domingo, 14 de março de 2021

CAMPANHA À PRESIDENCIA DA REPÚBLICA JÁ COMEÇOU

 

Entrada de Lula projeta eleição menos pulverizada

Possibilidade de petista concorrer novamente à Presidência alterou projeções e acelerou articulações partidárias para definição de nomes alternativos à polarização

Pedro Venceslau, O Estado de S.Paulo

O restabelecimento dos direitos políticos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva impactou as estratégias e alterou a projeção que líderes políticos envolvidos com a sucessão presidencial vinham fazendo do cenário de 2022. De imediato, além de acelerar o processo de articulação de futuras candidaturas, a entrada de Lula no jogo eleitoral estreitou o espaço para candidatos. Por dois motivos: por um lado porque o ex-presidente cria uma expectativa de aliança na esquerda e por outro porque fica mais restrita a viabilidade de candidaturas que queiram se oferecer como alternativa à polarização.

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Ciro Gomes, Luciano Huck, João Doria e Sérgio Moro Foto: ABA BENEDICTO, FELIPE RAU, NILTON FUKUDA/ESTADÃO E MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL

Doria já admite disputar reeleição em São Paulo, em vez de campanha ao Planalto

No contexto atual, há três nomes que se apresentam no chamado “centro expandido” da política nacional: Ciro Gomes (PDT), Luciano Huck e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB). Como mostrou o Estadão, em meio à novidade Lula, Doria admitiu pela primeira vez que pode deixar de lado o projeto presidencial e optar por disputar a reeleição no ano que vem.

A raia mais estreita da corrida eleitoral afeta também as articulações de Huck e Ciro. O ex-ministro e presidenciável do PDT terá agora de partir para negociações mais efetivas no campo do centro, já que a esquerda passa a gravitar na órbita de Lula. No caso do empresário e apresentador da TV Globo, as tratativas com o PSB ficam mais incertas e um dos pilares de sua retórica – o combate à desigualdade social – passa a ter forte concorrência.

“A entrada de Lula acelerou o processo sucessório e também acelerou para o Huck. A pressão agora não é mais só profissional”, disse o ex-deputado Roberto Freire, presidente do Cidadania. “Lula força uma discussão mais profunda sobre a criação de um polo alternativo.”

Freire tem conversado com Ciro e dirigentes do PDT não descartam que o Cidadania se alie ao ex-ministro caso Huck decida não concorrer.

Huck deverá, até meados do ano, tomar a decisão de renovar ou não o contrato com a Globo, indicando sua disposição de manter ou não o projeto eleitoral para 2022. Ele voltou a conversar com o DEM e abriu diálogo com emedebistas – a senadora Simone Tebet (MDB-MS) jantou recentemente na casa do apresentador. Seu grupo político, porém, agora tem dúvidas se o PSB vai caminhar para um convite formal e público a Huck.

A interlocução entre Huck e os pessebistas tem sido feita pelo prefeito do Recife, João Campos. A avaliação é que o rumo do partido em 2022 será ditado justamente pelo arranjo que melhor favorecer os interesses eleitorais da ala dominante do PSB, concentrada em Pernambuco – onde Lula é forte catalisador de votos (mais informações na página ao lado).

“Já estamos conversando com o centro. O Ciro tem aprofundado o diálogo com o PSD, DEM, PV e Rede”, afirmou o presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, para quem Huck “perde base popular” com a volta de Lula. Ciro tem, prioritariamente, investido na construção de uma ponte mais sólida na ala nordestina do DEM – um dos seus interlocutores mais frequentes é o ex-prefeito de Salvador ACM Neto, presidente nacional do partido.

Caso mantenha os direitos políticos até a eleição do ano que vem, Lula também impacta o projeto do PSOL. O apoio ao petista ainda sofre resistências internas, especialmente dos líderes da legenda que foram expulsos do PT, mas o debate ganha volume na sigla. O presidente nacional do PSOLJuliano Medeiros, disse ao Estadão que “a presença de Lula no debate público reforça a luta da oposição contra Bolsonaro”. “Queremos criar um espaço formal para discutir a unidade com os partidos.”

Moro

Analistas e líderes partidários ainda avaliam, e também divergem, a respeito do impacto que o fato da última semana tem sobre o ex-ministro Sérgio Moro. Apesar da decisão do ministro Edson Fachin de anular as condenações de Lula na Lava Jato em Curitiba, a Segunda Turma da Corte manteve o julgamento que analisa a suspeição do ex-juiz titular da operação.

Recolhido desde que deixou o governo federal, Moro se tornou sócio-diretor da consultoria americana Alvarez & Marsal no ano passado. Mantém conversas com Huck e Doria, mas sem indicar pretensão de ser protagonista no ano que vem. Diante do fator Lula, o ex-juiz é visto por dois ângulos: um cenário em que é considerado parcial e perde capital político para uma investida eleitoral e outro em que a presença do ex-presidente revitaliza também o antipetismo e abre uma “estrada” para Moro.

Seus apoiadores confiam na segunda hipótese e reforçaram a pressão para que ele tome o mais rápido possível uma decisão sobre 2022. “Moro está sendo convocado à luta para defender a causa do combate à corrupção, que se enfraquece. Esta é uma decisão muito pessoal: aceitar a convocação para o enfrentamento ou se acomodar. A Lava Jato está sendo golpeada de forma fatal. Vejo como uma convocação ao enfrentamento”, disse o senador Alvaro Dias (PR), principal interlocutor entre o ex-ministro e o Podemos.

