domingo, 14 de fevereiro de 2021

GOVERNO PRECISA DE ORÇAMENTO E PLANOS

 

Com atraso e sem rumo, vai sair o bloco do governo

Sem Orçamento e sem plano, o governo vai afinal entrar em 2021

Rolf Kuntz, O Estado de S.Paulo

Sem carnaval, sem dinheiro, sem rumo claro e sem Orçamento, o governo segue, no entanto, o costume imputado ao povo brasileiro: começar o ano só depois do fim da batucada. Bem depois, no caso do governo, como se a pandemia solta, a vacinação apenas iniciada e a economia sem fôlego admitissem lentidão, indecisão e administração segundo o modelo pazuellino. O presidente Jair Bolsonaro anunciou mais quatro parcelas de auxílio emergencial, provavelmente a partir de março. A recém-nomeada presidente da Comissão Mista de Orçamento, deputada Flávia Arruda (PL-DF), prometeu aprovação da lei orçamentária até o fim do próximo mês. Com as duas providências, o Poder Executivo poderá iniciar, enfim, algo parecido com uma gestão normal, com uns três ou quatro meses de atraso.

Sem a ajuda emergencial, milhões de famílias continuam sofrendo os horrores econômicos produzidos pela pandemia. O auxílio acabou no fim do ano, porque foi programado como se o drama devesse acabar em 31 de dezembro. O projeto de lei orçamentária, enviado ao Congresso no fim de agosto, foi elaborado como se 1.º de janeiro fosse o começo de uma nova história.

Levou-se em conta, no projeto, o legado fiscal das ações especiais de 2020: um enorme desajuste nas contas federais, uma dívida pública bem maior do que se podia prever, uma gestão financeira muito complicada e nada além disso. Mas o mundo real seguia um roteiro diferente, com desafios bem mais amplos. O governo ignorou essa possibilidade, preferindo festejar uma suposta recuperação em V e apostando numa economia mais forte e com mais emprego em 2021.

Enquanto a pandemia matava, os pobres afundavam, o presidente se envolvia em polêmicas sobre a vacina e o ministro da Saúde fazia tudo errado, o governo derrapava na confusão e perdia tempo. O ministro da Economia, Paulo Guedes, demorou a admitir, pelo menos em público, a hipótese de novos pagamentos de auxílio. Pressionado pelos novos presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, acabou, aos poucos, discutindo o assunto mais abertamente.

Resistiu, no entanto, a entrar no jogo, como se a nova ajuda aos mais necessitados só interessasse, politicamente, aos interlocutores. Cobrou soluções, tomando como exemplo as condições especiais aprovadas no ano passado, mas sem a iniciativa de uma proposta. Numa ação paralela, ao menos em aparência, o presidente Bolsonaro logo se mostrou favorável à retomada do auxílio, mas sempre ressaltando as limitações do Tesouro.

No entendimento enfim anunciado na quinta-feira, o ministro da Economia apareceu em segundo plano, porque o presidente da República e os presidentes da Câmara e do Senado se haviam destacado como defensores da nova ajuda.

O interesse do presidente Bolsonaro talvez seja, como em outros momentos, basicamente eleitoral. Mas o socorro aos necessitados pode ser também relevante para a economia. A recuperação iniciada em maio obviamente se enfraqueceu no segundo semestre.

Em dezembro, a produção industrial foi 0,9% maior que em novembro, mas o crescimento perdeu vigor nos oito meses de retomada. No balanço final, o desempenho da indústria em 2020 foi 4,5% inferior ao de 2019. O varejo encerrou o ano com vendas 6,1% menores que as de novembro. O volume vendido em 12 meses foi 1,2% maior que o do ano anterior, mas os números do bimestre final foram muito ruins. Quanto aos serviços, começaram a melhorar só em junho, com pouco impulso, e recuaram 7,8% em 12 meses.

Os últimos dados do desemprego mostraram 14 milhões de pessoas desocupadas no trimestre setembro-novembro. Nada sugere condições muito melhores nos meses seguintes, até porque o setor de serviços, importante fonte de empregos, entrou muito enfraquecido em 2021.

Mas o governo pareceu desconhecer todos esses dados, como se a continuação da retomada estivesse magicamente garantida. Nada relevante foi feito na política econômica desde o início do ano. Nem os saques da poupança em janeiro, um recorde histórico, pareceram inquietar a equipe econômica. Ninguém parece haver considerado a hipótese temível: quantos terão sacado dinheiro para simplesmente sobreviver?

Sem Orçamento, o governo depende agora de um decreto, assinado na quinta-feira, para realizar gastos inadiáveis. Não há notícia de uma política de sustentação da atividade. Os únicos incentivos são os mantidos pelo Banco Central (BC), com juros baixos e estímulos ao crédito.

Com a aprovação do Orçamento e a liberação do auxílio emergencial, importante para o consumo, o governo poderá aproximar-se de algo parecido com uma gestão normal. Para isso será preciso combinar ajuste fiscal e ativação econômica, tarefa tão complicada quanto indispensável.

Mas até a noção de normalidade parece estranha. Afinal, o presidente e sua equipe só tomaram medidas típicas de governo quando foram forçados, pela pandemia, a iniciar ações parecidas com as implantadas em mais de uma centena de outros países. Mas a pandemia continua e as ações típicas de governo sumiram quase inteiramente.

NEGÓCIOS PODEM SER REINVENTADOS EM MEIO À CRISE

Como reinventar negócios em meio à crise?

