sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

OPOSIÇÃO AO GOVERNO SE MOSTROU MUITO FRÁGIL

 

Oposição autofágica

Os partidos com potencial para construir uma alternativa ao mesmo tempo viável e responsável para derrotar Jair Bolsonaro parecem perdidos

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

A confortável vitória dos candidatos governistas ao comando do Congresso parece ter tido o condão de pôr a nu as profundas divergências internas em partidos que teoricamente serviriam de oposição ao presidente Jair Bolsonaro. Nem é preciso dizer o mal que essa autofagia oposicionista faz ao País, justamente no momento em que se faz mais necessário um obstáculo político sólido à razia bolsonarista.

O mais recente entrevero se deu no PSDB, protagonizado pelo governador de São Paulo, João Doria, e pelo deputado federal Aécio Neves. O parlamentar, ex-presidente da sigla, acusa o governador de oportunismo e autoritarismo por, segundo ele, tentar impor sua candidatura à Presidência na eleição de 2022.

Em nota duríssima, Aécio Neves não deixou dúvida sobre o mal-estar: “Se o senhor João Doria, por estratégia eleitoral, quer vestir um novo figurino oposicionista para tentar apagar a lembrança de que se apropriou do nome de Bolsonaro para vencer as eleições em São Paulo, através do inesquecível Bolsodoria, que o faça, sem utilizar indevidamente e de forma oportunista outros membros do partido”.

O governador Doria respondeu no mesmo tom, lembrando que o deputado é suspeito de corrupção no escândalo estrelado pelo empresário Joesley Batista, em 2017: “O deputado Aécio Neves precisa entender que o novo PSDB não pode se subordinar a projetos pessoais, que se perderam pela conduta inapropriada em relação à ética pública”.

O fulcro da querela é o papel do PSDB ante o governo Bolsonaro. O governador paulista trabalha para isolar os focos bolsonaristas no partido e identificou no deputado Aécio Neves um dos tucanos que operaram pela candidatura vitoriosa do deputado Arthur Lira, apoiado por Bolsonaro, à presidência da Câmara. Doria quer a presidência do PSDB para consolidar sua candidatura à Presidência da República, que seria, em sua visão, a vanguarda da oposição de centro a Bolsonaro.

A acrimônia do atrito entre os tucanos já havia se verificado, em igual medida, na implosão do DEM, provocada pelo dissídio entre o presidente do partido, ACM Neto, e o deputado Rodrigo Maia, ex-presidente da Câmara. Rodrigo Maia acusou ACM Neto de “traição” por ter entregado o DEM “de bandeja” a Bolsonaro, trabalhando para que o partido fosse “anexado” ao governo. Em resposta, ACM Neto chamou Maia de “descontrolado”.

A exemplo dos tucanos, o busílis é a atitude que o DEM deveria adotar em relação ao governo Bolsonaro. Enquanto Rodrigo Maia presidia a Câmara e, nessa função, parecia ter grande influência no partido, o DEM era tido como pilar de uma possível frente de centro, junto com o PSDB, para desafiar Bolsonaro em 2022. Derrotado fragorosamente em sua sucessão, Maia foi atropelado – e o DEM retomou um papel que parecia esquecido no passado.

No que diz respeito aos interesses maiores do País, é ocioso discutir quem tem razão no meio desse banzé. O que importa é que os partidos com potencial para construir uma alternativa ao mesmo tempo viável para derrotar Bolsonaro e responsável o bastante para construir um projeto civilizado de País parecem perdidos. Nessa toada, o eleitor pode se ver novamente diante da terrível tarefa de escolher entre a delinquência bolsonarista e o embuste lulopetista.

Rusgas internas não são necessariamente sintomas de fragilidade de um partido. Ao contrário, partidos dignos do nome costumam consolidar suas bandeiras a partir de francos debates internos. Mas o que está acontecendo no DEM e no PSDB é de outra natureza: trata-se do desdobramento natural da crise de identidade que tomou de assalto o centro democrático desde a ascensão irresistível do imoral populismo lulopetista e de seu congênere, a demagogia brucutu bolsonarista.

Pode até ser que, em meio a essa depuração a céu aberto, as forças que deveriam estar na oposição consigam se reorganizar em bases mais firmes e coerentes que as atuais. Hoje, contudo, é preciso candura excessiva para apostar nisso; o mais provável é que a maior oposição a Bolsonaro continue a ser seu próprio desgoverno.

VEÍCULOS BRASILEIROS SERIAM 50% MAIS BARATOS SE NÃO HOUVESSE IMPOSTO TÃO ALTO

 

Emily Nery, para o Jornal do Carro

Quanto custariam os 10 veículos mais vendidos do Brasil com os impostos aplicados nos EUA e na Alemanha?

Veja quanto ficaria o valor dos veículos mais procurados em 2020 caso os impostos embutidos fossem semelhantes ao dos EUA e da Alemanha, que ficam entre 7% a 16%

ONIX É O LÍDER DO BRASILCrédito: CHEVROLET

Vai comprar um 0km?Nós te ajudamos a escolher.

