segunda-feira, 8 de março de 2021

LIBERALISMO DO GOVERNO É MUITO PEQUENO

 

Liberalismo tacanho

O Brasil necessita de uma ampla agenda de políticas pró-crescimento

Claudio Adilson Gonçalez, O Estado de S. Paulo

Em meu primeiro artigo neste espaço, Teoria Econômica, Ideologia e Crescimento (10/9/2012), procurei mostrar que quando a ideologia se sobrepõe à racionalidade, conduzindo ao excessivo apego por parte dos governantes aos cânones de uma determinada corrente do pensamento econômico, os custos para a sociedade podem ser elevados.

Paulo Guedes e Jair Bolsonaro
Para o compreensivelmente otimista Paulo Guedes, está tudo bem na economia. Bolsonaro também pensa igual. Foto: Dida Sampaio/Estadão

Naquela oportunidade, eu estava preocupado com a orientação de política econômica do governo petista de Dilma Rousseff. Antevi um desastre que, infelizmente, se concretizou. Agora ocorre o contrário, na esteira do discurso liberal. Mas minha preocupação com a influência nefasta do apego ideológico, quase religioso, a determinadas crenças, continua a mesma.

O liberalismo econômico se consolidou com os trabalhos publicados no século 18 por pensadores como QuesnayLockeMandeville e, sobretudo, Adam Smith, com sua obra Uma Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações, de 1776. A ideia central era que o setor privado, operando em concorrência perfeita, levaria à prosperidade e promoveria o bem-estar social. A função do Estado seria apenas a de fornecer os bens públicos, atuar nas falhas de mercado e estabelecer a legislação para que a iniciativa privada exercesse seu papel.

Após a grande recessão iniciada em 1929, John Maynard Keynes nos mostrou a possibilidade do chamado equilíbrio recessivo, abaixo do pleno-emprego. O gasto público entra na equação para suprir a escassez de demanda e recolocar a economia em uma trajetória virtuosa comandada pelo investimento privado.

A partir de 1950, a economia neoclássica, que instrumentalizou o liberalismo com ferramentas matemáticas e teorias de equilíbrio geral, começou a ganhar muita força. Com as contribuições dos monetaristas da Escola de Chicago, especialmente George Stigler e Milton Friedman e a hipótese das expectativas racionais (John MuthRobert Lucas e Leonard Rapping), essa corrente do pensamento econômico passou a predominar na academia.

De lá para cá, muitos dos conceitos dos neoclássicos foram revistos, alterados e até mesmo abandonados.

Hoje sabemos que não há relação direta entre emissão de moeda e inflação. No mundo da moeda fiduciária e dos pagamentos digitais, quando se diz que os governos financiam seus déficits com expansão monetária, o que de fato ocorre é uma troca de passivos do Tesouro por passivos de curto prazo dos bancos centrais (que também pagam juros). Talvez por ainda estar preso à tradição monetarista, o ministro da Economia afirmou, no ano passado, de forma equivocada, que, se o governo não conseguisse rolar adequadamente a dívida em 2021, o Brasil entraria em hiperinflação.

Há também fortes evidências empíricas, mundo afora, de que desigualdade e pobreza, além de socialmente injustas, prejudicam o crescimento econômico.

Aprendemos também que os agentes econômicos são homo sapiens e não homo economicus, como pensavam os defensores das expectativas racionais. Isso quer dizer que nem sempre mercados livres e desregulados são eficientes para conduzir a equilíbrios compatíveis com o bem-estar.

Há sólida evidência empírica internacional que mostra que os investimentos públicos, desde que apresentem taxas de retorno total (privada mais social) superior ao custo dos fundos para financiá-los, favorecem o crescimento econômico.

Sem dúvida é preciso zelar pela consolidação fiscal, mas resumir a política econômica a cortar gastos a qualquer custo – embora nem isso esteja sendo feito – é uma aposta arriscada demais. A tese de que a redução do tamanho do Estado conduz automaticamente ao aumento do investimento privado não tem encontrado suporte nas evidências empíricas.

O Brasil precisa de uma ampla agenda de políticas pró-crescimento. Ao invés disso, o que mais se observa, na equipe econômica, é apenas o discurso supostamente liberal. Pena que se trata de um liberalismo envelhecido, tacanho.

*ECONOMISTA E DIRETOR-PRESIDENTE DA MCM CONSULTORES. FOI CONSULTOR DO BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁRIO DO TESOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA

PARTIDOS POLÍTICOS NÃO CUMPREM AS LEIS DE APOIO ÀS MULHERES

 

Partidos ignoram lei de apoio a mulheres

Dados de 4 anos mostram que norma não valeu em 67% dos casos, em 32 legendas

Paula Reverbel, O Estado de S.Paulo

Os partidos brasileiros não cumpriram a exigência legal de destinar 5% da verba que recebem do chamado Fundo Partidário – o Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos – em programas que incentivem a presença de mulheres na política, de acordo com levantamento acadêmico consultado pelo Estadão. A norma foi desrespeitada em 67% das ocasiões, considerando quatro exercícios financeiros já julgados de 32 agremiações. Apenas os nanicos Democracia Cristã (antigo PSDC) e PSTU respeitaram a regra nos anos considerados.

