terça-feira, 9 de março de 2021

MOTIVOS PARA O MINISTRO FACHIN ANULAR AS CONDENAÇÕES DE LULA

 

Perguntas e respostas: entenda os impactos da decisão de Fachin que anulou condenações de Lula e as questões ainda em aberto

Conforme antecipou o ‘Estadão’ na semana passada, a manobra faz parte de uma estratégia do ministro de reduzir danos, tirar o foco do ex-ministro Sérgio Moro e preservar o legado da Lava Jato







Rafael Moraes Moura/ BRASÍLIA e Fausto Macedo, Paulo Roberto Netto, Pepita Ortega e Rayssa Motta/ SÃO PAULO

08 de março de 2021 | 23h07

Ex-presidente Lula. FOTO: AMANDA PEROBELLI/REUTERS

Em 46 páginas, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, anulou as condenações impostas ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Lava Jato, determinou que as ações penais contra o petista sejam enviadas à Justiça Federal do Distrito Federal e o habilitou a disputar as próximas eleições presidenciais. Conforme antecipou o Estadão na semana passada, a manobra faz parte de uma estratégia do ministro de reduzir danos, tirar o foco do ex-juiz Sérgio Moro e preservar o legado da Lava Jato, diante de derrotas iminentes que ameaçam o futuro da investigação.

Na tarde desta terça-feira (9), a Segunda Turma do STF se reúne pela primeira vez após a decisão de Fachin. Nos bastidores, integrantes do colegiado insistem para que seja concluída a discussão sobre a suspeição de Moro no caso do triplex.

Confira abaixo as principais questões – algumas ainda em aberto – levantadas após a decisão que provocou um terremoto no meio político, abalou o mercado financeiro e surpreendeu o meio jurídico. 

O que o relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin, decidiu sobre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva?

Fachin decidiu nesta segunda-feira anular todas as condenações impostas pela operação ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, conforme pedido pela defesa do petista em habeas corpus apresentado ao Supremo em novembro do ano passado. A decisão também determina o envio dos casos à Justiça Federal do Distrito Federal, a quem caberá analisar as provas colhidas contra Lula nos casos do triplex do Guarujá, do sítio de Atibaia e as ações sobre a sede do Instituto Lula e doações recebidas pela entidade. 

A decisão de Fachin significa que Lula não praticou corrupção ou lavagem de dinheiro?

O relator da Lava Jato no STF não fez juízo de valor sobre a inocência ou culpa de Lula na Lava Jato. Em uma decisão de 46 páginas, o magistrado se limitou a examinar questões técnicas ao concluir que a Justiça Federal de Curitiba não tinha competência para cuidar das ações contra o petista porque esses processos não dizem respeito diretamente ao bilionário esquema de corrupção na Petrobrás. Ao enviar para a Justiça Federal do Distrito Federal os casos de Lula, Fachin determinou que o juiz que assumir as ações deve decidir “acerca da possibilidade da convalidação dos atos instrutórios”. Ou seja: o próprio relator da Lava Jato indicou que a Justiça Federal do DF pode confirmar decisões tomadas por Curitiba.

“A fase instrutória é a fase onde se produzem provas, contra e a favor da acusação. Se a Justiça Federal do DF não convalidar os atos instrutórios (feitos por Curitiba), todos esses atos terão de ser produzidos novamente lá no Distrito Federal, caso ele convalide esses atos irá novamente à julgamento, possivelmente o juiz deverá reabrir o prazo para as providências das partes, ao final ele proferirá nova sentença, condenando ou absolvendo o ex-presidente Lula, mas dentro de uma vara competente para o julgamento da causa”, explicou o advogado Luiz Mário Guerra, especialista em Direito Penal.

De que forma a decisão de Fachin impacta a situação jurídica do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o cenário eleitoral de 2022?

A decisão de Fachin afasta a inelegibilidade do petista e o habilita, neste momento, a disputar as eleições presidenciais de 2022. Foi com base na condenação no caso do triplex que Lula foi enquadrado na Lei da Ficha Limpa e teve o registro de candidatura negado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2018, por 6 a 1 – apenas Fachin votou a favor do ex-presidente.

Em termos práticos, a condenação que Moro impôs a Lula no caso do triplex não existe mais.  

Lula pode voltar a perder a elegibilidade e ficar afastado de disputar as próximas eleições?

Beneficiado com a decisão de Fachin, Lula está neste momento elegível e apto para disputar as eleições de 2022. O petista, no entanto, pode voltar a ficar inelegível e ser afastado da corrida pelo Palácio do Planalto, apontam especialistas ouvidos pelo Estadão. Isso vai depender das decisões e do andamento dos trabalhos na Justiça Federal do Distrito Federal e no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), que podem fazer o caso se arrastar por anos. “A inelegibilidade do Lula depende de uma decisão colegiada que o condene por um crime doloso que esteja entre os listados na Lei da Ficha Limpa. Portanto, o juiz federal do DF deverá considerar fatos do processo, as prescrições que incidem agora e proferir sentença; depois da sentença, o TRF confirma ou não a decisão (caso haja recurso)”, avaliou a advogada Marilda Silveira, especialista em direito eleitoral e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).

“Somente com uma decisão condenatória do Tribunal ele ficaria inelegível. O que define o ritmo do processo são as partes, incluindo o Ministério Público e o juiz: tempo das decisões, conclusão da fase probatória, manifestações e recursos”, acrescentou.

O advogado Renato Ribeiro de Almeida, especialista em Direito Eleitoral e Doutor em Direito do Estado pela USP, ressalta que a elegibilidade se analisa no momento do registro de candidatura que, na legislação atual, deve ocorrer em agosto de 2022. “Até lá, pode ser que Lula venha a ser novamente condenado e essa condenação ser confirmada pelo Tribunal Regional Federal”, observou.