No campo governista, parte dos aliados de Jair Bolsonaro admite que o retorno de Lula pode dividir o apoio que o presidente tem hoje dos partidos que integram o Centrão. Aliados articulam a volta dele ao PSL e pregam que, para enfrentar Lula, é preciso entrar na disputa com uma sigla bem estruturada – ou seja, com dinheiro em caixa e tempo de televisão.

“O tsunami que elegeu Bolsonaro em 2018 não vai se repetir em 2022. Vai voltar o jogo da estrutura partidária”, disse ao Estadão o deputado bolsonarista Luiz Philippe de Orleans e Bragança (SP), que integra o círculo político mais próximo da família Bolsonaro. As conversas entre o PSL e o presidente foram retomadas e o partido isolou a ala de oposição ao governo no Congresso.

O PODER CORROMPE AQUELES QUE O EXERCEM?

 

2022, o ano que vem chegando mais cedo

Aung San Suu Kyi:‘O temor de perder o poder corrompe aqueles que o exercem’

Pedro S. Malan, O Estado de S.Paulo

“Creio que nenhum homem tem plena consciência das engenhosas artimanhas a que recorre para escapar à sombra terrível do conhecimento de sua própria pessoa” (Joseph Conrad). Seria possível imaginar o mesmo de um país? Dizer, como o personagem de Shakespeare (em Macbeth): “Ai de ti, pobre país, quase com medo de conhecer a si próprio”. O Brasil sob o bolsonarismo parece cada vez mais enredado no autoengano e na autocomplacência, empenhado em perder-se em engenhosas artimanhas para escapar ao conhecimento de si próprio.

Mas a terrível sombra está a ficar mais visível com o agravamento da pandemia, e com suas consequências. Paradoxalmente, é o que poderá talvez permitir que escapemos, nos próximos 18 meses, do autoengano coletivo, que seria trágico. Terrível como possa ser, o Brasil, a duras penas, pode estar se conhecendo melhor. Afinal, Bolsonaro e sua grei são parte integrante de nossa realidade. Cumprirá a cada um de nós procurar construir coalizões – de pessoas, de partidos – aptas a apresentar-se à sociedade em geral (não apenas a nichos identitários, corporações estabelecidas e interesses consolidados) como alternativas de poder viáveis e construtivas.

Não será fácil. No presidencialismo à brasileira o poder incumbente dispõe de enormes vantagens, particularmente quando a busca da reeleição constitui sua inequívoca prioridade. O poder que detém o presidente de nomear, demitir, vetar e cooptar não deve ser subestimado. Nem sua presença nas redes sociais ou o expressivo contingente do eleitorado que lhe confere o status de mito.

Em algum momento será preciso convergir para nomes, a política assim o exige. Mas tão importante quanto o quem é com quem mais (pessoas, partidos, grupos sociais), com que tipo de proposta sobre os principais desafios do País, com que tipo de interpretação sobre onde estamos, como até aqui chegamos e para onde se está propondo que caminhemos.

Carlos Pereira, em artigo recente (Folha 8/2), comenta a diferença entre montar uma coalizão para uma disputa eleitoral e gerenciar uma coalizão para efetivamente governar, à luz das dificuldades de coordenação, custos de governabilidade e perspectivas de sucesso legislativo. Após um ano e meio de recusa, Bolsonaro foi obrigado a aceitar uma coalizão e a empenhar-se pessoalmente na eleição dos novos presidentes da Câmara e do Senado. Mas, como notou o autor, “estando o presidente disposto a jogar o jogo do presidencialismo multipartidário, precisa aprender a gerir a sua coalizão de forma profissional e não amadora”. Sua forma de gerir a coalizão alcançada tem se mostrado volátil e estouvada, mas claramente concentrada em sua reeleição. Que depende da consolidação e ampliação de seu eleitorado fiel, do cultivo das corporações que tem como suas e da transferência de responsabilidades para governadores, prefeitos e para a mídia profissional.

A extraordinária disfuncionalidade do Executivo federal no combate à covid é o exemplo mais flagrante e doloroso dessa inépcia, mas não o único. Afinal, é de nosso presidente a afirmação: “O País está quebrado, e eu não consigo fazer nada”. Eis a continuação da mensagem, implicitamente sugerida: porque não me deixam fazer o que eu gostaria, ou o que precisaria ser feito, a culpa não é minha. Em outra fala, saiu-se com variante muito mais grave: “Alguns acham que posso fazer tudo. Se tudo tivesse que depender de mim, não seria este o regime que nós estaríamos vivendo”. Nada surpreendente para quem em janeiro afirmara que “quem decide se um povo vive sob uma democracia ou uma ditadura são as Forças Armadas”. As duas frases não deveriam surpreender a quem conheça sua trajetória, no Exército e no Congresso, ou a quem se dê ao trabalho de assistir, na íntegra, ao vídeo da famosa reunião ministerial de 22 de abril de 2020, verdadeira ressonância magnética de um organismo disfuncional.

A História ensina que uma sociedade enjaulada em acerbas polarizações é particularmente vulnerável a populismos fraudulentos. Existem sempre instigadores que despertam e incendeiam a ambição de populistas e tiranos em potencial. Como existem sempre os facilitadores que, ainda que percebam o perigo representado por aquela ambição, imaginam-se capazes de controlar os arroubos autoritários do populista (ou do tirano) enquanto se beneficiam de seu estilo de assalto a instituições estabelecidas. Como aponta com pertinência Aung San Suu Kyi, “não é o poder que corrompe, mas o medo. O temor de perder o poder corrompe aqueles que o exercem. E o medo do açoite do poder corrompe aqueles que estão sujeitos a ele”. Persio Arida retomou o tema em excelente live recente, a propósito do Brasil de hoje.