Henrique Mazieiro*

Vivemos a primeira pandemia da era digital. Acompanhamos em tempo real cada passo do novo coronavírus, que vem mudando a rotina de todo o planeta, e lidamos não só com a doença, mas também com a pandemia de pânico que se instaurou na população, ora pelo excesso de informação, ora pela falta dela, já que muitos caminham na base da intuição. Mas, como nem tudo tem apenas um único lado, a crise agora instaurada também chega para mudar padrões tradicionais que nos conduzem desde a época de nossos avós. A disseminação do Covid-19 e a sua consequente restrição social, tem nos dado a oportunidade de mudar a realidade e de nos reinventar. Empresas estão saindo da sua zona de conforto – mesmo que com uma certa resistência ao novo – e abrindo os olhos para a necessidade de reformular processos e aderir a formas de simplificar a vida de consumidores e trabalhadores. Temos mil e uma possibilidades de economizar tempo e sermos mais práticos, e agora não nos foi dada uma segunda opção para, finalmente, aplicar essas inovações em nossas rotinas. É natural que o medo que as pessoas sentem e os receios que permeiam os negócios passem a dar lugar às grandes vantagens dos avanços tecnológicos. É uma nova consciência de que a inovação muda sim velhos conceitos, mas de forma positiva, otimizando o tempo e aproximando pessoas de forma segura. Há algum tempo já é possível tomar crédito, resolver problemas com chatbots, alugar um imóvel e até fazer a vistoria automotiva ou resgatar a previdência com poucos cliques no celular. Com o advento da Inteligência Artificial, a velocidade e a assertividade com que as evoluções nos serviços vão acontecer serão ainda maiores. A tendência, que ganha corpo diante de um cenário como o que vivemos nesse momento, é substituir esforços repetitivos e manuais, que consomem tempo e recursos deixando de agregar valor ao negócio, por processos automatizados, que aprimoram os serviços das empresas. A certeza que fica é que essa grande crise vai mudar a forma como trabalhamos hoje. Por outro lado, vai deixar a dúvida de como podemos nos reinventar agora e seguirmos desta forma no futuro. No fim desse período, espero que as pessoas tenham incorporado que elas mesmas vão passar a realizar diversos serviços com o apoio da tecnologia e que isso não é um problema e nem inseguro, pelo contrário, vamos deixar de gastar muito tempo com deslocamentos e tarefas desnecessárias. Estamos quebrando paradigmas e ganhando a oportunidade de consolidar novos modelos de negócio e novas formas de executar diversas necessidades. Ao final dessa transformação de hábitos forçada, as empresas também vão voltar transformadas para uma nova perspectiva de trabalho, em que o futuro está na palma das mãos.

*Sócio-fundador e CEO da Planetun, insurtech que desenvolve soluções disruptivas para o mercado de seguros e automotivo

VALEON É TOP – A SUA PLATAFORMA ONLINE DE DIVULGAÇÃO ESTÁ SEMPRE SE REINVENTANDO PARA SERVIR MELHOR AOS SEUS CLIENTES E AO PÚBLICO EM GERAL Encontre Produtos, Profissionais e Serviços em toda a região do Vale do Aço “O futuro pertence aos que assumem risco, não aos que buscam segurança. Quanto menos você busca segurança e mais busca oportunidade, mais segurança você terá.” – Brian Tracy Site: https://valedoacoonline.com.br/ ou App Android valeon

 

PARLAMENTARES DA CÂMARA PRIORIZAM PROJETOS ELEITORAIS

 

Nova tropa de choque do governo na Câmara prioriza projetos que atendam base eleitoral

Vitória de Lira resgata Centrão e põe em xeque agenda liberal; debate tributário fica travado e cada projeto será negociado, admitem aliados do novo presidente da Casa

Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA  – A vitória do deputado Arthur Lira (Progressistas-AL) na Câmara resgatou um grupo de parlamentares que estava no ostracismo desde a queda, há quase cinco anos, de Eduardo Cunha, presidente cassado na Casa. Ao contrário do antecessor Rodrigo Maia (DEM-RJ), que tinha uma clara agenda liberal, Lira não atuará com uma pauta econômica preestabelecida. Ele já acenou que a prioridade agora é deixar a digital em temas de impacto imediato e apelo popular, como o auxílio emergencial. As reformas para destravar a economia ficam para um segundo momento.

No caso da reforma tributária, o debate ficou ainda mais travado. O governo, deputados e senadores têm propostas diferentes. O projeto da Câmara, que une cinco impostos, foi elaborado justamente pelo adversário de Lira na eleição, o deputado Baleia Rossi (MDB-SP), e relatado por Aguinaldo Ribeiro (Progressistas-PB), que pode ser trocado. A reforma administrativa, por sua vez, está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e não tem prazo para chegar a plenário.

A agenda do grupo deverá incluir projetos de interesses diretos das suas lideranças, como prisão em segunda instância e mudança da lei de improbidade, e mesmo o auxílio emergencial, uma pressão das bases eleitorais dos partidos do Centrão. O “dinheiro na veia do povo”, como traduziu o ministro da Economia, Paulo Guedes, garante popularidade e votos para políticos paroquiais.

O deputado Arthur Lira (Progressistas-AL) comemora ao lado de aliados a eleição para a presidência da Câmara dos Deputados. Foto: Dida Sampaio/ Estadão

A falta de uma agenda definida faz com que cada projeto seja negociado. A tropa de choque do novo presidente da Câmara admite que a ofensiva do Palácio do Planalto em mudar votos nas eleições do Congresso, no começo deste mês, com a liberação de verbas e cargos atendeu apenas a essa votação. Daqui para frente, cada um dos projetos de interesse do Executivo vai exigir esforço semelhante da equipe do governo.

