Com Lava Jato enfraquecida, Fachin age para reduzir danos
Relator da operação no STF deve levar à 2ª Turma recursos de Lula para tentar demonstrar à Corte que não há suspeição de desembargadores no caso do sítio de Atibaia
Rafael Moraes Moura, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA – O relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, lançou uma ofensiva para reduzir danos diante de derrotas iminentes que podem colocar em risco o legado da operação. A Corte virou foco de oposição à Lava Jato, como mostrou o Estadão, e Fachin não conta hoje com situação confortável nem na Segunda Turma nem no plenário.
Com a chegada de Kassio Nunes Marques ao Supremo, e a tentativa de aliados e inimigos políticos do presidente Jair Bolsonaro de desconstruir a imagem pública do ex-juiz Sérgio Moro, o cenário para a Lava Jato no Supremo se tornou nebuloso .
A derrota mais recente veio na última terça-feira, 2, quando a Segunda Turma decidiu, pelo placar de 3 a 2, arquivar a denúncia de organização criminosa apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL) e outros três parlamentares no caso do “Quadrilhão do PP”.
Agora, uma das estratégias lançadas por Fachin é levar para julgamento, no plenário virtual da Segunda Turma, dois recursos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que pedem a suspeição dos desembargadores João Pedro Gebran Neto e Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), no caso do sítio de Atibaia.
A análise do processo pela Segunda Turma está prevista para começar nesta sexta-feira, 5, e se desenrolar por uma semana na plataforma online, na qual os ministros apenas depositam os seus votos, sem debates e longe das transmissões ao vivo da TV Justiça.
O objetivo de Fachin, segundo apurou o Estadão, é apontar que não há suspeição dos desembargadores na ação do sítio de Atibaia. Com isso, a ideia é esvaziar a discussão sobre outro caso: a suspeição de Moro no triplex do Guarujá. Esse segundo processo deve ter o julgamento concluído pela Segunda Turma ainda neste semestre.
A ofensiva de Fachin busca preservar o legado da operação e evitar que a discussão sobre a atuação de Moro no caso do triplex contamine os demais processos da investigação de um esquema bilionário de desvios na Petrobrás. Fachin tem demonstrado, em conversas reservadas, preocupação com o futuro da Lava Jato, que, na sua avaliação, não se limita ao trabalho feito em Curitiba.
A manobra de levar para julgamento a suspeição dos dois desembargadores, no entanto, desagradou à ala garantista do Supremo, que ameaça pedir destaque e interromper a discussão no plenário virtual. Uma consequência do pedido de destaque é suspender o julgamento e transferir o caso para o plenário “físico”, nas sessões que ocorrem agora por videoconferência, em virtude da pandemia do novo coronavírus.
Sinalização de votos
No que diz respeito ao caso do triplex, os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski sinalizaram que vão votar pela suspeição de Moro e intensificaram as críticas depois que o site The Intercept Brasil publicou mensagens privadas, obtidas por hackers, atribuídas ao ex-juiz da Lava Jato e a procuradores de Curitiba. Por outro lado, Fachin e Cármen Lúcia já votaram contra as pretensões de Lula quando o julgamento foi iniciado, em dezembro de 2018.
O Estadão apurou que o ministro Nunes Marques, que deve dar o voto decisivo sobre Moro, indicou a possibilidade de declarar suspeito o ex-juiz federal da Lava Jato. O julgamento tem potencial para marcar uma das maiores derrotas da história da Lava Jato no Supremo, já abalada com outros reveses. Na lista estão o fim da prisão após a condenação em segunda instância, a proibição de condução coercitiva de réus e investigados para depoimentos e o arquivamento em série de inquéritos e denúncias.
Desde que chegou ao tribunal, em novembro do ano passado, Nunes Marques tem se alinhado a Gilmar e a Lewandowski para impor derrotas à Lava Jato e atender aos interesses da classe política. Com o apoio de Nunes Marques, o colegiado arquivou a denúncia contra Lira e aliados e um inquérito contra o ex-senador Eunício Oliveira (MDB-CE), além de manter a decisão que obrigou a retirada da delação do ex-ministro Antonio Palocci da ação penal sobre o Instituto Lula.
Caso seja mantida a condenação no caso do sítio de Atibaia, o petista continua inelegível e impedido de disputar as eleições em 2022, mesmo que Moro seja declarado suspeito e a caia condenação no caso do triplex. A atuação de Moro no caso do sítio foi menor: ele aceitou a denúncia contra o petista, mas a sentença de condenação foi assinada pela juíza Gabriela Hardt. À época, Moro já tinha abandonado a magistratura para assumir o cargo de ministro da Justiça no governo Bolsonaro.
Integrantes da Corte apontam que uma decisão de processo penal só vale para o caso específico, ou seja, a suspeição de Moro se limitaria ao caso do triplex.
Acesso a provas
Outro movimento de Fachin, que acabou frustrado, foi a tentativa de levar para julgamento no plenário, pelos 11 ministros, um outro habeas corpus de Lula, em que o petista pedia acesso às provas da Operação Spoofing. A investigação mirou um grupo de hackers que invadiu celulares de autoridades, atingindo Moro e procuradores que atuaram na força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.
Lula desistiu desse habeas corpus, alegando que em outra ação já havia obtido acesso às mensagens por decisão de Lewandowski. A decisão final ficou com a Segunda Turma, que no mês passado, por 4 a 1, manteve o entendimento de Lewandowski. O resultado escancarou o isolamento de Fachin na Turma e representou mais um revés da Lava Jato no Supremo.
Em outra ofensiva para preservar investigações, Fachin homologou recentemente o acordo de repactuação da colaboração premiada dos irmãos Joesley e Wesley Batista, da J&F, com a Procuradoria-Geral da República (PGR). A decisão do ministro, que continua sob sigilo, determinou o pagamento de multa de mais de R$ 1 bilhão e o cumprimento de dez meses de prisão domiciliar.
O julgamento da rescisão do acordo chegou a ser marcado pelo então presidente do STF, Dias Toffoli, para ocorrer em junho de 2020 no plenário da Corte, mas acabou não ocorrendo. De lá pra cá, a PGR acertou a repactuação do acordo e Fachin decidiu por conta própria homologá-lo em decisão individual, o que também fez a ala garantista do tribunal torcer o nariz para isso.
Na terça-feira, 2, uma outra decisão do ministro chamou atenção dos colegas e foi interpretada na Corte como forma de marcar posição. O relator da Lava Jato decidiu manter a denúncia apresentada pela PGR contra Arthur Lira pelo suposto recebimento de mais de R$ 1,5 milhão em propinas da construtora Queiroz Galvão a partir de contratos firmados com a Petrobrás.
Em um primeiro momento, a PGR apresentou a acusação formal contra Lira por corrupção passiva, mas depois recuou e pediu para excluir o presidente da Câmara da denúncia. Apesar do pedido de arquivamento, Fachin contrariou a PGR e decidiu submeter o caso ao plenário.
Ao participar de uma transmissão ao vivo da OAB na segunda-feira, 1.º, o ministro afirmou que se vive no Brasil uma “recessão democrática” e que o momento “é de alerta”. “É preciso não silenciar, preservar as instituições e seus ganhos institucionais em todos os campos”, disse Fachin na ocasião.