Nos próximos 18 meses o Brasil deverá decidir se afinal deseja assumir-se como uma democracia vibrante, reconhecida como tal pelo resto do mundo; ou se persistirá na trajetória de incerteza crescente sobre nosso futuro econômico, social e político. E a correr sério risco, à luz de eventos dos últimos dias, de reeditar o tipo de polarização que marcou tanto nossa experiência em 2018 como os últimos trágicos 12 meses de pandemia.

ECONOMISTA, FOI MINISTRO DA FAZENDA NO GOVERNO FHC E-MAIL: MALAN@ESTADAO.COM

sábado, 13 de março de 2021

NA EMERGÊNCIA DA PANDEMIA A UNIÃO DOS CIDADÃOS É ESSENCIAL

 

Emergência

Byvaleon

 MAR 13, 2021

Emergência

Até que a vacinação deslanche, a união dos cidadãos é fundamental para salvar vidas

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

O Brasil passa pelo momento mais dramático da pandemia de covid-19. O País caminha para chegar ao final de março tendo perdido cerca de 300 mil de seus cidadãos para a doença. Novas cepas do coronavírus, mais contagiosas, são disseminadas sem qualquer tipo de controle ou medidas de contenção. Resultado disso é que os hospitais das redes pública e privada, seja nos Estados mais ricos, seja nos mais pobres, entraram em colapso ou estão prestes a saturar sua capacidade de lotação. É grande o risco de se generalizar os casos de pessoas que precisam de atendimento médico morrerem em casa ou na porta de hospitais lotados. Em algumas cidades isso já ocorre.

O que poderia interromper esta escalada da morte – uma massiva campanha de vacinação da população – ainda está longe de ser a realidade do País. As poucas doses que há são aplicadas numa velocidade muito aquém da velocidade de espalhamento do vírus. É uma luta desigual, decorrente em grande medida da desídia do governo de Jair Bolsonaro em coordenar no âmbito federal a imunização dos brasileiros.

As autoridades ciosas de sua responsabilidade têm praticamente implorado à população para que permaneça em casa. E se houver absoluta necessidade de sair às ruas, que isto seja feito com os cuidados sobejamente conhecidos a esta altura. Em poucos momentos da história do País foi tão necessária a união da sociedade para superar um mal que afeta todos os cidadãos.

No dia 10 passado, foram registradas 2.349 mortes por covid-19 em apenas 24 horas, sem contar a subnotificação. É estarrecedor. As atuais gerações jamais passaram por algo remotamente parecido com esta tragédia. E nada garante que este terrível número de mortes diárias não aumente nos próximos dias.

São Paulo, o mais populoso Estado da Federação, é um dos que mais padecem com o recrudescimento da pandemia no País. Para evitar o pior, ou seja, cidadãos morrendo por falta de atendimento nos hospitais, o governo estadual criou uma nova categoria de restrições no Plano São Paulo ainda mais severa do que a fase vermelha. Embora fossem as mais rigorosas até então, as medidas da fase vermelha não puderam deter o vertiginoso crescimento do número de casos e mortes no Estado.

O Palácio dos Bandeirantes decidiu chamar o novo pacote de medidas de fase emergencial, sem alusão a cores, o que mostra quão grave é a situação do Estado. Trata-se, de fato, de uma situação de emergência, de vida ou morte.

A fase emergencial valerá de 15 a 30 de março e implicará a paralisação das atividades escolares, o fechamento de lojas de materiais de construção, restrições de retirada de pedidos em bares e restaurantes (o chamado “take away”), suspensão de atividades esportivas coletivas, como os jogos de futebol do Campeonato Paulista, e de celebrações religiosas que gerem aglomeração de fiéis.

O objetivo do governo paulista é aumentar o porcentual de isolamento social na fase emergencial para um patamar superior a 50%, considerado pelas autoridades sanitárias o mínimo necessário para deter o avanço do vírus. Estima-se que neste período de 15 dias cerca de 4 milhões de pessoas sairão das ruas.

É de suma importância que cada cidadão se una ao esforço coletivo de frear a disseminação do coronavírus em sua cidade, no seu Estado, no País. Por melhores e bem-intencionadas que sejam as medidas determinadas pelos governos nas três esferas, de nada elas valerão se a população não se engajar firmemente no seu cumprimento. Ao poder público, por sua vez, cabe fiscalizar com máximo rigor a observância às determinações legais.

Espera-se que atos de força jamais tenham de se sobrepor à consciência cidadã. Diante de um quadro tão terrível, a união dos cidadãos é vital para salvar vidas, como bem disse o secretário estadual de Saúde, Jean Gorinchteyn. E até que a vacinação deslanche, devemos contar uns com os outros.

LEGADO DA OPERAÇÃO LAVA JATO ESTÁ EM RISCO

 

Dano à Lava Jato será maior com eventual suspeição de Moro do que com decisão de Fachin

Deltan Dallagnol, ex-coordenador da Lava Jato, afirma que anulação de condenações de Lula é menos danosa para demais processos, afirma que “há uma reação” contra o modelo de combate à corrupção no Brasil adota e questiona se os bilhões de reais recuperados vão ser devolvidos aos condenados e delatores, se operação for anulada por completo

Ricardo Brandt, Fausto Macedo e Raysssa Mota

O procurador da República Deltan Dallagnol: ex-coordenador da força-tarefa. Foto: Gabriela Biló / Estadão

O ex-coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, acredita que se o Supremo Tribunal Federal (STF) aceitar o pedido da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e declarar a suspeição do ex-juiz federal Sérgio Moro, as consequências para os processos são “mais graves”, do que os gerados pela decisão do ministro Edson Fachin desta semana. O relator da Lava Jato decidiu anular as condenações do  petista e tirar os processos de Curitiba.

