quinta-feira, 20 de maio de 2021

PRIVATIZAÇÃO AUTORIZADA PELA CÂMARA DOS DEPUTADOS

 

Por
Isabelle Barone – Gazeta do Povo

Texto aprovado é um substitutivo do relator Elmar Nascimento (DEM-BA): caminho aberto para privatização da Eletrobras.| Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

O plenário da Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta-feira (19), por 313 votos a 166, a medida provisória 1.031, que autoriza a privatização da Eletrobras. A versão final do relatório, escrita por Elmar Nascimento (DEM-BA), acabou deixando de fora uma série de pontos tidos como controversos (saiba quais são aqui). Após a aprovação do texto-base, os deputados rejeitaram todos os destaques que buscavam alterar o parecer do relator. O texto da MP ainda precisa passar pelo Senado.

Entre as principais propostas do texto aprovado há a previsão de contratação de termelétricas a gás natural, a garantia de benefícios a trabalhadores da Eletrobras e a destinação do superávit financeiro da Itaipu – que não será privatizada – a programa social e ao alívio da tarifa dos consumidores.

A proposta deve chegar ao Senado faltando pouco mais de um mês do prazo final de expiração, 22 de junho. Caso não seja votada até lá, a medida “caduca”, isto é, perde validade. Há temor, por parte da equipe econômica e apoiadores, de que a CPI da Covid-19 no Senado dificulte a tramitação da matéria em tempo hábil. Foram apresentadas mais de 570 emendas à MP.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disse ter feito um acordo com Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, para que as MPs cheguem na Casa com pelo menos 30 dias de antecedência ao prazo final para a apreciação. Nos último ano, algumas medidas acabaram caducando por chegar “em cima da hora” no Senado.

Nascimento defendeu, durante a votação, que “qualquer avanço dependerá de um processo exitoso de desestatização, permitindo a liberação de entraves legais que limitam as opções de gestão de empresas estatais”.

“Nós temos bilhões para conservação de bacias hidrográficas, melhoria na qualidade dos reservatórios. Portanto, mais energia gerada e menor custo para o consumidor. A empresa não está sendo vendida para esse ou aquele proprietário, ela se transformará numa corporação”, disse o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR).

Confira, a seguir, os principais pontos da proposta aprovada pelos deputados (o site da Câmara mostra como votou cada parlamentar):
Capitalização e golden share
A privatização será feita por capitalização, a partir da emissão de novas ofertas públicas de ações da estatal. Os atuais acionistas terão seu capital diluído e o governo federal, que hoje detém 51% das ações, perderá a posição de acionista controlador. Por outro lado, a União terá direito a uma “golden share” – ação de classe especial que lhe garante poder de veto em decisões da assembleia de acionistas.

A MP veda que qualquer acionista ou grupo tenha participação maior que 10% no capital social da empresa. “O aumento do capital social da Eletrobras poderá ser acompanhado de oferta pública secundária de ações de propriedade da União ou de empresa por ela controlada, direta ou indiretamente”, prevê o texto aprovado.

Contratação de térmicas a gás e Pequenas Centrais Hidrelétricas
Inicialmente, o relatório de Nascimento condicionava a privatização da Eletrobras à contratação prévia de térmicas a gás e Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH). Após críticas de que o ponto inviabilizaria o processo, já que não haveria tempo para a realização dos leilões desses empreendimentos, o deputado recuou.

O parecer final ainda prevê a contratação de geração termelétrica movida a gás em leilões nas regiões Centro-oeste, Norte e Nordeste. Mas não obriga isso previamente à capitalização. Devem ser contratados 6 mil megawatts (MW) de usinas térmicas movidas a gás e 2 mil megawatts (MW) de PCH. A proposta, segundo Nascimento, tem o objetivo de “conferir maior segurança energética no cenário de transição decorrente da desestatização da Eletrobras”. Para alguns analistas, essas medidas podem acabar encarecendo as tarifas para os consumidores.

Superávit da Itaipu vai bancar programa social e alívio de tarifa
No processo de capitalização da Eletrobras, a hidrelétrica binacional Itaipu e a Eletronuclear não poderão ser privatizadas. Uma nova estatal ou empresa de economia mista vai gerir as duas companhias. A partir de 2023, quando os empréstimos e financiamentos da Itaipu devem estar quitados, 75% dos resultados financeiros da companhia serão destinados à Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). Trata-se de um fundo para o qual contribuem as distribuidoras, voltado ao custeio de políticas públicas e alívio das tarifas.

Os outros 25% dos resultados financeiros da Itaipu serão direcionados a programas de transferência de renda. O superávit financeiro da empresa é estimado em U$ 1 bilhão ao ano. Hoje, cerca de 48,9% de custo médio de geração de energia pela hidrelétrica binacional são destinados à amortização de empréstimos e financiamentos. Já a partir de 2033, 50% desses recursos serão destinados à CDE, 25% para programas sociais e 25%, para a empresa responsável.

Pelo prazo de seis anos a partir da desestatização, a empresa também deve manter o direcionamento de parte dos recursos para o Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (Cepel).