Por que Fachin só decidiu sobre isso agora, cerca de quatro anos depois de Moro condenar Lula no caso do triplex?

O habeas corpus de Lula analisado pelo ministro chegou ao Supremo em novembro do ano passado, levando quatro meses para ser examinado.  Na decisão, Fachin observou que outras ações já haviam deixado o seu gabinete do STF e a Justiça Federal de Curitiba pelo mesmo motivo (falta de conexão direta com o esquema de desvios da Petrobrás). Esse ponto já havia sido levantado pela defesa de Lula em outras ocasiões, mas esta foi a primeira vez que Fachin analisou exclusivamente o argumento. “Com as recentes decisões proferidas no âmbito do Supremo Tribunal Federal, não há como sustentar que apenas o caso do ora paciente (Lula) deva ter a jurisdição prestada pela 13ª Vara Federal de Curitiba. No contexto da macrocorrupção política, tão importante quanto ser imparcial é ser apartidário”, escreveu Fachin.

O que acontece agora com as investigações contra Lula?

Ao enviar para a Justiça Federal do Distrito Federal os casos de Lula, Fachin determinou que o juiz que assumir as ações deve decidir “acerca da possibilidade da convalidação dos atos instrutórios”. Ou seja: o próprio relator da Lava Jato indicou que a Justiça Federal do DF pode confirmar decisões de Curitiba. “Nesse momento, o jogo de tabuleiro voltou para a casa um, só que o juiz pode andar mais rápido, pode pular algumas casas e aproveitar atos praticados por Sérgio Moro”, comparou Thiago Bottino, professor da FGV Direito Rio. Para Bottino, a decisão de Fachin esvazia as discussões sobre a parcialidade de Moro ao condenar Lula no caso do triplex. Integrantes da Segunda Turma do STF, no entanto, insistem para que o colegiado ainda analise a conduta de Moro.

“Os atos que teriam sido manchados pela parcialidade não têm mais validade, não existem mais no mundo jurídico. Agora se eles forem reaproveitados por esse juiz, essa questão pode voltar à tona”, disse.

Cabe recurso à decisão de Fachin? Quem vai analisá-lo?

Fachin levará ao plenário do STF a análise de um eventual recurso da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra a decisão que anulou quatro ações penais abertas pela Lava Jato contra o petista em Curitiba. Assim, caberá ao colegiado de onze ministros – e não à Segunda Turma, que tem imposto sucessivas derrotas a Fachin – decidir sobre o futuro das ações.

Como foi a reação dentro do STF à decisão de Fachin?

A determinação do ministro surpreendeu – e chocou – integrantes da Corte. Segundo o Estadão apurou, a manobra contou com o apoio do presidente do STF, Luiz Fux, com quem Fachin conversou após assinar a decisão. 

O que levou Fachin a tomar essa decisão agora?

Conforme revelou o Estadão na semana passada, Fachin lançou uma ofensiva para reduzir danos diante de derrotas iminentes que podem colocar em risco o legado da operação.  O ministro Kassio Nunes Marques, indicado ao tribunal pelo presidente Jair Bolsonaro, sinalizou nos bastidores a possibilidade de declarar suspeito o ex-juiz federal da Lava Jato, como pretendia a defesa de Lula.

A avaliação nos bastidores é que, se Moro fosse declarado suspeito no caso do triplex do Guarujá, os efeitos poderiam contaminar outros processos, como o do sítio de Atibaia. Por outro lado, a anulação das condenações por questões meramente processuais, formais, apontando a incompetência da Justiça Federal de Curitiba, permite o deslocamento dos casos para a capital federal e a preservação das apurações, segundo integrantes da Corte.

Por que a Lava Jato está enfraquecida no STF?

A Corte virou foco de oposição à Lava Jato, como mostrou o Estadão, e Fachin não conta hoje com situação confortável nem na Segunda Turma nem no plenário. Com a chegada de Kassio Nunes Marques ao Supremo, e a tentativa de aliados e inimigos políticos do presidente Jair Bolsonaro de desconstruir a imagem pública de Moro, o cenário para a Lava Jato no Supremo se tornou nebuloso. Nunes Marques tem se alinhado a Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, expoentes da ala garantista da Corte, para impor derrotas à operação. Na semana passada, por exemplo, a Segunda Turma, por 3 a 2, arquivou a denúncia de organização criminosa apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL) e outros três parlamentares no caso do “Quadrilhão do PP”. 

A decisão de Fachin encerra a discussão sobre a suspeição do ex-juiz Moro?

Na prática, a condenação que Moro impôs a Lula no caso do triplex foi varrida do ordenamento jurídico brasileiro. Na mesma decisão em que anulou as condenações contra o petista, Fachin determinou que fosse arquivado outro habeas corpus, em que Lula acusa o ex-juiz da Lava Jato de encará-lo como um “inimigo” e atuar com parcialidade ao condená-lo por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O julgamento da suspeição de Moro foi iniciado, em dezembro de 2018, pela Segunda Turma do STF, mas acabou interrompido por um pedido de vista de Gilmar Mendes. Integrantes da Segunda Turma do STF, no entanto, insistem para que o colegiado analise a atuação de Moro no caso, mesmo após Fachin anular a condenação do ex-juiz da Lava Jato contra Lula. A Segunda Turma se reúne na tarde desta terça-feira (9).

O que pode acontecer agora com as investigações contra Lula? Quem vai julgá-lo?