Outras 10 agremiações desrespeitam a norma durante os quatro anos da pesquisa: PCB, Cidadania (antigo PPS), PT, DEM, PP, MDB, PTC, PRP (incorporado ao Patriota), Avante (antigo PTdoB) e PRTB. Os dados foram coletados pelo pesquisador André Norberto Carvalho, que consultou os julgamentos das prestação de contas das siglas em 2010, 2011, 2012 e 2013. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) concluiu as análises de 2014 e avalia 2015.


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Maíra Recchia, coordenadora do Observatório Candidaturas Femininas OAB-SP, fala sobre a criação de um canal de denúncias para candidatas .  Foto: FOTO:WERTHER SANTANA/ESTADÃO

Ao contrário da cota de 30% do Fundo Eleitoral que tem de ir para candidaturas femininas – exigência que deriva de uma interpretação do TSE sobre a Lei das Eleições – a cota dos 5% consta explicitamente da Lei dos Partidos Políticos desde 2009. 

Alguns partidos tentaram, em suas prestações de contas, fazer com que despesas administrativas – como manutenção de instalações e telefone, por exemplo – fossem aceitas pelo tribunal como investimentos voltados ao aumento da participação feminina. Caso do PSDB que, a partir de 2011, criou uma norma interna sobre a aplicação dos recursos destinados à promoção da participação feminina na política, permitindo computar uma parcela dos gastos de manutenção da sede nacional – onde funciona também a Secretaria do PSDB-Mulher – como investimento para fins do programa.

Apesar de ser uma exigência legal, o desrespeito à norma dos 5% só não levou à reprovação das contas partidárias quando esse era o único problema nos cálculos apresentados pelos partidos. Na imensa maioria das vezes, o TSE optou por aprovar as contas com ressalvas, aplicando “os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade”, com o entendimento de que as falhas tinham afetado uma porcentagem pequena da verba pública destinada às agremiações.

“Logo que começa o julgamento das contas de 2010, firma-se o entendimento de que esse descumprimento por si só não geraria a desaprovação de contas, só uma multa de 2,5%”, explicou Carvalho ao Estadão.https://arte.estadao.com.br/uva/?id=Q8P4bQ

Uso eventual. O levantamento do pesquisador também mostrou que o mesmo argumento – que livrou partidos de serem penalizados por não investirem o mínimo em programas de participação feminina – não foi aplicado diante de outras falhas. Ao se debruçar sobre problemas de outra natureza, o ministro Luiz Fux considerou que era importante considerar o valor nominal da irregularidade – ou seja, se ela tinha comprometido quantias vultosas, mesmo que estas representassem uma parte pequena da verba total. O ministro Henrique Neves, também na análise de outros pontos que não a cota dos 5%, defendeu que o TSE deveria observar a qualidade e a gravidade das falhas. 

Nessa linha, Carvalho também destacou uma relatório de Luís Roberto Barroso, acompanhado por Edson Fachin, Og Fernandes, Luis Felipe Salomão, Admar Gonzaga e Tarcisio Vieira, segundo o qual irregularidades graves comprometem a transparência das contas, mesmo que representassem porcentual ínfimo em relação ao total de recursos.

O tratamento que o TSE deu à regra dos 5% passou a ser questionado pela ministra Rosa Weber, que começou a defender a ideia de que a reincidência no erro, ou seja, o descumprimento da cota por vários anos, deveria sim levar à reprovação das contas – desfecho que leva à suspensão dos repasses do Fundo Partidário. 

“A ministra Rosa Weber propôs que geraria reprovação na terceira reincidência”, afirmou o pesquisador Norberto Carvalho, salientando que esse entendimento foi aplicado uma vez, para reprovar as contas de 2012 do DEM. “Mas também não prevaleceu nos demais julgamentos sobre a questão essa ideia, porque criou-se o entendimento de que aqueles partidos que cumpriram parcialmente com os 5% estariam tentando viabilizar o cumprimento da norma. Mas a norma não coloca essas gradações, ela simplesmente estabelece que 5% é o mínimo”, argumentou Carvalho. 

Proporcionalidade. Para a advogada Maíra Recchia, coordenadora-geral do Observatório de Candidaturas Femininas da seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, não se valoriza adequadamente a inserção das mulheres na política. 

“Se aplica o princípio da proporcionalidade para isso, mas não para outros casos”, criticou a advogada Recchia. E acrescenta: “Ao tratar de outros assuntos, eles rejeitam as contas eventualmente por uma porcentagem que, ainda que seja irrisória, eles falam que compromete a regularidade”. “E aí os partidos vão aplicando esse pacote de verbas em outras coisas que nada têm a ver com sua finalidade”, concluiu Recchia. 

A advogada admite que as agremiações partidárias vêm montando, em anos recentes, secretarias para as mulheres – mas sua avaliação é que isso ainda está muito distante de caracterizar atuação partidária. “As mulheres ficam restritas às secretarias de mulheres, fazendo palestras para mulheres e organizando cursos de formação”, criticou. Mas nenhuma dessas atividades configura cumprimento do texto legal: “ A legenda não as insere efetivamente na política”, concluiu Recchia.

Anistia

Em 2019, o Congresso aprovou uma mudança na lei dos partidos que anistia todas as siglas que tenham deixado de aplicar, entre os anos de 2010 e 2018, 5% do Fundo Partidário em programas de participação feminina, desde que tenham aplicado esse tanto no financiamento de candidaturas femininas. Segundo Recchia, a mudança de 2019 tratou-se de uma reação dos partidos à expectativa de que o TSE passasse a penalizar mais duramente as legendas que descumprissem a regra. 