Entre integrantes do Centrão a pecha do grupo de que vai negociar a cada votação é tratada com ironia. O Estadão acompanhou uma conversa na semana passada, na qual Lira estava presente, em que um interlocutor brincou dizendo que o governo não comprou, apenas alugou votos quando liberou emendas e cargos na eleição do Congresso. E aluguéis precisam ser renovados de tempos em tempos. Todos riram.

É com a mesma ironia que também tratam a música do general Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), que cantarolou no palanque de Bolsonaro, em 2018, “se gritar pega Centrão, não fica um meu irmão”. Um dos presentes na conversa acompanhada pelo Estadão debochou dizendo que eles são o Centrão da música do Heleno.

Na primeira semana, Lira e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), anunciaram a intenção de jogar juntos. Eles procuraram estabelecer, em público, uma pauta de comum acordo com o Planalto. Logo de cara, porém, contrariaram Bolsonaro e enquadraram a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para agilizar a aprovação de vacinas contra a covid-19. Em resposta, o presidente da agência, Antonio Barra Torres, acusou o deputado Ricardo Barros (PP-PR), que encabeçou a proposta, de agir como lobista de empresa fabricante do imunizante. Aprovaram, ainda, a autonomia do Banco Central, pauta do interesse do sistema financeiro que tira do presidente a autonomia de demitir o chefe da instituição.

A batalha da vez é o retorno do auxílio emergencial, não sem rusgas com a equipe econômica. O Congresso quer dar mais quatro parcelas, a partir de março. Ainda indefinido, o valor em discussão é de R$ 250. Ciente de que sofrerá nova derrota, Bolsonaro precisou abandonar o discurso de que “o País está quase quebrado” e tenta convencer sua tropa de choque a, ao menos, cortar despesas para financiar a volta do auxílio.

Um dos objetivos mais urgentes é aprovar o Orçamento de 2021, pendente por disputas políticas desde o ano passado. Lira colocou no comando da comissão que irá definir o destino de bilhões de reais a inexperiente deputada Flávia Arruda (PL-DF), mulher do ex-governador José Roberto Arruda, flagrado em 2009 com propina na meia.

Com Lira e Pacheco, os lobbies setoriais ganham força. A pressão para que a Câmara aprove a lei do gás ganhou até campanha na TV. Na próxima semana, o Senado deve acelerar a tramitação de proposta que regulamenta cassinos, bingos e jogo do bicho. O argumento: a arrecadação de impostos poderá reforçar os cofres do Bolsa Família.

O lobby dos jogos de azar começou a vencer resistências. O Estadão apurou que o Republicanos, por exemplo, partido ligado à Igreja Universal, tende a liberar o voto. O partido ganhou na semana passada o Ministério da Cidadania.

Círculo

O novo arranjo político do governo Bolsonaro instalou no centro decisório do poder em Brasília um grupo político antes periférico, composto pelo baixo clero, ministros de carreira parlamentar e presidentes de partidos que começam a sair do ostracismo.

Se não tem um círculo de notáveis perante a opinião pública, Lira cerca-se de amigos no baixo clero notórios pela capacidade de articulação e negociação longe dos holofotes. Lobistas já ganharam mais acesso nas comissões da Câmara, ao passo que o presidente da Casa rejeita dar entrevistas diárias e desloca o comitê de imprensa, instalado ao lado do plenário desde a década de 1960. A gestão do novo presidente da Câmara promoveu na semana passada uma alteração no regimento interno que oficializou a entrada de lobistas nas comissões temáticas mesmo durante a pandemia, quando o acesso é restrito. A entrada de lobistas sempre foi permitida, mas é a primeira vez que isso é incluído no código que disciplina as regras da Casa.

Ele tem como conselheiros políticos o senador Ciro Nogueira (Progressistas-PI), e o pai, Benedito de Lira, ex-senador e prefeito de Barra de São Miguel (AL), além do consultor de gerenciamento de crises Mario Rosa. “Vejo que, fora os políticos, a pessoa que mais o influencia é o Mario Rosa”, diz Marcelo Ramos (PL-AM), primeiro vice-presidente da Casa.

Entre os presidentes de partido, ganharam ainda mais força Gilberto Kassab (PSD) e Marcos Pereira (Republicanos). Nas rodas de conversa, eles costumam dizer que não viraram ministros de Bolsonaro porque não quiseram. Outro que teve papel fundamental na ascensão do grupo foi Valdemar Costa Neto, condenado por corrupção. Num telefonema em dezembro, ele demoveu Marcelo Ramos de ser candidato adversário e fechar acordo com Lira.

Costa Neto e o PL receberam Lira, na véspera da eleição, para um almoço na “Embaixada do Desenvolvimento”, como é apelidada a casa de uma associação de empresas interessada na reforma tributária, contrária ao IVA e favorável à regulamentação de incentivos fiscais.

A força dos caciques partidários ressurge com Lira, mas as cartas estão agora também nas mãos de uma turma sem expressividade nacional e que opera nos bastidores do poder. O grupo mais fechado inclui André Fufuca (Progressistas-MA), Elmar Nascimento (DEM-BA), Wellington Roberto (PL-PB), João Carlos Bacelar (PL-BA), Hugo Motta (Republicanos-PB), Celina Leão (Progressistas-DF), Celso Sabino (PSDB-AP), Claudio Cajado (Progressistas-BA), Soraya Santos (PL-RJ) Cacá Leão (Progressistas-BA), Dr. Luizinho (Progressistas-RJ), Luis Tibé (Avante-MG) e Margarete Coelho (Progressistas-PI).