Nesta segunda-feira, o presidente da Volkswagen do Brasil e América Latina, Pablo Di Si, apontou que 54% do valor de um automóvel é apenas imposto. O executivo também defendeu a redução de impostos em vez da concessão benefícios fiscais. Com isso, resolvemos simular quanto custariam os 10 veículos mais vendidos em 2020 caso embutissem em seu valor a carga tributária utilizada nos EUA, que em média é de 7%, e na Alemanha, que é aproximadamente 16%.

10ª posição – Fiat Toro

Atualmente, a picape pequena/média, a partir de R$ 106.785, na versão Endurance com motor 1.8 de 139 cv e câmbio manual e vai até R$ 182.559 na configuração Ultra com motor 2.0 de 170 cv. Contudo, sem a carga tributária de 54%, o veículo sairia por R$ 49.121 na configuração de entrada e por R$ 83.97 na topo de linha.

  • Valor aproximado da picape com a carga tributária dos EUA: a partir de R$ 52.559
  • Valor aproximado com a carga tributária da Alemanha: a partir de R$ 56.980

9ª posição – Jeep Renegade

Por aqui, o SUV de entrada da Jeep não sai por menos de R$ 85.429 na versão STD com motor 1.8 flex de até 139 cv e câmbio automático. Excluindo os possíveis 54% de impostos, o veículo seria oferecido por cerca de R$ 39.297.

Mas, caso o cliente prefira pelo motor a diesel, a versão Moab de entrada não sai por menos de R$ 149.134. Preço esse que cairia para R$ 68.601, valor de um Onix automático.

  • Valor aproximado do Renegade flex com a carga tributária dos EUA: a partir de R$ 42.047
  • Valor aproximado do Renegade flex com a carga tributária da Alemanha: a partir de R$ 45.584

8ª posição – Volkswagen T-Cross

Embora ele seja o utilitário esportivo mais vendido da Volkswagen, o T-Cross passou por consecutivos aumentos de preço no ano passado. Isso fez que sua versão de entrada, ainda com câmbio manual, custasse R$ 97.490. Ou seja, quem opta por câmbio automático, irá gastar mais de R$ 100 mil.

Utilizando como exemplo a variante 200 TSI, de 116 cv e câmbio automático de 6 velocidades, que hoje custa R$ 105.490, ela custaria R$ 48.525 sem os 54% em impostos. Ou seja, o preço de um Renault Kwid.

  • Valor aproximado do SUV com a carga tributária dos EUA: a partir de R$ 51.922
  • Valor aproximado do SUV com a carga tributária da Alemanha: a partir de R$ 56.289

7ª posição – Fiat Argo

O hatch mais vendido da Fiat em 2020 registrou um aumento de preço de até R$ 2.700 quando trocou de linha e trouxe sutis mudanças. Desde então, a versão 1.0 Flex que dispõe do 1.0 três-cilindros de até 77 cv subiu de R$ 53.990 para R$ 56.420. Se calculássemos o preço do hatch sem os impostos, seu valor de entrada ficaria em R$ 25.953, aproximadamente.

  • Valor aproximado do Argo com a carga tributária dos EUA: a partir de R$ 27.769
  • Valor aproximado do Argo com a carga tributária da Alemanha: a partir de R$ 30.105

6ª posição – Ford Ka

O recém-aposentado hatch da Ford ainda é oferecido por R$ 51.990 na configuração mais barata S 1.0, cuja utiliza o motor 1.0 três-cilindros de até 85 cv e câmbio manual. Descontando todos os impostos aplicados no Brasil, o cliente pagaria cerca de R$ 23.915 pelo Ka.

  • Valor aproximado do Ka com a carga tributária dos EUA: a partir de R$ 25.589
  • Valor aproximado do Ka com a carga tributária da Alemanha: a partir de R$ 27.741

5ª posição – Volkswagen Gol

Com boa saída para locadoras pelo custo-benefício, o longevo carro da Volkswagen é vendido em duas configurações. Assim, seu preço não sai por menos de R$ 54.150, na variante 1.0 que oferece o motor 1.0 três-cilindros de até 75 cv com câmbio manual. Desse modo, sem impostos inclusos, o valor diminui para aproximadamente R$ 24.909.

  • Valor aproximado do Gol com a carga tributária dos EUA: a partir de R$ 26.652
  • Valor aproximado do Gol com a carga tributária da Alemanha: a partir de R$ 28.894

4ª posição – Fiat Strada

Logo quando a nova geração da Strada surgiu, a Fiat anunciou que pretendia tornar o veículo como o mais vendido no Brasil. Provavelmente, sem a pesada carga de impostos, a picape conseguiria emplacar bem mais do que atualmente.

Hoje, o utilitário não sai por menos de R$ 68.667, preço trabalhado na versão Endurance de duas portas com motor 1.4 de 88 cv e câmbio manual. Contudo, seu valor onerado de tributos fica em aproximadamente R$ 31.586.

  • Valor aproximado da picape com a carga tributária dos EUA: a partir de R$ 33.798
  • Valor aproximado da picape com a carga tributária da Alemanha: a partir de R$ 36.639

3ª posição – Chevrolet Onix Plus

Mal começou o ano e o sedã mais vendido no país encareceu. Isto é, a versão de entrada LT, com motor 1.0 aspirado e câmbio manual não sai por menos de R$ 66.190. Caso o cliente opte pelo motor 1.0 turbo e câmbio automático, pagará R$ 68.390. No entanto, se subtrairmos o percentual tributário, o veículo custará R$ 30.447 e R$ 31.459 com motor turbinado.

