos e quais as melhores formas de abrir os olhos desses indivíduos para a realidade.

O estudo publicado há 15 dias traz novidades sobre as formas de trazer à realidade pessoas que acreditam em Fake News. Um ponto importante é que desinformação depende da formação de um grupo fechado. Pessoas que não são respeitadas pelo grupo simplesmente não serão ouvidas. O STF não será ouvido pelas pessoas que distorcem o resultado de um julgamento. É necessário outro interlocutor.

Além disso, falar antes a desinformação para depois corrigir dificulta o processo cognitivo da correção pelo fenômeno da familiaridade. Explico. O vídeo utiliza a negação “é falso que o Supremo tenha tirado poderes do presidente da República”. Quem acredita nisso vai ouvir “Supremo tirado poderes” e “presidente da República”. O cérebro registra como um conceito familiar e a pessoa agarra-se ainda mais a essa convicção. Familiaridade é mais importante do que os fatos. Campanhas de convencimento utilizam frases afirmativas sempre.

O estudo chamado “Os efeitos de tiro pela culatra após a correção da desinformação estão fortemente associados à confiabilidade” diz que checadores de fatos jamais devem evitar publicar a checagem ou compartilhar com um grupo. É importante que os fatos sejam colocados e a maioria da sociedade tem abertura para evoluir em posicionamentos individuais quando percebe que a questão é mais complexa ou descobre novos fatos. Ocorre que o STF não tem a reputação social de checador de fatos, é de Suprema Corte mesmo, de quem delibera, opina.

Desmentir informações chama-se “debunking” no jargão técnico. É muito menos eficiente em esquemas de desinformação do que o “prebunking”, algo que não foi feito. A vacina aqui é mais eficiente que remédio porque o remédio até cura, mas não impede sequelas. É impossível prevenir que se crie uma mentira sobre uma pessoa, um fato ou uma instituição. Restabelecer a verdade, no entanto, não se faz no grito nem no improviso.

Os Poderes da República entram numa guerra infantil sobre quem tem razão e colocam-se uns contra os outros de uma forma cada vez mais assustadora. Não importa quem começou a briga, importa quem entrou nela sem lembrar da responsabilidade que tem. Aprendi em Angola um ditado que nos serve agora: “em briga de elefante, quem sofre é o capim”.


Leia mais em: https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/madeleine-lacsko/o-video-kamikaze-do-stf/
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quinta-feira, 29 de julho de 2021

GAMERS E AS CRIANÇAS

Cyberespaço

Por
Madeleine Lacsko – Gazeta do Povo

| Foto: Unsplash / Reprodução

Preciso começar respondendo a pergunta: quem são os gamers? Quase todo mundo. É gente de todas as idades, países, classes sociais, ideologias e religiões. Estima-se que há 2 bilhões e 700 milhões de gamers no mundo. Eu tenho um em casa e você deve ter também. Ano passado, a indústria de games faturou US$ 179 bilhões, mais que a combinação de Hollywood com a indústria esportiva dos EUA.

O que vemos ser chamado de “gamer” é uma visão estereotipada, que tem como base os grupos sociais vistos como mais fanáticos por videogame. Conheço senhoras de tailleur mais fanáticas e dedicadas, mas a ideia de “gamer” está no nosso imaginário, é algo parecido com a nossa sensação diante da palavra YouTubber. Sabemos racionalmente que é gente de todo tipo, mas formamos um estereótipo.

É justamente nesse estereótipo do gamer que estão interessadas a grande mídia e tudo quanto é político, não nos gamers em si. Talvez imaginem que podem atrair a pujança e a abundância de uma indústria que só cresce inserindo games de qualquer forma tosca no contexto. Às vezes dá certo.

Foi o caso do Gamergate, nos Estados Unidos. Já havia uma confusão enorme entre os gamers mais badalados, produtores de jogos, jornalistas de games e streamers. Ao resolver apoiar com seu Breitbart News o lado dos gamers, e não das mulheres atacadas, ganhou aderência política no grupo.

A vantagem de ter apoio dos gamers mais badalados, seja na política ou na mídia, é que eles sabem como funciona a internet e o poder psicológico da manipulação online. Desde o Gamergate até hoje, as técnicas para subjugar a vontade e a pauta dos grandes formadores de opinião é a mesma. Funciona há 8 anos e continuará funcionando porque o mainstream subestima a inteligência e o poder dos gamers.

Sou da época em que se fazia a discussão arcaica sobre a relação entre games violentos e comportamentos violentos. Muita coisa mudou. Antes, a gente jogava só ou com pessoas no mesmo aparelho. Hoje, é possível formar comunidades enormes e jogar junto com diversas pessoas ao redor do mundo. O balanço entre socialização e dedicação aos games passou a ser a baliza da sanidade.

Gamers que já têm uma vida social satisfatória, gostam dos jogos e querem conhecer mais pessoas tendem a ter melhora na sociabilidade, cognição, rapidez de raciocínio e coordenação motora. Isso com qualquer jogo. O problema está nas pessoas que precisam do estilo de vida que a sociedade estereotipou como gamer para construir sua identidade social. Conseguirão criar uma persona e viver essa fantasia o tempo todo.

Agora também estamos diante de uma questão geracional. O universo gamer une, em fóruns fechados, adultos e crianças. Como proteger as crianças? Hoje, a idade média do gamer é 34 anos. Os maiores de 50 anos são 26% do público e os menores de 18 anos são 25%. Ocorre que, entre crianças e adolescentes, 97% jogam frequentemente e o tempo de uso de games é maior.

Videogames são armas poderosas, não são brinquedos. Foram criados inicialmente para dessensibilizar soldados que seriam mandados à II Guerra Mundial. Os jogos preferidos das crianças são aqueles que conectam o grupo todo e possibilitam vivências em que eles formam times ou equipes. Brincam juntos e resolvem conflitos entre si, o que foi excelente para a socialização durante a pandemia.