“O pano de fundo dessa decisão (de Fachin) era a perspectiva de declaração de suspeição do ex-juiz federal Sérgio Moro, que teria consequências mais graves ainda para esses e talvez outros casos (da Lava Jato)”, afirmou Dallagnol, em entrevista ao Estadão.

Fora das apurações do caso Petrobrás, desde o final de 2020, Dallagnol afirma que ‘há uma reação’ contra o combate à corrupção no Brasil, diz não acreditar que toda Lava Jato seja anulada, defende a publicidade dada aos processos e alerta sobre a possibilidade de retrocessos no combate à corrupção no País. Afirmou ainda que tem a consciência tranquila, diante dos que acusam a operação de ter ajudado a eleger o presidente, Jair Bolsonaro. “Bolsonaro se apropriou da bandeira anticorrupção, mas não foi o único candidato a fazer isso, o que mostra que esse não foi o fator determinante para sua eleição.”

LEIA A ENTREVISTA:

Como recebeu a notícia de anulação das condenações do ex-presidente Lula?

Deltan Dallagnol: Com surpresa como todos. A Segunda Turma, ficando vencido frequentemente o ministro Fachin, vinha retirando de Curitiba os crimes que não têm ligação direta com a Petrobrás. O ministro aplicou esse entendimento majoritário porque a denúncia contra o ex-presidente descreve um esquema mais amplo de corrupção envolvendo vários órgãos federais, para além da estatal. É importante ressaltar que o ministro não disse que a denúncia estava errada.

O efeito disso foi a anulação das decisões proferidas nos casos, que poderão ser retomados em Brasília, aproveitando-se as provas produzidas, embora com riscos reais de prescrição. O pano de fundo dessa decisão era a perspectiva de declaração de suspeição do ex-juiz federal Sérgio Moro, que teria consequências mais graves ainda para esses e talvez outros casos. Pessoalmente, discordo de ambas as teses, de incompetência e de suspeição, mas a primeira é menos danosa e deve prejudicar o exame da segunda.

A incompetência da 13.ª Vara Federal declarada no caso Lula pode gerar um efeito em cadeia em outras ações?

Dallagnol: É difícil que isso aconteça por duas razões. Primeiro, em grande parte dos outros casos, a competência já foi discutida e definida em todas as instâncias, inclusive no Supremo. Em segundo lugar, o ministro Fachin tratou esse caso como bastante peculiar, porque se imputou ao ex-presidente o papel de “figura central do grupo criminoso organizado”, que atuou em vários órgãos, sendo a Petrobrás apenas um deles. Contudo, não podemos assegurar que a decisão não será estendida porque em Direito tudo é discutível, o sistema de Justiça brasileiro não favorece a segurança jurídica e até o passado é incerto no Brasil.

É o pior revés para a Lava Jato?

Dallagnol: Toda anulação dos casos de corrupção comprovada na Lava Jato nos gera indignação porque buscamos Justiça e nosso trabalho respeitou as regras do jogo. Isso já aconteceu com outros casos, como o do Aldemir Bendine (ex-presidente da Petrobrás) e o caso da refinaria de Pasadena. Contudo, sem dúvidas, o pior revés para a Lava Jato foi a proibição da prisão em segunda instância.

A Lava Jato foi um ponto fora da curva, ou ela também segue o mesmo caminho, das operações anticorrupção que foram anuladas, como a Castelo de Areia?

Dallagnol: Operações do passado foram derrubadas por inteiro. É difícil derrubarem a maior parte dos casos da Lava Jato por uma razão peculiar, que me faz lembrar uma anedota: certa vez, juízes de um tribunal discutiam um caso de tráfico de drogas e decidiram anular as provas e libertar os criminosos, por conta de uma formalidade, uma filigrana; após fazerem isso, um dos juízes perguntou aos outros ‘e agora, vamos devolver as drogas?’. Se a Lava Jato for anulada, a questão que fica é: vamos devolver para os corruptos, para as contas secretas na Suíça, os R$ 5 bilhões que foram recuperados de criminosos confessos? Vamos isentar as empresas que fizeram acordo de pagar os mais de R$ 10 bilhões já compromissados para os próximos anos?

Existe uma ‘impunidade institucionalizada’ no Brasil?

Dallagnol: As instituições devem ser respeitadas e são essenciais para a democracia. Contudo, devem ser aperfeiçoadas. É evidente que existe uma impunidade sistêmica e, nesse sentido, institucionalizada. O foro privilegiado não funciona. Basta perguntar a cada gabinete de ministro do Supremo, quantos mandados de prisão já foram emitidos contra pessoas com foro privilegiado. A primeira vez que o Supremo prendeu alguém foi em 2013. A maioria dos gabinetes provavelmente nunca emitiu nenhum mandado, apesar de ter conduzido dezenas de investigações de corrupção. Pesquisas mostram que grande parte dos casos de foro privilegiado prescrevem.

