quarta-feira, 7 de abril de 2021

PROGRAMA DE CORTE DE SALÁRIO E JORNADA SERÁ VOTADO NO SENADO FEDERAL

 

Autor da proposta, senador Esperidião Amin admitiu que um dos objetivos é pressionar o governo a tirar do papel uma nova rodada de socorro às empresas e impedir demissões por causa do agravamento da pandemia

Daniel Weterman, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – O Senado decidiu pautar projeto que permite às empresas cortarem até o fim do ano jornada e salário dos funcionários ou suspenderem contratos, nos mesmos moldes do programa adotado em 2020. Como contrapartida, o governo complementaria a renda dos trabalhadores atingidos com o Benefício Emergencial para Preservação do Emprego e da Renda (BEm).

A equipe econômica discute reeditar o programa por meio de medida provisória (MP), mas ainda esbarra no impasse jurídico em torno da abertura de um novo crédito extraordinário, fora do teto de gastos, para bancar a rodada do benefício. O movimento dos senadores pressiona o governo a retomar a medida. Hoje, o presidente Jair Bolsonaro deve se encontrar com empresários em São Paulo. Eles devem reforçar o apelo pela volta do programa para que demissões sejam evitadas.

Rodrigo Pacheco
Apesar de não haver acordo com o governo, Pacheco concordou em colocar na pauta o projeto de Amin. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Como mostrou o Estadão, o novo programa de redução de jornada e salário ou suspensão de contrato deve alcançar entre 3,8 milhões e 4 milhões de trabalhadores. Esse é o número máximo de acordos entre empresas e empregados que podem ser abarcados pelo valor estipulado para bancar a medida, que deve ficar em R$ 9,8 bilhões.

O modelo deve ser o mesmo do ano passado: acordos para redução proporcional de jornada e salário em 25%, 50% ou 70%, ou suspensão total do contrato.

Cobertura

As estimativas são maiores do que as iniciais porque o governo quer garantir cobertura e disponibilidade de recursos em caso de necessidade, uma vez que diversos prefeitos e governadores têm adotado medidas mais rígidas de distanciamento social. O setor de serviços é um dos mais impactados e tem assistido a um aumento de demissões nas últimas semanas, segundo representantes do setor.

presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Paulo Solmucci, lembra que o presidente Jair Bolsonaro disse em 27 de janeiro que em 15 dias daria uma resposta sobre a reedição do BEm. “O programa é fundamental para nossa sobrevivência. Vivemos um colapso”, afirmou.

O senador Esperidião Amin (PP-SC) admitiu que o Senado quer pressionar o governo a tirar do papel uma nova rodada de socorro a empresas em função da pandemia de covid-19. “Na pior das hipóteses, mutuca tira o boi do mato. Ou seja, uma mosquinha pequena tira um touro do mato”, afirmou Amin.

O projeto do Senado obriga a União a retomar os programas executados no ano passado, mas não apresenta impacto financeiro e medidas de compensação no Orçamento deste ano, como exige a Constituição e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Em 2020, o governo tinha um “cheque em branco” para gastar com medidas de combate à pandemia sem precisar respeitar essas regras por causa do decreto de calamidade. Neste ano, porém, não há regra de calamidade em vigor.

No ano passado, o governo destinou R$ 33,5 bilhões ao programa, que registrou mais de 10 milhões de acordos entre empresas e trabalhadores. O resultado foi considerado bem-sucedido. O Brasil registrou a criação de 95,6 mil postos de trabalho com carteira assinada em 2020 (incluindo declarações feitas fora do prazo).

Calamidade

A votação do projeto expõe uma pressão no Congresso Nacional para editar um novo decreto de calamidade pública, abrindo a porteira para novos gastos com o argumento de conter o avanço do novo coronavírus, em um período de aumento de mortes e falta de vacina para a toda a população. “Se tiver que colocar dinheiro novo, nós vamos ter de rediscutir o decreto de calamidade”, disse o senador.