  • Valor aproximado do sedã com a carga tributária dos EUA: a partir de R$ 32.579
  • Valor aproximado do sedã com a carga tributária da Alemanha: a partir de R$ 35.318

2ª posição – Hyundai HB20

O hatch oferece três opções de motores para seus clientes. O primeiro traz o motor 1.0 flex aspirado de três cilindros e até 80 cv, com câmbio manual, enquanto o segundo leva o 1.6 flex aspirado, de até 130 cv e o terceiro utiliza o novo motor 1.0 turbo de até 120 cv.

A versão de entrada e a com maior volume de vendas, contudo, usa o motor aspirado de menor potência. Além disso, não sai por menos de R$ 52.290. Nesse caso, sem impostos, o HB20 Sense custaria cerca de R$ 24.053.

  • Valor aproximado do HB20 com a carga tributária dos EUA: a partir de R$ 25.737
  • Valor aproximado do HB20 com a carga tributária da Alemanha: a partir de R$ 27.901

1ª posição – Chevrolet Onix

O líder de vendas há mais de cinco anos soma mais de 135 mil unidades emplacadas. Todavia, o número de vendas poderia disparar caso o preço do hatch fosse metade do oferecido hoje. Isso porque, a versão de entrada com motor 1.0 aspirado de 78 cv e câmbio manual de seis marchas que custa R$ 60.790, poderia sair por R$ 27.963.

Assim, na mesma simulação, a versão de entrada com motor 1.0 turbo e câmbio automático que hoje é oferecida por R$ 65.390, teria o preço abatido para R$ 30.079

  • Valor aproximado do Onix com a carga tributária dos EUA: a partir de R$ 29.920
  • Valor aproximado do Onix com a carga tributária da Alemanha: a partir de R$ 32.437

FALTAM VACINAS NOS ESTADOS E MUNICÍPIOS

 

Com estoque no fim, cidades restringem vacinação e preveem até paralisar campanhas

Ao menos sete capitais admitem possibilidade de limitar público-alvo ou interrupção; Salvador suspendeu aplicação em profissionais de saúde e Rio prevê zerar a reserva no sábado

Fabiana Cambricoli, Érika Motoda e Marcio Dolzan, O Estado de S.Paulo

Com o estoque de vacinas perto do fim e sem previsão de recebimento de mais doses nos próximos dias, prefeituras de algumas capitais já restringem o público-alvo inicialmente definido ou preveem interromper a campanha de imunização contra a covid-19 na próxima semana. Ao menos sete capitais já admitem essa possibilidade, segundo levantamento do Estadão.

O Rio informou ter doses somente até amanhã. “O município tem em estoque vacinas para atender a demanda até sábado, além da segunda dose dos que receberam a primeira. O município conta com a chegada de novas doses a partir da próxima semana. Caso isso não aconteça, o calendário será interrompido”, disse a prefeitura.

Eduardo Pazuello, ministro da Saúde Foto: Dida Sampaio/ Estadão

Na região metropolitana do Rio, as cidades de São Gonçalo e Niterói recomeçaram a vacinação ontem após interrupção nos primeiros dias desta semana. Uma dose extra de imunizantes foi enviada, mas a vacinação nas duas cidades poderá sofrer nova suspensão. Em São Gonçalo, a previsão é de que a nova remessa dure apenas três dias. Em Niterói, a prefeitura estima que as doses recebidas atendam somente idosos acima de 88 anos.

Salvador suspendeu a vacinação de profissionais de saúde e reviu o cronograma que previa iniciar nesta semana a imunização de maiores de 80 anos. Sem doses suficientes para dar seguimento ao planejamento, a capital baiana restringiu a aplicação somente a maiores de 85 anos e não tem mais previsão para o início da vacinação dos idosos entre 80 e 84. Na terça, a cidade chegou a anunciar a interrupção completa da campanha, mas recuou no dia seguinte após receber 8 mil doses, unidades que estão sendo usadas no público de 85 anos ou mais.

Florianópolis só tem mais 1,6 mil doses disponíveis e estima que o estoque termine em três ou quatro dias. Em Curitiba, a estimativa da prefeitura é de que as doses disponíveis durem somente até quarta-feira da semana que vem.

Cuiabá estima ter doses suficientes somente para mais cinco dias de campanha. A vacinação de profissionais de saúde foi interrompida mesmo sem que todo o público-alvo fosse imunizado. A prefeitura diz ter faltado doses para 6 mil desses trabalhadores. A cidade recebeu uma nova remessa de cerca de 3 mil doses nesta semana, que já está reservada para os idosos com 85 anos ou mais. Se a capacidade de vacinação de 600 inoculações diárias for atingida, diz o órgão, as doses podem acabar já no início da semana que vem.

Em Aracaju, a previsão é de que, a partir da próxima semana, somente aqueles que precisam receber a segunda dose sejam atendidos. O estoque para as primeiras aplicações já deve terminar no fim de semana. “A expectativa é de vacinar mais de 4 mil profissionais de saúde até sábado e finalizar a imunização de idosos com mais de 90 anos na sexta-feira”, disse a Secretaria Municipal da Saúde da capital sergipana.