Já os casos que tramitam na primeira instância em regra eram anulados ou prescreviam e, desde a decisão que proibiu a prisão após o julgamento em segunda instância, as chances de se alcançar justiça se tornaram menores ainda. Quando a Lava Jato rompeu a impunidade sistêmica, isso gerou forte reação e movimentos intensos para retaliar os investigadores. Não é difícil prever um longo período de impunidade se não houver mudanças drásticas no cenário.detan_dallagnol_tcu_auditor_nivaldo_dias_filho

Deltan: ‘impunidade sistêmica’. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Ag. Brasil

Uma das críticas à Operação Lava Jato foi que ela foi midiática. Houve excessos na hora de dar publicidade das investigações e dos resultados?

Dallagnol: Midiáticos foram os crimes. São os números. Quando você tem desvios de até R$ 40 bilhões, por dezenas de parlamentares, políticos e empresários da mais alta relevância no País, em dezenas de órgãos públicos, os fatos despertam imenso interesse público. O Brasil foi saqueado. A demanda por informação exigiu ampla transparência, que ao mesmo tempo serviu de antídoto, enquanto a atenção da sociedade se manteve no caso, para manobras que esvaziassem investigações, processos e punições. Todos os grandes casos de corrupção deveriam ser públicos e ser objeto de prestação de contas e relatórios, como aconteceu na Lava Jato.

O conteúdo obtido pelos hackers das trocas de mensagens da força-tarefa foi onde a Lava Jato esbarrou? Como viu a autorização, pelo STF, do uso do conteúdo em processos ?

Dallagnol: Essas mensagens, com origem criminosa e que foram editadas e distorcidas, são apenas parte do arsenal utilizado, na reação contra a operação, por poderosos que se veem ameaçados pela Lava Jato, quer porque eles ou seus aliados são investigados, quer porque têm medo de ter o mesmo destino. Essas pessoas procuram pelo em ovo nas mensagens, editando-as ou distorcendo-as para gerar notícias, minar a credibilidade e cavar nulidades. Passados dois anos, nunca as mensagens foram usadas para apontar a inocência de ninguém, mas sim para alegar supostos excessos que ninguém jamais demonstrou nos atos e decisões. Tudo sempre foi revisado e confirmado por três instâncias independentes do Judiciário.

Como viu a decisão do presidente do STJ de abrir de ofício investigação para apurar se a Lava Jato tentou investigar ilegalmente ministros da Corte?

Dallagnol: Respeito o Tribunal da Cidadania, que é responsável por definir a interpretação das leis no nosso país, assim como seu presidente. Contudo, a vontade do julgador se sobrepôs à lei por cinco razões. Primeiro, se quiséssemos investigar, poderíamos investigar na área cível de improbidade administrativa, mas não fizemos isso. Essas mensagens que são atribuídas a nós mostram apenas cogitações. Segundo, se tivéssemos cometido o erro de investigar criminalmente os ministros, isso não seria crime pela lei brasileira e não tem como instaurar um inquérito sem crime para apurar. Terceiro, o tribunal responsável pela investigação de procuradores seria o Tribunal Regional Federal e não o STJ. Além disso, a lei determina que o procurador-geral designe um procurador para conduzir a investigação perante o tribunal, e não um magistrado, para proteger a independência do Ministério Público. Quarto, a única base do inquérito são supostas mensagens de origem ilícita e inautênticas. Investigar com base em provas ilícitas é definido como crime pela Lei de Abuso de Autoridade. Por fim, nosso sistema não permite que essa investigação seja instaurada por um investigador que é simultaneamente investigador e vítima e que não haja livre distribuição dela entre os ministros.

Se a Operação Lava Jato tivesse instaurado uma investigação com base em provas ilícitas para apurar corrupção gravíssima, e o juiz tivesse presidido a investigação, seria prontamente trancada e anulada, o juiz seria considerado suspeito e responderíamos a processos administrativos, cíveis e criminais. É surpreendente o que está acontecendo.

A Lava Jato abriu caminho para a ascensão do ‘bolsonarismo’?

Dallagnol: Bolsonaro se apropriou da bandeira anticorrupção, mas não foi o único candidato a fazer isso, o que mostra que esse não foi o fator determinante para sua eleição. Quando movemos nossas investigações e processos, defendendo valores e princípios constitucionais e legais, de modo apartidário, não controlamos as consequências políticas disso. Os caminhos ou descaminhos do País são fruto da ação e omissão na sociedade de uma série de atores: políticos, jornalistas, empresários, outros líderes e entidades de todo tipo. Não controlamos os resultados. Só o que podemos fazer é lutar por bandeiras, causas e valores. Temos a consciência tranquila por termos feito isso e precisamos perseverar.

Sob o mais duro ataque, a falta de apoio institucional do PGR à operação pesou ?

Dallagnol: Cabe ao PGR assegurar a independência da atuação de membros do Ministério Público, assim como protegê-los contra represálias. No caso do inquérito instaurado pelo STJ, o procurador-geral determinou seu acompanhamento por um colega respeitado e independente. Há outras questões que devem merecer atenção do procurador-geral, como a composição incompleta do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), a reclamação que tramita no Supremo perante o ministro (Ricardo) Lewandowski, e que pode ter implicações negativas sobre as regras estabelecidas de cooperação internacional, o pedido de ministro do TCU (Tribunal de Contas da União) para analisar as mensagens ilegais mesmo sem qualquer indicativo concreto de ilegalidade a ser apurado. Além disso, a redução da capacidade de trabalho das forças-tarefas, incorporadas nos Gaecos, mostra a importância de se ampliar o apoio para o combate à corrupção.

O legado da Operação Lava Jato está sob risco?