Os mais próximos de Lira são Elmar Nascimento, cujas famílias se frequentam, e André Fufuca. Poucos, além dele, figuram em lista de parlamentares influentes de consultorias políticas, como Arko Advice e Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP). Quando aparecem, surgem como “negociadores” ou “articuladores”. São aqueles com trânsito entre correntes políticas divergentes e que buscam criar consensos. E o principal: têm aval partidário para assumir e honrar compromissos.

Encontros

O grupo costuma se reunir na casa de Ciro Nogueira no Lago Sul, área nobre de Brasília. Mais recentemente, essas reuniões deram espaço a jantares em apartamentos funcionais na quadra 302 da Asa Norte, exclusiva de parlamentares e policiada pela Câmara. Lira comparece, mas é apontado pelos parceiros como mais caseiro do que festeiro.

O apartamento funcional da deputada Margarete Coelho (Progressistas-PI), no bloco B da 302 Norte, também é ponto de encontro da nova tropa de choque da Câmara. Lira morava no bloco A do mesmo endereço antes de mudar para a residência oficial da Câmara. Agora, pretende abrir ainda mais que Rodrigo Maia (DEM-RJ), seu antecessor, as portas da mansão. Prometeu oferecer aos parlamentares jantares às segundas, quartas e sextas-feiras. Entre os restaurantes refinados de Brasília, o grupo frequenta o Lake’s, casa especializada em carnes na brasa, e o italiano A Mano, ambos na Asa Sul.

Foi o DNA festeiro do grupo que causou a primeira polêmica da gestão Lira. A comemoração da vitória foi na casa do empresário e produtor rural de frutas Marcelo Perboni, na Península dos Ministros, Lago Sul. A mansão com dois lotes recebeu cerca de 300 deputados para almoços e a festa madrugada adentro, a pedido da deputada Celina Leão (Progressistas-DF), amiga de Daniela Perboni, mulher do empresário, em plena pandemia.

SINTONIA ENTRE O EXECUTIVO E O LEGISLATIVO É SÓLIDA?

Sintonia entre Executivo e Legislativo não é ‘sólida’, avaliam analistas

Harmonia entre os Poderes é vista com cautela, apesar da aprovação folgada na Câmara da autonomia do Banco Central

Vinícius Valfré, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – O início da gestão de Arthur Lira (Progressistas-AL) à frente da Câmara, com aprovação folgada da autonomia do Banco Central, agradou ao governo e permitiu que o novo presidente da Casa fizesse uma sinalização ao mercado.

Entretanto, o predomínio do ambiente de harmonia entre o Legislativo e o Palácio do Planalto que prevalece no processo de desalojamento do grupo de Rodrigo Maia (DEM-RJ) do poder e no início dos trabalhos legislativos deve ser visto com cautela, na avaliação de analistas.

Observado por Pacheco, Bolsonaro cumprimenta Lira durante a cerimônia de abertura do ano legislativo. Foto: Dida Sampaio/Estadão

Embora o Palácio do Planalto tenha sido determinante, na oferta de cargos e de recursos para conseguir votos, a candidatura de Lira à presidência da Câmara era gestada há pelo menos dois anos nos bastidores do Congresso. O novo presidente rodou o País em campanha e apostou em um discurso corporativo de “dar voz” aos deputados.

Analista político do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio Augusto de Queiroz, define como de “desconfiança recíproca” os próximos meses da relação entre Câmara e governo. “O governo prometeu cargos, emendas e ministérios. E está cedendo a conta gotas. A sintonia não é sólida. Dura enquanto o governo estiver fazendo entregas e cumprindo compromissos. Não fazendo, a Câmara reage de forma dura. E vai ser difícil administrar isso porque vai ter conflito inconciliável do Centrão, que vive de patronagem, não quer medidas de controle de gastos, com a base radicalizada do governo”, afirmou.

O projeto da autonomia do Banco Central passou com 339 votos a favor e 114 contra. Para Cristiano Noronha, cientista político da Arko Advice, o placar expressivo é fruto de um empenho pessoal de Arthur Lira para sinalizar ao mercado e ao governo que apoia a agenda econômica, tem preocupação com a retomada e não foi eleito para ser um subordinado do presidente Jair Bolsonaro.

Noronha disse acreditar que a relação não deverá ser sempre estável. Terá altos e baixos, mas tende a ser melhor do que a que existia até o ano passado, com Rodrigo Maia. E permanecerá satisfatória enquanto o governo fizer as concessões ao Congresso. “A eleição do Arthur Lira melhorou a expectativa do mercado porque ela mostrou que o governo mobilizado, quando trabalha, tem ainda uma capacidade de influência forte na Casa. Se teve para eleger um presidente, tem para tocar as reformas”, disse. “É importante ressaltar que começou bem o relacionamento, mas vai depender muito de como o Executivo trata o Legislativo”, afirmou Noronha.

Ao pavimentar o próprio caminho, percorrer Estados meses antes da eleição da Mesa Diretora e assumir bandeiras de interesse corporativo de diferentes grupos de deputados, Lira construiu uma liderança. E ele a exerceu menos de 24 horas após a Câmara entregar aprovada a autonomia formal do Banco Central.