“Como os partidos estavam reiterando o descumprimento da lei, era inevitável que começassem a ter penalidades mais duras”, afirmou a advogada, acrescentando que há maior entendimento da sociedade sobre questões de diversidade. 

Essa anistia virou, em setembro daquele ano, alvo de uma ação direta de inconstitucionalidade assinada pela então procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Pode, portanto, ser derrubada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Os partidos PL, DEM, MDB e PDT pediram que a corte os deixe participar da ação como amicus curiae, ou seja, partes interessadas no desfecho do processo.

Partidos dizem que vêm se adequando à legislação

Procurado pelo Estado, o MDB afirmou que homologou em agosto de 2020 um acordo firmado com o TSE para investir na participação das mulheres valores referentes à prestação de contas de 2010 a 2014. O partido disse ainda que foi o partido que mais elegeu mulheres nas eleições de 2020 (1468). 

O DEM informou que “já cumpriu as sanções, aplicadas pelo TSE às contas citadas” pelo não investimento dos 5% e informou que lançou em 2019 uma Estratégia Nacional de Formação Política para Mulheres para disputar as eleições pela sigla.  O Patriota informou que a lei permite gastar em campanhas de mulheres aquilo que não se gastou da cota dos 5% no decorrer do ano.

Falando pelo PDT, Miguelina Vecchio, liderança do movimento Ação da Mulher Trabalhista afirmou que o PDT vem cumprindo com outra exigência – a de repassar 30% do Fundo Eleitoral para candidaturas femininas – e disse não se lembrar dos julgamentos das contas partidárias que versavam sobre a cota de 5%.

O PSD informou que “as verbas estabelecidas pela legislação foram efetivamente aplicadas na promoção e difusão da participação política das mulheres e também destinadas às candidaturas femininas do PSD em eleições posteriores”. 

O PT afirmou que o estudo refletiu as dificuldades nos anos iniciais de aplicar “uma legislação que começou a romper uma longa tradição de desigualdade” e disse que foi o primeiro partido a adotar a paridade de 50% nos cargos direção em todos os níveis. O PSOL informou que “o partido e sua setorial de mulheres estavam, nos anos referidos, num período de adaptação à nova legislação, processo que foi concluído no ano seguinte, sem prejuízo à promoção de políticas de apoio às mulheres. 

O Podemos – respondendo pelo PTN e pelo PHS – afirmou que inicialmente, antes de o TSE se manifestar contra a soma de gastos administrativos no cálculo dos 5%, não conseguiu comprovar quais gastos foram para a estrutura da secretaria da mulher, já que ambos os partidos eram nanicos e utilizavam os mesmos espaços da sede nacional. 

O PC do B – que incorporou o PPL – informou que tem atualmente ao menos 30% da composição de todas as instâncias partidárias formadas por mulheres. O partido informou ainda que entendia ter cumprido com a norma, mas que o TSE considerou que algumas das despesas apontadas pelo PCdoB e pelo PPL não podiam ser qualificadas como parte dos programas de participação feminina. “Mesmo não concordando com os critérios do TSE (…) o PCdoB e o PPL cumpriram e estão cumprindo as determinações do TSE quanto às multas e valores a serem aplicados a mais nos anos seguintes”.

PCB, PL, PMN, PP, PRB, PSC, PSDB, PSB, PTB, Avante, PV e SD não responderam. O PSL entrou em contato com a reportagem para avisar que não iria conseguir enviar resposta. Os presidentes nacionais do Cidadania, Roberto Freire, e do PRTB, Levy Fidelix, não visualizaram as mensagens enviadas pelo Estadão. A reportagem não conseguiu entrar em contato com PCO, PTC, PRP e Pros.

domingo, 7 de março de 2021

MÉTRICAS SOCIAIS E GOVERNANÇAS PARA EXECUTIVOS

 

Meta ambiental vira parte de salário de executivos de alto escalão

Grandes companhias do País começam a colocar também no cálculo da remuneração do alto escalão métricas sociais e de governança

Fernanda Guimarães, O Estado de S. Paulo

Além das tradicionais métricas de desempenho financeiro e de crescimento da companhia que usualmente entram na conta das grandes empresas na hora de formar o salário de um executivo, começam a fazer parte dessa equação no Brasil metas relacionadas ao ESG – critérios ambientais, sociais e de governança, na sigla em inglês.

O País acompanha um movimento já comum no exterior, em resposta à cobrança da sociedade e de investidores pelo engajamento das empresas nas questões relacionadas à sustentabilidade, à inclusão e à transparência, aspectos cada vez importantes para o desempenho e, principalmente, para a perenidade da empresa. “O movimento das empresas para serem mais sustentáveis acaba por impactar diretamente o bolso dos executivos, com a entrada das metas ESG nos planos de incentivos de curto e de longo prazo”, aponta o sócio da X|R Consultoria, Henri Barochel.

Nos Estados Unidos, o número de empresas que incluem métricas sociais ou ambientais para decidir as bonificações de seus executivos dobrou nos últimos dois anos, segundo levantamento da ISS ESG, o braço de investimentos responsáveis da firma de assessoria em votações de acionistas Institutional Shareholder Services.