As ações serão analisadas agora pela Justiça Federal do Distrito Federal e, em um segundo momento, pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). O TRF-1, no entanto, possui um perfil mais “garantista” (mais inclinado a ficar do lado do direito de investigados) que o TRF-4, considerado mais “punitivista” por especialistas e investigadores ouvidos pela reportagem. O prazo de prescrição também pode ajudar Lula a escapar novamente da ilegibilidade.

“Há questões em aberto. Tudo indica que, dada a ordem de anulação do STF, com a desconstituição até mesmo dos recebimentos das denúncias, a grande parte dos ilícitos, senão todos eles, será atingida pela prescrição, com o pronto arquivamento dos feitos”, avaliou a advogada Maria Claudia Bucchianeri, que atuou a favor do registro de Lula em 2018.

DECISÃO DO STF DE ANULAR PROCESSOS DE LULA ABRE POSSIBILIDADE DE PRESCRIÇÃO DOS MESMOS

 

Deltan diz que decisão do STF abre chances de prescrição de processos contra Lula

Ex-coordenador da força-tarefa da Lava Jato, em Curitiba, critica anulação de condenações do ex-presidente, pelo Supremo, e ataca sistema de Justiça que ‘favorece a anulação’ das ações criminais; em perfil de rede social na internet, ele afirmou que Brasil vive um ‘amplo retrocesso’ no combate à corrupção

Ricardo Brandt e Pepita Ortega

Deltan Dallagnol, ex-coordenador da Lava Jato. Foto: Rodolfo Buhrer / Reuters

O ex-coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato, no Ministério Público Federal, em Curitiba, Deltan Dallagnol criticou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) desta segunda-feira, 8, de anular as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em seu perfil em rede social, ele afirmou que “esse é mais um dos casos derrubados recentemente num sistema de justiça que rediscute e redecide a mesma questão dezenas de vezes nas cortes e que favorece a anulação dos processos criminais”.

A 13.ª Vara Federal de Curitiba, do juiz Luiz Antônio Bonat, originária da Lava Jato, foi declarada incompetente para julgar os processos de Lula. Decisão do relator da Lava Jato no Supremo, Edson Fachin, determinou a anulação das condenações de Luiz Inácio Lula da Silva e o envio dos processos contra o ex-presidente para a Justiça Federal no Distrito Federal.

“Hoje, o Supremo Tribunal Federal anulou as condenações do ex-presidente Lula na Lava Jato, por entender que seus processos deveriam correr em Brasília e não em Curitiba. É preciso dizer três coisas sobre isso”, escreveu Deltan.

O procurador lembrou que “a tramitação desses casos em Curitiba foi decidida várias vezes pelos tribunais, inclusive pelo próprio Supremo”. “Ou seja, a condução desses casos em Curitiba pela Operação Lava Jato seguiu as regras do jogo então existentes. O que mudou para que viesse essa decisão contrária às anteriores? Houve uma mudança das regras do jogo no STF, que expandiu gradativamente seu entendimento de que os casos de Curitiba deveriam ser redistribuídos pelo país, conforme explicitado na decisão do Ministro Fachin.”

MDB. Deltan afirma que a “de fato, a Suprema Corte expandiu o entendimento de que os casos não relacionados diretamente à Petrobras deveriam sair de Curitiba” e lembra casos envolvendo políticos do MDB em corrupção na Transpetro. Na semana passada, o relator da Lava Jato havia retirado processo da 13.ª Vara Federal.

Para ele, “embora o Ministro Fachin tenha ficado vencido na maior parte desses outros casos, ele entendeu que o Tribunal precisava ser coerente e “apartidário” (única palavra sublinhada e negritada em sua decisão)”.

“Esse é mais um dos casos derrubados recentemente num sistema de justiça que rediscute e redecide a mesma questão dezenas de vezes nas cortes e que favorece a anulação dos processos criminais. Os tribunais têm um papel essencial em nossa democracia e precisam ser respeitados, mas o sistema de justiça precisa de aperfeiçoamentos.”

Em decisão de 46 páginas, o relator da operação no Supremo determinou a remessa dos autos dos processos à Justiça Federal do Distrito Federal, que vai decidir ‘acerca da possibilidade da convalidação dos atos instrutórios’. Em razão do entendimento, o ministro ainda declarou a perda de objeto de dez habeas corpus e quatro reclamações apresentadas à corte pela defesa do petista.

Prescrição. O ex-coordenador da Lava Jato afirmou que as investigações e processos envolvendo o ex-presidente serão retomados em Brasília, “mas com reais chances de prescrição dos crimes pelo decurso do tempo”. O juiz da 13.ª Vara Federal, em Curitiba, Luiz Antônio Bonat, informou que vai enviar os casos para a Justiça do Distrito Federal.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) informou nesta segunda-feira, 8, que vai recorrer da decisão de Fachin. Além das decisões de Moro, que condenou Lula no caso do triplex do Guarujá, Fachin também anulou os atos proferidos pela juíza Gabriela Hardt, responsável pela sentença no caso do sítio de Atibaia. O despacho do ministro, porém, deixa margem para que, em Brasília, o novo juiz titular do caso valide todos os atos praticados pela 13ª Vara.

A assessoria de imprensa da PGR informou que o recurso será preparado pela subprocuradora-geral Lindôra Maria de Araújo, braço-direito do procurador-geral, Augusto Aras, e responsável pelos processos da Lava Jato no STF. O órgão não deu detalhes sobre quais pontos da decisão serão contestados

Revés. Deltan afirma que a decisão não apaga dos processos as provas levantadas pela Lava Jato contra Lula. Para ele, “nada disso, contudo, apaga a consistência dos fatos e das provas dos casos, sobre os quais caberá ao Judiciário dar a última palavra”.