Pressionado pelos pares e pelas bases eleitorais para prorrogar o auxílio emergencial, o presidente da Câmara subiu o tom na quinta-feira, ao cobrar do ministro da Economia, Paulo Guedes, uma saída imediata. “Urge que o ministro Guedes nos dê uma alternativa viável. A situação está ficando crítica”, declarou.

Professor da Fundação Dom Cabral e fundador da Consultoria Dharma, Creomar de Souza ressalta que é importante observar com calma como Lira pretende exercer a liderança ao negociar com o Executivo. Para o especialista, a autonomia do parlamentar pode ser maior do que aquela esperada pelo Planalto. “Algumas pessoas têm tratado a sintonia como uma espécie de subordinação. Eu diria que temos uma relação que precisa de ajustes de tempos em tempos. O que temos visto é a capacidade do presidente Arthur Lira de construir acordos e coalizões que permitam a ele ter certo controle do dia a dia da Câmara”, afirmou.

 

CASTAS GOVERNISTAS E PARLAMENTARES DOMINAM AS DECISÕES

 

Castas

Byvaleon

 FEV 14, 2021

Castas

‘Protocolos’ desaconselham entrar em ônibus cheio. Maria Antonieta não faria melhor

J.R. Guzzo, O Estado de S.Paulo

O Brasil oferece todos os dias lições espetaculares em matéria de concentração de renda – e na demonstração permanente de que é governado, cada vez mais, por um sistema de castas que se coloca acima de qualquer possibilidade de reforma. Funciona assim: a cada vez que o poder público toma alguma decisão que vai afetar a vida de todos, as prioridades de 1 a 100 vão para quem está nos galhos de cima da árvore, os únicos que realmente contam. Quanto a quem está nos galhos de baixo – bem, quem é mesmo essa gente? Eles não existem para quem decide as coisas, e, se existirem, podem ir todos para o raio que os parta.

Não muda nunca. As castas superiores recebem tudo, o tempo todo; as castas inferiores não recebem nada, em tempo algum. É claro que você ouve falar o contrário, dia e noite – mas, na vida real, e na hora de resolver, ninguém que manda de fato em alguma coisa neste país pensa no preço que 80% da população brasileira, ou mais, vai pagar por suas decisões. Não é que os viajantes da primeira classe não gostem dos demais; é que eles não são capazes, simplesmente, de considerar que existem pessoas em outros mundos que não seja o seu. O “distanciamento social”, que há um ano se tornou a ideia fixa das castas mais elevadas, é com certeza um dos grandes clássicos de todos os tempos dessa onda de selvageria social.

Moradores de São Paulo relatam transporte coletivo lotado na pandemia da covid-19 Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Nada serve para entender isso tão bem quanto a devoção religiosa ao “#fique em casa” e, ao mesmo tempo, a absoluta impossibilidade de se aplicar as regras do confinamento à imensa maioria da população. É simples: esse povo não pode ficar em casa porque precisa sair todos os dias para se manter vivo. Também precisa, por este mesmo detalhe, aglomerar-se no metrô, em ônibus e em trens  – só em São Paulo, são cerca de 8 milhões de pessoas por dia – para ir ao trabalho e para suprir suas necessidades. Moram em fins de mundo que a casta superior só vê na janela dos seus SUVs. Levam de duas a até três horas e meia para ir de casa ao trabalho, e outro tanto para voltar, todos os dias. Em seu mundo não há serviços. Não há delivery, nem “trabalho remoto”, nem possibilidade de se manter distância do vizinho. Fazer apenas o “essencial”, como ordenam os militantes da quarentena, significa fazer tudo o que está proibido. Pior – ignorar as regras é indispensável para manter intocado o padrão de vida e o bem-estar dos gestores do distanciamento; sem “aglomeração” não há delivery.

Os médicos e “cientistas” que prestam serviços de marketing aos governos, os marqueses da alta burocracia e o restante da turma que toma as decisões não entendem que há milhões de pessoas, a maioria disparada da população, que não podem cumprir as suas ordens e sobreviver. “Protocolos” da Prefeitura de São Paulo, como relata a repórter Priscila Mengue, do Estadão, recomendam “mobilidade a pé”, ou por bicicleta, e desaconselham entrar em ônibus cheios. Maria Antonieta não faria melhor com os seus brioches. Se onde o povo mora não existe nem calçada, como é que alguém vai pensar em ciclovia?

O mundo do “distanciamento social” é, no fundo, o mesmo dos salários extravagantes de juízes, promotores e outros ases do funcionalismo público. É o mundo que vai da canonização das empresas estatais às “imunidades parlamentares”, das aposentarias com vencimentos integrais à ausência de ricos nas penitenciárias. É o mundo onde as empreiteiras recebem cinco vezes mais pelas obras que constroem  – e às vezes nem constroem. É tudo pinga da mesma pipa; para as castas de cima, entrega-se a renda, para as castas de baixo, o serviço de motoboy.

Que ouçam as pregações pela igualdade  – e façam a próxima entrega.

PRESIDENTE DA CÂMARA FALA QUE O BRASIL SUPEROU O NEGACIONISMO PARLAMENTAR

 

O Brasil superou o ‘negacionismo’ parlamentar

O combate à pandemia é o único partido, a única instituição, a única ideologia…

Arthur Lira, O Estado de S.Paulo

Assim como a decoração e o vestuário, a política tem os seus modismos. Nos tempos atuais, os debates políticos invariavelmente envolvem uma palavra inevitável: narrativa. E, no topo das narrativas do ano que se passou, nunca se falou tanto em “negacionismo”. Na “narrativa” preponderante, o negacionismo teria apenas um significado: uma cruzada entre os defensores da “ciência” e os “opositores” a essa linha no combate à pandemia. Na verdade, a meu ver, uma exacerbação, posto que renegar a ciência é incabível e a vacina está aí para demonstrar.