A abordagem das crianças sobre os games é diferente porque trata-se da primeira geração genuinamente digital, que enxerga o cyberespaço como parte da vida, não como universo à parte. É um recurso para socializar com os amigos, desafiar-se e divertir-se em qualquer hora e lugar. Os problemas estão em quem tem toda sua vida, socialização e identidade girando em torno do universo gamer. São os que fazem o caminho inverso, começam nos games e vêem a vida como auxiliar.

Adultos e crianças já estão no mesmo espaço na vida real. Minha geração sumia de manhã para brincar na rua sem celular. Agora é a mesma coisa, mas sem altercações físicas e joelhos ralados. A turma está junta no game e os pais não fazem a menor ideia de onde eles estão nem o que estão fazendo. É saudável e normal do crescimento. O problema sempre foi quando um adulto desconhecido quer se enfiar no grupo de crianças sem autorização dos pais. Continua sendo.

A diferença é que a minha geração sabia muito bem o que dava status e poder para adultos e como eles podem manipular as crianças. A nossa enfrenta um desafio complicado. Não compreendemos quem são os adultos cuja vida e identidade foram construídas em torno da vivência gamer. É muito diferente de jogar e até de jogar muito e ser apaixonado, é de só entender o próprio valor humano neste universo.

Crianças amam games porque é a possibilidade de brincar e interagir o tempo todo com os amigos. Quase todos jogam e é sinônimo de socialização. Já os adultos que adotam o estereótipo do gamer como identidade são justamente esses apontados como mais provavelmente problemáticos. O que acontece quando damos poder a esses adultos no mundo real, com base naquilo que representam no universo gamer?

O SBT criou recentemente um programa com gamers. Jair Bolsonaro tem seus gamers. Depois Boulos também. Agora Lula e Ciro terão seus gamers de estimação. Todos são adultos e não é possível saber o que farão tendo poder sobre crianças. Já vi um pregando assassinato de adversários políticos. Agora surgiu o que usa o poder para abusar sexualmente de menores.

O influenciador de Fortnite Raulzito já tinha status neste nicho específico, dos gamers e streamers. Ganhou a chance de brilhar no mainstream e transformou isso em poder. Segundo denúncias feitas por várias mães à Polícia Civil de Santa Catarina, a fama facilitava sua aproximação de atores mirins com idades entre 10 e 14 anos. Ele prometia que iriam trabalhar na televisão como desculpa para aproximar-se deles. Está preso inicialmente por 30 dias.

Em janeiro deste ano, aconteceu algo parecido com o time de LoL do Flamengo Sports. Guilherme “Kake” Braga foi banido após acusações de assédio sexual. No mesmo dia, outra estrela do LoL, Gabriel “MiT” Souza também foi acusado da mesma prática, caso que é debatido na Justiça até hoje.

Foi um 5 de janeiro inesquecível para os gamers. Houve ainda mais uma acusação, essa envolvendo algo que pode acontecer em todas as melhores famílias. Uma moça de 16 anos relatou que um gamer famoso e maior de idade teve conversas sexuais com ela quanto tinha 15. Giselle Esquina postou as conversas que teve com Filipe “pancc” Martins.

Sabe aquelas histórias que a gente sempre ouviu de famoso utilizando o poder que tem para seduzir menores que nem imaginam tratar-se de um abuso? Isso pode entrar em casa agora. Estamos preparados para proteger as crianças ou ainda temos uma mentalidade analógica que não enxerga esse problema? Segundo o Conselho de Direitos Humanos da ONU, é preciso avançar muito ainda.

Hoje, a identidade de uma pessoa começa a ser construída quando a gente compartilha a foto do bebê após o parto. Pode ser com a família, pode ser com o mundo todo. Temos de começar a pensar na importância da privacidade e da preservação da imagem das crianças. Não são elas quem optam pela exposição, isso é feito por quem deveria resguardá-las.

Longe de mim condenar quem quer mostrar seu bebê maravilhoso para todo o mundo. Eu sei como é ser mãe, dá a impressão de que ninguém nunca teve filho antes. Ocorre que estamos diante de um mundo cuja lógica de relacionamentos e memórias é regida por uma tecnologia ainda nova para nós. Precisamos pensar no impacto das nossas ações na construção da história dos nossos filhos. Hoje, tudo se constrói também online.

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O CRISTIANISMO E AS RELIGIÕES (PARTE 1)

 

Por
Flavio Gordon

Imagem ilustrativa.| Foto: rperucho/Pixabay


“O Cristianismo é a religião das religiões porque, em sua plenitude, esclarece e revela a natureza, a essência peculiar, de todo sistema religioso” (M. Bakunin)

O sentido usual da palavra “religião”, compreendida como esfera autônoma em relação a outros domínios (política, ciência, economia etc.), e sobretudo como questão de escolha individual e privada, tem origem cristã. Encontramo-lo, por exemplo, num dos mais antigos e originais documentos de apologética cristã, a Epístola a Diogneto, texto de autoria desconhecida, provavelmente endereçado ao imperador Adriano, arconte de Atenas por volta do ano 120 d.C., que demonstrara curiosidade crescente pela maneira com que os cristãos aparentavam desprezar o mundo, não temer a morte e os deuses pagãos. Em atenção à perplexidade de Adriano, o cristão anônimo autor da epístola descreve a própria religião nos seguintes termos:

“Os cristãos, de fato, não se distinguem dos outros homens, nem por sua terra, nem por sua língua ou costumes. Com efeito, não moram em cidades próprias, nem falam língua estranha, nem têm algum modo especial de viver. Sua doutrina não foi inventada por eles, graças ao talento e a especulação de homens curiosos, nem professam, como outros, algum ensinamento humano. Pelo contrário, vivendo em casas gregas e bárbaras, conforme a sorte de cada um, e adaptando-se aos costumes do lugar quanto à roupa, ao alimento e ao resto, testemunham um modo de vida admirável e, sem dúvida, paradoxal. Vivem na sua pátria, mas como forasteiros; participam de tudo como cristãos e suportam tudo como estrangeiros. Toda pátria estrangeira é pátria deles, e cada pátria é estrangeira. Casam-se como todos e geram filhos, mas não abandonam os recém-nascidos. Põem a mesa em comum, mas não o leito; estão na carne, mas não vivem segundo a carne; moram na terra, mas têm sua cidadania no céu; obedecem às leis estabelecidas, mas com sua vida ultrapassam as leis”.