Segundo ele, é preciso atenção para o “amplo retrocesso” vivido no Brasil, no combate à corrupção. “Para além da anulação dos casos na operação Lava Jato, é preciso abrir os olhos para os amplos retrocessos que estão acontecendo no combate à corrupção – e aqui não trato mais de um ou outro caso concreto.”

LEIA A ÍNTEGRA DA POSTAGEM DE DELTAN DALLAGNOL

Hoje, o Supremo Tribunal Federal anulou as condenações do ex-presidente Lula na Lava Jato, por entender que seus processos deveriam correr em Brasília e não em Curitiba. É preciso dizer três coisas sobre isso.

1. Primeiro, a tramitação desses casos em Curitiba foi decidida várias vezes pelos tribunais, inclusive pelo próprio Supremo. Ou seja, a condução desses casos em Curitiba pela operação Lava Jato seguiu as regras do jogo então existentes. O que mudou para que viesse essa decisão contrária às anteriores? Houve uma mudança das regras do jogo no STF, que expandiu gradativamente seu entendimento de que os casos de Curitiba deveriam ser redistribuídos pelo país, conforme explicitado na decisão do Ministro Fachin.

De fato, a Suprema Corte expandiu o entendimento de que os casos não relacionados diretamente à Petrobras deveriam sair de Curitiba. Assim, recentemente, retirou de Curitiba casos envolvendo políticos do MDB em corrupção na Transpetro, pertencente ao Grupo Petrobras. Embora o Ministro Fachin tenha ficado vencido na maior parte desses outros casos, ele entendeu que o Tribunal precisava ser coerente e “apartidário” (única palavra sublinhada e negritada em sua decisão): se o STF retirou esses outros casos de Curitiba, aqueles envolvendo o ex-presidente também deveriam sair do local. Ou seja, para situações idênticas, entendeu que a decisão deve ser a mesma.

Esse é mais um dos casos derrubados recentemente num sistema de justiça que rediscute e redecide a mesma questão dezenas de vezes nas cortes e que favorece a anulação dos processos criminais. Os tribunais têm um papel essencial em nossa democracia e precisam ser respeitados, mas o sistema de justiça precisa de aperfeiçoamentos. Outros casos, como de corrupção na compra da refinaria de Pasadena, foram anulados pela mudança de entendimento do STF. Partindo do pressuposto de que o Ministro Fachin sempre teve uma atuação correta e firme, inclusive na operação Lava Jato, concluímos que ele, apesar de entender de forma diferente, aplicou o entendimento estabelecido pela maioria da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal.

2. As investigações e processos envolvendo o ex-presidente serão retomados em breve em Brasília, mas com reais chances de prescrição dos crimes pelo decurso do tempo. Várias questões ali discutidas serão rediscutidas novamente nos tribunais, inclusive no Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Nada disso, contudo, apaga a consistência dos fatos e das provas dos casos, sobre os quais caberá ao Judiciário dar a última palavra.

3. Para além da anulação dos casos na operação Lava Jato, é preciso abrir os olhos para os amplos retrocessos que estão acontecendo no combate à corrupção – e aqui não trato mais de um ou outro caso concreto. O fim da prisão em segunda instância dificultou demais a responsabilização dos corruptos, novas regras foram criadas que dificultam investigações e condenações, estão tramitando propostas que desfiguram a lei de lavagem de dinheiro e a lei de improbidade administrativa e há ações em marcha para retaliar os investigadores que trabalharam na Operação Lava Jato. Precisamos discutir essa série de mudanças em curso para definir como brasileiros que país queremos ter: o país da impunidade e corrupção, que corre o risco de retroceder vinte anos no combate a esse mal, ou um país democrático em que impere a lei. Essa é uma questão apartidária que impacta o futuro nosso e dos nossos filhos.

PARA LULA DISPUTAR ELEIÇÕES DE 2022 TEM QUE RESOLVER SITUAÇÃO JURÍDICA DE VÁRIOS PROCESSOS

 

Lula está apto para disputar eleições em 2022, mas pode voltar a ficar inelegível

O andamento dos trabalhos na Justiça Federal do Distrito Federal e no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) pode provocar nova reviravolta na situação jurídica do ex-presidente da República

Rafael Moraes Moura / BRASÍLIA

Ex-presidente Lula. FOTO: WERTHER SANTANA/ESTADÃO

Beneficiado com a decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), que anulou as condenações que lhe foram impostas na Operação Lava Jato, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está neste momento elegível e apto para disputar as eleições de 2022. O petista, no entanto, pode voltar a ficar inelegível e ser afastado da corrida pelo Palácio do Planalto, apontam especialistas ouvidos pelo Estadão. Isso vai depender das decisões e do andamento dos trabalhos na Justiça Federal do Distrito Federal e no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), que podem fazer o caso se arrastar por anos.

“A inelegibilidade do Lula depende de uma decisão colegiada que o condene por um crime doloso que esteja entre os listados na Lei da Ficha Limpa. Portanto, o juiz federal do DF deverá considerar fatos do processo, as prescrições que incidem agora e proferir sentença; depois da sentença, o TRF confirma ou não a decisão (caso haja recurso)”, avaliou a advogada Marilda Silveira, especialista em direito eleitoral e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).

“Somente com uma decisão condenatória do Tribunal ele ficaria inelegível. O que define o ritmo do processo são as partes, incluindo o Ministério Público e o juiz: tempo das decisões, conclusão da fase probatória, manifestações e recursos”, acrescentou.