Consumidor “cativo” será beneficiado
Outros R$ 25 bilhões oriundos da capitalização serão destinados à CDE, para o alívio da conta de luz dos consumidores “cativos”, composto, obrigatoriamente, por todas as residências e parte do comércio e da indústria. Nesse mercado, cada um obrigatoriamente consome energia da distribuidora que é concessionária de sua região, e a Aneel fiscaliza e define os reajustes anuais.

A proposta original era destinar metade desses recursos para “beneficiar”, ao longo dos anos, todos os consumidores – isto é, do cativo mas também do mercado livre. Desse mercado, podem participar apenas grandes consumidores, como estabelecimentos comerciais de grande porte e indústrias. Nele, o consumidor negocia contrato de energia diretamente com o gerador, os quais definem, entre si, o prazo de duração do contrato e os valores da energia.


Garantias para funcionários da Eletrobras
Sob justificativa de “insegurança jurídica” aos trabalhadores da Eletrobras, o texto aprovado determina que a União reserve parte das ações representativas do capital da estatal a eles. Funcionários que tenham se desligado da empresa nos últimos dois anos também poderiam ter direito. Os empregados desligados terão o prazo de seis meses após a sua rescisão de vínculo trabalhista, desde que o seu desligamento ocorra durante o ano subsequente ao processo de capitalização, para exercer esse direito.

A União também poderá, de forma facultativa, promover o aproveitamento do trabalhadores que perderem seus empregos em decorrência privatização em outras empresas públicas federais, em cargos de mesma complexidade e remuneração similares. Dados divulgados pela Eletrobras dias atrás mostram que os fundos de pensão de seus empregados fecharam 2020 com déficit de R$ 6,8 bilhões.

Recursos para projetos de revitalização
Pelo menos R$ 8 bilhões oriundos da privatização serão destinados à revitalização de programas regionais. O Ministério de Minas e Energia será responsável pela gestão e definição dos projetos. Serão beneficiárias: a bacia do Rio São Francisco, os reservatórios de Furnas, a bacia do Rio Parnaíba e o Rio Madeira.

Oposição recorre ao STF para tentar barrar tramitação da MP da Eletrobras
Na tarde de quarta, líderes da oposição na Câmara recorreram ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar barrar a tramitação da MP da Eletrobras. Foram impetradas três ações – uma delas, um mandado de segurança. O grupo alega que a proposta não passou por nenhuma comissão mista e que não houve ampla discussão da matéria. Isso ocorreu porque, no último ano, a Corte permitiu que medidas provisórias fossem direto a Plenário, em função da pandemia. O ministro Luís Roberto Barroso negou o pedido de mandado de segurança.

“Uma proposta dessa gravidade não deveria tramitar como medida provisória. É um açodamento privatizar nesse momento, é um péssimo negócio para o país”, afirmou, em coletiva de imprensa, o líder da oposição, Alessandro Molon (PSB-RJ).

Pelo menos 39 associações ligadas ao setor elétrico também se manifestaram. Nesta quarta, o grupo publicou um manifesto em que pede uma “capitalização equilibrada”. No entendimento dos grupos, algumas das alterações no texto o tornaram desequilibrado. “Somos contra a inserção de dispositivos que encareçam a energia no Brasil, seja pela obrigatoriedade de compra, pela inserção de subsídios a segmentos do setor elétrico, seja pela distribuição desigual dos benefícios entre todos os consumidores”, diz a nota. “Nessas condições, é melhor reavaliar a capitalização da Eletrobras e pensar em alternativas menos danosas à sociedade”.


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BRASIL É UM DOS PAÍSES QUE MAIS GASTAM COM FUNCIONÁRIOS

 

Segundo dados do Tesouro Nacional, considerando as despesas com pessoal ativo de União, Estados e municípios, gastos chegaram a 12,9% do PIB em 2019

Idiana Tomazelli, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – O Brasil tem uma das maiores despesas com remuneração de servidores no mundo, segundo dados reunidos pelo Tesouro Nacional em um painel interativo que será lançado pelo órgão. De uma relação de 74 países, o Brasil tem o sétimo maior gasto: 12,9% do PIB. Os dados são de 2019 e consideram despesas com pessoal ativo de União, Estados e municípios.

Penduricalhos para contornar o teto salarial de R$ 39,2 mil mensais, salários maiores do que na iniciativa privada e brechas para o acúmulo de remunerações são fatores apontados por especialistas para explicar a permanência do Brasil no topo do ranking. Um histórico de aumentos acima da inflação nos salários também contribui para o quadro. 

Esplanada dos Ministérios
Esplanada dos ministérios: Segundo dados do Tesouro, a proporção de gastos com o funcionalismo no Brasil supera a de outras nações emergentes e também a de países avançados. Foto: Dida Sampaio/Estadão – 14/6/2020

O mais recente “privilégio” incorporado ao conjunto de regras para servidores foi uma portaria do Ministério da Economia que permite a militares da reserva e servidores civis aposentados que continuam trabalhando em determinados cargos receberem as duas remunerações, mesmo que ultrapassem o teto de R$ 39,2 mil. A medida agraciou o presidente Jair Bolsonaro com um “aumento” de R$ 2,3 mil por mês e o vice-presidente Hamilton Mourão, com R$ 24 mil mensais. Ministros também serão beneficiados.