Pela Proposta de Emenda à Constituição (PEC) emergencial, promulgada no mês passado, um novo período de calamidade só pode ser decretado pelo Congresso a pedido do presidente da República.

A votação do projeto não foi negociada com o Palácio do Planalto. O relator do projeto, Carlos Viana (PSD-MG), vice-líder do governo no Senado, aguarda um levantamento com o impacto financeiro da proposta antes de apresentar o parecer. O governo não enviou representantes para a reunião de líderes partidários que decidiu incluir a proposta na pauta. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), concordou em pautar o projeto, apesar de não haver acordo com o governo. /COLABOROU IDIANA TOMAZELLI

NO BRASIL SÓ RICO LÊ LIVROS - SEGUNDO A RECEITA FEDERAL

 

Segundo o órgão, livros são consumidos pela faixa da população que ganha acima de 10 salários mínimos; fusão do PIS/Cofins com a reforma tributária, para criar o CBS com uma alíquota de 12%, pode afetar o mercado editorial

Adriana Fernandes, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – Em novo documento sobre perguntas e respostas sobre o projeto de fusão da PIS/Cofins em um único tributo, a Receita Federal diz que os livros podem perder a isenção tributária porque são consumidos pela faixa mais rica da população (acima de 10 salários mínimos). Com a arrecadação a mais, a Receita diz que o governo poderá “focalizar” em outras políticas públicas, como ocorre em medicamentos, na área de saúde, e em educação.

O documento “Perguntas e Respostas” da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) foi atualizado ontem pela área da Receita que cuida da proposta de reforma tributária e já é motivo de críticas dos tributaristas por incorporar mudanças de interpretação que não constam no projeto de lei enviado no ano passado. O projeto cria a CBS – tributo no modelo de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) –  não tem nem relator indicado e está no limbo da discussão da reforma no Congresso.

Livraria
Com fim da isenção para livros, Receita poderá ‘focalizar’ em outras políticas públicas. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Hoje, existe uma lei que isenta o mercado de livros e papel para a sua impressão de pagar o PIS e Cofins. A equipe do ministro Paulo Guedes propõe substituir as duas contribuições federais pela CBS, com alíquota de 12%, e acabar com os benefícios fiscais, incluindo o concedido ao mercado editorial.

Na época da divulgação, o fim da imunidade tributária foi bastante polêmica e recebeu críticas de vários setores. Agora na atualização dos “Perguntas e Respostas” não só reitera a medida como tenta dar uma justificativa para o fim da isenção, concedida a partir de 2014.  

A Receita argumenta que não existem avaliações que indiquem que houve redução do preço dos livros após a concessão da isenção. “Não foi identificada nem correlação entre uma coisa e outra”, acrescenta o texto.

Para justificar o fim do benefício, o documento acrescenta que dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2019 do IBGE apontam que famílias com renda de até dois salários mínimos não consomem livros não didáticos e a maior parte desses livros é consumido pelas famílias com renda superior a 10 salários mínimos. “Neste sentido, dada a escassez dos recursos públicos, a tributação dos livros permitirá que o dinheiro arrecadado possa ser objetivo de políticas focalizadas, assim como é o caso dos medicamentos, da saúde e da educação no âmbito da CBS”, argumenta a Receita. Essas justificativas não constavam na primeira versão do documento.

Para o especialista em educação e Orçamento, Joao Marcelo Borges, a justificativa da Receita é elitista e piora a situação que já é ruim no País. “Os livros no Brasil já são caros, o que por si só já afasta as pessoas mais pobre, e torna mais caros”, diz Borges, que é pesquisador do Centro de Desenvolvimento da Gestão Pública e Políticas Educacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Segundo ele, a ideia de tributar mais os ricos se aplica a “iates, helicópteros e outros produtos consumidos pela classe mais alta” e não a livros. 

