Perguntas e respostas: entenda os impactos da decisão de Fachin que anulou condenações de Lula e as questões ainda em aberto
Conforme antecipou o ‘Estadão’ na semana passada, a manobra faz parte de uma estratégia do ministro de reduzir danos, tirar o foco do ex-ministro Sérgio Moro e preservar o legado da Lava Jato
Rafael Moraes Moura/ BRASÍLIA e Fausto Macedo, Paulo Roberto Netto, Pepita Ortega e Rayssa Motta/ SÃO PAULO
08 de março de 2021 | 23h07
Em 46 páginas, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, anulou as condenações impostas ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Lava Jato, determinou que as ações penais contra o petista sejam enviadas à Justiça Federal do Distrito Federal e o habilitou a disputar as próximas eleições presidenciais. Conforme antecipou o Estadão na semana passada, a manobra faz parte de uma estratégia do ministro de reduzir danos, tirar o foco do ex-juiz Sérgio Moro e preservar o legado da Lava Jato, diante de derrotas iminentes que ameaçam o futuro da investigação.
Na tarde desta terça-feira (9), a Segunda Turma do STF se reúne pela primeira vez após a decisão de Fachin. Nos bastidores, integrantes do colegiado insistem para que seja concluída a discussão sobre a suspeição de Moro no caso do triplex.
Confira abaixo as principais questões – algumas ainda em aberto – levantadas após a decisão que provocou um terremoto no meio político, abalou o mercado financeiro e surpreendeu o meio jurídico.
O que o relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin, decidiu sobre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva?
Fachin decidiu nesta segunda-feira anular todas as condenações impostas pela operação ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, conforme pedido pela defesa do petista em habeas corpus apresentado ao Supremo em novembro do ano passado. A decisão também determina o envio dos casos à Justiça Federal do Distrito Federal, a quem caberá analisar as provas colhidas contra Lula nos casos do triplex do Guarujá, do sítio de Atibaia e as ações sobre a sede do Instituto Lula e doações recebidas pela entidade.
A decisão de Fachin significa que Lula não praticou corrupção ou lavagem de dinheiro?
O relator da Lava Jato no STF não fez juízo de valor sobre a inocência ou culpa de Lula na Lava Jato. Em uma decisão de 46 páginas, o magistrado se limitou a examinar questões técnicas ao concluir que a Justiça Federal de Curitiba não tinha competência para cuidar das ações contra o petista porque esses processos não dizem respeito diretamente ao bilionário esquema de corrupção na Petrobrás. Ao enviar para a Justiça Federal do Distrito Federal os casos de Lula, Fachin determinou que o juiz que assumir as ações deve decidir “acerca da possibilidade da convalidação dos atos instrutórios”. Ou seja: o próprio relator da Lava Jato indicou que a Justiça Federal do DF pode confirmar decisões tomadas por Curitiba.
“A fase instrutória é a fase onde se produzem provas, contra e a favor da acusação. Se a Justiça Federal do DF não convalidar os atos instrutórios (feitos por Curitiba), todos esses atos terão de ser produzidos novamente lá no Distrito Federal, caso ele convalide esses atos irá novamente à julgamento, possivelmente o juiz deverá reabrir o prazo para as providências das partes, ao final ele proferirá nova sentença, condenando ou absolvendo o ex-presidente Lula, mas dentro de uma vara competente para o julgamento da causa”, explicou o advogado Luiz Mário Guerra, especialista em Direito Penal.
De que forma a decisão de Fachin impacta a situação jurídica do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o cenário eleitoral de 2022?
A decisão de Fachin afasta a inelegibilidade do petista e o habilita, neste momento, a disputar as eleições presidenciais de 2022. Foi com base na condenação no caso do triplex que Lula foi enquadrado na Lei da Ficha Limpa e teve o registro de candidatura negado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2018, por 6 a 1 – apenas Fachin votou a favor do ex-presidente.