A medida despertou críticas, sobretudo no momento em que o time do ministro da Economia, Paulo Guedes, tenta fazer avançar no Congresso Nacional sua proposta de reforma administrativa, que mexe nas regras do “RH” do serviço público para flexibilizar a estabilidade, extinguir penduricalhos que turbinam salários e deixar o terreno pronto para uma revisão futura de carreiras e salários. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) aguarda votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara para avançar à próxima etapa, que é a análise de mérito na comissão especial. 

“Fico me perguntando onde estavam com a cabeça. Não faz o menor sentido, até pelo momento do País”, critica o deputado Tiago Mitraud (Novo-MG). Ele preside a Frente Parlamentar Mista da Reforma Administrativa e apresentou um requerimento de informações para cobrar explicações do governo. “Além de ser imoral, é uma incoerência muito grande”, afirma. Além de ter enviado a proposta de reforma administrativa, o governo também reduziu o valor da ajuda a vulneráveis durante a pandemia em 2021, sob a justificativa de controle de gastos.https://arte.estadao.com.br/uva/?id=2ZPDKy

Por dentro do gasto

O raio X traçado pelos dados do Tesouro permite observar que a proporção de gastos com o funcionalismo no Brasil supera a observada em outras nações emergentes, como Rússia, Chile, Peru e Colômbia, e também em países avançados, como Estados Unidos, Alemanha e Espanha. O dado considera as despesas não só com salários, mas também com a contribuição patronal para a Previdência desses servidores.

O economista José Luiz Rossi, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), ressalta que o gasto com servidores no Brasil é heterogêneo, tanto do ponto de vista de esfera administrativa quanto do ponto de vista dos poderes. No primeiro caso, a União tende a pagar maiores salários do que Estados e municípios. Ele lembra um estudo do Banco Mundial que aponta um elevado prêmio salarial dos funcionários federais, de 96% em relação ao que ganha um trabalhador com as mesmas qualificações no setor privado. Esse prêmio era de 36% nos Estados e praticamente zero nos municípios.

Sob o ponto de vista dos poderes, Judiciário e Ministério Público costumam destoar mais dos outros poderes em termos de manobras para driblar o teto remuneratório. No fim de 2019, por exemplo, o Estadão/Broadcast mostrou que o vale-refeição de juízes superava o salário mínimo em 24 dos 27 Estados brasileiros.

“É um Estado grande, que tem uma demanda grande”, diz Rossi, em uma justificativa para parte do gasto com um quadro significativo de servidores. No Brasil, segundo dados da Pnad Contínua, 11,9 milhões se declaravam empregados do setor público no trimestre até fevereiro de 2021. Por outro lado, ele reconhece que há distorções. “A questão é a política de incentivos. Não se tem na carreira muitos degraus, o funcionário passa a maior parte da carreira ganhando o salário máximo”, afirma. 

O governo enviou em setembro do ano passado a reforma que pretende corrigir uma parte das distorções, após mais de um ano de proposta engavetada devido às fortes resistências políticas. Para o professor do IDP, a PEC ainda é tímida porque não incluiu membros de outros poderes, como juízes e procuradores, e o governo não explicitou seus planos para rever a estrutura de níveis de carreira e salários. 

“A reforma original é bem tímida, Ela tem que tratar de todos os poderes e trabalhar mais a questão dos incentivos da carreira. O funcionário passa muito tempo ganhando o salário máximo”, afirma Rossi. 

Mitraud também afirma que há necessidade de rever as remunerações do funcionalismo, embora a PEC atualmente só trate de limitar benefícios, os chamados “penduricalhos” que contribuem para turbinar a remuneração extra teto. 

O economista Bráulio Cerqueira, presidente da Unacon Sindical, entidade que representa auditores de finanças e é ligada ao Fórum Nacional de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), critica os dados que colocam o Brasil no topo do ranking de gastos com funcionalismo. Segundo ele, a contabilidade dos gastos com a Previdência dos servidores varia entre países. 

“Nos três níveis federativos, é importante esclarecer isso, os salários de servidores civis estão congelados até o fim deste ano, na verdade estão sendo reduzidos em termos reais. No governo federal, a última recomposição salarial para 80% dos servidores ocorreu em janeiro de 2017”, diz Cerqueira. “Não há descontrole com a folha hoje, o que há é o contrário, arrocho salarial e quedas sucessivas do gasto com salários”, acrescenta. 

Crítico da proposta da reforma administrativa, o presidente da Unacon afirma que achatar salários dos trabalhadores, da iniciativa privada e do serviço público, “só piora a situação do mercado interno, dificultando a retomada que nunca se realiza”.