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Metas relacionadas a critérios ambientais, sociais e de governança, entram na fórmula de salários de executivos Foto: Dida Sampaio/Estadão

O fundador e gestor da Fama Investimentos, um dos pioneiros de investimentos ESG no Brasil, Fabio Alperowitch, afirma que atrelar tais métricas à remuneração de executivos é algo positivo, mas lembra que a empresa precisa tornar transparente quais são essas metas, já que é relevante que elas estejam relacionadas a pontos sensíveis para o setor de atuação da companhia. 

A siderúrgica Gerdau definiu dois itens que passaram, neste ano, a compor a avaliação da remuneração de longo prazo dos executivos: diversidade e redução de gás carbônico. “Trazer esse comprometimento é mais uma ação em prol de continuar evoluindo”, comenta a diretora global de Pessoas e Responsabilidade Social da Gerdau, Caroline Carpenedo. As métricas relacionadas ao ESG passarão a ser atreladas a 20% da remuneração de longo prazo dos executivos da empresa. 

No GPA, dono da rede de supermercados Pão de Açúcar, desde 2016 a remuneração variável de executivos conta com uma métrica relacionada à redução do consumo de energia elétrica. Mas a companhia percebeu que faz mais sentido trazer para o cálculo a redução da emissão de gás carbônico. “Descobrimos que os gases que saem dos refrigeradores tinham mais impacto na nossa pegada de carbono do que a questão da energia elétrica”, explica a diretora de sustentabilidade do GPA, Susy Yoshimura. Até o fim de 2025, a meta é reduzir tais emissões em 35%. 

A Lojas Renner há dois anos tem compromissos públicos para a área de sustentabilidade, como ter 80% dos produtos feitos com matérias-primas e processos menos impactantes, além de 100% do algodão utilizado certificado. “Objetivo é ser referência em sustentabilidade”, comenta a diretora de Recursos Humanos da Lojas Renner, Clarice Martins Costa. O bônus anual do alto escalão da companhia tem relação com o atingimento dessas metas e cada executivo tem seu próprio desafio, comenta Clarice.

FAZER CIÊNCIA OU TER FÉ?

 

Ciência e religião

Giordano, o inflexível; Galileu, o negociador: oposição absoluta entre fazer ciência ou ter fé

Leandro Karnal, O Estado de S. Paulo

“A ciência sem a religião é manca, a religião sem a ciência é cega.” A frase é bem construída. Coloca duas afirmações fortes unidas pela ausência (indicada pelo termo “sem”). Ela aponta o vazio irreparável da ideia científica e da religiosa na fala recíproca. O autor? O nome reforça ainda mais o peso da afirmação: Albert Einstein. 

Grande parte da história do mundo poderia ser contada como a relação complexa entre ciência e religião. Muitas pessoas invocarão a imagem simbólica de Galileu Galilei (1564-1642) diante do Tribunal do Santo Ofício, obrigado a se retratar oficialmente para não ser queimado. O exemplo do suplício de Giordano Bruno (1548-1600), ocorrido quando o astrônomo de Pisa tinha acabado de completar 36 anos, certamente pairava na memória. Um filósofo, Giordano, queimado em praça pública, torturado, o fogo aceso com sua própria obra: eis uma imagem forte que seduz quando vemos sua estátua no Campo dei Fiori.

Giordano, o inflexível; Galileu, o negociador: ambos são exemplos sempre citados de uma oposição absoluta entre fazer ciência ou ter fé. O escritor Morris West (1916-1999) criou O Herege, reforçando o caráter heroico do dominicano supliciado em Roma. Li na juventude, emocionado, a frase de Giordano olhando para os juízes e dizendo que eles, acusadores, tinham mais medo dele, réu, do que ele temia a seus carrascos. Psicanaliso: West, escritor de best-sellers, tinha uma relação complexa com sua mãe australiana católica, algo que aparece em obras como As Sandálias do Pescador ou O Advogado do Diabo.

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Documento do julgamento de Giordano Bruno pela Inquisição Foto: Vatican Secret Archives//Daniele Fregonese/Reuters

A inspiração também atingiu Bertolt Brecht (1898-1956), autor da Vida de Galileu. Anos depois, estudando mais, entendi que Brecht dialogava muito com o nazismo e sua repressão, pois a peça era de 1943 e o dramaturgo estava exilado na Dinamarca. Também no Brasil, Zé Celso, Cláudio Corrêa e Castro, Renato Borghi levaram adiante um Galileu que, com certeza, dialogava com o clima de enfrentamento com a ditadura por aqui. 

Críticas possuem história, origem e viés, sempre. Quase toda imagem que vemos de Galileu no Tribunal pertence ao século 19, momento em que o Liberalismo europeu via na Igreja (e no papado de Pio IX) um obstáculo. A Igreja Católica era considerada inimiga mortal da liberdade e da ciência. Sabemos, hoje, que tal proposta é um postulado que pertence mais às formulações de um grupo dos oitocentos do que ao Renascimento. O quadro mais ilustrativo da cena da repressão ao saber livre é o de Cristiano Banti (1824-1904), que mostra Galileu à direita, em pé, segurando sua capa e, a sua frente, um temível dominicano apontando com dedo acusador o trecho de uma obra. A pintura fala pouco do processo do astrônomo e muito da oposição do papado à Unificação Italiana. O mesmo pode ser dito da maioria das gravuras ilustrativas sobre torturas da Inquisição: quase sempre são um documento do Liberalismo e da secularização do século 19.