Em termos práticos, a condenação que Moro impôs a Lula no caso do triplex não existe mais.
Lula pode voltar a perder a elegibilidade e ficar afastado de disputar as próximas eleições?
Beneficiado com a decisão de Fachin, Lula está neste momento elegível e apto para disputar as eleições de 2022. O petista, no entanto, pode voltar a ficar inelegível e ser afastado da corrida pelo Palácio do Planalto, apontam especialistas ouvidos pelo Estadão. Isso vai depender das decisões e do andamento dos trabalhos na Justiça Federal do Distrito Federal e no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), que podem fazer o caso se arrastar por anos. “A inelegibilidade do Lula depende de uma decisão colegiada que o condene por um crime doloso que esteja entre os listados na Lei da Ficha Limpa. Portanto, o juiz federal do DF deverá considerar fatos do processo, as prescrições que incidem agora e proferir sentença; depois da sentença, o TRF confirma ou não a decisão (caso haja recurso)”, avaliou a advogada Marilda Silveira, especialista em direito eleitoral e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).
“Somente com uma decisão condenatória do Tribunal ele ficaria inelegível. O que define o ritmo do processo são as partes, incluindo o Ministério Público e o juiz: tempo das decisões, conclusão da fase probatória, manifestações e recursos”, acrescentou.
O advogado Renato Ribeiro de Almeida, especialista em Direito Eleitoral e Doutor em Direito do Estado pela USP, ressalta que a elegibilidade se analisa no momento do registro de candidatura que, na legislação atual, deve ocorrer em agosto de 2022. “Até lá, pode ser que Lula venha a ser novamente condenado e essa condenação ser confirmada pelo Tribunal Regional Federal”, observou.
Por que Fachin só decidiu sobre isso agora, cerca de quatro anos depois de Moro condenar Lula no caso do triplex?
O habeas corpus de Lula analisado pelo ministro chegou ao Supremo em novembro do ano passado, levando quatro meses para ser examinado. Na decisão, Fachin observou que outras ações já haviam deixado o seu gabinete do STF e a Justiça Federal de Curitiba pelo mesmo motivo (falta de conexão direta com o esquema de desvios da Petrobrás). Esse ponto já havia sido levantado pela defesa de Lula em outras ocasiões, mas esta foi a primeira vez que Fachin analisou exclusivamente o argumento. “Com as recentes decisões proferidas no âmbito do Supremo Tribunal Federal, não há como sustentar que apenas o caso do ora paciente (Lula) deva ter a jurisdição prestada pela 13ª Vara Federal de Curitiba. No contexto da macrocorrupção política, tão importante quanto ser imparcial é ser apartidário”, escreveu Fachin.
O que acontece agora com as investigações contra Lula?
Ao enviar para a Justiça Federal do Distrito Federal os casos de Lula, Fachin determinou que o juiz que assumir as ações deve decidir “acerca da possibilidade da convalidação dos atos instrutórios”. Ou seja: o próprio relator da Lava Jato indicou que a Justiça Federal do DF pode confirmar decisões de Curitiba. “Nesse momento, o jogo de tabuleiro voltou para a casa um, só que o juiz pode andar mais rápido, pode pular algumas casas e aproveitar atos praticados por Sérgio Moro”, comparou Thiago Bottino, professor da FGV Direito Rio. Para Bottino, a decisão de Fachin esvazia as discussões sobre a parcialidade de Moro ao condenar Lula no caso do triplex. Integrantes da Segunda Turma do STF, no entanto, insistem para que o colegiado ainda analise a conduta de Moro.
“Os atos que teriam sido manchados pela parcialidade não têm mais validade, não existem mais no mundo jurídico. Agora se eles forem reaproveitados por esse juiz, essa questão pode voltar à tona”, disse.
Cabe recurso à decisão de Fachin? Quem vai analisá-lo?