Em Natal, o cenário é parecido. Do estoque disponível de 15 mil vacinas, somente 1,7 mil doses podem ser utilizadas em novos pacientes, já que 13,3 mil unidades estão separadas para a segunda dose.

Para Carlos Eduardo Lula, presidente do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (Conass), a situação vai se repetir em muitos municípios. “A tendência é passarmos alguns dias sem vacinação”, afirma ele, titular da Saúde do Maranhão.

“Não é nenhuma surpresa, isso já era esperado com a quantidade de vacina disponível. Até demorou para acabar porque vacinamos devagar, em função de a imunização começar com grupos específicos”, diz Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). De acordo com ele, se não houver entrega constante de vacinas, a interrupção ocorrerá toda hora. “Se houvesse um cronograma e as pessoas soubessem com um mês de antecedência quando serão vacinadas, seria o melhor cenário. Mas infelizmente dependemos do abastecimento, e a pouca produção de vacina mundial não permite essa organização.”

Secretário de SP diz que grupos previstos têm doses garantidas

Outras capitais consultadas pelo Estadão disseram que, apesar da limitação de doses, devem seguir o cronograma previsto e não devem interromper a campanha. É o caso de São Paulo, Belo Horizonte, Goiânia, Vitória e Recife. As demais capitais não responderam ou não detalharam a duração do estoque disponível.

O secretário municipal da Saúde de São Paulo, Edson Aparecido, reconhece a escassez de doses e a necessidade de entrega de novos lotes, mas afirma que, na capital paulista, todos os públicos já anunciados estão com sua vacinação garantida. “A gente não vai interromper por enquanto porque estamos sendo muito rigorosos nos critérios. Se ampliássemos um pouco o público, faltariam doses.”

Questionado, o Ministério da Saúde afirmou que enviou ofício aos Estados e municípios no dia 8, alertando para o risco de falta de vacinas, caso a ordem priorizada pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI) não fosse seguida.

A pasta não informou quando devem ser entregues novas doses das vacinas Coronavac, produzida pelo Instituto Butantan, e Oxford/AstraZeneca, fornecida pela Fiocruz. Disse apenas ter recebido do laboratório indiano Bharat Biotech a garantia de entrega de 4 milhões de doses 20 dias após a assinatura do contrato, o que ainda não ocorreu. O Butantan já declarou em outras ocasiões que entregará novo lote a partir de 23 de fevereiro. Já a Fiocruz diz que fornecerá novas doses em março.

APLICAÇAO DE VACINAS TEM FALHAS

 

Após denúncias de falhas em aplicação de vacinas, cidades reforçam vigilância sobre injeção de doses

Goiânia, Manaus e Maceió registraram problemas no momento da imunização; prefeituras têm recomendado mostrar frascos e seringas a pacientes e acompanhantes

José Maria Tomazela e Liege Albuquerque, O Estado de S.Paulo

SOROCABA E MANAUS – As secretarias de Saúde de Goiânia, em Goiás, e Maceió, em Alagoas, revisaram os procedimentos para evitar falhas na aplicação de doses da vacina contra a covid-19 e também para evitar problemas de desvio de doses em benefício próprio ou de terceiros. As três capitais tiveram flagrantes após denúncias de parentes de idosos que não receberam a injeção dos imunizantes adequadamente. Os casos são apurados, mas as pastas já adotaram medidas para reforçar a vigilância sobre a correta aplicação da vacina.

Em Maceió, os profissionais de saúde passaram a ser obrigados a mostrar o frasco de vacina cheio, fazer a carga do êmbolo na frente do idoso e mostrar a seringa vazia após a aplicação. Em Goiânia, foi incentivada a participação de acompanhantes no momento da vacinação e o processo passou a ser acompanhado por supervisores. Eles registram o momento da vacinação e fazem relatórios.

Campanha de vacinação contra a covid-19 Foto: Marcelo Chello/Estadão

Casos como esses ainda são pontuais, mas já foram incluídos na lista de possíveis fraudes apuradas pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), com o apoio do Ministério Público Federal. As promotorias do Ministério Público estadual também apuram as denúncias.

Em Goiânia, no último dia 10, a idosa Floramy de Oliveira Jordão, de 88 anos, se apresentou para a vacinação no Setor Universitário e a enfermeira colocou a agulha em seu braço, mas não injetou o imunizante. A cena foi registrada pela filha da idosa, Luciana, de 57 anos. “Eu estava filmando e percebi na hora que ela não tinha aplicado, pois a vacina estava toda na seringa. Aí questionei e ela admitiu que não tinha injetado. Disse que foi um erro e vacinou de novo”, contou.

Segundo ela, a mãe ficou muito nervosa com o episódio e a repercussão. “Ela foi picada pela agulha duas vezes, ao invés de uma.” A Secretaria Municipal de Saúde informou que a enfermeira foi afastada da campanha de vacinação e ainda responde a processo administrativo. Segundo a pasta, os elementos já colhidos indicam que a profissional não agiu de má-fé. “Embora seja uma profissional experiente, tudo aponta para falha humana não intencional”, disse a pasta.