O caldo de crítica aos poderes (nazismo no caso de Brecht e ditadura militar no caso da encenação da Galileu aqui) mistura a ideia de uma ciência iluminada contra a religião.

Era uma dicotomia insuperável? Giordano Bruno era mais um hermético, ocultista e estudioso das artes da memória do que um cientista iluminado. Um dia, o filósofo de Nola se convertera ao Calvinismo, quando a nova religião parecia útil. Depois, renunciou à nova fé para, curiosamente, tornar-se o mártir da coerência diante do tribunal romano. Ao virar personagem, Giordano Bruno pode encarnar toda a luta contra a censura e o autoritarismo. Ali no local em que ele foi assassinado, todo dia 17 de fevereiro ocorrem discursos pela liberdade de pensamento. Em uma rara praça sem igrejas de Roma, todos olham para a estátua do frade com capuz e olhar triste (estátua, aliás, também feita no século 19 com coleta entre tantos inimigos do papado). Na mesma praça tinha sido erguida uma outra obra durante as agitações da “primavera dos povos” (1848/1849) e, depois, destruída pelo bispo de Roma. Reerguê-la era um sinal contra a memória de Pio IX e contra o papa reinante de 1889: Leão XIII. Durante a ditadura totalitária italiana, para agradar aos cardeais, Mussolini planejou remover a estátua. Ocorreu o inesperado. O filósofo fascista Giovanni Gentile era admirador de Giordano Bruno e pressionou para que Mussolini mantivesse o monumento. Construída duas vezes contra papas e mantida por um fascista, a obra continua lá mostrando que os signos são históricos, sempre, e mutáveis por natureza.

Para que não fiquemos repetindo slogans e ideias românticas, sempre é bom ler muito. A Editora Ideias & Letras traduziu o Cambridge Companion sobre Ciência e Religião. O organizador é Peter Harrison (autor do excepcional The Fall of Man and the Foundations of Science, Cambridge University Press). A obra original é de 2010 e a tradução brasileira é de 2018 (feita por Eduardo Rodrigues da Cruz). Nela, diversos autores analisam o binômio ciência e religião. Big Bang, criacionismo, design inteligente, ateísmo, darwinismo, universidades medievais, filosofia patrística e escolástica, secularização: todos os conceitos tratados por grandes especialistas em um texto claro e muito bom. Recomendo a leitura vivamente. Boa semana para todos.

MARKETING DIGITAL

 

COMO FAZER MARKETING DIGITAL PARA CLIENTES COM POUCA VERBA

Por Isabela Guiaro


Você atende clientes que têm pouca verba? A Valeon atende. Algumas empresas precisam de projetos para alavancar seu negócio na internet, mas contam com um orçamento bem baixo para poder investir nesse serviço. Então, como fazer marketing digital para quem tem esse perfil?
O Ricotta trouxe hoje uma solução para desenvolver projetos sem trabalhar de graça!

Por que muitas empresas têm pouca verba?

Em primeiro lugar, é preciso entender o que ocorre no mercado brasileiro. Segundo dados do Sebrae, no Brasil existem 6,4 milhões de estabelecimentos, sendo 99% deles micro e pequenas empresas — as chamadas MPEs.

Ainda, estas são responsáveis por 52% dos trabalhos de carteira assinada do setor privado.

Outro dado curioso é que, de acordo com o Portal do Empreendedor, 3,7 milhões dos CNPJs se enquadram na categoria MEI. Então, essas empresas precisam de trabalho digital para poder crescer.

Porém, a maioria delas têm um faturamento muito baixo — de R$10 mil a 50 mil por mês. A busca pelo projeto de marketing, dessa forma, vai buscar aumentar esse valor mensal.

Como saber o potencial de investimento de pequenas empresas?

Para entender se aquela empresa vai ter condições de pagar um projeto de marketing digital, é interessante fazer um cálculo sobre o faturamento.

Segundo as recomendações do Sebrae, o investimento para marketing deve ser de cerca de 10% desse rendimento mensal. Ou seja, quem fatura R$10 mil terá disponível, no máximo, R$1 mil.

Como saber se vale a pena pegar um projeto de marketing com pouca verba?

Para saber como fazer marketing digital para clientes com pouca verba, em primeiro lugar, é preciso definir qual a quantia mínima que você precisa para conseguir trabalhar. Supondo que você necessite de ao menos R$2 mil, se uma empresa disser que tem verba apenas de R$500, você já sabe que não vai ser possível aceitar esse projeto.

Ou, então, você pode filtrar pelo tipo de faturamento da empresa. Aquelas que ganham menos de R$20 mil por mês não são o seu cliente ideal, seguindo o exemplo acima.

Você também precisa mapear as ferramentas que você vai usar para construir o seu projeto. Qual o mínimo de gastos você vai ter para criação de sites, busca de palavras-chave, etc? Aqui, você também deve incluir uma base para campanhas de anúncios.

Com isso, você vai chegar no seu modelo de cliente ideal!

E, você precisa ter em mente um detalhe muito importante: aprenda a dizer não! Muitas agências têm problemas de faturamento porque cedem às pressões e aceitam fazer projetos que não estão gerando receita de verdade! Ou seja: trabalham de graça!

Estratégias de baixo custo: como fazer marketing digital com pouca verba.