Dallagnol: Ou o brasileiro acorda ou, quando perceber, teremos regressado 30 anos no tempo no combate à corrupção e à lavagem de dinheiro. A quem interessa isso? Há uma reação contra a Lava Jato com uma série de mudanças já feitas ou sendo articuladas que desmontam o modelo de combate à corrupção que permitiu o sucesso da operação. Será uma tragédia que anunciamos desde 2015, quando alertamos para o perigo de acontecer no Brasil o mesmo que ocorreu na Itália, após a Operação Mãos Limpas. O único caminho para barrar isso passa pelo voto consciente em políticos comprometidos com propostas concretas contra a corrupção.

A IMPORTÂNCIA DE UMA REDE DE CONTATOS PESSOAL

 

A importância de um networking de qualidade

Para se conectar com pessoas, é preciso estar aberto a elas

Lúcio Júnior – Open Mind Brazil

O networking nada mais é do que criar uma rede de contatos. Parece banal, mas isso serve não só para atuar em uma nova área ou ir para outra empresa, como até mesmo para conseguir uma promoção ou outra boa colocação profissional no local onde você já trabalha.

A verdade é que hoje em dia apenas as suas habilidades e um bom currículo não são suficientes para alcançar os grandes objetivos no meio profissional. É preciso manter contato com outros profissionais. Engana-se quem pensa que para isso basta entrar no Facebook ou no LinkedIn ou sair distribuindo os seus cartões de visitas. A ferramenta do networking vai além e, se bem utilizada, permite você trocar experiências e potencializar as oportunidades em todos os âmbitos da vida.

De início é importante entender que para se conectar com pessoas, principalmente no mundo corporativo, é preciso estar aberto a elas. Para desenvolver e gerenciar uma boa rede de contatos profissionais não basta entrar em um jogo de número de interações. A força e a longevidade da sua rede de contatos dependem mais da qualidade das conexões estabelecidas do que da quantidade de pessoas que estão nela.

Para ser memorável preocupe-se em escutar e focar sua atenção em pessoas com potencial de construção de um relacionamento futuro seja como fornecedor, parceiro de negócios, funcionário ou até mesmo sócio. Com isso é possível construir uma rede de contatos para trocar experiências e informações, aumentando assim as oportunidades por meio de relacionamentos.

Um erro muito comum no universo do networking é o de só se preocupar com ele apenas quando precisa usá-lo. Atitudes como essa podem resultar em efeitos negativos, pois as aproximações podem soar como falsas. O ideal é criar vínculos profissionais desde a formação acadêmica. Palestras, reuniões e conferências são ótimos meios de conhecer pessoas interessantes, bem como eventos sociais, esportivos e culturais.

Mas você deve estar se perguntando: e com a pandemia e isolamento social? O networking digital tem se tornado cada vez mais tendência. Grupos de relacionamento que surgem nas redes sociais e aplicativos conversacionais têm crescido e atendido a essa demanda de maneira até mais inclusiva que a tradicional e, claro, com maiores possibilidades de formatos e canais.

Para garantir que esteja no caminho certo, entenda como criar e fomentar essas conexões:

Busque pessoas com interesses em comum;
Esteja em palestras e masterminds;
Compartilhe ideias e convide pessoas para opinar;
Esteja presente em redes de networking como o Clubhouse;
Seja fiel e verdadeiro com seus contatos. Uma das piores coisas que existem é ser visto como interesseiro.

Já deu para entender que o networking pode ser fundamental para o crescimento do seu negócio. Porém ele também pode ser um processo de construção de amizades motivadas por interesses mútuos. Criando e cultivando conexões reais, sua rede de contatos pode ser ampliada inclusive de forma espontânea, conforme você e seu negócio causam boas impressões e são referenciados.

Com um pouco de tempo e prática, seu capital social vai se tornando cada vez mais valioso, expandindo sua capacidade de formar relacionamentos sólidos.

Aqui no Brasil, para se conseguir qualquer coisa, seja na política ou nas empresas e para conseguir um bom emprego, precisa do QI (quem indicou).

Existem hoje no mercado de trabalho as chamadas indicações (Q.I – Quem Indicou) muito conhecidas como sátiras, pois muitas vezes os novos colaboradores não passam por testes dentro da Gestão de Pessoas e se tem como um forte concorrente pois a indicação vem até de profissionais nomeados dentro da organização, fazendo assim que a Gestão de Pessoas fique engessada na tomada de decisão.

Mais ai vem a pergunta; Todas essas indicações são negativas para as organizações? ; Não que elas sejam negativas, sem generalizar, mais independente das indicações e investigações dos novos colaboradores toda Gestão de Pessoas tem a autonomia de aplicar testes realmente de (Q.I – Quociente Intelectual) ; entre outros testes já existentes no mercado para se analisar melhor a capacidade de cada candidato á vaga concorrida.

A Contratação por competências com testes técnicos e práticos é uma porcentagem maior de certeza que a Gestão de Pessoas está contratando o profissional correto para a vaga certa.

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A CAMPANHA PRESIDENCIAL DE 2022 JÁ COMEÇOU

 

Só os ingênuos acham que a campanha será em 2022

Se postulantes não colocarem logo os blocos na rua, Lula e Bolsonaro brincarão sozinhos o carnaval das eleições

João Gabriel de Lima, O Estado de S.Paulo

A ideia de que é cedo para iniciar uma campanha presidencial, dado que temos uma pandemia para combater, é politicamente ingênua. Em democracias, os eleitores estão sempre julgando potenciais candidatos. Para os governantes, fazer a coisa certa em situações de crise é parte da campanha. Se os resultados aparecem, aumentam as chances de reeleição. 

O raciocínio vale para os opositores. Nas situações de crise, eles têm a oportunidade – e a obrigação – de fiscalizar e criticar. Devem também apresentar alternativas, para que o eleitor acredite que farão melhor caso conquistem o poder. 