CPI DA COVID VIRA REALITY SHOW

 

Depoimentos colhidos pelos senadores para apurar ações e omissões do governo Jair Bolsonaro durante a pandemia já alcançam 3 milhões de acessos na internet

Adriana Ferraz, O Estado de S.Paulo

O enredo é trágico, os personagens vestem o figurino indicado (com papéis bem definidos), há periodicidade na apresentação dos capítulos e o final pode ser surpreendente. Com o fim do Big Brother Brasil, a CPI da Covid virou o novo reality show dos brasileiros. E com recordes de audiência. O canal criado pelo Senado no Youtube para informar sobre o andamento da comissão soma mais de 3 milhões de acessos em menos de um mês. Juntos, os vídeos sobre a investigação só perdem em visualização para a sessão do impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Ciro Nogueira CPI da Covid
Senador Ciro Nogueira (Progressistas-PI) olha o celular durante sessão da CPI. Foto: Dida Sampaio/ Estadão

Com a “apresentação” de apenas sete depoimentos, a CPI criada para investigar ações e omissões do governo Jair Bolsonaro ao longo da pandemia caiu na boca do povo e cenas dos próximos capítulos são aguardadas com expectativa pelo público. Nesta terça, 18, a fala do ex-chanceler Ernesto Araújo foi vista mais de 372 mil vezes. Nos intervalos ainda foi possível acompanhar coberturas extraoficiais cheias de humor e ao gosto do freguês.

O comediante Marcelo Adnet, por exemplo, famoso pelas imitações que faz, narrou parte do depoimento do diplomata como se fosse uma partida de futebol apresentada por Galvão Bueno e comentada pelo ex-jogador Casagrande. “Ele vai enrolando, ela vai gaguejando, não sabe o que é o que. Parece inebriado pelo álcool em gel, suas palavras não fazem mais sentido, vai dando voltas com a bola em campo.

Em três horas, os dois primeiros posts de Adnet no Twitter já tinham mais de 470 mil acessos e eram comentados até mesmo por deputados federais. “No meio de tantas tragédias e tantas mentiras, ainda bem que temos a genialidade do Adnet”, afirmou Ivan Valente (PSOL-SP).

Piadas à parte, o interesse pela CPI é tanto entre eleitores e apoiadores de integrantes da comissão que senadores têm checado suas redes sociais em pleno interrogatório. Durante a fala do ex-secretário de Comunicação Fabio Wajngarten, um vídeo postado nas redes chegou a ser apresentado por Rogério Carvalho (PT-SE) para desmentir declaração dada por ele minutos antes.

O ex-chefe da Secom disse que havia ficado 26 dias afastado de suas funções em março de 2020 por ter contraído covid-19. No vídeo gravado ao lado do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), no entanto, Wajngarten dizia estar ótimo e trabalhando normalmente. Até aqui, o depoimento dele foi o mais assistido no canal do Senado, com mais de 642 mil acessos.

Para o cientista político Marco Antonio Teixeira, da FGV-SP, são vários os motivos que explicam esse interesse popular pela CPI da Covid. “Primeiro, o assunto, que é impactante e tem a ver com a vida de muitas pessoas. Depois, os ‘personagens’ são bons e travam duelos retóricos dignos de um espetáculo. E, por fim, o assunto não é técnico. Diferentemente da CPI da Petrobrás, por exemplo, que era chamada de a CPI do engenheiro, os temas tratados agora são de domínio público, ou seja, não exigem conhecimento técnico”, diz.

Teixeira ainda destaca que a comissão tem o potencial de explicar à população de fato quais políticas ou quais ausências de políticas colaboraram para a tragédia humana que a crise sanitária representa no Brasil, com mais de 430 mil mortos. “Há a necessidade, diante de tantos mortos, de se buscar respostas, apontar os erros e os responsáveis,  apesar de a maioria da população já conhecer o script.”Esse é o lado mais dramático da CPI, cujo material é o sofrimento.”

Interatividade

 No Telegram, que teve participação massiva na edição do BBB 21, a diversão atual dos grupos e canais não é observar uma casa com anônimos e famosos, mas sim seguir todos os bate-bocas que se desenrolam no Senado. Um dos maiores grupos dedicados a comentar o BBB 21 no Telegram, o Canal Espiadinha, entendeu a popularidade da comissão e já soma quase 150 mil inscritos 

 Os “melhores momentos dos depoimentos” também têm sido editados pelos parlamentares e postados como uma “novela” em seus perfis na internet. O relator Renan Calheiros (MDB-AL) é um dos senadores que lança mão dessa ferramenta. Pelas suas redes, é possível relembrar parte de suas interferências ao longo das falas dos depoentes e ainda enviar perguntas para serem feitas aos depoentes.

Renan Calheiros
No Instagram, Renan Calheiros pede sugestões de perguntas a Pazuello na CPI da Covid Foto: Reprodução/ Instagram Renan Calheiros

APURAÇÃO DE ESQUEMA DE CORRUPÇÃO ENVOLVENDO MINISTRO DO GOVERNO

 

Ministro do Meio Ambiente é alvo de apuração sobre contrabando de madeira e produtos florestais para o exterior; chefe da pasta nega

André Borges e Pepita Ortega, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – O ministro do Meio AmbienteRicardo Salles, foi alvo nesta quarta-feira, 19, de operação da Polícia Federal que aponta seu envolvimento em suposto esquema de corrupção que atua na exportação ilegal de madeira.