No campo político, esse acotovelamento serviu para encobrir, aí, sim, o negacionismo que verdadeiramente deve ser combatido no Brasil: o de votar as leis e as reformas de que o País precisa urgentemente.

O fato é que passamos o ano de 2020 num negacionismo parlamentar, com a Câmara dos Deputados, sobretudo, negando-se a dar encaminhamento às votações que a sociedade brasileira espera. E as primeiras semanas da nova legislatura mostram que deputados e senadores conseguiram finalmente fazer valer sua vontade, baniram o negacionismo da paralisia legislativa e a pauta do Brasil voltou a caminhar.

Em votação histórica e contundente, 339 deputadas e deputados aprovaram uma questão que estava engavetada e promoveram uma transformação aguardada há quatro décadas na governança do Estado brasileiro: a independência administrativa da autoridade monetária, o Banco Central, em linha com o que existe nas economias mais civilizadas do mundo. Essa decisão, política, definiu que esse importante instrumento de política econômica estará a partir de agora blindado de qualquer ingerência política e seus gestores terão total autonomia técnica para tomar as decisões que forem as melhores para o País, resguardados por mandatos que lhes asseguram independência funcional.

Outro avanço importante foi a instalação da Comissão Mista de Orçamento. Assim como na casa de qualquer família, o ponto de partida para qualquer mínima previsibilidade é a confecção de um orçamento, a previsão das despesas e das receitas. Para um país, ainda mais assolado pela maior pandemia em um século, o simples impasse na decisão de fazer ou não o Orçamento nacional comprova quanto a paralisia provocada por discordâncias menores estava travando as grandes e prioritárias agendas nacionais. O Brasil superou essa fase. Com tantos problemas prementes, o Congresso mais do que nunca deve contribuir não criando novos entraves, e sim, sempre que possível, se esforçando para cumprir o seu dever, de encaminhar soluções.

Mais um ponto de inflexão da paralisia e do negacionismo parlamentar foi a decisão que tomei de encaminhar à Comissão de Constituição e Justiça da Câmara a reforma administrativa. A iniciativa significa que essa reforma, de caráter estrutural do Estado brasileiro, voltará a tramitar. E se o Congresso reformista que temos hoje se engajar, como parece ser a vontade da maioria da Casa, em prazo não muito longo esse outro grande avanço institucional se tornará realidade.

Se há uma vantagem nos momentos de turbulência e crise, é aproveitarmos para retirar lições e não deixarmos envenenar nossas convicções. O tensionamento, sobretudo de 2020, deixou um grande ensinamento e consolidou um consenso na sociedade e em todo o espectro político.

Não adianta apontarmos os dedos uns aos outros para acusar quem é o culpado pela pandemia. O que temos todos de apontar, isso sim, são seringas, seringas e mais seringas, todas na mesma direção, a dos braços de todos os brasileiros que as queiram receber, com a maior quantidade de vacinas que possamos pôr à disposição no menor prazo possível. O combate à pandemia é o único partido político, é a única instituição, é a única ideologia, porque só há um povo brasileiro – e partidos, instituições e ideologias só devem existir para servir ao povo.

Romper a paralisia e o negacionismo parlamentar é a forma de criar os instrumentos fiscais e orçamentários para garantirmos nossos compromissos com a responsabilidade, sem abandonar não nosso maior patrimônio, mas nosso único patrimônio: o povo. Não existe país sem povo. Temos de amparar os desesperados enquanto a covid não é totalmente vencida. Por isso o Congresso tem de reformar. Há uma janela histórica.

Não é hora de olhar para trás e lamentar o tempo perdido. É hora de olharmos para a frente e aproveitarmos este momento de pacificação para todos, cada um de nós, assumirmos as nossas responsabilidades e cumprirmos o nosso dever. Os debates estéreis e polarizadores sobre “negacionismos” serviram, na prática, para dissipar o foco de nossa atuação e drenaram a energia das instâncias políticas para fazer o que é sua missão primordial: enfrentar os problemas do País e dar respostas concretas em termos de soluções.

Considero-me otimista com relação ao presente. Mas encaro o nosso papel com realismo. Creio que todos estamos cientes do nosso dever. Não podemos negar ao País que solucione, no âmbito de suas pautas legislativas, a superação de seus legítimos anseios. Não há mais espaços para “narrativas”. A hora é de ação.

PRESIDENTE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

AUXÍLIO EMERGENCIAL NECESSÁRIO PARA ATENDER OS MAIS NECESSITADOS

 

O extraordinário e o ordinário

A volta do auxílio emergencial é uma questão humanitária. É espantoso que ainda não haja definição do governo e do Congresso

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

A volta do auxílio emergencial é uma questão humanitária. Há numerosas famílias que estão sob o risco de passar fome, com o fim do auxílio que lhes foi pago pelo governo federal até dezembro passado para socorrê-las depois que perderam renda em razão da pandemia de covid-19.

Assim, não cabe mais discutir se é preciso ou não restabelecer a ajuda, e é espantoso que ainda não haja uma definição do governo e do Congresso sobre o assunto, deixando milhões de brasileiros em situação crítica.