Borges destaca que o Brasil, de fato, consome muito poucos livros, com um mercado editorial pequeno e concentrado nos mais ricos. “Uma alíquota sobre os livros tende a ficar concentrada nas famílias mais ricas. Mas, por outro lado, dificulta ainda mais o acesso da população à leitura”, ressalta. Para ele, num Orçamento que roda no vermelho, que falta dinheiro para tudo, a arrecadação maior com essa tributação vai sumir na conta geral do governo.

O tributarista Luiz Bichara, que fez uma leitura atenta do documento da Receita, diz que o governo está usando uma estatística de uma maneira turva e não pode desconsiderar o livro didático, que também será afetado pelo fim da isenção. “Estão usando a estatística como bêbado que usa o poste mais para apoiar do que iluminar”, compara Bichara.

Bichara diz que esse é caso inédito de projeto de lei que fica sendo reinterpretado sem nenhuma alteração no texto. “Têm pontos que através do ‘perguntas e respostas’ ficam discrepantes do projeto de lei”, critica. Segundo ele, a  Receita deveria alterar o projeto de lei e não fazer um novo tira dúvidas. Um exemplo citado por ele é a tributação da atividade fim das empresas e o corte dos benefícios fiscais. Segundo ele, a CBS prevê um corte abrupto dos benefícios do PIS/Cofins, mas no “perguntas e respostas” tem a previsão de manutenção de benefícios a prazo certo.

Procurada, a Receita diz que foi feita uma atualização conforme dúvidas foram surgindo. E que a questão do fim da isenção do livro didático poderá ser debatida na tramitação do projeto no Congresso. E, no caso dos livros didáticos, são itens comprados e entregues pelo setor público.

A MAIOR PARTE DO PÚBLICO VAI RECEBER O AUXILIO EMRGENCIAL DE 150

 

Dados do Ministério da Cidadania mostram que 19,9 milhões de famílias, 43,6% do total de beneficiados, terão direito apenas ao piso do benefício, que começou a ser pago na última terça-feira

Idiana Tomazelli, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – A maior parte do público do auxílio emergencial vai receber o menor valor do benefício, que é de R$ 150 mensais, informou o Ministério da Cidadania ao Estadão/Broadcast. Serão 19,994 milhões de famílias contempladas na categoria “unipessoal”, isto é, formadas por apenas uma pessoa. O número representa 43,6% do público total estimado para a nova rodada.

Outras 16,373 milhões de famílias com mais de um integrante vão receber R$ 250, enquanto 9,47 milhões de mulheres que são as únicas provedoras do lar receberão R$ 375. A nova rodada do auxílio emergencial terá quatro parcelas, e o pagamento começou ontem.

Auxílio emergencial
No ano passado, verba para o auxílio emergencial ficou em R$ 322 bilhões. Foto: Veetmano Prem/Código19/Estadão Conteúdo

Os dados já haviam sido antecipados pela reportagem, mas nunca foram revelados oficialmente pelo governo, que preferiu centrar seu discurso no “valor médio” de R$ 250. A estratégia foi adotada depois da insatisfação de aliados e dos próprios beneficiários com a redução do valor da ajuda, que começou em abril de 2020 em R$ 600 e caiu a R$ 300 entre setembro e dezembro do ano passado.

Os valores atuais são considerados insuficientes para atender a demandas básicas de alimentação, higiene pessoal e limpeza de uma família. Como mostrou o Estadão, o custo da cesta básica na capital paulista para uma família de quatro pessoas ficou em R$ 1.014,63 em fevereiro, segundo levantamento da Fundação Procon feito em parceria com o Dieese. O “valor médio” do auxílio cobre menos de 25% do custo. Só o preço do gás de cozinha, por exemplo, já está próximo de R$ 100.

Para ter acesso aos dados oficiais e detalhados, o Estadão/Broadcast fez a solicitação com base na Lei de Acesso à Informação (LAI) em 19 de março, um dia após a edição da medida provisória que recriou o programa sob novas regras. No mesmo dia, a reportagem fez pedido igual por meio de assessoria de imprensa do Ministério da Cidadania, mas foi informada de que a pasta ainda estava “consolidando os números sobre a quantidade de pessoas beneficiadas por faixa de valor”. A nota técnica com todos os detalhes, porém, foi assinada pelas áreas responsáveis em 15 de março.