Em julho de 2017, Lula foi condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no processo do triplex do Guarujá (SP) pelo juiz Sérgio Moro. A sentença foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), que ampliou a pena para 12 anos e 1 mês de prisão. Foi com base na condenação do TRF-4 que Lula foi enquadrado na Lei da Ficha Limpa e afastado da última eleição presidencial.

A decisão de Fachin anula não apenas as condenações contra Lula no triplex do Guarujá, mas também atinge ações, como a do Sítio de Atibaia e a das doações e da sede do Instituto Lula. O ministro do Supremo, no entanto, não invalidou as provas colhidas na investigação – e sim as encaminhou para que a Justiça Federal do DF faça uma nova análise do caso.

“Se as eleições fossem hoje, Lula poderia ser candidato. Isso porque não havendo mais contra si condenação criminal proferida em segunda instância, ele voltaria a status de pleno gozo de seus direitos políticos. Contudo, é bom salientar que a elegibilidade se analisa no momento do registro de candidatura que, na legislação atual, deve ocorrer em agosto de 2022. Até lá, pode ser que Lula venha a ser novamente condenado e essa condenação ser confirmada pelo Tribunal Regional Federal”, disse Renato Ribeiro de Almeida, advogado especialista em Direito Eleitoral e Doutor em Direito do Estado pela USP.

Para a advogada eleitoral Maria Claudia Bucchianeri, há questões que seguem em aberto, mesmo com Lula estando “absolutamente elegível” hoje.

“Eu diria que o destino de Lula ainda está nas mãos do Supremo Tribunal Federal. Isso porque, caso se entenda que o debate em torno da suspeição (do ex-ministro Sérgio Moro no caso do triplex) segue íntegro, então a extensão das nulidades será ainda maior, tornando matematicamente impossível a não ocorrência da prescrição integral dos delitos, bem assim a existência de qualquer condenação de segunda instância no curso espaço de um ano e meio”, comentou a advogada, que atuou na defesa do registro de Lula em 2018.

“Enquanto o STF não resolver isso, os processos não podem ter seu curso retomado na Justiça Federal do DF”, acrescentou.

segunda-feira, 8 de março de 2021

LEIS ANTICORRUPÇÃO PODEM SER VOTADAS NA CÂMARA DOS DEPUTADOS

 

Ofensiva na Câmara pode atenuar leis anticorrupção

Nos bastidores, as medidas são chamadas de “pacote da impunidade” por adversários do presidente da Casa, Arthur Lira (Progressistas-AL)

  •  Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo

Depois de fracassar na tentativa de blindar parlamentares da prisão, a Câmara se prepara para enfrentar, nas próximas semanas, uma série de discussões com potencial para afrouxar leis anticorrupção e dificultar investigações. Nos bastidores, as medidas são chamadas de “pacote da impunidade” por adversários do presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL). A ofensiva reúne propostas que vão de mudanças nas leis de Improbidade Administrativa, Ficha Limpa, lavagem de dinheiro e proteção de dados para fins penais até a inviolabilidade de escritórios de advocacia.

A agenda é de interesse do Centrão, bloco de partidos que voltou ao comando da Câmara com a eleição de Lira. Logo no primeiro mês à frente da Casa, ele tentou aprovar a jato uma nova Proposta de Emenda à Constituição nesse pacote: a PEC da Blindagem, que amplia a imunidade parlamentar e restringe a possibilidade de prisão de deputados e senadores.

CâmaraDeputados conversam no plenário com o presidente da Câmara, Arthur Lira, nesta sexta, 26; ‘PEC da Blindagem’ deve seguir para análise de comissão especial, em derrota para Lira   Foto: Najara Araújo/ Agência Câmara

Foi uma resposta corporativa à prisão de Daniel Silveira (PSL-RJ), determinada no dia 16 pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), após o deputado bolsonarista divulgar um vídeo nas redes sociais com ofensas à Corte e apologia à ditadura militar. A manobra para aprovar a PEC sem passar pelo crivo de uma comissão só não vingou por pressão do Supremo e críticas de eleitores.

Diante do desgaste provocado na imagem do Congresso com a tentativa de autoproteção em um momento de agravamento da pandemia, os partidos se dividiram e Lira foi obrigado a recuar, enviando a PEC para análise de uma comissão especial. 

O presidente da Câmara rejeita o carimbo atribuído à iniciativa. “Não há impunidade nem blindagem. Nossa prioridade é não permitir que a gente viva nesse contexto de crise institucional semanal”, disse Lira em recente live promovida pelo grupo Prerrogativas, que reúne advogados. “Não vai faltar coragem para debater os temas necessários, que tenham clamor.”

Na semana passada, a Mesa Diretora da Casa liberou o funcionamento das comissões, que estavam paralisadas, entre elas o Conselho de Ética. À exceção da PEC da Blindagem e da ideia em negociação de apresentar uma proposta separada para alterar a Lei da Ficha Limpa, as demais proposições do “pacote” foram herdadas do período em que Rodrigo Maia (DEM-RJ) era presidente da Câmara. Algumas estão sendo preparadas desde 2019 e passaram por comissões especiais de juristas.

É o caso da proposta de criação da Lei Geral de Proteção de Dados Penal (LGPD-Penal) e da reforma da Lei de Lavagem de Capitais. Propostas feitas nessas comissões indicam que há risco de entraves às investigações e abrandamento de penas. Em 2020, o ritmo foi lento e nenhuma delas chegou a ser votada, apesar da derradeira tentativa de emplacar a proibição para ações de busca e apreensão em escritórios de advogados com base apenas na palavra de delatores.