Tal regra básica das democracias merece ser lembrada nesta semana, em que o ex-presidente Lula, para usar uma expressão dele próprio, colocou seu bloco na rua. Fez um discurso clássico de candidato dois dias depois da decisão do juiz Edson Fachin – tão clássico que não assumiu ser candidato. Em sua fala, colocou-se na posição de antagonista preferencial do atual presidente, Jair Bolsonaro – que está em campanha desde o primeiro dia de governo. 

Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva faz pronunciamento em São Bernardo do Campo, na Grande SP Foto: REUTERS/Amanda Perobelli (10/3/2021)

O editor Daniel Bramatti, da área de jornalismo de dados do Estadão, analisou no domingo, dia 7, uma pesquisa em que Lula lidera o potencial de voto para 2022. Em segundo lugar aparece Bolsonaro. No levantamento feito pelo instituto Ipec, os dois têm uma certa folga sobre o segundo pelotão – composto por Sérgio Moro, Luciano Huck, Fernando Haddad e Ciro Gomes. Teríamos um segundo turno já desenhado para 2022? 

A resposta é não se considerarmos outra pesquisa – esta qualitativa, realizada nas classes A e B e patrocinada pela fundação alemã Friedrich Ebert. Ela mostra falta de convicção entre os potenciais eleitores de Lula e Bolsonaro. No levantamento, feito no fim do ano passado, o eleitor à direita já criticava Bolsonaro pelo desastre no combate à pandemia. 

Do outro lado, segundo a pesquisa, há desconforto com o projeto hegemônico do PT e a falta de renovação nas esquerdas. “Políticos jovens como Guilherme Boulos aparecem como opções até entre eleitores de centro”, diz a cientista política Camila Rocha, coordenadora do levantamento ao lado da socióloga Esther Solano. Ela é a personagem do minipodcast da semana. 

Camila Rocha transita por várias correntes ideológicas, com interlocutores à esquerda e à direita. Ela é autora de “Menos Marx, Mais Mises”, uma tese de doutorado sobre os liberais brasileiros da nova geração (um livro baseado na tese sairá no segundo semestre pela Editora Todavia). O sentimento que captou entre integrantes dos dois campos foi de “orfandade”. “Há ainda muitos eleitores em busca de candidatos que os representem”, diz Camila Rocha. 

O cruzamento das duas pesquisas, a quantitativa e a qualitativa, sugere que o presidente e o ex-presidente lideram porque foram os primeiros a “colocar o bloco na rua”. Os levantamentos mostram que muitos brasileiros votarão em Lula ou Bolsonaro. Há, no entanto, um enorme contingente em busca de alternativas. Cabe aos demais partidos suprir a demanda dos “órfãos”. No Brasil os pleitos são livres e quem não se apresenta ao escrutínio do eleitor não tem o direito de reclamar. Assumir a candidatura é o primeiro passo, mas não basta. É preciso apresentar ideias. 

Em plena pandemia, a campanha está a todo vapor. Se os postulantes não colocarem logo seus blocos na rua – e se não perceberem a urgência dessa tarefa –, Lula e Bolsonaro brincarão sozinhos o carnaval das eleições. 

*ESCRITOR, PROFESSOR DA FAAP E DOUTORANDO EM CIÊNCIA POLÍTICA NA UNIVERSIDADE DE LISBOA

PACOTE DE ESTÍMULOS DE BIDEN NOS EUA

 

The Economist: Estímulo de Biden é uma aposta para os EUA e o mundo

Pacote de US$ 1,9 trilhão é parte de um experimento econômico em 3 vertentes; perigo é de superaquecimento da economia americana

The Economist,

Quando a pandemia surgiu foi natural temer a possibilidade de a economia mundial ficar estagnada por anos. Os Estados Unidos estão desafiando esse pessimismo. Tendo superado as sombrias expectativas de crescimento previstas em meados do ano passado, o país está jogando combustível de foguete fiscal em uma já inflamada mistura de políticas econômicas. O pacote de estímulos de US$ 1,9 trilhão do presidente Joe Biden, que ele deveria sancionar após o fechamento desta matéria, eleva a aproximadamente US$ 3 trilhões (14% do PIB anterior à crise) o montante de gastos relacionados à pandemia desde dezembro, e para cerca de US$ 6 trilhões o total gasto com a crise desde seu início. 

Segundo o planejamento atual, o Federal Reserve e o Departamento do Tesouro também injetarão aproximadamente US$ 2,5 trilhões no sistema bancário este ano, e as taxas de juros permanecerão próximas a zero. Por uma década, após a crise financeira global de 2007 a 2009, os formuladores de políticas econômicas americanos foram tímidos demais. Agora, estão trabalhando à toda.


Joe Biden
Pacote de Biden eleva para cerca de US$ 3 trilhões o montante de gastos relacionados à pandemia desde dezembro de 2020. Foto: Jabin Botsford/Washington Post

O resultado provável é uma recuperação que seria impensável no segundo trimestre de 2020. Em janeiro, as vendas de varejo nos EUA já estavam 7,4% mais altas do que no ano anterior, enquanto a maioria dos americanos recebia os cheques de US$ 600 do governo, como parte da rodada anterior de estímulos. Presos em casa e incapazes de gastar o que gastariam normalmente em restaurantes, bares e cinemas, os consumidores acumularam US$ 1,6 trilhão em poupança excedente durante o ano passado. 