É preciso deixar claro que essas circunstâncias eram perfeitamente previsíveis. A ninguém, em especial os que estão em posições de comando no País, é dado o direito de se dizer surpreendido pelo fato de que a pandemia, ao contrário de arrefecer, recrudesceu. Quem deixou de pensar na possibilidade, desde sempre muito concreta, de que o auxílio emergencial continuaria sendo necessário, apostando numa recuperação econômica que desde sempre era incerta e dependente de inúmeros fatores, cometeu grave erro – pelo qual o País pagará caro, de diversas maneiras.

O custo mais óbvio, como vimos, é social. Derivado deste, a depender do modo como a crise seja administrada, há o custo em desenvolvimento econômico: se o País se endividar ainda mais para bancar o auxílio emergencial e para atender a demandas do setor produtivo igualmente atingido pela crise, a pesadíssima conta – na forma de inflação, estagnação econômica e desemprego – será repassada para as gerações que vierem depois da pandemia, afetando particularmente os pobres, como sempre.

Assim, o certo seria obter os recursos necessários para retomar o auxílio por meio de cortes em outras despesas, mas já se sabe que isso não será feito, conforme declararam as lideranças do Congresso. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, por exemplo, já avisou que “não podemos condicionar” a reedição do auxílio emergencial a medidas de ajuste fiscal, como quer o Ministério da Economia, alegando que há “emergência” e “urgência”.

Essa resistência de alguma maneira reflete a dificuldade de muitos setores da sociedade de compreender o que significa uma crise humanitária – que só pode ser superada por meio do sacrifício coletivo, isto é, da renúncia temporária a benefícios em nome da salvação de milhões de pessoas. Sempre que se fala em cortes de privilégios para mitigar a situação periclitante dos mais pobres, no entanto, a reação negativa das corporações e das elites é imediata.

Para piorar, o retorno do auxílio emergencial começa a ser encarado como uma forma de estimular a economia, que mostra preocupantes sinais de anemia. Os números não deixam dúvida: segundo o IBGE, o volume de vendas do varejo caiu 6,1% em dezembro ante novembro, e o setor de serviços registrou recuo de 7,8% no acumulado de 2020 – com especial ênfase nos serviços prestados às famílias, que tiveram queda de 35,6%. Considerando-se que o auxílio emergencial reduziu a pobreza a níveis inéditos, fomentou o consumo e evitou uma queda maior do PIB, é natural que seja visto como solução para a paradeira econômica.

O fundamento do auxílio emergencial, contudo, não pode ser esse. Primeiro, com o perdão da obviedade, por que o auxílio é emergencial – isto é, só pode valer enquanto durar a emergência, e o crescimento da economia não pode ser sustentado por algo intrinsecamente temporário; segundo, porque usa uma situação extraordinária – a pandemia – com um objetivo ordinário – estimular a economia. As decisões originadas de um debate orçamentário contaminado por esse tipo de confusão certamente serão desastrosas para o País.

Mas a situação é tão surreal que nem Orçamento ainda há. A Comissão Mista de Orçamento de 2021 foi finalmente instalada na quarta-feira, dia 11, com quase um ano de atraso, e corre contra o tempo para evitar um apagão da máquina pública em plena pandemia.

Por incompetência do governo e indiferença do Congresso, perdeu-se tempo demais com miudezas, enquanto a elaboração de um Orçamento compatível com o momento delicado do País foi sendo procrastinada. Tudo agora ganha ares de urgência, e é nesse clima que florescem as soluções fáceis – e erradas.

sábado, 13 de fevereiro de 2021

RACHA DE PARTIDOS BENEFICIAM O GOVERNO

 

A piada do escorpião e os ‘partidos Jay-Z’

Partidos vêm perdendo credibilidade por mudar de opinião nas barbas do eleitor

João Gabriel de Lima, O Estado de S.Paulo

O eleitor do DEM confia no DEM? A cantora pop Beyoncé confia no marido, o rapper Jay-Z? “Minhas suspeitas se multiplicaram depois que você mentiu”, canta Beyoncé ao som de guitarra acústica na música Resentment. Da mesma maneira, o eleitor do DEM tem todos os motivos para se sentir ressabiado depois do racha do partido em praça pública ao longo da semana.

O episódio reflete, de certa forma, o cisma mundial das direitas – “liberais” de um lado, “populistas” do outro, na nomenclatura utilizada pelos cientistas políticos. O ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia queria fazer do DEM um partido de centro direita estilo europeu, como o Democrata Cristão de Angela Merkel – ideológico e defensor da democracia. Para isso, afastou-se da estridência populista do bolsonarismo.

Na eleição para presidente da Câmara, no entanto, vários deputados do partido votaram em Arthur Lira, o candidato de Bolsonaro. O eleitor ficou desconcertado: o DEM, afinal, é oposição ou situação? Em crise de identidade, o partido rachou. Maia afirmou, em entrevista ao jornal Valor na segunda-feira, que o presidente do partido, ACM Neto, não tinha “coluna vertebral”. Na terça-feira, ACM acusou Maia de “descontrole” e atribuiu o cavalo de pau de vários deputados de seu Estado, a Bahia, às vicissitudes da política.

Candidato de Bolsonaro, deputado Arthur Lira foi eleito presidente da Câmara com o voto de vários deputados do DEM; a sigla é de oposição ou situação? Foto: Dida Sampaio/Estadão

É um jeito, digamos, “pragmático” de ver as coisas – mas que banaliza o nobre papel dos partidos nas democracias. Eles são instituições-chave nos regimes de liberdade. E vêm perdendo credibilidade no mundo inteiro por mudar de opinião nas barbas do eleitor. É o caso do DEM, que buscava uma pegada ideológica e sucumbiu ao fisiologismo – o Estadão revelou quanto dinheiro foi destinado às bases de cada deputado que mudou de voto. O partido se portou como na velha piada do escorpião e do sapo. O escorpião ferroou o sapo que lhe dava carona para atravessar o rio, quebrando a promessa de não atacá-lo. Antes que os dois morressem afogados, o escorpião disse: “Não pude evitar, é da minha natureza”.