“Tem comissões trabalhando há bastante tempo, que ainda não deram resultado. Outras estão mais adiantadas, como é o caso da que trata da improbidade. (A análise) vai ser muito no caso a caso, mas não vai haver corte em tudo”, afirmou Margarete Coelho (Progressistas-PI), que faz parte do núcleo de confiança de Lira. Foi ela a relatora da PEC da Blindagem, que amplia a imunidade parlamentar, e a deputada integra a maior parte dessas comissões.

Suspiro. O deputado Lafayette Andrada (Republicanos-MG), relator do projeto de prerrogativas dos advogados, disse que, “como houve uma série de atropelos”, Lira ainda não teve tempo para se debruçar sobre todas as propostas: “Quando houver um suspiro, essas pautas vão andar. Essas comissões voltarão ao normal, elas não morreram”.

Na Câmara, além da comissão da improbidade, a que está mais adiantada é a que trata da prisão após condenação em segunda instância. As duas já têm relatórios finais. Com as revelações da Operação Spoofing, mostrando a troca de mensagens entre procuradores e o ex-juiz Sérgio Moro no processo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os parlamentares que costumam defender a Lava Jato temem ser derrotados. A portas fechadas, muitos manifestam receio de que o momento político favoreça acabe afrouxando a norma.

No caso da improbidade administrativa, sete dos atuais 24 integrantes da comissão especial criada na Câmara podem ser beneficiados por mudanças na lei, como revelou o Estadão. Eles respondem a processos , e as alterações propostas podem livrá-los de eventuais punições.

Recentemente, o presidente Jair Bolsonaro disse que a atual Lei de Improbidade é burocrática e “engessa o prefeito”. Já o líder do governo, Ricardo Barros (Progressistas-PR), defendeu a liberação da contratação de parentes no serviço público. Ou seja, quer autorizar o nepotismo, hoje proibido pela Lei de Improbidade e também pelo Supremo.

Ficha Limpa. Criada em 2010 inspirada nos movimentos anticorrupção, a Lei da Ficha Limpa, por sua vez, também deve sofrer modificações, assim que a pandemia arrefecer, como mostrou o Estadão. A proposta chegou a entrar na PEC da Blindagem, mas foi retirada na frustrada tentativa de votar o texto a toque de caixa.

Agora, a ideia do PT e de partidos do Centrão, como o Progressistas e o Republicanos, é apresentar uma PEC separada, prevendo a possibilidade de novos recursos judiciais para salvar a candidatura de políticos hoje proibidos de disputar eleições porque foram condenados por decisões colegiadas. Para Lira, a Lei da Ficha Limpa “não pode ser uma prisão perpétua”. Condenado na Lava Jato, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ficou inelegível em virtude dessa lei.

Para o deputado Aliel Machado (PSB-PR), a Câmara não deve se precipitar em votações polêmicas sem ter certeza de que terá apoio: “Lira me disse que todas as discussões devem ser decididas no plenário, não vai segurar nada”. Machado assume em breve a presidência da comissão especial da PEC que analisa a prisão em segunda instância. O Supremo derrubou, no fim de 2019, a possibilidade de execução antecipada de pena. A medida era um dos pilares da Lava Jato e a decisão permitiu a libertação de Lula.

Agora, a Câmara pode alterar a Constituição e prever a execução antecipada da pena. Em conversas reservadas, porém, parlamentares admitem que a chance de uma reviravolta assim ocorrer é próxima de zero. Machado acredita que o texto pode ir a plenário em 45 dias, mas não quer se precipitar. “Pautar a prisão em segunda instância de um dia para o outro, como aconteceu com a PEC da imunidade, pode fazer com que se perca todo o trabalho”, disse o parlamentar.

AMERICANOS PREOCUPADOS COM O AUMENTO DE CASOS NO BRASIL DA PANDEMIA

 

Para os EUA, descontrole da pandemia no Brasil e variante ameaçam o mundo

Autoridades da saúde e do governo americano estão em estado de alerta e afirmam que nenhum país estará seguro enquanto a disseminação do coronavírus continuar a crescer, pelo risco de surgirem novas variantes, mais transmissíveis e também agressivas

Beatriz Bulla* e Giovana Girardi, *Correspondente em Washington

Uma ameaça para o mundo. É assim que a imprensa americana retrata a atual situação da pandemia de coronavírus no Brasil, ecoando a preocupação de cientistas, autoridades da área de saúde e do governo americano sobre os efeitos do descontrole da propagação de uma nova variante do Sars-CoV-2 no País.

ctv-93g-vilaforomosa1
País tem falta de ações nacionais e baixa adesão a medidas restritivas: bloqueio a brasileiros deve se intensificar para barrar variante Foto: Felipe Rau/Estadão

Nos EUA, a população já discute quando a vida poderá voltar ao normal, diante da aceleração do ritmo de vacinação e da indicação de que até o fim de maio o país terá doses de imunizante para todos. Depois de um ano como epicentro da pandemia, os EUA agora veem uma luz no fim do túnel e a ameaça do lado de fora. Mais especificamente no Brasil.

“Há uma sensação de alarme sobre a natureza não controlada da pandemia no Brasil e o ritmo lento da vacinação – especialmente agora que o Brasil é a fonte de uma nova e preocupante variante da covid-19”, afirma Anya Prusia, do Brazil Institute do Centro de Estudos Wilson Center, em Washington. “A atenção aqui está voltada para a disseminação dessa cepa mais contagiosa, a P.1, que se originou em Manaus.” 

Os primeiros dois casos da variante P.1 foram registrados nos EUA em janeiro, horas depois de o presidente Joe Biden revogar uma decisão de Donald Trump e recolocar a restrição de viagens do Brasil aos EUA.