A ideia de “ultrapassar as leis” seria absolutamente impensável no universo religioso greco-romano, como também nas demais religiões abrâamicas, mais baseadas na lei do que na fé. Temos aí sistemas religiosos totais, nos quais a lei transcendente se aplica a todos os aspectos do mundo dos homens, tanto ao nível individual quanto ao coletivo. Incide sobre a vida privada e familiar, sobre a prece, sobre os rituais, sobre as normas de etiqueta, sobre os negócios, sobre a legislação, sobre a política, sobre as práticas sanitárias e alimentares, e assim por diante. Não há, pois, como falar em “religião” nesse contexto, precisamente porque não há nada que se lhe escape. Se tudo aí é religião, o próprio termo perde o sentido.

Sobre o contexto muçulmano, por exemplo, Bernard Lewis explica em A linguagem política do Islã (1988): “Quando nós, no Ocidente, usamos as palavras ‘Islã’ e ‘islâmico’, tendemos a cometer um erro natural, pressupondo que religião tem para os muçulmanos o mesmo sentido que para o mundo ocidental, a saber: um compartimento da vida reservado a certas questões, separado, ou ao menos separável, de outros compartimentos equivalentes. Não é assim que funciona no islamismo… A distinção entre igreja e Estado, tão profundamente enraizada na cristandade, simplesmente não existe no Islã. No árabe clássico, bem como em outros idiomas que dele herdaram o seu vocabulário político e intelectual, não há um par de termos que corresponda a espiritual e temporal, leigo e eclesiástico, ou religioso e secular… Não há aí algum equivalente à palavra laicidade, uma expressão sem sentido no contexto islâmico”.

No Cristianismo, com efeito, a esfera religiosa está, desde o início, conceitualmente apartada da sociedade dos homens e da vida terrena. Ao contrário de judeus e muçulmanos, os cristãos – como diz a epístola – não se distinguem por sua terra, língua ou costumes, adaptando-se facilmente a qualquer cultura e organização social. A unidade do Cristianismo se dá exclusivamente noutro plano, autônomo e transcendente em relação à existência mundana, e que, por isso mesmo, pode ser propriamente definido como religioso.


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O CRISTIANISMO E AS RELIGIÕES (PARTE 2)

 

O Cristianismo e o conceito de religião (parte 2)

Por
Flavio Gordon – Gazeta do Povo

| Foto: awsloley/Pixabay

Em todas as grandes religiões anteriores ao Cristianismo, encontrava-se, mutatis mutandis, a seguinte configuração: a cristalização de uma cosmologia geral numa dada estrutura social. Sendo a ordem social uma expressão da ordem cósmica, não havia nesse contexto possibilidade de contato direto com a transcendência, acessível somente por intermédio da natureza, da sociedade, da polis ou do Estado. O Cristianismo rompe essa mediação, dessacralizando, por um lado, as forças naturais (características das religiões cosmológicas anteriores), e, por outro, a comunidade e a crença coletiva, instituindo com isso a soberania da consciência individual autônoma, e oferecendo aos homens o acesso direto à revelação, através de sua encarnação na figura de Jesus. Como explica Fustel de Coulanges em A Cidade Antiga (1864): “Enquanto outrora se haviam fabricado deuses da alma humana ou das grandes forças físicas, começou-se agora a conceber Deus como sendo, por sua essência, verdadeiramente estranho à natureza humana, por um lado, e ao mundo, por outro lado”.

O Cristianismo é simultaneamente supracósmico, universalista e individualista. Ele não se dirige nem a uma comunidade particular, nem a uma sociedade genérica, mas a todos os indivíduos solitários (representados por Jesus de Nazaré), desafiando com isso a autoridade civil e os cultos estatais. Desafiando em última análise as próprias noções tradicionais de política, sociedade, história e natureza. Como escreve o historiador Peter Brown: “Os cristãos adoravam um Deus que, sob muitos aspectos, estava acima do espaço e do tempo”.

Como explica Eric Voegelin em A Nova Ciência da Política, os germes da inovação cristã apareceram, de fato, antes do Cristianismo, num momento da história que o filósofo Karl Jaspers denominou de “período axial”, entre os anos 800 e 300 a.C. Desenvolveram-se nesse período conceitos como os de Tao (na cultura chinesa clássica), Brahman (na tradição védica do hinduísmo), Yahweh (entre os antigos hebreus) e Agathon ou “o Bem” (na filosofia platônica). Mutatis mutandis, todos eles remetiam à ideia de uma verdade última, transcendente, alheia à realidade da sociedade humana. Isso desafiava a concepção de verdade comum aos impérios cosmológicos do passado (China pré-confucionista, Egito, Babilônia, Assíria etc.), em que a sociedade como um todo era tida como encarnação da ordem cosmológica.