Para oferecer projetos que possam caber em orçamentos menores, a maior dica é reduzir o escopo de ferramentas. Então, você pode trocar alguns softwares pagos mais conhecidos por alguns que oferecem serviços similares gratuitos, ou com preços mais acessíveis.

  • Algumas dicas de substituições são:
  • pacote Adobe: Canva;
  • Mlabs: postagem manual;
  • AdEspresso: usar o gerenciador do Google e/ou do Facebook;
  • Office: docs e planilhas do Google;
  • ferramentas de SEO: há várias dicas nesse vídeo do Ricotta.

Estratégias de marketing digital

É preciso ressaltar que com uma verba muito reduzida fica difícil investir em anúncios. Por ser essencial, a recomendação é que você filtre os seus clientes e feche contratos apenas com aqueles que podem contar com, ao menos, R$200,00 mensais para anunciar. E, com esse orçamento, prefira usar a Startup Valeon que tem condições de atender esses clientes oferecendo-lhes uma página exclusiva para a sua  empresa  e uma publicidade na página da cidade na sua Plataforma Comercial Valeon.

O QUE OFERECEMOS E VANTANGENS COMPETITIVAS

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  • Temos excelente custo x benefício;
  • Nossos sites: (https://valedoacoonline.com.br/ e https://valeonnoticias.com.br/) têm grande penetração no mercado consumidor com um bom marketing fit que satisfaz esse mercado;
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Táticas orgânicas

Nas redes sociais, a Valeon tem intenso tráfego com perfis de conteúdo consistente e bem alinhado com a comunicação da sua Plataforma Comercial em todos os canais de mídia existentes.

Por fim, no Facebook, busque as comunidades. Fale para o cliente entrar em um grupo relacionado a sua área de atuação e começar a participar das discussões e conversar com os demais participantes. Depois que ele já for mais conhecido, ele pode começar a falar diretamente do seu serviço.

Resumindo…

Se você quer saber como fazer marketing digital com pouca verba, precisa fazer conteúdos de qualidade com recorrência e nesse aspecto a Valeon produz para a comunidade em geral, conteúdos de Empreendorismo nos seus sites. Essa é a principal forma de chegar a mais pessoas sem a necessidade de gastar com muitos anúncios. Mas, ainda assim, a publicidade continua sendo importante. Ela vai trazer uma base de seguidores muito maior.

A introdução da nossa Startup na sua empresa, vai assegurar modelos de negócios com métodos mais atualizados, inovadores e adaptáveis, características fundamentais em tempos de crise, porque permite que as empresas se reinventem para continuarem as suas operações.

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AS ESTATAIS DEVEM SER EMANCIPADAS?

 

A emancipação das estatais

Documento da OCDE alerta para os riscos do uso político das empresas estatais

Notas&Informações, O Estado de S.Paulo

O que as intervenções desastrosas do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na Petrobrás e as delinquências do Petrolão protagonizadas pelo PT e outros partidos têm em comum? Ambas expõem a relação promíscua entre políticos, o Estado e as estatais. Nesse contexto, não poderia ser mais oportuno o estudo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre a Governança Corporativa das Estatais no Brasil.

O relatório oferece um detalhado diagnóstico sobre os mecanismos de governança e os processos de privatização no País. No lançamento do documento os pesquisadores, sem citar nomes, alertaram especialmente para os riscos do uso político das estatais e a necessidade de garantir a autonomia de seus conselheiros e gestores.

Não custa lembrar que, desde 2016, está em vigência a Lei das Estatais, que reduziu consideravelmente a discricionariedade do mundo político. Mas, seja por eventuais reformas na lei, seja por dispositivos infralegais, é possível e necessário aprimorar os mecanismos para que as estatais cumpram sua missão com integridade e eficiência.

“O papel das entidades públicas em relação às estatais e os objetivos de desempenho para o setor em geral não são atualmente claros no Brasil”, adverte o estudo da OCDE. Isso oblitera aprimoramentos na gestão ou a priorização de quais empresas deveriam ser privatizadas. Um passo importante seria reduzir a dispersão do poder de decisão. 

A supervisão das 46 estatais com controle direto da União se encontra hoje pulverizada entre 12 Ministérios. Para garantir a unidade executiva e, ao mesmo tempo, a atenção à multiplicidade de interesses públicos, poder-se-ia concentrar as responsabilidades pelas estatais em uma unidade especializada no Ministério da Economia e, ao mesmo tempo, aumentar o número de ministros membros da Comissão Interministerial de Governança Corporativa e de Administração de Participações Societárias da União. A Comissão ficaria responsável por estabelecer os objetivos das empresas e nomear os membros dos conselhos fiscais.

A ausência de um mecanismo público para estabelecer os objetivos das estatais é uma fonte persistente de oportunidades para intervenções políticas. As estatais não deveriam ter margem para perseguir políticas públicas que não sejam claramente especificadas pelo Estado. Metas claras e transparentes fortalecem a responsabilidade de todas as partes envolvidas. 

Para garantir que essa responsabilidade seja atendida, é fundamental a elaboração e divulgação de um relatório agregado, com os resultados financeiros e não financeiros das estatais. Segundo a OCDE, isso comporta três benefícios: permite ao público avaliar o desempenho das estatais; subsidia gestores públicos e lideranças políticas na tomada de medidas corretivas em relação às estatais de baixa performance; e oferece às autoridades a oportunidade de monitorar regularmente o desempenho de cada estatal.