Fachin levará ao plenário do STF a análise de um eventual recurso da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra a decisão que anulou quatro ações penais abertas pela Lava Jato contra o petista em Curitiba. Assim, caberá ao colegiado de onze ministros – e não à Segunda Turma, que tem imposto sucessivas derrotas a Fachin – decidir sobre o futuro das ações.
Como foi a reação dentro do STF à decisão de Fachin?
A determinação do ministro surpreendeu – e chocou – integrantes da Corte. Segundo o Estadão apurou, a manobra contou com o apoio do presidente do STF, Luiz Fux, com quem Fachin conversou após assinar a decisão.
O que levou Fachin a tomar essa decisão agora?
Conforme revelou o Estadão na semana passada, Fachin lançou uma ofensiva para reduzir danos diante de derrotas iminentes que podem colocar em risco o legado da operação. O ministro Kassio Nunes Marques, indicado ao tribunal pelo presidente Jair Bolsonaro, sinalizou nos bastidores a possibilidade de declarar suspeito o ex-juiz federal da Lava Jato, como pretendia a defesa de Lula.
A avaliação nos bastidores é que, se Moro fosse declarado suspeito no caso do triplex do Guarujá, os efeitos poderiam contaminar outros processos, como o do sítio de Atibaia. Por outro lado, a anulação das condenações por questões meramente processuais, formais, apontando a incompetência da Justiça Federal de Curitiba, permite o deslocamento dos casos para a capital federal e a preservação das apurações, segundo integrantes da Corte.
Por que a Lava Jato está enfraquecida no STF?
A Corte virou foco de oposição à Lava Jato, como mostrou o Estadão, e Fachin não conta hoje com situação confortável nem na Segunda Turma nem no plenário. Com a chegada de Kassio Nunes Marques ao Supremo, e a tentativa de aliados e inimigos políticos do presidente Jair Bolsonaro de desconstruir a imagem pública de Moro, o cenário para a Lava Jato no Supremo se tornou nebuloso. Nunes Marques tem se alinhado a Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, expoentes da ala garantista da Corte, para impor derrotas à operação. Na semana passada, por exemplo, a Segunda Turma, por 3 a 2, arquivou a denúncia de organização criminosa apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL) e outros três parlamentares no caso do “Quadrilhão do PP”.
A decisão de Fachin encerra a discussão sobre a suspeição do ex-juiz Moro?
Na prática, a condenação que Moro impôs a Lula no caso do triplex foi varrida do ordenamento jurídico brasileiro. Na mesma decisão em que anulou as condenações contra o petista, Fachin determinou que fosse arquivado outro habeas corpus, em que Lula acusa o ex-juiz da Lava Jato de encará-lo como um “inimigo” e atuar com parcialidade ao condená-lo por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O julgamento da suspeição de Moro foi iniciado, em dezembro de 2018, pela Segunda Turma do STF, mas acabou interrompido por um pedido de vista de Gilmar Mendes. Integrantes da Segunda Turma do STF, no entanto, insistem para que o colegiado analise a atuação de Moro no caso, mesmo após Fachin anular a condenação do ex-juiz da Lava Jato contra Lula. A Segunda Turma se reúne na tarde desta terça-feira (9).
O que pode acontecer agora com as investigações contra Lula? Quem vai julgá-lo?
As ações serão analisadas agora pela Justiça Federal do Distrito Federal e, em um segundo momento, pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). O TRF-1, no entanto, possui um perfil mais “garantista” (mais inclinado a ficar do lado do direito de investigados) que o TRF-4, considerado mais “punitivista” por especialistas e investigadores ouvidos pela reportagem. O prazo de prescrição também pode ajudar Lula a escapar novamente da ilegibilidade.
“Há questões em aberto. Tudo indica que, dada a ordem de anulação do STF, com a desconstituição até mesmo dos recebimentos das denúncias, a grande parte dos ilícitos, senão todos eles, será atingida pela prescrição, com o pronto arquivamento dos feitos”, avaliou a advogada Maria Claudia Bucchianeri, que atuou a favor do registro de Lula em 2018.