Aquilo que Sócrates e Platão propuseram originalmente a um grupo restrito de filósofos foi universalizado pelo Cristianismo a todos os homens

O “período axial” é marcado pela intensa atividade intelectual e espiritual de homens como Sidarta Gautama (Buda), Confúcio, Heráclito, Sócrates, Platão, o profeta Isaías, entre outros. Esses homens testemunharam a verdade da transcendência e a soberania do espírito individual em sua busca por apreendê-la. Temos, portanto, duas visões de mundo rivais, uma que postula uma verdade sociocósmica (coletiva), e outra que introduz o conceito de verdade metafísica transcendente, independente da sociedade, que só pode ser buscada pelo espírito individual do profeta, sábio, teólogo ou filósofo, tipos que o historiador Arnold Toynbee chamou de “filósofos autossuficientes”, por terem confrontado a comunidade e questionado sua autoidolatria.

Aquele momento histórico singular já havia sido destacado também por Henri Bergson, que cunhou os conceitos de “sociedade fechada” e “sociedade aberta” para contrastar as duas visões de mundo. Inspirando-se no filósofo francês, Voegelin denomina a passagem histórica de “abertura da alma”. Embora tenha surgido independentemente em diversas civilizações, essa novidade metafísica e espiritual, diz o autor, teve sua mais completa elaboração na Grécia, com Sócrates e Platão. Contrapondo-se a Protágoras, Platão ensina em As Leis que a medida de todas as coisas é Deus, não o homem ou a ordem social. Ou seja, a realidade empírica (acidental) não pode ser medida imanentemente com referência a si própria, mas apenas por uma verdade transcendente necessária, capaz de ser acessada pelo filósofo cuja alma (psyche) se mantenha aberta à transcendência.


O Cristianismo contra o Estado
A “abertura da alma” é também o tema central do famoso Mito da Caverna (Livro VII da República), que descreve a conversão do filósofo e a sua ruptura com a ilusão da existência humana (materializada, na visão platônica, pela cultura sofística de Atenas) em direção ao mundo das Ideias. Antes de Platão, os deuses gregos não eram outra coisa que a corporificação de forças cósmicas, que andavam, por entre os homens, nos templos e nas praças. O Deus platônico, o Bem supremo (Agathon), torna-se absoluto, inacessível ao homem social, conhecido apenas pela intelecção filosófica do indivíduo. Sócrates nunca pretendeu fundar uma religião ou qualquer culto público. Ele apenas testemunhou, enquanto indivíduo, a existência de uma verdade universal transcendente à opinião (doxa) comum e à verdade coletiva.

Aquilo que Sócrates e Platão propuseram originalmente a um grupo restrito de filósofos foi universalizado pelo Cristianismo a todos os homens. A partir daí, a transcendência deixa de ser apenas metafísica e passa a ser soteriológica. Deixando de lado a intenção hostil, Nietzsche não estava de todo errado ao caracterizar o Cristianismo como um “platonismo para os pobres”. Radicalizando a conquista da filosofia grega, o Cristianismo cortou transversalmente a oposição entre o cosmos e a história (ou entre a natureza e a cultura) por meio de um eixo vertical que liga diretamente a alma humana individual à transcendência.

Como mostra Olavo de Carvalho em O Jardim das Aflições, a partir do momento em que assistimos à negação desse eixo vertical (a “morte de Deus”), tem início, na imanência espaço-temporal, uma disputa contínua para ver quem conquista o reino deste mundo: ora sacraliza-se o cosmos, ora a história; ora o mundo, ora o homem; ora o objeto, ora o sujeito. Toda reação à religião, voluntária ou involuntária, consiste, portanto, numa espécie de combate à transcendência tal qual conceitualizada pelo Cristianismo, uma tentativa de “retorno” à imanência espaço-temporal. É por isso que, como escreve Camus em O Homem Revoltado, a história da revolta, no mundo ocidental, é inseparável da história do cristianismo.


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SERIADO DE TV AJUDA O MARKETING NO MUNDO DIGITAL

 

 Por Mayara Kelly Paz – Agência Mestre

Você, publicitário, já assistiu ou conhece alguém que já viu a série Mad Men? Entre os anos de 2007 e 2015, o seriado foi considerado um fenômeno mundial trazendo ensinamentos muito importantes sobre o universo do marketing e da publicidade.

Com um protagonista genial e aplicações de técnicas que já vimos aqui no blog Mestre e na Startup ValeOn, a série traz um ótimo conteúdo sobre como você pode vender a sua imagem – ou a imagem da sua empresa e marca – ou aprender lições valiosas sobre copywriting.

Neste artigo, você verá alguns insights sobre o mundo publicitário que tiramos do seriado e que você pode aplicar na vida real. Continue lendo e confira!

Quais lições atemporais que aprendemos com Mad Men?

A série que foi bastante reconhecida e premiada ao longo dos anos, conta com 7 temporadas e 92 episódios eletrizantes com estrelas que representam bem as figuras da publicidade nos anos sessenta.

Assim como os diversos livros sobre marketing digital, a série tem levado o mundo do marketing para os holofotes e traz ótimas lições sobre o dia a dia de quem trabalha com publicidade e compartilha técnicas impressionantes que todo freelancer ou agência precisa saber. 

Diante disto, confira os maiores aprendizados que tivemos com essa obra e que aplicamos no dia a dia da Agência Mestre e na Startup ValeOn:

Pense como eles: os seus clientes

Algo constante no trabalho do protagonista de Mad Men é que ele reconhece a importância de não apenas entender o cliente, mas sim, de pensar como eles. Entrar em suas cabeças e influenciar diretamente o seu poder de escolha e compra para o seu serviço e suas soluções.

Sempre se questione, se você fosse o consumidor, você iria querer comprar esse produto? Isso pode levá-lo a objeções e questionamentos que levarão a sua agência ao sucesso.

Entender o seu público-alvo é essencial

Algo que o protagonista de Mad Men deixa bem claro em suas campanhas publicitárias é sobre a importância de ouvir e entender quem é o seu público-alvo. Não apenas entregando o que seu público pede, mas também, o que ele precisava e queria.