O poder público, alertou o economista sênior da OCDE, Hans Christiansen, não deve usar estatais para obter vantagens indevidas para outros investidores – muito menos para grupos corporativos, como os caminhoneiros. A chave para blindar as estatais de interferências, enfatizou Christiansen, é o fortalecimento dos conselhos de administração.

Os conselhos poderiam utilizar firmas especializadas de headhunting para formar um pool de candidatos, com base num processo transparente e competitivo. Mesmo que as escolhas continuassem sob responsabilidade das lideranças políticas, elas ficariam restritas a essa lista prévia.

Numa justificativa mal-ajambrada de sua grotesca intromissão da Petrobrás, Bolsonaro disse que as estatais precisam ter “visão social”. Mas empresas estatais são empresas, e não há melhor maneira de cumprir sua função social do que com uma gestão eficiente, que gere empregos e bons produtos para o consumidor. Para tanto, elas precisam de quadros qualificados em condições de atuar tecnicamente de acordo com as condições de mercado, independentemente dos interesses eleitorais e corporativistas dos governantes de turno.

AUXÍLIO EMERGENCIAL MELHORA A ALIMENTAÇÃO DOS MAIS POBRES

 

Com auxílio, consumo de alimentos por mais pobres cresce 8% em 2020

Foi o dobro do índice médio de crescimento de todas as faixas de renda no País, segundo pesquisa da consultoria Kantar

Márcia De Chiara , O Estado de S. Paulo

No ano de pandemia, os brasileiros no geral aumentaram o consumo de alimentos dentro de casa, mas os mais pobres conseguiram colocar uma quantidade maior de comida no prato. Em 2020, o volume de itens consumidos dentro dos domicílios de todas as faixas de renda cresceu 4% em relação a 2019. No entanto, entre as camadas de menor renda, as classes D e E, o avanço foi o dobro, de 8%, mostra pesquisa exclusiva da consultoria Kantar

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Jaqueline depende agora da doação de marmitas Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO

O aumento do consumo de alimentos pelos mais pobres foi embalado pelo auxílio emergencial, que injetou cerca de R$ 300 bilhões na economia em 2020. Cerca de 70% das classes D e E, com renda familiar de até R$ 2,6 mil, segundo o IBGE, receberam o benefício. Isso provocou um salto na receita dessa faixa da população, que gasta quase 25% do que ganha com comida. 

Com mais dinheiro no bolso, os mais pobres incluíram itens que não faziam parte do cardápio. Presunto e apresuntados passaram a ser consumidos por 8,5 milhões de famílias das classes D e E no ano passado; 6,2 milhões de domicílios experimentaram empanados, do tipo nuggets, de frango, carne bovina e vegetais; 4,5 milhões foram às compras de hambúrguer, linguiça, maionese; 5,1 milhões passaram a usar manteiga e requeijão; e 7,1 milhões, azeite, mesmo do tipo misto, por causa da disparada de preço do óleo de soja.

O acesso a novas categorias de produtos por conta do auxílio emergencial lembra o movimento que ocorreu no início do Plano Real, em meados dos anos 1990. Na época, a queda abrupta da inflação permitiu a compra de frango e iogurte pelos mais pobres. Agora, porém, esse movimento de consumo é tido como transitório. E um primeiro sinal disso já começou a aparecer nos supermercados paulistas, que tiveram queda real de vendas este ano (mais informações nesta página).

“O brasileiro comeu melhor no ano passado, porque o auxílio emergencial criou um mundo fantasioso, um poder de compra temporário”, afirmou David Fiss, diretor de serviços ao cliente da Kantar e responsável pela pesquisa. Semanalmente, a consultoria audita 11,3 mil domicílios para radiografar o consumo a partir do tíquete de compra.

O estudo da Kantar mostra que o auxílio turbinou o consumo de itens básicos – não sós alimentos – nas regiões mais pobres do País. No Norte e Nordeste, o gasto médio das famílias que receberam o auxílio cresceu 9,1% ante 2019, enquanto aquelas que não receberam desembolsaram 2,1% a mais na mesma região. 

Também a cesta de produtos perecíveis, que inclui carnes, verduras e frutas, foi a mais beneficiada pelo aumento da renda em 2020. O gasto médio de todos os brasileiros que receberam auxílio aumentou 16% com esses itens. Já os que não receberam destinaram 13% a mais.

Moradora da comunidade de Paraisópolis, na zona sul da capital paulista, Jaqueline Santos da Silva, de 25 anos e mãe de três filhos, com sete e três anos de idade e um bebê de cinco meses, contou que conseguia comer melhor na época que recebia o auxílio emergencial de R$ 600. “Comprava bolacha que as crianças pediam, fruta, linguiça, frango, salsicha”, disse ela. Agora, voltou para o Bolsa Família, cujo benefício não chega R$ 300, e busca doações de cesta básica, mas até as doações ficaram mais difíceis. “Pego a marmita de doação no almoço e me viro na janta com o que tem.” Na semana passada, Jaqueline tinha dois quilos de arroz, uma garrafa de óleo fechada, sal e feijão. “Acho que a semana que vem não tem mais nada.”https://arte.estadao.com.br/uva/?id=QnXRMz

Fome

Ainda não há dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) disponíveis sobre como andou a fome no Brasil em 2020, disse na semana passada ao Estadão Alícia Bárcena, secretária executiva da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), órgão das Nações Unidas. Mas, considerando as informações sobre a redução da pobreza extrema, que é medida também pelo acesso a uma cesta básica de alimentos, Alícia calcula que 8,6 milhões de brasileiros deixaram a pobreza extrema no ano passado por causa do Bolsa Família, do Benefício de Prestação Continuada e do auxílio emergencial. “O desafio é sustentar essas medidas para que, no futuro, essa contenção possa se manter”, afirmou.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que autoriza a volta do auxílio foi aprovada no Senado na última quinta-feira e agora segue para Câmara do Deputados – a previsão é que a votação aconteça entre terça e quarta-feira.