No documento, o governo detalha o processo de exclusão de beneficiários que permitiu “afunilar” o programa, chegando ao número de 45,8 milhões de brasileiros que receberão a ajuda. Essa foi uma diretriz adotada pela equipe para limitar o custo do auxílio, que no ano passado ficou em R$ 322 bilhões. Para este ano, estão reservados R$ 44 bilhões.

Mudanças

O critério que mais excluiu beneficiários foi a regra que prevê apenas uma cota do auxílio por família. Até o ano passado, era possível que duas pessoas recebessem a ajuda. Sob o novo critério, foram removidos 6,567 milhões de beneficiários.

A redução dos valores do auxílio também fez com que 2,875 milhões de beneficiários do Bolsa Família permanecessem no programa, que tem valor mais vantajoso para eles, em vez de serem transferidos ao auxílio emergencial. Segundo estimativa do governo, só essa mudança gerou economia de R$ 1,5 bilhão.

Há ainda exclusões de quem não movimentou os valores da primeira rodada do auxílio até outubro de 2020 (751,5 mil) e pela redefinição do limite de renda (188,3 mil). Antes, poderia receber o auxílio quem tivesse renda de até meio salário mínimo por pessoa, ou três salários mínimos por família. Agora, os dois critérios têm de ser preenchidos ao mesmo tempo – o que elimina, por exemplo, uma família de apenas duas pessoas com renda de dois salários mínimos.

Para justificar os valores da nova rodada do benefício, o governo calculou o “hiato” entre a renda habitual dos trabalhadores e o que foi efetivamente recebido. Esse hiato seria a perda de renda durante a pandemia e uma medida do impacto do distanciamento social.

27 MESES DO GOVERNO BOLSONARO

 

Passaram-se 27 meses

Bolsonaro governará nos próximos 21 meses tal como o fez nos 27 passados

Rosângela Bittar, O Estado de S.Paulo

Centrão não é surpreendente, é implacável. Como demonstra o deputado Arthur Lira, comandante em chefe do grupo, não só por ser presidente da Câmara mas por representar um papel múltiplo e mutante. Ora é um diplomata negociador. De repente dá sinais do seu limite e pode tornar-se um cangaceiro.

Tanto que o presidente Jair Bolsonaro está ciente de que não deve fugir ao resgate negociado. O ignorou, por exemplo, na escolha do ministro da Saúde, desprezando a candidata indicada. E desde então não se esgotam as compensações que é obrigado a fazer. O presidente nunca esteve tão fraco politicamente como neste momento.

Nas cláusulas do contrato de adesão do Centrão ainda restam muitos espaços a serem ocupados. Entre eles, os ministérios da Educação e o do Meio Ambiente. Metas que, enquanto não se cumprirem, são compensadas por um adiantamento da lista de nomeações para cargos menores. Além de dinheiro na veia: as emendas parlamentares do orçamento, ainda não legalizado, mas certamente já distribuído. Parcelas do inesgotável ajuste de contas. 

Jair Bolsonaro
O presidente da República, Jair Bolsonaro Foto: Dida Sampaio / Estadão

Este é o panorama de hoje. Bolsonaro governará nos próximos 21 meses tal como o fez nos 27 passados. Em conflito com cada um e o universo.

As forças políticas contrárias, porém, estão vivas e se articulam com os protagonistas de sempre. Já abandonaram o plano A, cujo item número um era o impeachment. Empenham-se agora na elaboração do plano B: a construção de um candidato do centro, que não pode ser confundido com o Centrão, de perfil vencedor.

Os políticos creem que Bolsonaro chegará a 22 tão fraco como candidato, desacreditado como gestor, desautorizado como líder, sabendo que seu adversário principal terá todas as chances de derrotá-lo. É verdade que não gostariam de dar o espaço a Luiz Inácio Lula da Silva. O presidente, porém, parece ser o único que ainda não se convenceu de que não foi ele que ganhou a eleição, mas o PT que a perdeu. O temor do centro é que Lula vença no papel do antibolsonaro, situação que querem evitar. O ideal que procuram, sinceramente, é a constituição de um governo liberal, sim, com educação e compostura política, inserido no mundo.