É muito importante alinhar a sua produção com a linguagem e tom do seu cliente e público-alvo. Os seus textos, anúncios, vídeos e qualquer outro tipo de produção precisa acompanhar e atingir a sua persona exatamente na dor que ela quer solucionar.

A criatividade é o que faz você se destacar

O mercado publicitário é o exemplo real de que se você não inovar, ficará para trás. E isso é algo muito presente no decorrer da trama de Mad Men. 

É muito presente na série a preocupação de estudar e pesquisar algo novo para garantir destaque no marketing. Procurar referências externas, backgrounds e toques de personalidade é o que faz uma agência entrar para o topo daquelas que produz as melhores peças e campanhas de publicidade.

Além disso, o personagem principal do seriado aponta a importância de descrever não apenas a funcionalidade que o seu produto ou serviço tem, mas também, as sensações que ele provoca na sua persona.

Produza conteúdos de qualidade

Sabemos que um leitor de blog espera que o conteúdo produzido ali responda às suas dúvidas. Para fidelizar esse leitor e transformá-lo até em um consumidor, é importante que todo e qualquer conteúdo seja de qualidade.

Passar credibilidade e responder às dores do seu consumidor faz com que ele confie cada vez mais no seu trabalho e nos seus serviços. Assim, sempre que ele precisar de algo, ele vai recorrer ao seu blog, seus serviços e produtos e consequentemente, as suas soluções.

Pesquise, estude e reveja tudo o que você acha que sabe sobre marketing!

Logo no primeiro episódio da primeira temporada de Mad Men, Don Draper – o protagonista da série – fica encarregado de criar uma campanha enfrentando alguns dilemas sobre o desenvolvimento.

Conversando e pesquisando com alguns consumidores do produto que ele teria que promover, buscando algumas informações e inspirações, ele entendeu o que poderia fazer de diferente para dar destaque nesse produto.

E o que nós podemos aprender com isso? Seja qual for o produto ou assunto que você vai precisar abordar em suas campanhas, não dispense uma boa pesquisa! 

Para falar com propriedade, é necessário entender o produto que será retratado, as suas particularidades e as vantagens quando comparado com a sua concorrência direta e indireta.

Além disso, Mad Men tem o poder de fazer com que repensemos tudo o que nós achamos saber sobre o mundo do marketing e da publicidade. Quanto mais você estiver aberto a aprender, mais por dentro das novidades e das novas técnicas, você estará.

Afinal, o marketing representado em Mad Men existe?

Apesar de se tratar de uma obra ficcional, Mad Men é muito atual e trata situações que vemos no dia a dia atual de quem trabalha com publicidade. A concorrência do mercado digital é muito grande e muitas pessoas publicando, escrevendo e divulgando uma mesma coisa, pode se tornar cansativo para o cliente.

Por isso, todos esses ensinamentos que pegamos e aplicamos no decorrer do cotidiano como especialistas de marketing, fazem total diferença para ser aquela opção que o cliente irá escolher!

STARTUP VALEON – CONSIDERAÇÕES IMPORTANTES

Olá tudo bem?

Você empresário que já escolheu e ou vai escolher anunciar os seus produtos e promoções na Startup ValeOn através do nosso site que é uma Plataforma Comercial Marketplace aqui da região do Vale do Aço em Minas Gerais, estará reconhecendo e constatando que se trata do melhor veículo de propaganda e divulgação desenvolvido com o propósito de solucionar e otimizar o problema de divulgação das empresas daqui da região de maneira inovadora e disruptiva através da criatividade e estudos constantes aliados a métodos de trabalho diferenciados dos nossos serviços e conseguimos desenvolver soluções estratégicas conectadas à constante evolução do mercado.

Ao entrar no nosso site você empresário e consumidor terá a oportunidade de verificar que se trata de um projeto de site diferenciado dos demais, pois, “tem tudo no mesmo lugar” e você poderá compartilhar além dos conteúdos das empresas, encontrará também: notícias, músicas e uma compilação excelente das diversas atrações do turismo da região.

Insistimos que os internautas acessem ao nosso site (https://valedoacoonline.com.br/) para que as mensagens nele vinculadas alcancem um maior número de visitantes para compartilharem algum conteúdo que achar conveniente e interessante para os seus familiares e amigos.

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AS URNAS ELETRÔNICAS PODEM MESMO SEREM VIOLADAS?

 

Segurança das eleições
Por
Renan Ramalho – Gazeta do Povo

Último modelo de urna eletrônica do TSE, desenvolvido em 2020| Foto: Antonio Augusto/Ascom/TSE

Apesar das reiteradas acusações do presidente Jair Bolsonaro sobre a ocorrência de fraudes na contagem dos votos nas eleições de 2014 e de 2018, especialistas, investigadores e técnicos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) são unânimes ao afirmar que nunca foi provada qualquer adulteração das escolhas feitas pelos eleitores na urna eletrônica.

Mesmo assim, dentro da comunidade acadêmica, há consenso entre cientistas da computação e analistas de segurança eletrônica de que existem fragilidades e que é possível melhorar o sistema de votação no Brasil, apesar de avanços recentes no TSE. Por isso, boa parte deles defende a implantação do voto impresso como um mecanismo de certificação do resultado, mas rejeita o discurso de Bolsonaro de que disputas presidenciais recentes não foram limpas.

“Essa argumentação não tem qualquer respaldo em provas e informações coletadas até então, tanto pelos pesquisadores acadêmicos quando pelas autoridades de Justiça. Realmente nunca houve fraude comprovada”, afirma Mario Gazziro, professor de engenharia da informação na Universidade Federal do ABC (UFABC) e que, junto com outros especialistas em tecnologias de votação, aconselha o deputado Filipe Barros (PSL-PR), relator da proposta de emenda à Constituição (PEC) do voto impresso na Câmara.

É o que também atesta Marcos Camargo, presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF), cujos integrantes participam de testes e verificação de softwares instalados nas urnas.