O caso levou a um reforço nos procedimentos de segurança. Supervisores passaram a acompanhar todo o processo e foi incentivada a presença de acompanhantes da pessoa idosa no momento da vacinação.

“Como a vacinação está sendo feita em sete escolas, em locais amplos e arejados para evitar aglomeração, inclusive pelo sistema drive-thru, não é possível ter câmeras em todos os locais, mas os supervisores acompanham e registram tudo”, disse a pasta. Até essa quinta-feira, 11, tinham sido aplicadas 5.314 doses, incluindo idosos acamados.

Em Maceió, uma técnica de enfermagem foi afastada em 28 de janeiro após deixar de aplicar a vacina em uma idosa de 97 anos. Conforme a advogada Andréa Lyra Maranhão, neta da anciã, a cuidadora filmou o momento da vacinação a pedido da família. “A intenção era fazer esse registro para compartilhar no grupo da família e comemorar, porque ela estava há muito tempo em isolamento”, disse.

Segundo ela, um parente, médico, observou as imagens e percebeu que a vacina não tinha sido injetada no braço da idosa. A avó foi levada de novo ao posto de vacinação. “Foi preciso mostrar as imagens para que eles corrigissem a falha e aplicassem corretamente a vacina”, disse.

A prefeitura de Maceió informou que o caso foi isolado e que a profissional de saúde foi afastada. Ela responde a um processo administrativo e a procedimento de apuração aberto pelo Ministério Público de Alagoas. O município informou ainda que o caso levou a uma revisão no protocolo de vacinação. Desde então, o profissional de saúde passou a mostrar ao paciente a seringa cheia antes da aplicação e vazia após o procedimento para a convicção de que a seringa foi esvaziada.

O MP disse que “apurou indícios cíveis e criminais, mas até o momento a servidora não foi ouvida, visto que o promotor aguarda que o município devolva um questionamento por ele elaborado para acompanhamento do caso”, informou a assessoria. Segundo a nota, o MP solicitou ao Instituto de Criminalística perícia na lixeira na qual teria sido feito o descarte do material.

Em Manaus, a denúncia da família de uma idosa fez com que ela fosse vacinada outra vez no dia 3. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, houve “falta de atenção quanto a problema no êmbolo da seringa, que não aspirou o líquido do frasco”. A pasta diz ter feito nova orientação a todos os postos, para redobrar cuidados para encaixe de agulha ou eventuais problemas de fabricação das seringas. Disse também estimular denúncias sobre problemas. Procurados, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde e o Ministério da Saúde não se manifestaram.

Na internet, também circulam vídeos que sugerem o uso de seringas vazias na aplicação da vacina ou simulações do momento da imunização, mas se tratam de edições manipuladas  por grupos antivacina para disseminar desconfiança sobre os imunizantes. O Estadão Verifica mostrou que são falsas as acusações de que a vice-presidente da Argentina, Cristina Kirchner, foi imunizada sem agulha ou seringa. Também não são verdadeiras as mensagens que sugerem uma vacinação encenada da vice-presidente americana, Kamala Harris.

Ministério lançou campanha para denúncias sobre vacina ‘pirata’

Oportunistas que se aproveitam da ansiedade das pessoas para tomar a vacina levaram a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) do Ministério da Justiça e Segurança pública a lançar uma campanha com o slogan ‘Vacina pirata, não!’ para combater a venda de vacinas falsificadas pela internet. A iniciativa tem a participação do Ministério Público Federal, que já realizou ações contra as páginas que anunciam a venda de vacinas e divulgam informações falsas em redes sociais.

Com o apoio do MPF, a Senacon investiga mais de dois mil sites suspeitos de oferecer vacinas ilegais ou induzir o consumidor a erro sobre o tema. A comercialização de doses é crime e traz risco para a saúde e a segurança dos pacientes. A secretaria realiza varreduras em plataformas de comércio eletrônico para identificar os anúncios. Também foi aberto um canal para receber denúncias dos casos suspeitos.

O MPF orienta os responsáveis para que levem os pacientes idosos para se vacinar em postos oficiais, disponibilizados nos sites das prefeituras. Por orientação da Procuradoria-Geral da República (PGR), o MPF em primeira instância está atento a esses casos, que também podem ser levados para os Ministérios Públicos estaduais.

A regra geral é de que se permita que um acompanhante da pessoa idosa esteja presente no ato de vacinação. Em caso de suspeita, a população pode fazer a denúncia por meio do endereço eletrônico vacinapiratacncp@mj.gov.br.

AUXÍLIO EMERGENCIAL DEVERÁ TER QUATRO PARCELAS

 

Novo auxílio deve ter quatro parcelas de R$ 250; contrapartidas virão em 2 PECs

Corte de despesas e de renúncias, cobrado por Paulo Guedes, será dividido em duas etapas; a ‘PEC de guerra’ terá versão mais compacta de medidas fiscais e outra PEC terá propostas mais duras de corte de gastos

Adriana Fernandes, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – Governo e lideranças do Congresso avançaram nas negociações para a concessão de mais uma etapa do auxílio emergencial com valor de R$ 250 em quatro parcelas, com custo total de cerca de R$ 30 bilhões. O benefício deve começar a ser concedido em março com término em junho.