Além de Salles, o presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, e a cúpula do órgão ambiental são suspeitos de favorecer o contrabando de produtos florestais no País. 

As suspeitas, que passam por nove tipos de crime, atingem em cheio um dos principais auxiliares do presidente Jair Bolsonaro, eleito com a bandeira do combate à corrupção e que costuma repetir não haver irregularidades no seu governo. 

Entenda os pricipais pontos da operação

Alexandre de Moraes autorizou operação contra Salles

A operação, batizada de Akuanduba, foi autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Na decisão, o magistrado destacou que um relatório de inteligência financeira indicou “movimentação extremamente atípica” de dinheiro, um total de R$ 14,1 milhões, envolvendo um escritório do qual Salles é sócio, em São Paulo, em transações realizadas entre 2012 e junho do ano passado.

Moraes determinou a quebra dos sigilos bancários e fiscais do ministro, assim como dos outros 22 alvos da investigação. 

Salles negou irregularidades e disse que o ministro foi “induzido ao erro” ao autorizar a operação. “Faço aqui uma manifestação de surpresa com essa operação que eu entendo exagerada, desnecessária. Até porque todos, não só o ministro, como todos os demais que foram citados e foram incluídos nessa legislação (sobre mudanças na exportação de madeira) tiveram sempre à disposição para esclarecer quaisquer questões”, declarou Salles, após participar de um seminário em Brasília.

Ricardo Salles
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, é alvo de operação da PF batizada de Akuanduba Foto: Dida Sampaio/Estadão

 O ‘modus operandi’ do esquema, segundo a investigação

As investigações da PF apontam para existência de um “modus operandi” que passou a vigorar em exportações ilícitas de madeira, a partir de mudanças na legislação realizadas para facilitar a saída de material do Brasil, a pedido de madeireiros. No centro das acusações está um despacho assinado pelo presidente do Ibama, em fevereiro do ano passado, conforme revelado à época pelo Estadão.

Entre o fim de 2019 e início de 2020, o órgão ambiental havia recebido uma série de demandas de madeireiros para facilitar a exportação, mexendo nas regras de fiscalização. Na ocasião, empresas enfrentavam bloqueio de cargas, principalmente nos Estados Unidos, e procuraram a cúpula do Meio Ambiente para tentar resolver a situação.

A PF relata que Salles e a diretoria do Ibama se reuniram no dia 7 de fevereiro, em Brasília, com associações do setor, como a Associação Brasileira de Empresas Concessionárias Florestais (Confloresta), a Associação das Indústrias Exportadoras de Madeira do Pará (Aimex) e Centro das Indústrias do Pará (CIP).

As entidades reclamavam de apreensões de produtos florestais exportados sem a devida documentação pelas empresas Ebata Produtos Florestais Ltda e Tradelink Madeiras Ltda, para os Estados Unidos. Menos de um mês após o encontro, no dia 25 de fevereiro do ano passado, o presidente do Ibama editou um “despacho interpretativo” que, numa canetada, anulava a necessidade de autorização específica para exportação de madeira.

O que muda com a nova instrução do Ibama

Com a nova instrução do Ibama, os produtos florestais passaram a ser acompanhados apenas do chamado Documento de Origem Florestal (DOF), algo que, como alertou a própria área técnica do órgão ambiental, não era suficiente para garantir a fiscalização. Essas observações, no entanto, foram ignoradas e a nova regra passou a vigorar. 

O chamado DOF de exportação, que existe desde 2006, serve, na prática, apenas para que a madeira seja levada até o porto, ou seja, é uma licença de transporte e armazenamento, enquanto a instrução até então vigente exigia uma autorização específica para exportação. Na prática, com a mudança, uma guia de transporte emitida pelos órgãos estaduais passou a valer no lugar de uma autorização do Ibama.

A decisão chegou a ser festejada pelos madeireiros, como mostrou o Estadão. Três dias depois da mudança, o CIP enviou ao carta ao presidente do Ibama em que o agradeceu por “colocar em ordem as exportações de madeira”. 

Os investigadores apontaram que, após o despacho que atendeu aos pedidos das madeireiras, “servidores que atuaram em prol das exportadoras foram beneficiados pelo ministro com nomeações para cargos mais altos, ao passo que servidores que se mantiveram firmes em suas posições técnicas, foram exonerados por ele”. Na decisão em que autorizou a operação, Moraes também determinou a suspensão da nova norma. 

A ‘boiada’ de Salles; PF reproduziu fala polêmica de ministro

Ao detalhar a participação do ministro no esquema sob suspeita, a PF chegou a reproduzir falas de Salles durante reunião ministerial do dia 22 de abril de 2020 no Palácio do Planalto. Na ocasião, o ministro do Meio Ambiente disse que era preciso aproveitar a “oportunidade” da pandemia do coronavírus para “ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”.

vídeo do encontro foi divulgado no ano passado, por ordem do então ministro do STF Celso de Mello, no âmbito do inquérito que investiga se Bolsonaro interferiu na PF.