“Até o momento, nunca houve qualquer comprovação de fraude nas urnas eletrônicas desde que elas passaram a ser usadas nas eleições brasileiras. Nenhuma análise das urnas ou de outros elementos que estivessem relacionados a indícios de fraude confirmou que isso tenha havido”, diz o perito.

Apesar disso, os dois dizem que há falhas na urna eletrônica que podem torná-las mais vulneráveis a tentativas de fraude. Uma comprovação, no entanto, dependeria de investigações periciais e forenses mais aprofundadas. Uma crítica comum é que, historicamente, o próprio TSE sempre dificultou esse tipo de análise. Daí o argumento de que o voto impresso também ajudaria a afastar as recorrentes suspeitas que surgem sobre a votação eletrônica.

Entenda, abaixo, nesta série de perguntas e respostas, quais são essas suspeitas e como o TSE responde a elas:

Quais as principais suspeitas de fraude eletrônica nas eleições e quando ocorreram?
As principais suspeitas, e que levaram a investigações externas, ocorreram na disputa presidencial de 2014 e na eleição para o governo de Alagoas em 2006. No primeiro caso, a desconfiança recaiu sobre o processo de totalização dos votos no TSE. No segundo caso, mais antigo, a suspeita de tentativa de fraude se deu em virtude da ocorrência de falhas acima do comum nas urnas distribuídas no estado.

No pleito de 2014, o PSDB recebeu denúncias de milhares de eleitores, principalmente ligadas à transmissão e soma final dos votos no segundo turno. A suspeita de fraude foi reforçada porque, naquele ano, a divulgação dos resultados da disputa presidencial só ocorreu após as 20 horas, quando terminou a votação no Acre. Somente um grupo restrito no TSE teve acesso aos dados parciais. A evolução parcial da apuração, revelada depois, mostrou que Aécio Neves (PSDB) partiu na frente de Dilma Rousseff (PT), que virou somente por volta das 19h30, quando 88% das urnas estavam apuradas. Ela venceu com 51,64% dos votos válidos.

O PSDB pediu uma auditoria para verificar se houve desvio de votos na transmissão e totalização feita no TSE. Concluiu que, nesta fase final, “não encontrou sinais de erros ou eventuais fraudes sistemáticas que pudessem inverter o resultado”.

Outras denúncias pontuais da eleição – como de eleitores que apareceram na seção e foram informados que outras pessoas haviam votado em seu lugar; de eleitores que se ausentaram mas que tiveram votos registrados; e também de mesários que votaram no lugar de ausentes – foram consideradas “falsas ou apenas falhas localizadas (sem potencial de afetar o resultado)”.

Em relação à disputa de 2006 em Alagoas, uma auditoria externa feita a pedido de João Lira (PTB), que perdeu as eleições para Teotônio Vilela Filho (PSDB), mostrou que mais de 7% das urnas eletrônicas apresentaram arquivos de controle, chamados “logs”, corrompidos. São arquivos internos que registram eventuais problemas durante a votação. Os logs também apontavam 20 mil votos a menos que o total oficial.

Em resposta às suspeitas, o TSE afirmou na época que a falha não comprometeu os arquivos dos resultados e deu o caso por encerrado, sem permitir acesso e perícia aprofundada nos votos digitais armazenados, no software e no hardware nas urnas.

É em razão dessa postura, de limitar verificações de resultados após as eleições, dentro dos arquivos digitais das urnas, que técnicos externos dizem que o sistema eletrônico de votação em seu todo é, na prática, inauditável. A mesma queixa foi manifestada pelo PSDB em 2014.

O que revelaram os testes públicos de segurança, promovidos pelo TSE?
Uma das principais formas de o TSE rebater as críticas é pela realização do Teste Público de Segurança (TPS), no qual especialistas independentes são chamados ao tribunal para tentar invadir a urna eletrônica e adulterar seus sistemas. O objetivo é que colaborem apontando falhas que, segundo o TSE, são sempre corrigidas.

Desde a introdução das urnas eletrônicas no Brasil, em 1996, foram realizadas cinco testes, em 2009, 2012, 2016, 2017 e 2019. Em todos eles, participantes conseguiram encontrar vulnerabilidades. A mais grave foi detectada em 2017, quando uma equipe coordenada pelo professor Diego Aranha, atualmente pesquisador de ciência da computação na Universidade Aarhus, na Dinamarca, conseguiu invadir a urna eletrônica.

A equipe, também composta por Pedro Barbosa (UFCG), Thiago Cardoso, Caio Lüders (UFPE) e Paulo Matias (UFSCar), conseguiu executar um software malicioso e adulterar o comportamento do programa oficial que computa os votos. Foi possível violar o sigilo do voto, inserir na tela mensagens pedindo para o eleitor votar em determinado número e também desviar votos de um candidato para outro. Eles não conseguiram inserir o programa na urna física porque faltou tempo – dizem que poderiam ter feito isso se tivessem mais uma hora disponível.

“Nossa abordagem foi pensada para um fraudador que captura os cartões de memória que instalam software nas urnas antes das eleições, sabendo que cada cartão instala até 50 máquinas”, explicou Diego Aranha em artigo publicado em seu site.

Uma adulteração, de alcance menor, já havia sido conseguida no teste de 2016: técnicos externos conseguiram mexer nos votos em situações em que a urna apresentava pane e tem de ser substituída.

Antes, em 2012, a equipe de Aranha conseguiu outra proeza: desembaralhar os votos depositados em uma urna, de forma a reordená-los na sequência cronológica em que foram digitados na eleição. Isso possibilitaria quebrar o sigilo, consultando a lista do mesário com a relação de eleitores daquela seção. O sigilo também foi comprometido em 2009, quando um pesquisador conseguiu decifrar os botões que eram apertados a partir da frequência de rádio que cada um emitia.