De onde veio o crescente enfraquecimento que tiraria as chances do presidente? Bolsonaro perdeu substância e energia até no seu staff da Presidência. Saiu fragilizado da refrega, puramente vingativa, com as Forças Armadas. A demissão do ministro das Relações Exteriores foi humilhante, e com ele foram reprovados o filho Eduardo Bolsonaro e o doutrinador Olavo de Carvalho

O quarto ministro da Saúde, administrador da profunda crise sanitária, não se encontrou em meio às contradições do governo: não há vacinas, prioridade absoluta. O quarto ministro da Educação é um pastor sem força política para evitar o avassalador obscurantismo que impregnou o MEC, dominado pela mediocridade das bases extremistas do bolsonarismo. A educação está destruída. A infraestrutura não tem verbas. O Meio Ambiente e a Cultura, marginalizados.

Passaram-se dois anos e três meses de governo e permanece a sensação de que o filme de terror não tem fim. O enredo é dominado pela violência, agressividade, insegurança, armas, controle político da polícia, perseguições, irracionalidade, crimes de responsabilidade, ódio, devastação. É por esta agenda que o governo se move.

Jair Bolsonaro emite sinais de que continuará administrando tal parque de horrores, no qual seus filhos se deliciam na montanha russa, da cabine de comando do trem fantasma. A cada susto, o timoneiro narra, em discurso staccato, que só ele e seu partner ocasional sabem o porquê das suas manobras radicais. Recorrente mistério para explicação do inexplicável. Enquanto isso, os brasileiros, desamparados, teimam em sobreviver à covid-19.

*COLUNISTA DO ‘ESTADÃO’ E ANALISTA DE ASSUNTOS POLÍTICOS

terça-feira, 6 de abril de 2021

SANEAMENTO BRASILEIRO É INEFICIENTE

 

Brasil tem 35 milhões de pessoas sem água tratada e 100 milhões sem coleta de esgoto

Notas&Informações, O Estado de S.Paulo

O saneamento é o setor que expõe mais dramaticamente as contradições sintetizadas na fórmula popular “Belíndia” – o país quimérico com leis e impostos da pequena e rica Bélgica e com a realidade social da imensa e pobre Índia. Ao apresentar a última edição do Ranking do Saneamento, o presidente do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos, advertiu: “Vimos com preocupação que os municípios mais bem colocados se mantêm entre os que mais investem, enquanto as cidades que mais precisam evoluir persistem com baixos investimentos em água e esgotos. Se nada mudar, ampliaremos a noção de termos dois ‘Brasis’: o dos com e o dos sem saneamento”.

Ranking confirma que o País mantém quase 35 milhões de brasileiros sem serviços de água tratada e 100 milhões sem coleta de esgoto. O Brasil despeja a cada dia 5,3 mil piscinas olímpicas de esgoto em suas águas. O quadro é chocante. Entre 2012 e 2019, a população com acesso à água, por exemplo, evoluiu apenas 1 ponto porcentual (de 82,7% para 83,7%).

Há ainda as desigualdades regionais. Norte e Nordeste não têm nenhum município entre os 20 melhores e têm 11 entre os 20 piores.

Em relação ao fornecimento de água, a média dos 20 melhores municípios é de 99,4%, enquanto para os 20 piores é de 76,9%. No indicador de esgoto, a média dos melhores é de 54,1%; dos piores, 25,6%. Nas perdas de faturamento, os melhores têm uma média de 24,9%; os piores, 58,6%. Quanto às perdas na distribuição, a média dos melhores já é alta para os padrões internacionais, 30%, mas a dos piores é de 52,3%. Em relação às piores cidades, as melhores têm um desempenho 70,4% superior na coleta de esgoto e 67,1% superior no tratamento.

