Empresa de energia negocia consórcio para pôr ‘centenas ou milhares’ de veículos elétricos para rodar pelo Brasil; ainda segundo o executivo, clientes pedem por fontes de energia renováveis
Entrevista com
Nicola Cotugno, presidente da Enel no Brasil
Irany Tereza, O Estado de S.Paulo
RIO – O presidente da Enel no Brasil, Nicola Cotugno, está decidido a liderar iniciativas para a introdução de veículos elétricos no Brasil. Ainda neste ano, ele pretende anunciar a formação de consórcios da multinacional com montadoras e empresas de transporte para criar frotas de ônibus elétricos em São Paulo, no Rio e em Salvador. À série de entrevistas Olhar de Líder, do Estadão/Broadcast, Cotugno disse que o Brasil é uma “base” de energia renovável para a companhia italiana.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
O aumento dos negócios no mercado livre de energia é uma tendência?
O mercado livre é muito competitivo, com oferta relevante. As novas usinas, e especialmente as renováveis, estão vendendo e entregando energia a este mercado. O tema é qual será o caminho de liberalização e abertura do mercado aos clientes nos próximos anos. Esta é uma parte que depende da regulação. Sem dúvida, vamos ver uma redução desse nível de consumo (necessário para entrar no segmento) e, por isso, vai haver crescimento. A Enel Brasil cresceu 20%, apesar da pandemia. Os clientes pedem energia renovável. Não só pelo preço, mas também porque este é um tema de compromisso ambiental, de sustentabilidade. Muitas empresas estão tomando como uma prioridade não fazer negócio (com energia altamente poluente).
A Enel tem alguma meta para a energia renovável?
Temos uma meta de seguir com a descarbonização, de criar capacidade adicional de geração renovável. E usar essa energia limpa para substituir outras formas de energia. Há dez anos, estamos desenvolvendo no Brasil e no mundo uma estratégia de fortalecimento de renováveis. Comunicamos o início de um projeto de 1.300 MW de energia solar e eólica no Brasil, que vai se somar aos 3,4 MW que já temos em energia hidráulica, solar e eólica. Esses 1.300 MW vão gerar 10 mil empregos e investimento de mais de R$ 5 bilhões.
O carro elétrico na Europa é uma realidade, mas ainda demora por aqui…
Acompanhamos o crescimento dessa tecnologia. Nos últimos dez anos, o custo das baterias, a parte mais importante do carro, baixou muito. Até 2023, no máximo, o carro elétrico vai custar o mesmo do que um carro a gasolina. E o custo (de manutenção) do carro elétrico é equivalente de 20% a 30% do necessário para um carro a gasolina. A economia é gigante. A equação já é conveniente. A barreira é o preço de entrada, o investimento para comprar. Por isso, acredito que agentes privados vão entender o carro elétrico como uma alternativa boa em um ano ou dois, quando o preço baixar para o equivalente a um carro a gasolina. Já os condutores de táxi, ou uma empresa de ônibus, já avaliam e entendem (as vantagens).
O que falta para esse salto?
Na Europa, países falam que, depois de 2025 ou 2030, não venderão mais carros a gasolina. Aqui, obviamente, há um tema de regulação para essa mudança. Porém, volto a falar: os números são bons. No Brasil, o potencial é gigantesco. O País tem uma grande malha rodoviária, um número de carros gigante, montadoras de carros e uma sensibilidade para economizar. Estou convencido que é um futuro magnífico. Para o transporte público, já estamos ativamente em negociação e espero, antes do fim do ano, falar do negócio de implantar ônibus elétricos em grandes cidades. Falamos de centenas ou milhares de ônibus elétricos, não de algo demonstrativo.
Com quem estão negociando?
Estamos montando consórcios de empresas onde estarão quem entrega o ônibus, quem opera e quem pensa a parte elétrica do processo. Com a experiência que temos no desenvolvimento das baterias, vamos desenvolver isso com esquema de cooperação. O foco vai estar nas grandes cidades. No Chile, entregamos os primeiros cem ônibus elétricos em Santiago e, agora, vamos a Bogotá (Colômbia). No Brasil, sentimos que o transporte é um problema importante em cidades como São Paulo, Rio, Fortaleza e Salvador. Por isso, pensamos que a solução para o problema é um negócio para a gente.
Qual é o investimento?
É intenso. Por isso, vamos focar nessa forma de consórcio. Vamos substituir ônibus que estão no fim da vida útil. É uma grande oportunidade também para requalificar o sistema de transporte público e descongestionar o trânsito nas grandes cidades. Observamos em Santiago um fenômeno muito interessante: os clientes gostam de tomar um ônibus elétrico e isso foi um incentivo ao uso de transporte público. São veículos novos, com ar condicionado, Wi-Fi, mais silenciosos. O transporte é responsável pela qualidade do ar quase da mesma forma que a produção de energia.
Qual matriz energética a Enel busca ter no Brasil?
A Enel investe pesado no Brasil com aquisições em distribuição e muitas construções na área renovável. O Brasil é uma base, especificamente da matriz renovável da geração.
Com as críticas ao combate à pandemia, é difícil ‘vender’ a ideia de investir no Brasil?
Grandes investidores olham com atenção o que acontece nos países. Apesar de problemas específicos, como a pandemia, os investidores seguem acreditando no País. O que é fundamental para o investidor seguir acreditando é a segurança regulatória dos contratos.