O TSE diz que todas os testes foram úteis para aperfeiçoamentos do sistema eletrônico. Após as correções, o tribunal chama os técnicos externos de volta para verificarem novas blindagens introduzidas na urna. Mesmo assim, eles reclamam do tempo e das condições restritas para realizar os ataques monitorados.

“São apenas três dias para examinar dezenas de milhões de linhas de programação, e é proibido anotar trechos de código em papel ou usar as próprias máquinas, tomando enorme tempo para preparar um ambiente de trabalho”, diz Diego Aranha.

Desde quando o presidente Jair Bolsonaro questiona as urnas eletrônicas? Ele já apresentou provas?
Antes mesmo de sua vitória em 2018, Bolsonaro já lançava dúvida sobre o sistema eletrônico. Em setembro daquele ano, dentro do hospital, quando se recuperava da facada na barriga, ele disse numa live para seguidores nas redes sociais:

“A grande preocupação realmente não é perder no voto, é perder na fraude. Então, essa possibilidade de fraude no segundo turno, talvez até no primeiro, é concreta.”

Bolsonaro foi o autor de uma PEC de 2015 que também previa a impressão do voto. A proposta chegou a ser aprovada na Câmara, mas o voto impresso só virou lei por meio de outro projeto, aprovado no mesmo ano. Ele deveria ser implementado em 2018, mas o Supremo Tribunal Federal considerou a norma inconstitucional antes da eleição.

Desde que tomou posse na Presidência, Bolsonaro repetiu em diversas ocasiões a acusação de fraude na urna eletrônica, mas nunca apresentou evidências concretas. Em março de 2020, num evento em Miami, ele disse que “brevemente” iria apresentar provas de que teria vencido a disputa no primeiro turno.

“Pelas provas que tenho em minhas mãos, que vou mostrar brevemente, eu fui eleito no primeiro turno, mas, no meu entender, teve fraude. E nós temos não apenas palavra, temos comprovado, brevemente quero mostrar, porque precisamos aprovar no Brasil um sistema seguro de apuração de votos”, disse.

Em novembro do ano passado, após votar na eleição municipal, o presidente afirmou: “A minha eleição em 2018 só entendo que fui eleito porque tive muito, mas muito voto. Tinha reclamações que o cara queria votar no 17 e não conseguia. Vão querer que eu prove. É sempre assim. O cara botava um pingo de cola na tecla 7, um tipo de adulteração.”

Neste mês, Bolsonaro disse a apoiadores, na porta do Palácio da Alvorada, que o problema estaria na contagem dos votos no TSE.

Depois, em entrevista a uma rádio de Itapetininga (SP), disse que “o indício mais forte de probabilidade de o sistema não ser seguro” seria uma alternância repetida de forma incomum na liderança durante a apuração dos votos minuto a minuto na eleição de 2014. “Por 231 vezes, ganhava Aécio, ganhava Dilma, ganhava Aécio…”, disse.

No mesmo dia, o TSE divulgou uma tabela e um gráfico da evolução da totalização (veja abaixo) desmentindo o presidente. Os resultados parciais, de 17h01 de 26 de outubro às 02h13 da madrugada do dia 27, mostram que Aécio largou na frente e foi ultrapassado por Dilma apenas uma vez, às 19h32.

Bolsonaro prometeu que, nesta quinta (29), em sua live semanal para seguidores nas redes, vai apresentar as supostas provas de fraude.

Como funciona o sistema da urna eletrônica? Por que o TSE diz que ele é seguro?
A urna eletrônica foi introduzida nas eleições municipais de 1996. Foi criada dentro do próprio TSE não só para agilizar a apuração, mas com o objetivo principal de eliminar fraudes que eram comumente praticadas na contagem manual de cédulas de papel.

Desde 2000, com a universalização do uso da urna eletrônica, a cada pleito, o tribunal distribui pelo país mais de 400 mil máquinas, uma para cada seção eleitoral. O TSE sempre diz que a urna não é ligada à internet e, por isso, durante a votação, não há possibilidade de invasão.

Ao final da votação, os votos inseridos na urna são embaralhados, criptografados e armazenados em um cartão enviado a uma junta eleitoral. De lá, os dados são transmitidos numa rede exclusiva da Justiça Eleitoral para os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs), que conferem se eles realmente vieram de uma urna oficial e os repassa ao TSE, que totaliza e divulga os resultados.

O TSE assegura a confiabilidade do sistema pelo uso de vários mecanismos durante a transmissão desses dados, sendo os principais a criptografia (tecnologia que oculta os dados) e as chaves de segurança secretas (que decifram os dados criptografados).

A urna em si possui o “log”, espécie de caixa-preta que registra todos os eventos durante a votação (hora em que foi ligada, momento de cada voto, eventual pane, desligamento, retirada dos dados, etc.). Além disso, imprime a zerézima antes da votação (comprovante que certifica que não computou nenhum voto) e, ao final, o boletim de urna (que soma todos os votos recebidos durante aquele dia da eleição).

Os resultados de cada urna, apresentados no boletim impresso, podem ser conferidos no site do TSE e no aplicativo oficial Boletim na Mão, inclusive por meio de um QR Code.

Há ainda outros meios de auditoria sempre ressaltados pelo tribunal. Além dos Testes Públicos de Segurança (TPS), o TSE também disponibiliza o código-fonte da urna por seis meses a técnicos indicados por partidos, Polícia Federal, Ministério Público, Forças Armadas, Congresso Nacional, STF, Tribunal de Contas da União, Ordem dos Advogados do Brasil e Conselho Federal de Engenharia.

Essas entidades também são chamadas a participar da cerimônia de lacração da urna eletrônica. Trata-se do momento posterior à inspeção, em que elas podem verificar se os programas inseridos na urna estão íntegros e assiná-los digitalmente, certificando a conferência.