Já há entendimento político de que a concessão do auxílio terá de ser dada por meio da aprovação de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) de orçamento de guerra, semelhante, mas não igual à aprovada em 2020. Na prática, o orçamento de guerra permitiu que o governo ampliasse os gastos no combate à pandemia livre das “amarras” das regras fiscais.

Pagamento do auxílio emergencial deve começar em março, disse Bolsonaro. Foto: Gabriela Biló/Estadão

Agora, as medidas de contrapartidas de corte de despesas e de renúncias fiscais, cobradas pelo ministro da EconomiaPaulo Guedes, serão divididas em duas etapas.

A “PEC de guerra”, que se espera esteja aprovada até a primeira semana de março, conterá uma versão mais compacta de medidas fiscais com base em um texto que já está no Senado, o do pacto federativo, que tem como relator o senador Márcio Bittar (MDB-AC).

Essa PEC terá a cláusula de calamidade e permitirá que os gastos para o pagamento do auxílio não sejam incluídos no espaço no teto de gastos, a regra que impede o crescimento das despesas acima da inflação, nem no Orçamento de 2021.

A segunda PEC conterá a outra parte das medidas mais duras de corte de despesas, com o objetivo de sustentar a sobrevivência do teto de gastos até 2026. As lideranças buscam fechar um compromisso para que essa segunda PEC fiscal esteja aprovada até junho, quando terminará o pagamento do auxílio. A ideia é consolidar o que os líderes do governo têm chamado de “fortalecimento das âncoras fiscal e monetária”, com a garantia da sobrevivência do teto de gastos e aprovação da autonomia formal do BC.

A expectativa é de que até o fim da próxima semana a divisão das medidas entre as duas PECs esteja concluída. Segundo fontes envolvidas nas negociações, esta semana de discussões entre Guedes e lideranças do Congresso termina com o consenso de que o instrumento legal para o pagamento do auxílio emergencial é via “PEC de guerra”. Pareceres da área jurídica do Ministério da Economia e da Advocacia-Geral da União (AGU) apontaram essa necessidade. Consultoria do Senado também deverá apresentar parece nessa direção.

Nessa primeira PEC, será retomado o estado de calamidade com as medidas de ajuste. Detalhes técnicos do que será aproveitado da PEC que deu origem ao orçamento de guerra ainda estão sendo discutidos entre o governo e os presidentes da CâmaraArthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

O mundo político queria o valor do auxílio em R$ 300 em seis parcelas, enquanto o ministro Guedes de R$ 200 em três parcelas. O meio termo deve prevalecer, segundo apurou a reportagem. Ou seja, devem ser pagas quatro parcelas de R$ 250. O presidente Jair Bolsonaro em discurso ontem deu o tom da estratégia ao falar que “não basta apenas conceder mais uma período de auxílio, mas é preciso ter responsabilidade fiscal”. Bolsonaro disse que uma nova rodada do auxílio emergencial deve ser paga a partir de março e por um período de até quatro meses. A leitura na área econômica é de que as medidas fiscais serão aprovadas na primeira e na segunda PEC.

Bolsa Família

Está descartado o movimento inicialmente de ampliação agora do Bolsa Família, que ficará para o segundo semestre depois do fim do auxílio. Até o fim da semana que vem, também deverão estar fechados os parâmetros do público-alvo do novo auxílio.

A ideia é pagar para todas as famílias que são elegíveis ao Bolsa Família (cerca de 19 milhões) mais 11 milhões de informais que, se calcula, estão ainda enfrentando dificuldade por conta da pandemia. A dificuldade maior é identificar quem de fato nesse grupo precisa do auxílio agora. Vários recortes de público estão sendo feitos com base nos dados do Cadastro Único e nos pagamentos que foram feitos no auxílio anterior.

Com a PEC aprovada, o pagamento do auxílio será feito por meio de contratação de dívida, sem que as despesas passem pelo Orçamento de 2021.

STF JULGOU DIREITO AO ESQUECIMENTO

 

Análise: Julgamento sobre direito ao esquecimento reafirma garantias individuais

O plenário do STF reiterou o sistema de liberdades públicas presente no texto constitucional

  •  Guilherme Amorim Campos da Silva*, O Estado de S.Paulo

Supremo Tribunal Federal decidiu por maioria de votos nesta quinta-feira, 11, contra o reconhecimento do chamado “direito ao esquecimento”, no âmbito do julgamento de um recurso extraordinário com repercussão geral. A ação, como amplamente divulgado, foi ajuizada por familiares da vítima de um crime ocorrido há mais de 50 anos que se opunham à exibição de um programa televisivo que revolveria fatos, informações, imagens e detalhes dos acontecimentos, inclusive com reconstituições cênicas.

O estabelecimento de efeitos do julgamento com repercussão geral implica afirmar que a decisão colegiada orientará e vinculará normativamente todas as demais instâncias do Poder Judiciário nacional. À luz das normas confrontadas da Constituição Federal, portanto, isto significa estabelecer o alcance dos seus efeitos normativos a partir da interpretação que o plenário do Supremo Tribunal Federal estabeleceu com este julgamento em relação aos dispositivos constitucionais tidos por violados.