O Plano Nacional de Saneamento Básico estima a necessidade de um investimento anual de R$ 113,30 per capita pelos próximos 15 anos para atingir a universalização dos serviços. Mas, entre 2015 e 2019, as piores cidades investiram R$ 31,45 (72% abaixo da meta).

Entre 2014 e 2018, o Sudeste, a região que tem a melhor cobertura, respondeu por 54,6% dos investimentos, enquanto Nordeste e Norte, as mais carentes, responderam, respectivamente, por 17,3% e 3,7%. O instituto estima que 24 das 27 unidades da Federação precisarão ampliar investimentos para atingir a meta de universalização em 2033, estabelecida pelo Novo Marco do Saneamento no ano passado.

Ao abrir o mercado à livre concorrência, incentivar a prestação regionalizada dos serviços e racionalizar o quadro regulatório, o Novo Marco cria condições para que os investimentos cresçam em média 4,1 vezes, segundo estimativas do Trata Brasil.

Mas, para que essa janela de oportunidades seja definitivamente aberta, falta consumar o quadro regulatório infralegal. Uma pesquisa feita pelo instituto com as agências reguladoras do setor estimou os principais desafios a serem vencidos nos próximos dois anos pela Agência Nacional de Águas no estabelecimento das normas de referência.

Entre os desafios considerados “extremamente relevantes” destacaram-se a autonomia financeira, a autonomia administrativa e o quadro de pessoal. Em relação a este último ponto, mais da metade dos servidores das agências não é concursada, o que é visto como principal motivo da alta rotatividade, dificultando a transferência e retenção do conhecimento de regulação e a continuidade das atividades regulatórias.

Há ainda uma preocupação acentuada com a “interferência política”. “Interferências desse tipo comprometem a finalidade e aumentam a percepção de risco ao investidor, afugentando investimentos essenciais para a universalização”, advertiu Édison Carlos.

O saneamento é possivelmente o setor de infraestrutura com maior perspectiva de investimento e potencial para ajudar na retomada econômica do País. Há uma evidente demanda reprimida. Se o trabalho regulatório for bem feito, o Brasil tem todas as condições para universalizar o saneamento básico. Garantir a fonte primordial de toda vida – a água – e as condições básicas de higiene – o esgoto – é o primeiro e mais importante passo para superar as contradições da “Belíndia”.

LIBERAR CULTOS E MISSAS NAS IGREJAS É ESPALHAR O COVID-19

 

Em meio ao caos, o bolsonarista do Supremo, Kassio Nunes Marques, passa por cima de decisões do plenário

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

O Brasil vive duas tragédias simultâneas, em meio a um negacionismo criminoso que tenta garantir até aglomerações em igrejas e cultos: o número de infectados e mortos pela covid-19 só dispara, enquanto as previsões de doses de vacinas só caem. A boca do jacaré aumenta e vai devorando vidas, a economia, os empregos, a comida na mesa. E não está se falando de jacaré que tomou vacina…

Como advertiam desesperadamente os epidemiologistas, março de 2021 foi o mês mais macabro da pandemia, com o dobro das mortes registradas em julho de 2020, até então o pior mês em mortes e infecções. E a nova má notícia é que a escalada da carnificina deve continuar em abril.

Quanto mais brasileiros morrem, mais a previsão de vacinas cai, em sentido inverso. No dia 17 de fevereiro, quando o Brasil atingiu 242.178 mortos, o então ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, anunciou 46 milhões de novas doses em março. O número de mortes disparou desde então, mas o de doses minguou. Março fechou com menos de 10% dos brasileiros vacinados.

Em 28 de fevereiro, os mortos haviam subido para 255.018 e a previsão de vacinas caía para 39,1 milhões. Em 3 de março, 259.042 mortos contra 38 milhões. Em 6 de março, 264.446 e 30 milhões. Em 8 de março, 266.614 e de 25 milhões a 28 milhões de doses. Em 10 de março, 270.917 e de 22 milhões a 25 milhões. O gato comeu milhões de doses. Gato guloso, Ministério da Saúde pouco confiável.