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O que os críticos do sistema dizem? Onde estão as brechas?
Apesar de todos esses itens de segurança e procedimentos de auditoria, especialistas em segurança digital apontam fragilidades, principalmente com base nas invasões realizadas nos Testes Públicos de Segurança.

Ao contrário do que já foi cogitado pelo PSDB e por Bolsonaro, a principal vulnerabilidade não estaria na transmissão e totalização dos dados pelo TSE após a votação.

“É muito remota essa possiblidade, porque o resultado vai ficar discrepante do boletim de urna. Só ia causar um problema temporário, porque o candidato que perdesse ia verificar e ia reclamar diretamente. Um ataque efetivo teria que acontecer dentro da urna”, diz Mario Gazziro, da UFABC.

Para os especialistas, as principais brechas encontram-se no processo de confecção, dentro do TSE, do programa de votação que roda nas urnas, e também no momento em que ele é instalado, por empresas terceirizadas, nas máquinas distribuídas por todo o país.

A primeira hipótese supõe a possibilidade de que um funcionário do TSE possa ser corrompido e tornar-se um fraudador interno, contaminando o programa de votação com algoritmos que possam adulterar a votação no dia da eleição.

A segunda hipótese cogita o risco de que prestadores de serviços, contratados pelo tribunal para preparar as urnas, contratem hackers para invadir o cartão de memória e alterar o programa.

“Não é impossível que essas empresas tenham ligação direta com candidatos, políticos que colocam laranjas para administrá-las”, diz Gazziro.

Ex-secretário de Tecnologia da Informação do TSE e hoje assessor da presidência da Corte, o engenheiro Giuseppe Janino, considerado um dos pais da urna eletrônica, rechaça essa possibilidade. Diz que a urna tem mais de 30 barreiras eletrônicas e não aceita executar programas que tenham sido adulterados.

“Ela verifica se todo software que está sendo rodado é autêntico e está íntegro. Portanto, não permite que qualquer vírus possa ser carregado. Softwares maliciosos podem rodar na urna eletrônica? Isso é boato”, afirmou, durante apresentação do sistema no final de junho a deputados da comissão da PEC do voto impresso.

Os recentes ataques a redes do TSE apresentam risco para as eleições?
Nos últimos anos, foram identificados dois ataques de hackers a computadores do TSE. Em 2018, os invasores se passaram por funcionários de TREs para entrar na rede do tribunal. Conseguiram acessar um sistema chamado Gedai, onde é confeccionado o software da urna.

Em 2020, um novo ataque conseguiu capturar dados administrativos antigos de servidores e ex-ministros. No dia da eleição, a apuração dos votos atrasou algumas horas.

Apesar disso, o TSE sempre afirmou que esses ataques foram interceptados pela equipe de segurança e não impactaram as eleições nesses dois anos. Os dois casos são investigados em sigilo pela Polícia Federal.

Por que o TSE é contra a adoção do voto impresso?
O TSE diz que o sistema eletrônico já é auditável e que a impressão traria de volta riscos de fraude na manipulação física dos papéis.

Também alega custo de até R$ 2 bilhões para aquisição das impressoras e adaptações nas urnas atuais, dificuldades logísticas para operação e armazenamento dos votos impressos e necessidade de treinar mesários e eleitores para problemas no momento da votação.

Gestores do TSE ainda apontam “paradoxos” sobre os reais benefícios da impressão. Um deles é que o registro impresso teria de conter um código verificador de sua autenticidade. Esse código, porém, seria impresso no voto físico pela própria urna eletrônica.

“Desconfiamos da urna eletrônica, e por isso incluímos o voto impresso, mas para podermos confiar no voto impresso, nós necessariamente precisamos confiar na urna eletrônica, porque ela vai autenticar cada voto impresso”, ironizou o secretário da Tecnologia da Informação do TSE, Júlio Valente, durante debate realizado em junho no tribunal com deputados da comissão que analisa a PEC na Câmara.

Ele também aponta riscos de fraudadores clonarem votos e inseri-los na urna física, ou subtraírem votos autênticos do recipiente, o que lançaria dúvida sobre a eleição e judicializaria a disputa.

“Com um simples estilete e acesso ao depósito, qualquer um pode colocar em suspeição as seções eleitorais. Não é preciso dominar nenhum dos vários mecanismos de segurança hoje existentes, como assinaturas digitais e criptografias. Efetivamente diminui a segurança das eleições”, disse Valente.

O que dizem os defensores do voto impresso?
Especialistas em tecnologia da segurança dizem que a impressão do voto é a forma mais simples e eficaz de o próprio eleitor conferir o resultado apresentado pelo sistema eletrônico.

“Os acadêmicos seguem a vertente de pesquisa mundial, que é categórica em concordar sobre a necessidade da adoção do registro em papel como única forma de garantir a integridade do voto frente a um eventual ataque no software interno da urna”, diz Mario Gazziro.

Outro argumento é a facilidade de conferência imediata por leigos. “O registro em papel dá transparência ao processo eleitoral pois ele pode ser observado a olho nu pelo eleitor. As pessoas não conseguem observar elétrons correndo em fios, mas a maioria das pessoas consegue ler os números dos candidatos escritos em um papel”, diz Diego Aranha.

Ambos rechaçam o argumento do TSE de que os votos podem ser conferidos eletronicamente num arquivo chamado Registro Digital do Voto (RDV). Além de praticamente inacessíveis ao cidadão comum, esse tipo de arquivo também poderia, em tese, ser violado de forma oculta.

Eles também dizem que fraudes com papel poderiam ser reduzidas com a impressão de um QR Code único em cada voto. Na conferência, feita por meio de uma máquina de escaneamento digital, um voto clonado ou falso seria descartado. E um que foi eventualmente subtraído seria substituído, para fins de contagem, por sua cópia armazenada digitalmente no RDV.


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