O valor do benefício deve variar entre R$ 150 e R$ 375. É uma cifra inferior aos R$ 600 pagos inicialmente em 2020. O governo ainda pretende restringir o auxílio a uma pessoa por família, ao contrário da rodada de 2020.

PREÇO DA CARNE MUITO CARO PUXA A INFLAÇÃO

 

Preço da carne puxa inflação de consumidor de menor renda

Em 12 meses, custo do prato feito variou quase 40% para mais pobres, ante 31,6% nas faixas de maior rendimento

Márcia De Chiara, O Estado de S. Paulo

A conta da inflação dos alimentos é mais alta para os brasileiros de menor renda. Nos últimos 12 meses encerrados em fevereiro, a inflação do chamado prato feito dos mais pobres preparado em casa – e que leva arroz, feijão, batata, tomate, carne de segunda e óleo de soja – subiu quase 40%. No mesmo período, entre fevereiro 2020 e fevereiro deste ano, o prato feito dos mais ricos, onde a única diferença é a substituição da carne de segunda pela de primeira (o filé mignon), teve alta de 31,6%. O diferencial foi a inflação da carne. O corte de segunda subiu 35% no período e o de primeira, 26,9%.O índice é elaborado pela consultoria GFK, que audita as vendas no varejo. 

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Preço das carnes é um dos principais motores na inflação dos alimentos Foto: J. Scott Applewhite/ AP

“O pobre, que tem menos renda disponível para comprar comida, é o que mais sofre com os efeitos do aumento das commodities no mercado internacional”, afirma o diretor da consultoria e responsável pelo indicador, Fernando Baialuna. Ele diz que ficou surpreso com a grande diferença de custo, praticamente, da mesma refeição e destaca que arrancada maior na inflação do prato feito ocorreu no ano passado.

Baialuna ressalta, no entanto, que a enorme diferença entre o custo da alimentação das camadas de menor e maior renda é nítida quando se avalia um período mais longo. Entre janeiro de 2019, o indicador começou a ser apurado e fevereiro deste ano, o custo do prato feito dos mais pobres subiu 70% e o dos mais ricos, 48%.

O preço da carne bovina, que disparou por causa da forte demanda externa e da alta do dólar nos últimos meses, chegou no prato da diarista Roseli de Andrade Pereira, de 58 anos. “Carne agora é, no máximo, duas vezes na semana e de segunda.” Também está optando pela linguiça e os ovos, no lugar da carne, para reduzir gastos.

Roseli viu sua renda despencar por conta da pandemia e teve de recorrer ao auxílio emergencial para se manter. Até dezembro, quando ainda recebia o benefício, conseguia fazer uma compra regular no supermercado. Mas, nos dois primeiros meses deste ano, sem o auxílio e sem retomar a totalidade das faxinas que fazia, só está repondo o que falta na dispensa. “A gente nem faz mais mercado como antes”, reclama.https://arte.estadao.com.br/uva/?id=20bpYy

A economista Maria Andréia Parente Lameiras, técnica de planejamento e pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), diz que a situação da população mais pobre piorou muito nos dois primeiros meses deste ano. “Eles estão se deparando com o aumento da inflação e sem o auxílio emergencial.”

No ano passado, quando a inflação de alimentos consumidos no domicílio acumulou alta de 18%, segundo o índice oficial de inflação, o IPCA, havia uma renda extra, o auxílio emergencial, que suportava esse aumento de preços. 

Na inflação oficial de janeiro, o último dado disponível, que foi de 0,25%, a alimentação respondeu por quase a totalidade do aumento, isto é, 0,22 ponto porcentual. Maria Andréia diz que a expectativa é de que a inflação dos alimentos comece a perder alguma força a partir do final do primeiro trimestre. Ainda que a situação da pandemia continue crítica no Brasil, em outros países a tendência é de volta à normalidade por causa do avanço da vacinação. “Isso deve gerar uma pressão menor de preços de alimentos no mercado internacional, o que deve trazer um alívio para inflação no Brasil.”

De toda forma, o fator mais sensível para a inflação de alimentos é o câmbio, lembra. A cotação do dólar pode se estabilizar e até cair no momento em que a vacinação for acelerada no País, as reformas começarem a tramitar com mais velocidade e a confiança se recuperar.

No entanto, mesmo que a inflação de alimentos tenha menor força, Baialuna pondera que o cenário do consumo de alimentos para os próximos meses deverá ser mais complexo com o valor menor do auxílio emergencial.

AS ARMADILHAS DA INTERNET E OS FOTÓGRAFOS NÃO NOS DEIXAM TRABALHAR

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