O estímulo de Biden dará para a maioria dos americanos outros US$ 1,4 mil. De uma maneira incomum para um país rico, uma grande porção dessa pilha de dinheiro será poupada pelas famílias pobres, que deverão gastar apenas quando a economia reabrir totalmente. Se as vacinas continuarem a chegar aos braços dos americanos e o país evitar um terrível encontro com novas variantes do vírus, a taxa de desemprego deverá cair confortavelmente abaixo dos 5% até o fim deste ano.

A boa nova não se restringe aos EUA. Pesquisas em produção mostram um quadro otimista mesmo em relação à zona do euro, que está atrás em termos de vacinação e na luta contra novas variantes – e está concedendo menos estímulos. Os gastos de Biden vão elevar ainda mais a demanda por mercadorias. O déficit comercial dos EUA já está mais de 50% maior do que antes da pandemia, enquanto a economia do país consome itens importados. 

Mas o restante do mundo não acompanhará o ritmo alucinante do Tio Sam. Em 9 de março, a OCDE, um clube de países ricos, previu que, no fim de 2022, a economia americana será maior do que a entidade previu antes da pandemia – a única entre as grandes economias a apresentar tal resultado. De abril a setembro, os EUA provavelmente crescerão mais do que a própria China, que está endurecendo sua política monetária e cuja Bolsa de Valores sofreu uma queda de 9% desde meados de fevereiro.

Triunfo

Ascender após uma crise que em seu momento mais grave cortou o número de pessoas empregadas em 15% será um triunfo para os EUA, e contrastará com a fraca recuperação após a crise financeira. O pacote de estímulos de Biden aliviará aqueles cujas vidas foram viradas de ponta-cabeça – atualmente, 9,5 milhões de postos de trabalho cortados pela pandemia ainda não foram recuperados. Graças ao dinheiro extra concedido à maioria dos pais, a persistente e disseminada pobreza infantil cairá drasticamente.

Ainda assim, apesar de os atuais formuladores de políticas terem garantido seu lugar na história da economia, talvez não sejam vistos como heróis. Isso porque os EUA estão aplicando um imprevisível experimento econômico em três vertentes que apresenta níveis históricos de estímulos fiscais, uma atitude mais tolerante do Fed em relação a picos de inflação maiores que os previstos e enormes poupanças, que ninguém sabe se os consumidores acumularão ou gastarão. Não há paralelo para um experimento desse tipo desde a 2.ª Guerra. O perigo para os EUA e para o mundo é que a economia superaqueça.

Esse é um risco que os investidores estão avaliando. Os pagamentos de obrigações com vencimento em dez anos da dívida dos EUA, que se movimentam na razão inversa à dos preços, aumentaram cerca de 1 ponto porcentual desde meados do ano passado, diante da expectativa de inflação em alta e taxas de juro mais elevadas. 

Em razão do papel crucial dos EUA no sistema financeiro global, sua expectativa de política monetária repercute além das fronteiras. Nas semanas recentes, o banco central da Austrália teve de aumentar suas compras de obrigações para evitar uma elevação excessiva nos rendimentos. O Banco Central Europeu estava decidindo se realizaria uma intervenção similar. Mercados emergentes com grandes déficits, como o Brasil, ou com grandes dívidas em dólar, como a Argentina, têm motivo para temer um endurecimento nas condições financeiras globais após a virada na política monetária americana.

O Fed está inflexível em sua decisão de manter baixa a taxa de juros e continuar a comprar ativos até que a recuperação da economia esteja bem mais garantida. A inflação aumentará, enquanto a queda nos preços das commodities ocorrida no início da pandemia seria um ponto fora da curva em comparação com o ano anterior, mas o Fed vai ignorar esse movimento. Sob seu novo regime de “meta de inflação média”, adotado no ano passado, está buscando trazer a inflação para uma meta de 2%, para conseguir compensar déficits passados. Isso é particularmente desejável porque, na maior parte da década passada, o problema da economia mundial era inflação baixa demais, não o contrário. Mesmo se a economia acabar superaquecendo, Jerome Powell, presidente do Fed, argumenta que isso também será temporário. A dinâmica de inflação a longo prazo, argumenta ele, “não muda em nada”.

Mas será que eles poderiam recusar trilhões de dólares? Não temos razão para duvidar dos planos a curto prazo do Fed, mas nem o banco central americano nem os mercados são capazes de prever o resultado final do experimento dos EUA. O Fed pode ter de jogar um balde de água fria na economia, elevando a taxa de juros para reduzir a inflação. Isso seria constrangedor, dada a tamanha ênfase que o banco deu à sua obrigação de buscar fortalecer de maneira “ampla e inclusiva” o mercado de trabalho. Uma taxa de juros mais elevada prejudicaria os mercados de ativos e também precipitaria um conflito com o cada vez mais endividado governo.

Todas as fichas no vermelho

O pacote de estímulos de Biden é uma grande aposta. Se for vencedora, os EUA evitarão a triste armadilha da baixa inflação com juros baixos em que o Japão e a Europa parecem empacados. Outros bancos centrais podem copiar a nova meta do Fed. Estímulos fiscais maciços podem se tornar a resposta normal para recessões. O risco, porém, é que os EUA acabem com dívidas crescentes, problemas com a inflação e um banco central submetido a um teste de credibilidade.

Os autores desta matéria preferem um pacote menor de estímulos. Lamentavelmente, a conturbada política americana não permite uma sintonia fina em se tratando da elaboração de políticas, e os democratas quiseram tudo que podiam conseguir. A aposta de Biden é melhor do que a inação. Mas ninguém deve subestimar o tamanho dessa aposta. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL 

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