O presidente do STF, Luiz Fux, durante julgamento sobre o direito ao esquecimento Foto: Nelson Jr./STF

Por 9 x 1, o plenário do Supremo Tribunal Federal entendeu que o denominado “direito ao esquecimento” é incompatível com a Constituição Federal. Não votou o ministro Luís Roberto Barroso e ficou vencido o ministro Edson Fachin.

Todos os ministros que votaram no sentido de reconhecer a incompatibilidade da existência de um direito ao esquecimento concordaram que a discussão recai sobre normas constitucionais protetoras de direitos e garantias individuais.

De um lado, ao se buscar a proteção da privacidade e da possibilidade de se apagar dados relativos ao indivíduo de bancos de dados públicos, a partir de requerimentos de particulares, a discussão sobre a extensão dos direitos assegurados no artigo 5, X da Constituição que preserva a inviolabilidade do direito à intimidade, à vida privada e à imagem das pessoas.

De outro lado, parecendo confrontar esta possibilidade, a ampla liberdade de manifestação do pensamento e da liberdade de informação, com vedação da censura, também assegurada em dispositivos constitucionais, no artigo 5º, incisos IV, IX, XIV e artigo 220, §§1º e 2º da Constituição Federal.

Em seu voto, o ministro Gilmar Mendes abordou, de forma expressa, a impossibilidade de se utilizar como parâmetros as normativas existentes no Regulamento (UE) 2016/679, de 27 de abril de 2016, da União Europeia, que afirma a existência de um direito ao esquecimento sobre dados disponíveis e consentidos, mas que os ressalva justamente em relação ao exercício da liberdade de expressão e de informação (artigo 17º).

O plenário do Supremo Tribunal Federal reafirmou o sistema de liberdades públicas presente no texto constitucional, pressuposto de um regime de responsabilidade democrática no exercício de direitos: é ampla a liberdade de informação, manifestação do pensamento, sendo que qualquer restrição prévia se assemelha ou equivale à censura. Este é o teor do conjunto normativo que orienta a manifestação da Corte. E é neste sentido que se reconhece a incompatibilidade de um direito ao esquecimento: pela impossibilidade de evitar o consequente daquela premissa. A verificação do exercício do direito, que pressupõe sempre a responsabilização do seu autor pelos excessos e abusos eventualmente cometidos.

Por esta razão que a tese afirmada no plenário nesta quinta-feira repisa a lógica de que “eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais, especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral, e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível”, mesmo em relação àquelas notícias ou eventos que abordem fatos ou personagens distantes no tempo, desde que o tratamento da informação tenha sido obtido de forma lícita, ou em banco de dados público.

A decisão plenária ainda traz outra consequência, a par de vincular instâncias do Poder Judiciário nacional: previne eventual processo legislativo que venha produzir normas disciplinadoras de tratamento de dados, em banco de dados públicos, em sítios, mídias eletrônicas ou digitais que possam tangenciar o conceito referenciado no direito ao esquecimento.

Isto porque, em que pese a tese pronunciada deixar claro que o sistema constitucional trabalha de forma repressiva, caso a caso, mediante uma lógica de eventual reparação de abusos, vinculou, também, a incompatibilidade normativa do denominado direito ao esquecimento com o sistema constitucional.

Isto implica a afirmação de que qualquer conteúdo normativo que, de forma geral, procure disciplinar o trato de informação que possa ter repercussão pública ou perante terceiros configura, em tese, controle prévio de informação e, portanto, é antijurídico à luz da ampla liberdade de acesso à informação e divulgação de ideias assegurado no texto constitucional.

Evidência desta lógica deôntica está presente no raciocínio externado pela ministra Cármen Lúcia, quando afirmou como ínsito a um princípio da solidariedade às gerações (próprio do capítulo do Meio Ambiente, mas que, segundo a ministra, perpassa toda a Constituição) a impossibilidade do reconhecimento sistêmico a um prolatado direito ao esquecimento, pois isto se constituiria em censura presente de fato passado.

O julgamento revela a reafirmação em peso, por parte da amplíssima maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal, do conjunto de direitos e garantias individuais previstos na Constituição Federal como conjunto normativo fundante e vetor de orientação para os poderes constituídos da República.

*SÓCIO DE RUBENS NAVES, SANTOS JR. ADVOGADOS. DOUTOR EM DIREITO, ADVOGADO. AUTOR DO LIVRO ‘USO DE PRECEDENTE ESTRANGEIRO PELA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL’

GENERAL VILLAS BÔAS SUGERE EM LIVRO QUE SE O LULA FOSSE LIBERTADO HAVERIA GOLPE

 

Em livro, Villas Bôas diz que tuíte na véspera de julgamento de Lula foi planejado com Alto Comando

Uma dia antes da Corte julgar um habeas corpus do ex-presidente, o chefe militar postou que a Força compartilhava ‘o anseio de todos os cidadãos de bem’

Caio Sartori, O Estado de S.Paulo

RIO – O general Eduardo Villas Bôas, comandante do Exército nos governos Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), revelou em livro ter planejado com o Alto Comando da Força o tuíte que foi interpretado como pressão para que o Supremo Tribunal Federal (STF) não favorecesse o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2018. Na ocasião, um dia antes da Corte julgar um habeas corpus ajuizado pelo petista, o chefe militar primeiro tuitou que a Força compartilhava “o anseio de todos os cidadãos de bem”. Depois, divulgou novo tuíte citando as instituições, com tom ainda mais político.

“Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?”, dizia. O texto chegou a ser interpretado como ameaça de golpe, caso Lula fosse libertado. O ex-presidente cumpria pena estabelecida pelo juiz Sérgio Moro, no processo do triplex do Guarujá. Sua libertação poderia ter influência na campanha eleitoral. A disputa foi vencida, no segundo turno, por Jair Bolsonaro, derrotando o petista Fernando Haddad.

A versão está no livro General Villas Bôas: Conversa com o Comandante, lançado pela Editora FGV a partir de uma longa entrevista dada ao pesquisador Celso Castro. Nela, o militar detalha, do seu ponto de vista, como se deu a construção daquele recado. Para ele, não foi uma ameaça, e sim um “alerta”.

O general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército Foto: Daniel Teixeira

“O País, desde algum tempo, vive uma maturidade institucional não suscetível a possíveis rupturas da normalidade. Ademais, eu estaria sendo incoerente em relação ao pilar da ‘legalidade’ (citado no tuíte). Tratava-se de um alerta, muito antes que uma ameaça”, afirma Villas Bôas no livro.

Segundo o general, houve duas motivações para a mensagem. Uma era o que chamou de insatisfação da população com o País. A outra era a demanda que chegava ao Exército por uma intervenção militar – Villas Bôas afirmou considerar essa medida impensável. Além de planejado com o Alto Comando, o recado, segundo o general, passou por revisão dos comandantes militares de área, seus subordinados. Contudo, na formulação do tuíte de ampla repercussão, o então ministro da Defesa, Raul Jungmann, ao qual Villas Bôas era formalmente subordinado, não foi ouvido.

O comandante alegou que não tinha a intenção de mudar o voto de nenhum ministro. Àquela altura, o mistério envolvia a posição da ministra Rosa Weber, que decidiria a votação.  Para o general, poderia haver um “sentimento generalizado de insatisfação” dentro do Exército caso o resultado do julgamento fosse favorável a Lula. Mas, segundo ele, a disciplina continuaria inalterada.

Além do tuíte em si, o general contou no livro que implantou no Exército uma nova estratégia de comunicação. O objetivo era normalizar posições políticas da força. “Estabeleci como meta que o Exército voltasse a ser ouvido com naturalidade. Teríamos de romper um patrulhamento que agia toda vez que um militar se pronunciava, rotulando de imediato como quebra da disciplina ou ameaça de golpe.”

Esse planejamento se deu com o general Rêgo Barros, que era chefe do Centro de Comunicação Social do Exército (CComSEx) e depois foi porta-voz do governo de Jair Bolsonaro. Deixou o cargo em outubro de 2020, depois de ter suas funções esvaziadas, e tornou-se crítico do governo.

General fala de combate ao ‘politicamente correto’ para explicar Bolsonaro

Villas Bôas também comentou no livro a eleição de Jair Bolsonaro e seu governo, repleto de militares. Segundo o ex-comandante, a vitória eleitoral do ex-capitão do Exército se deu por causa da ênfase ao “combate ao politicamente correto”. Apesar de vago e sem lastro acadêmico, o termo tem sido usado nos últimos anos para criticar supostos filtros impostos a determinados assuntos.

“Bolsonaro deu ênfase ao combate ao politicamente correto, do qual a população estava cansada. A Globo, reino do politicamente correto, foi o mais importante cabo eleitoral do presidente eleito”, opina.

O general diz que o presidente Bolsonaro despertou entusiasmo entre os militares por manifestar certas posições até então esquecidas, “indo ao encontro da ansiedade de muitos”. Perguntado se Fernando Haddad conseguiria assumir sem problemas o governo caso vencesse a eleição, Villas Bôas garantiu que sim.

Para o comandante, o governo Bolsonaro não representa uma volta dos militares ao poder, mesmo havendo generais em altos postos. As nomeações e exonerações, diz, não têm relação com o Exército como instituição.

Demonstrando alinhamento com o governo, o general defende um dos ministros civis mais controversos: Ricardo Salles, do Meio Ambiente. Para Villas Bôas, Salles é alvo de um “massacre de acusações” com origem “até mesmo no exterior”. O ex-comandante disse que o ministro “corajosamente, desde que assumiu sua pasta, vem lutando para desmontar estruturas aparelhadas, ineficientes e corrompidas, que criaram um ambiente favorável à dissipação de recursos financeiros, sem que se produzam os efeitos pretendidos”.

Villas Bôas relatou ainda insatisfação do Exército com a presidente Dilma Rousseff. Além de citar as acusações de corrupção e a deterioração econômica, mencionou com desgosto a Comissão da Verdade. O grupo foi criado para apurar os crimes do Estado brasileiro na ditadura militar.

Sem reconhecer a culpa dos militares pelo regime de exceção responsável por torturas e desaparecimento de opositores, o ex-comandante atribuiu o período à Guerra Fria e criticou a luta armada. Para Villas Bôas, a Comissão da Verdade soou como um “revanchismo” dos derrotados pelo regime militar.