Maria Díez-Garrido, doutora em comunicação política pela Universidade de Valladolid e personagem do minipodcast da semana, estuda partidos políticos e o que eles podem fazer para recuperar a credibilidade. Uma das palavras-chave é transparência – não ceder à “natureza” entre mãos-bobas no escurinho do Parlamento. Além de transparência – de ideias e financiamento –, Díez-Garrido propõe a criação de ferramentas que facilitem a participação dos eleitores e a construção de propostas junto com os cidadãos e com a sociedade civil.

Um estudo ainda inédito, apresentado por Díez-Garrido em seminário na Universidade de Lisboa, avalia partidos da Península Ibérica segundo esses critérios. Na Espanha o vencedor foi o PSOE, de centro esquerda. Em Portugal, apenas uma sigla foi “aprovada” com média superior a 50 pontos: o PSD, uma centro direita ideológica – parecida com o que o DEM se esforçava para ser.

O título do trabalho – “Da opacidade à abertura: a jornada necessária dos partidos políticos” – sugere que as siglas têm uma lição de casa a fazer para recuperar a confiança dos eleitores. A tarefa começa nos próprios sites, mas não se restringe a eles. Os “partidos Jay-Z” às vezes têm boas páginas (a do DEM traz até uma carta programática, que inclui uma rejeição veemente ao “populismo”). Não adianta, no entanto, ser moderno na web e uma piada velha no mundo real.

EMPRESAS PRIVADAS ESTÃO FAZENDO CENSURA

 

Censura

Byvaleon

 FEV 13, 2021

Censura

Empresas privadas vêm proibindo, com frequência cada vez maior, a publicação de notícias ou opiniões nas redes sociais que os seus controladores não aprovam

J.R.Guzzo, O Estado de S.Paulo

Não existe censura no Brasil, seja na Constituição, seja nas leis ordinárias, seja nas decisões da justiça. É verdade que o Supremo Tribunal Federal teve um surto em abril do ano passado, quando decidiu censurar a revista digital Crusoé, mas foi apenas isso – um surto passageiro, resultado da decisão pessoal e flagrantemente ilegal de um ministro que não gostou de um artigo. A coisa acabou não dando em nada e não se repetiu de lá para cá.

Quem de fato está praticando censura, no Brasil de hoje, não é o aparelho do Estado, nem a autoridade pública – são empresas privadas, com capital, sede e direção nos Estados Unidos, que operam as chamadas redes sociais e vêm proibindo, com frequência cada vez maior, a publicação de notícias ou opiniões que os seus controladores não aprovam. Dizem, como justificativa, que o material censurado vai contra os princípios éticos ou morais que regem as suas operações.

Há problemas evidentes com esse tipo de conduta. O conteúdo censurado nada tem a ver com a divulgação de pornografia infantil, por exemplo, ou ideias racistas, ou qualquer outro tipo de manifestação universalmente condenada ou ilegal: têm tudo a ver, isso sim, com as posições políticas das empresas que controlam as diversas redes sociais. O que não é aprovado por elas simplesmente sai do ar, e os autores dos textos censurados são banidos dos espaços que ocupam.

Redes sociais, dessa forma, estão agindo como editores – e não como operadores de um sistema de comunicação Foto: Dado Ruvic/Reuters

As redes, dessa forma, estão agindo como editores – e não como operadores de um sistema de comunicação, que é a qualificação que sempre deram a si próprias. Um veículo de imprensa privado, naturalmente, tem o direito de publicar tudo o que quer, e de não publicar nada do que não quer. Mas as empresas em questão não se apresentam como órgãos de comunicação e sim como prestadores de serviço – sem qualquer responsabilidade penal ou civil, portanto, por qualquer coisa que seja publicada em sua operação.

Como o correio, por exemplo, que não tem nada a ver com o conteúdo das cartas que recebe e entrega, as redes como Facebook, Instagram, YouTube ou Twitter sustentam que não têm nada a ver, também elas, com os textos que os seus usuários escrevem ou com as imagens que divulgam. Nesse caso, não deveriam agir como editores privados – a menos que estejam sujeitos às mesmas regras que a mídia em geral.

Numa de suas últimas intervenções, por exemplo, uma das redes baniu uma autora que havia divulgado, de forma crítica, um fato claramente público: a declaração do ditador da Venezuela convocando os cidadãos a tomarem o que ele chama de “gotinhas milagrosas” contra a covid. A empresa alegou, no caso, que estava se opondo à “disseminação do ódio”. Que raios um comentário desses tem a ver com ódio, ou qualquer coisa proibida por lei?

A rede, na verdade, não quis que a autora criticasse o ditador da Venezuela; foi isso, e só isso. Ela permite, por exemplo, mensagens em que se prega a destruição física do Estado de Israel, ou textos desejando a “morte” do presente da República. O que proíbe é a publicação de conteúdo que considera politicamente indesejável. Onde estão o equilíbrio, a imparcialidade ou os “princípios”?

AS ARMADILHAS DA INTERNET E OS FOTÓGRAFOS NÃO NOS DEIXAM TRABALHAR

  Brasil e Mundo ...