Para abril, as previsões de mortes são aterrorizantes e, num estalar de dedos, a expectativa de novas doses já caiu de 40 milhões para 25 milhões. O nosso Estadão revelou a realidade: a vacinação dos grupos prioritários – atenção, não da população toda, apenas dos prioritários – só deve ser concluída em setembro. Deus nos livre!

A situação é caótica, com o sistema de saúde super pressionado, os profissionais do setor esgotados, risco de falta de oxigênio e medicamentos, milhões de pessoas passando fome e vans escolares já sendo usadas para transportar corpos em São Paulo, o Estado mais rico do País.

O presidente Jair Bolsonaro, porém, só pensa no seu marketing pessoal. Os filhos jogam na internet o slogan “nossa arma é a vacina”, o Planalto sedia reuniões inúteis da frente contra a covid e todo o governo corre para dar ao presidente o discurso mentiroso, a propaganda enganosa, de que ele, imaginem, lidera o esforço por vacinas. Nenhuma fake news poderia ser mais absurda, depois de tudo o que Bolsonaro disse e não disse, fez e não fez na pandemia.

Não atuou a favor e guerreou contra as vacinas, não atuou a favor e guerreou contra o isolamento social, não atuou a favor e guerreou contra as máscaras e, em vez de guerrear contra, atuou a favor da cloroquina – os efeitos já começam a aparecer… E seus seguidores vão atrás. Que tal a comparação das vacinas com a talidomida nas redes, quando Bolsonaro dizia que a Coronavac “matava e mutilava”?

Em meio ao caos, o bolsonarista do Supremo, Kassio Nunes Marques, passa por cima de decisões do plenário e libera cultos e missas durante a pandemia. Equivale a mandar o gado para o matadouro. Com a suspeita de que o ministro segue as máximas do presidente: “aos aliados tudo” e “um manda, outro obedece”. Mesmo não devendo obediência nenhuma.

O ex-juiz Sérgio Moro foi expelido por resistir à ingerência política na Polícia Federal. O general Fernando Azevedo e Silva foi demitido por evitar a ingerência política no Exército. Como impedir a ingerência negacionista no Supremo? Em 5 de julho, Marco Aurélio Mello se aposenta, Bolsonaro nomeia o “seu” segundo ministro e os dois, juntos, mudam o equilíbrio do plenário. Para melhor, não será. E a pandemia estará correndo solta.

*COMENTARISTA DA RÁDIO ELDORADO, DA RÁDIO JORNAL (PE) E DO TELEJORNAL GLOBONEWS EM PAUTA

QUEM SERÁ O JOE BIDEN BRASILEIRO NAS PRÓXIMAS ELEIÇÕES?

 

Caberá ao Biden nacional combater a desigualdade de renda e abrir um futuro de maior produtividade para a economia

Pedro Fernando Nery*, O Estado de S.Paulo

Pela ocasião da alta votação de Joe Biden em 2020, que reuniu um amplo espectro de apoio para derrotar Trump, muito se especulou sobre quem seria “o Biden brasileiro”. Perto da marca dos 100 primeiros dias do novo presidente americano, já é possível vislumbrar quais temas quer transformar. Um que destoa é o da infância, com uma espécie de renda universal infantil. Quem será o Biden brasileiro?

Biden já conseguiu sancionar uma de suas propostas de campanha: o pagamento de US$ 250 mensais para a maior parte das crianças e adolescentes americanos, com valor ampliado para US$ 300 no caso das crianças de até seis anos (1.ª infância). Não se exige que pais não tenham emprego.

Os valores passam a ser decrescentes para famílias com maior renda. Para outro limite de renda, não há direito ao pagamento (uma renda equivalente à do décimo mais rico dos americanos). Como poucas crianças estão em famílias no topo da distribuição de renda, o benefício é semiuniversal. 