Duas pessoas que estiveram no Brasil foram diagnosticadas com a nova cepa em Minnesota. Até agora, os EUA registraram 13 casos da mutação, em ao menos sete Estados. Mas ainda não há transmissão comunitária, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Mas não foi a chegada nos EUA da cepa de Manaus que alarmou os americanos e sim a recente situação da pandemia no Brasil, que tem batido recorde de mortes. “Enquanto a pandemia continuar a crescer, ninguém estará a salvo”, disse o porta-voz do Departamento de Estado americano, Ned Price, em coletiva de imprensa.

Em pronunciamentos e entrevistas recentes, o principal infectologista do governo americano, Anthony Fauci, tem ressaltado que a cepa P.1 está associada a uma maior transmissibilidade e à preocupação de que a mutação possa interromper a imunidade induzida naturalmente e pela vacina.

Há cerca de um mês, Fauci afirmou que isso preocupa os americanos, que não devem derrubar tão cedo o bloqueio de passageiros que estiveram no Brasil. Nesta semana, ele voltou ao tema. “O Brasil está numa situação muito difícil. A melhor coisa é vacinar o maior número de pessoas o mais rápido possível”, disse Fauci, que chegou a dizer que os EUA poderiam ajudar os brasileiros.

O ritmo de vacinação nacional, porém, não anima. O Washington Post descreveu a vacinação brasileira como um processo de “escassez e atrasos”, enquanto o The New York Times reporta uma vacinação lenta e sem sinalização de melhora.

“O país atingiu o pior momento. Surgiram variantes que parecem mais mortais para pessoas saudáveis, e os cientistas documentaram coinfecção por múltiplas variantes”, escreveu Kevin Ivers, vice-presidente da consultoria americana DCI Group, em relatório. “A preocupação é que a disseminação acelere essas coinfecções no Brasil e leve a uma explosão de novas variantes mais agressivas.”

A situação brasileira foi definida pelo Washington Post, no dia 4, como “terreno fértil” para outras variantes. O risco foi mencionado também por cientistas, como Bill Hanage, epidemiologista da Faculdade de Saúde Pública da Universidade Harvard (leia a entrevista aqui).

Nas redes sociais, o também epidemiologista e economista da área da saúde Eric Feigl-Ding, membro da Federação de Cientistas Americanos, postou que o Brasil precisa da ajuda de líderes estrangeiros. “A epidemia descontrolada do Brasil será uma ameaça ao mundo, mas ainda não é muito tarde”, disse ao Estadão. “Mas é preciso ter sequenciamento genético, controle de fronteiras, quarentenas e testagem em massa.”

Para a epidemiologista brasileira Denise Garrett, vice-presidente do Sabin Vaccine Institute, com base em Washington, se o Brasil não for capaz de controlar a situação, os bloqueios de viajantes devem se intensificar. 

O neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, pesquisador da Universidade Duke, que nos últimos dias ganhou espaço em jornais estrangeiros pedindo uma pressão de outras nações sobre o Brasil, chama a atenção para a “geopolítica da pandemia”. “É a diplomacia do século 21. Já tem países trocando mercadorias por vacinas”, afirmou. “Se o fluxo ficar desimpedido, a doença desse país vai migrar para os outros.”

Falta de liderança

Na imprensa e entre analistas americanos, Jair Bolsonaro é o presidente que propaga desinformação, é cético sobre a vacina e está em choque com governadores. “Como aconteceu com Trump, o vácuo de liderança de Bolsonaro deu ao vírus abertura para se espalhar”, disse o Washington Post. Um dia antes, o The New York Times colocou a preocupação com o Brasil em sua capa.

A crise no País já chamou a atenção no ano passado, com as imagens de cemitérios lotados em Manaus e São Paulo. Desta vez, a preocupação é diferente, porque o que acontece no Brasil, segundo os americanos, pode colocar em xeque os avanços do resto do mundo.

MULHERES E SUAS HISTÓRIAS DE FORÇA E SUPERAÇÃO

 

Seis mulheres inspiradoras contam suas histórias de força e superação na pandemia

No Dia Internacional da Mulher, o Estadão conta histórias de quem passou por transformações recentes. Dentro de casa ou no trabalho, com os seus ou distante da família

Priscila Mengue, O Estado de S.Paulo

A gente acorda uma pessoa diferente todo dia, ainda mais quando se vive uma pandemia. Acontecimentos positivos, conquistas e desafios tomaram outra forma. Em uma data como a de hoje, Dia Internacional da Mulher, criada décadas atrás para reivindicar equidade de gênero, o Estadão conta histórias de quem passou por transformações recentes. Dentro de casa ou no trabalho, com os seus ou distante da família.

Entre essas mulheres, a que primeiro viveu as consequências da covid-19 foi Rafaela da Rosa Ribeiro, de 33 anos. Em Milão, onde estudava o zika, a pesquisadora de pós-doutorado viu a Itália colapsar em fevereiro. “Achava que iria durar pouco, que uns dias de lockdown resolveriam. Mas foi tomando a proporção que tomou.” 

ctv-n4m-rafaela1
Rafaela viu a pandemia levar a Itália ao colapso e passou a estudar também o novo coronavírus Foto: DANIEL TEIXEIRA/ESTADAO

Nos meses seguintes, ela passou a relatar o que ocorria a amigos, colegas de profissão e hospitais fora dos grandes eixos brasileiros, como um alerta do que poderia ocorrer. “Dei muita palestra, aula, entrevista”, recorda-se. “Quando lembro, vejo que foi difícil, que aquilo transforma, faz a gente repensar bastante coisa.”