PGR diz que não  foi consultada sobre operação

A Procuradoria-Geral da República (PGR) afirmou ontem que não foi instada a manifestar sobre a Operação Akuanduba. Em nota, o órgão chefiado por Augusto Aras diz que tal situação “em princípio, pode violar o sistema constitucional acusatório”. 

Ao fim de despacho de 63 páginas em que autorizou mandados de busca e apreensão, Moraes, do STF, determinou que fosse dada “imediata ciência” à PGR após o cumprimento das diligências.

quarta-feira, 19 de maio de 2021

UNIÃO EUROPEIA QUER FAZER REFORMA TRIBUTÁRIA

 

União Europeia
UE aposta em reforma tributária
Estadão Conteúdo – Gazeta do Povo

Bandeiras da EU em Bruxelas na sede da Comissão Europeia| Foto:
A União Europeia fez uma série de anúncios nesta terça-feira (18) sobre mudanças tributárias, em uma tentativa de alcançar um “imposto europeu para o século XXI”, como descreveu o Comissário Europeu para Economia, Paolo Gentiloni. O intuito é “cobrar impostos onde as grandes empresas lucram, não onde têm suas sedes”, afirmou por meio de seu Twitter. A intenção é efetivar mudanças até 2023, e as big techs devem estar entre os primeiros alvos.

“Combater a fraude e os paraísos fiscais, evitando a concorrência desleal entre os países” são outros objetivos mencionados por Gentiloni.

A Comissão Europeia apresentará até 2023 “um novo quadro para a tributação das empresas na UE, que reduzirá os encargos administrativos, eliminará os obstáculos fiscais e criará um ambiente mais favorável às empresas no mercado único”, descreveu um comunicado emitido pelo órgão executivo da UE, tendo em vista uma “repartição mais justa dos direitos de tributação entre os estados-membros”.

“A Comissão apresentará em breve medidas para garantir uma tributação justa na economia digital”, anuncia ainda o comunicado. Um acordo no tema está sendo tratado no âmbito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Uma das propostas é a de que “certas grandes empresas” que operam na UE publiquem as suas taxas de imposto efetivas. Além disso, o “uso abusivo de empresas de fachada também será combatido por meio de novas medidas de evasão fiscal”, descreve o documento.

O vice-presidente da Comissão Europeia, Valdis Dombrovskis, afirmou que “nossas regras fiscais devem apoiar uma recuperação inclusiva, ser transparentes e fechar as portas para a evasão fiscal”. Além disso, os regulamentos “devem ser eficientes para empresas grandes e pequenas”, indicou o comissário.

Segundo maior partido no Parlamento Europeu, onde uma potencial legislação teria de ser aprovada, os Socialistas e Democratas (S&D) expressaram apoio à proposta. “Solicitamos à Comissão e aos governos da UE que deem todo o seu peso a essas metas de justiça tributária durante a fase final das negociações de reforma tributária”, escreveu a sigla em seu Twitter.
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O FUTURO É MELHOR DO QUE IMAGINAMOS?

 

Pensar de forma autônoma não me torna uma pessoa boa ou ruim, mas capaz de argumentar

Leandro Karnal, O Estado de S.Paulo

É muito raro um livro da área de humanas ser profundamente otimista. Lembro-me de Abundância (Peter Diamandis e Steven Kotler, Alta Books). O subtítulo não poderia ser mais chamativo: “O futuro é melhor do que você imagina”. O texto traz histórias interessantes sobre o uso de recursos do planeta, inclusive, com narrativa sobre a questão do alumínio inesquecível no jantar do imperador francês. Em meio a tantos catastrofismos, os autores argumentam a favor de um mundo cada vez mais próspero e abundante. 

Outro livro povoado de indicativos esperançosos é Humanidade – Uma História Otimista do Homem (Rutger Bregman, Crítica). O historiador holandês começa contestando um senso comum pessimista: a teoria do verniz. Somos civilizados porque estamos bem. Chegando a guerra, a fome ou a doença, somos selvagens egoístas. O “verniz” civilizacional é fino e pode ser quebrado sempre. A base do truísmo, inspirada em clássico como Thomas Hobbes, é sobre o caráter malévolo da nossa espécie. 

Com exemplos concretos, dos bombardeios de Londres na Segunda Guerra aos experimentos no campo da psicologia, o autor vai atacando a ideia de um homem ruim esperando chance de exercer sua força destrutiva. O mais curioso é o debate sobre o conhecido O Senhor das Moscas, de William Golding. A visão publicada na década de 1950 parece ser um eterno sucesso. Pegue um grupo de ordenados estudantes ingleses. Solte-os, sem autoridade, em uma ilha em situação de risco. Cai a máscara britânica e emerge o selvagem assassino. A obra ficcional deu origem a bons roteiros de cinema para exibir aquilo, afinal, que todos acreditamos: somos terríveis, no fundo, ou logo no raso mesmo. O autor ganhou Prêmio Nobel. 