Joe Biden
Em pouco tempo, Biden já conseguiu sancionar uma de suas principais propostas de campanha. Foto: Patrick T. Fallon/AFP

É uma grande mudança: os EUA estão entre poucos países desenvolvidos a não possuir esse benefício. Uma renda universal para crianças, ou semiuniversal, é praticada em boa parte da OCDE e é parte integrante do modelo de Estado de bem-estar social europeu – só parcialmente importado por essas bandas. Mesmo países de tradição anglo-saxônica pagam o benefício, como Austrália e Canadá

Como seria se o Brasil replicasse a iniciativa americana? Evidentemente os valores de US$ 300 mensais estão distantes de nossa realidade. Mas comparando com a renda per capita dos dois países, o plano de Biden equivaleria no Brasil a dobrar o benefício variável do Bolsa Família – hoje de R$ 41 por criança. 

Significaria também estendê-lo para milhões que não recebem benefício algum, por não serem de famílias pobres o suficiente para receber o Bolsa nem ricas o suficiente para declarar imposto de renda (que gera um benefício indireto: a dedução por dependente). 

Sempre cabe ressaltar que 4 a cada 10 crianças brasileiras viviam na pobreza mesmo antes da pandemia, com número piores para as que vivem somente com a mãe, as negras, as na 1.ª infância. Entre estas, no cálculo de Naercio Menezes, metade continua abaixo da linha da pobreza mesmo recebendo o Bolsa Família – tamanha a insuficiência de renda. Nos EUA, estima-se que a taxa de pobreza infantil caia agora à metade.

Da Universidade de Columbia em Nova York, o Centro de Pobreza e Política Social estima que o retorno da nova política de proteção social americana será de oito vezes o seu custo para o contribuinte, pelos seus efeitos poderosos sobre o desenvolvimento infantil. O retorno vem no futuro de mais impostos arrecadados (porque o benefício amplia as possibilidades de o adulto de amanhã conseguir emprego, e emprego com melhores salários) e menos gastos (inclusive com saúde e até segurança pública e justiça, dada a triste vulnerabilidade do público beneficiado).

Propostas responsáveis de uma renda universal infantil foram feitas no Brasil em anos recentes por pesquisadores associados ao Ipea. Versões tramitam no Congresso. Em 2019, especulou-se que o governo Bolsonaro apresentaria uma proposta. Nicholas Kristof, articulista do The New York Times, resumiu a dificuldade que esse tipo de proposta tem em angariar apoio da sociedade: crianças não escrevem colunas, não votam e não contratam lobistas.

Rosa DeLauro, deputada americana que autorou o projeto da Lei da Família Americana – base do programa de Biden, acredita que a pandemia expôs a vulnerabilidade desse grupo da população e permitiu a aprovação da proposta. Ela advogou pelo benefício por 18 anos. DeLauro, como Biden e Nancy Pelosi (presidente da Câmara), integram o grupo de democratas católicos – influenciados pela doutrina social.

Mas lá, ao contrário daqui, conservadores também aderiram à pauta. Mitt Romney, o republicano vencido por Obama nas eleições presidenciais de 2012, apresentou proposta de renda universal infantil permanente, ainda mais ousada que a de Biden (que é por ora apenas temporária). Justificou o projeto da Lei de Segurança das Famílias tanto pela redução da pobreza como pela promoção dos casamentos. 

Outros conservadores americanos interessados nesse tipo de benefício argumentam pela diminuição de divórcios, aumento da natalidade, redução de abortos e maior estabilidade nos lares. Pauta que deveria ser abraçada pelos defensores da família.

Com a solução apenas temporária para o auxílio emergencial de 2021, o debate sobre proteção social segue aberto no Brasil. Caberá ao Biden brasileiro liderar uma transformação do Orçamento, combatendo desigualdade de renda geracional e abrindo um futuro de maior produtividade para a economia.

*DOUTOR EM ECONOMIA

AS ARMADILHAS DA INTERNET E OS FOTÓGRAFOS NÃO NOS DEIXAM TRABALHAR

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