Rafaela retornou ao Hospital Albert Einstein em agosto, onde seguiu com a pesquisa sobre tratamento para zika em gestantes. Em breve, continuará o estudo em uma universidade paulista. Rafaela conta que demorou para perceber diferenças de gênero em sua área, mas acredita que o último ano explicitou o protagonismo de cientistas como Margareth Dalcolmo, Ester Sabino e Jaqueline Goes. “Há uma visão maior da sociedade para as mulheres que fazem ciência”, acredita. 

Na mesma época que Rafaela estava em Milão, a consultora em sustentabilidade Gabriela Mekari, de 36, vivia os últimos meses da gestação de Teresa. A covid-19 trouxe receio desde o início, mas o temor de contaminação aumentou quando ela entrou no hospital para ter a bebê, em maio. 

Gabriela utilizou máscara durante grande parte do parto, mas chegou um momento que não conseguia mais. “No ápice, fiquei sem pensar na pandemia. Mas depois voltei a ficar preocupada em usar máscara e a passar álcool em todos os objetos que as pessoas traziam.” 

ctv-buw-rafaela2
Nadia e o desafio de ser líder em home office Foto: WERTHER SANTANA/ESTAD?O

Já em casa, Gabriela contou com o suporte do marido e dos pais, que estavam em home office. “Foi louco viver a maternidade na pandemia”, conta. “Uma coisa que impactou foi a impossibilidade de dividir a felicidade com a família toda, com os amigos. Pessoas próximas que só conheceram (a bebê) pelas redes sociais.”

Sócia em uma empresa, ela decidiu voltar ao trabalho em regime de meio período. Por isso e por ter a família presente, diz ter percebido como é privilegiada. “A maior parte das pessoas não tem essas possibilidades, a força tem de ser muito maior. Mudou toda a minha visão como mulher, como mãe.”

A consultora de comunicação Vivian Lopes, de 38, também passou por grandes mudanças na vida pessoal na pandemia. Insatisfeita com o estilo de vida que levava morando no Rio e, depois, em Niterói, ela e o marido Denis Barbosa, de 42, discutiam há tempos a possibilidade de voltar para a região de Campinas, onde seus pais vivem. “Foi uma decisão para buscar paz. Não conseguia me acostumar com tiroteio, camburão, operação policial.”

Após meses, eles encontraram o que procuravam em Vinhedo. Vivian, o marido e os filhos, Henrique, de 8, e Gabriela, de 12, vivem desde outubro em uma casa em um condomínio. “Vejo que a mudança foi no momento certo.”

Liderança

Na pandemia, mulheres se destacaram também pelo pioneirismo e pela liderança em ações de impacto social. É o caso da chef Telma Shiraishi, de 50. Assim que a quarentena começou, ela se viu com a despensa cheia de comida em dois restaurantes, ao mesmo tempo em que notava pessoas passando dificuldade nas ruas. Com a ajuda de parceiros e voluntários, surgia ali o Movimento Água no Feijão. 

O grupo chegou a fazer até 400 marmitas por dia no restaurante que ela mantém na Japan House. “Um dos conceitos japoneses mais fortes é o do ‘mottainai’, que é o horror ao desperdício, principalmente de alimentos”, comenta Telma, que é neta de japoneses. 

Depois, com a retomada paulatina nos meses seguintes e o investimento no delivery, não havia mais espaço nas cozinhas. As operações do movimento mudaram, então, para um espaço cedido em Heliópolis, no qual hoje a produção é feita por cozinheiras locais. “Em 2021, a gente quis evoluir um pouco, ampliar as frentes e impactar outras comunidades.”

Aos 68 anos, a arquiteta, urbanista e professora universitária Nadia Somekh também se viu em meio a mudanças na pandemia. A rotina de viagens e aulas deu lugar a cerca de dez horas em frente a telas. Um cotidiano diferente do que tiveram seus antecessores – todos homens – na presidência do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/BR), posto que assumiu há menos de dois meses. “Estou fazendo a gestão de 120 funcionários de forma remota. A sede, em Brasília, está fechada. Mas conseguimos nos reinventar”, afirma. Os recursos que estão sendo economizados com o home office, diz ela, podem ser investidos em melhorias de moradias, por exemplo. Um trabalho feito por meio de assessoria técnica prestada a gestores públicos e a ONGs.

Conselheira federal desde 2017, Nadia diz que embora a profissão tenha maioria feminina, as arquitetas enfrentam dificuldades para atingir projeção. “Quando falei de gênero pela primeira vez, um conselheiro disse que não tinha importância. Agora, queremos incluir a perspectiva de raça.”

Mais próxima

A neurocientista e biomédica Mellanie Fontes Dutra, de 28, encabeçou no início da pandemia a criação da Rede Análise Covid-19, coletivo multidisciplinar que reúne hoje cerca de 150 pesquisadores para analisar e coleta de dados sobre a doença. “É uma forma de fazer conscientização e levar informações de forma mais acessível para as pessoas”, conta. 

Antes mais voltada à divulgação científica em eventos presenciais, Mellanie passou a atuar de forma bem ativa nas redes sociais, com uma linguagem mais despojada, referências a memes e imagens que chamam a atenção. 

A neurocientista segue com objetivos na área de estudo a que se dedica há anos, pesquisando e escrevendo sobre autismo. Mas percebe que a pandemia trouxe outros interesses, especialmente em virologia e imunologia. “Penso em expandir, começar a estudar coisas que complementam.”

BOLSONARO PARABENIZA A VITÓRIA DO AMIGO DONALD TRUMP NOS ESTADOS UNIDOS

  Bolsonaro parabeniza vitória de Donald Trump n...