O livro Humanidade duvida da base real de O Senhor das Moscas. Depois de muita busca, Bregman encontrou um caso concreto: os náufragos de Tonga. Seis garotos de um internato católico saíram da ilha e acabaram naufragando próximos à deserta Ata. Enfrentaram sede, tempestades tropicais e uma perna quebrada. Custaram a conseguir fogo. Organizaram-se e sobreviveram com camaradagem e administrando os poucos recursos do lugar. Viraram amigos para sempre após terem sido resgatados, com excelente saúde, um ano depois. Uma história de sucesso e de trabalho em grupo. Nunca fez o sucesso de O Senhor das Moscas. Por que adoramos ler uma ficção pessimista e rejeitamos estudar uma história real que mostra o fracasso da teoria do verniz? É uma pergunta a que o autor tenta responder. 

Claro que o livro trata das grandes experiências de maldade, incluindo nossos campos de concentração do século 20. Há casos extremos de crueldade deliberada de indivíduos e de grupos. Bregman trata um a um. O caso que mais me interessou foi o de um experimento soviético. Dmitri Belyaev, zoólogo e geneticista, encontrou-se com a estudante Lyudmila Trut. Era na Moscou de 1958. A teoria da evolução era criticada pelo Estado naquela época. Parecia uma invenção ocidental capitalista. O professor tinha uma ideia para testar com a raposa-prateada, um animal nunca domesticado e sempre agressivo. Como uma espécie perfeitamente selvagem poderia originar “cachorrinhos” dóceis?

Raposa-prateada
Como uma espécie perfeitamente selvagem poderia originar “cachorrinhos” dóceis? Estudo indica. Foto: Pixundfertig/ Pixabay

O experimento começou com os pesquisadores colocando as mãos protegidas por grossas luvas nas gaiolas dos animais. Se a raposa hesitasse um pouco antes de morder, era separada para reprodução. A maioria mordia imediatamente. Em quatro gerações de raposas um pouco mais “dóceis”, surgiram as primeiras ninhadas com filhotes que abanavam o rabo e ficavam felizes com a presença dos tratadores. Avançando gerações, as raposas passaram a ter comportamentos de cachorros domésticos e levavam um caráter juvenil por mais tempo: brincavam mesmo na vida adulta e atendiam por nomes. 

No congresso internacional de geneticistas, em 1978, vinte anos de pesquisas com raposas-prateadas vieram ao conhecimento geral. Mais tarde, as transformações físicas das raposas amistosas foram ficando evidentes. Estudos posteriores, como o de Brian Hare, demonstraram a sobrevivência do mais amigável na espécie humana, quase repetindo as raposas. Brian foi até a fazenda das raposas que já estavam na geração 45. Fez testes e descobriu que as raposas, selecionadas pela amistosidade, tinham desempenho superior no item inteligência ao das mais ferozes. A docilidade estimulara muitas coisas no cérebro das raposas. No estudo de Brian, o mesmo tinha ocorrido com os seres humanos e ajudava a explicar a redução das várias espécies de Homo que existiram. As mais violentas desapareceram, as mais sociáveis prosperaram. Seria, a rigor, um experimento científico sobre a superioridade das pessoas negociadoras sobre as agressivas. 

Meu objetivo hoje? Estimular que você leia e chegue a suas próprias conclusões. Que analise cada argumento e pense sobre nossos vernizes ou constituições anteriores. Seríamos bons ou ruins por natureza? Devemos seguir os argumentos duros de Richard Dawkins (O Gene Egoísta, Companhia das Letras) ou as reflexões de Rutger Bregman. Eu só tenho uma certeza: ler obras variadas, contrapor argumentos e pensar de forma autônoma não me torna uma pessoa boa ou ruim, porém, com certeza, mais capaz de argumentar. Então, para todos os humanos, bons e ruins, segue minha recomendação: leiam para pensar melhor! A esperança está sempre em pensar. 

É HISTORIADOR, ESCRITOR, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS, AUTOR DE ‘O DILEMA DO PORCO-ESPINHO’, ENTRE OUTROS

SAIR DO BRASIL NÃO É A SOLUÇÃO DOS PROBLEMAS

 

Graças a um governo errático, brigar com o Brasil como se ele fosse uma pessoa física ganhou legitimidade

Roberto DaMatta, O Estado de S.Paulo

Penso que todo mundo sempre quis sair mais do seu país do que de sua sociedade. Vamos para Paris ou New York, mas sentimos falta da comida e das fofocas, esses símbolos de nossos costumes. Morar é bom, mas viver é uma m…! – como confirmava Tom Jobim.

Muitos deram adeus às suas pátrias por motivos trágicos, e os Estados Unidos são prova de uma coletividade cuja população é feita de milhões de netos e filhos de imigrantes – de nativos que por livre vontade ou por motivos dramáticos foram obrigados a deixar sua terra natal. 

No Brasil, este desejo é um paradoxal desabafo, geralmente feito em família ou entre amigos. Ele se amplia e se reduz de acordo com épocas históricas e governos. Nas ditaduras (tanto a de Vargas quanto a militar), muitos deixaram o País por perseguição política. 

Ser obrigado a sair da terra onde se nasceu é “perder o chão”. Equivale a morrer ou ser encarcerado. Não se trata apenas de uma cruel punição política. É um assassinato espiritual decretado com o paradoxo de o morto continuar vivo. Veda-se o direito de participação, mas, de fato, esta interdição bloqueia a vida do condenado, impedindo-o de usufruir das muitas dimensões cruciais de todas as vidas. Como um paradoxo, porém, o banido pode retornar com mais potência, como foi o caso modelar do Conde de Monte Cristo e de outros degredados políticos. Antigamente, era a excomunhão que transformava alguém em um leproso social; hoje, Deus foi substituído pela política como credo. Neste sentido, vale lembrar que o exílio, tanto em Roma quanto na Grécia dos velhos tempos, era mais fatal do que a morte.

Neste Brasil polarizado, surge um “cancelamento” – um exílio interno sentenciado por “democratas”. Uma exclusão repleta de desfaçatez na qual um grupo ou uma pessoa são postos no “gelo” (quem sabe siberiano…), em uma vã tentativa de congelar suas opiniões, razões e realizações. A lista, que, como toda lista, tem sempre dois lados, está em vigência. Nela, o inimigo só se descobre como inimigo quando se vê caluniado ou não reconhecido. 

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‘Ser obrigado a sair da terra onde se nasceu é “perder o chão”. Equivale a morrer ou ser encarcerado.’ Foto: Marcelo D. Sants/Framephoto

Não se pode confundir, sem preconceito, o direito a opinar com crime. Só os nazi-fascistas fazem isso, mas o problema é que, no Brasil, há um nazi-fascismo inconsciente. A perversão nazi-fascista-stalinista acontece justamente quando se criminalizam opiniões e a totalidade (o partido, o grupo ou o coletivo) divide o tecido público ao meio. É como mutilar um corpo seccionando o seu lado direito do seu lado esquerdo. 

E o gravíssimo e o absurdo, neste momento, é que quem mais promove tal sectarismo é o presidente da República. O vírus mortal polariza biologicamente e um virulento Jair Bolsonaro polariza moral e ideologicamente. 

Sempre ouvi o “quero ir embora do Brasil” mais como um desabado ou uma fantasia. Mas, nestes tempos de “danação”, tenho testemunhado brasileiros deixando efetivamente o Brasil, e muitos adotando e comprando uma dupla cidadania.

A pandemia tem chamado atenção para a premente necessidade de uma corrente mundial de igualdade, solidariedade e abertura – será que nos esquecemos deste conceito generoso e fundamental? Tal corrente torna o mundo mais justo e humano. Mas o que se constata no Brasil é um reacionário fechamento. 

Há até quem seja contrário à construção de pontes ou de se criar uma rosiana terceira margem do rio. Um ponto capaz de nos desembaraçar das exigências e dos extremos de modo a vê-los em sua natureza sectária que detesta escolhas. Ora, o escolher é, em condições normais, o avatar do discernimento, da prudência e do democrático. 

Não para impedir posicionamentos, mas para evitar o pior que o presidente da República exprime em um absurdo e enlouquecido “Só Deus me tira daqui”. Se as facções invocam igualmente o aval de Deus, o resultado só pode ser o conflito e a destruição das margens e do próprio rio. Um louco não pode justificar a nossa eventual maluquice, ofuscando a nossa lucidez. 

O centro, dizem, é o “conhece-te a ti mesmo”. É a vacina contra os arroubos, as hipocrisias, as tentações proféticas e o tirar vantagem das polarizações. A luta é indispensável, mas não se pode deixar de combinar as armas. 

Sempre ouvi os surtos de onipotência do clássico “sair do Brasil”. Hoje, um presidente irracional, cercado de filhos radicais de direita e por uma maioria de políticos trêfegos, legalistas, populistas, ressentidos e hipócritas, fez com que a fantasia de “ir embora deste país de m…” virasse mantra. Graças, reitero, a um governo errático e a uma lamentável tradição de governar com malandragem, autoritarismo e roubalheira, esse desmedido brigar com o Brasil como se ele fosse uma pessoa física ganhou legitimidade.

Se acusar negativamente o Brasil era parte da própria cultura “culta” brasileira como testemunho de um “pensamento crítico” sobre um país periférico, colonizado, mestiçado, doente e, ao mesmo tempo, governado por uma elite familística “branca” e educada, criticar e negar o Brasil iam juntos. E o pior é que o governo Bolsonaro, com sua hoje comprovada aliança, confirma essa visada antipatriótica. 

É ANTROPÓLOGO SOCIAL E ESCRITOR, AUTOR DE ‘FILA E DEMOCRACIA’

AS ARMADILHAS DA INTERNET E OS FOTÓGRAFOS NÃO NOS DEIXAM TRABALHAR

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