segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

PT QUER DESGASTAR O GOVERNO E A NAÇÃO TAMBÉM

 

A estratégia do PT para desgastar o governo nos próximos dois anos

Nonato Viegas – Veja

A edição de VEJA deste fim de semana mostra a falta de rumo da oposição — isolada, sem discurso, sem proposta, sem alternativa para fazer frente ao governo Bolsonaro. O desafio agora tornou-se ainda maior, porque dois aliados do presidente assumiram o comando das duas Casas que compõem o Congresso. Na Câmara, o deputado Arthur Lira (PP-AL) é o presidente para os próximos dois anos. No Senado, assumiu o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

Mas, para o PT, houve uma mudança estratégica de atuação da bancada do partido na Câmara e no Senado que deve surtir resultados políticos. Enquanto na primeira os petistas ganharam apenas um cargo burocrático na Mesa Diretora, uma concessão de Arthur Lira ao partido que não o apoiou, na segunda, a bancada conquistou duas comissões, a do Meio Ambiente e a dos Direitos Humanos.

Na avaliação dos petistas, ambas têm o potencial de causar incômodo ao governo e constrangimentos internacionais à administração Bolsonaro, já estigmatizada no exterior como um presidente que não respeita os direitos humanos nem o meio ambiente. Bolsonaro é, inclusive, alvo, de ação na Corte de Haia por violar direitos dos povos tradicionais e já trocou acusações com lideranças políticas por conta da Amazônia.

“Vamos com tudo para cima do governo. Vamos dar trabalho, utilizando todos os instrumentos legislativos para cobrar ações responsáveis do governo, ainda que tenha de constrangê-lo internacionalmente”, afirmou o senador Humberto Costa (PT-PE), que vai presidir a Comissão de Direitos Humanos. Na Comissão de Meio Ambiente, o PT escalou outro político hábil e com trânsito não apenas político mas com empresários, o senador Jaques Wagner (BA). A liderança da Minoria, que é a oposição, vai ficar com outro petista, o senador Jean Paul Prates (RN).

TESTES VENCIDOS SERÃO DOADOS PARA O HAITI

 

Brasil quer doar 1 milhão de testes de covid quase vencidos ao Haiti

Pacote é parte dos cerca de 5 milhões de testes que ainda se encontram encalhados em um armazém federal; Itamaraty e Ministério da Saúde dizem que pedido foi feito pelo governo caribenho, mas ainda se avalia a capacidade local de processar as análises

 

  • Mateus Vargas, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – O Ministério da Saúde tenta doar parte dos cerca de 5 milhões de testes para detecção da covid encalhados em um armazém federal e que vencem a partir de abril. Num esforço de reduzir o estoque e evitar mais desgaste à imagem do general Eduardo Pazuello, chefe da pasta, o governo pretende entregar ao Haiti um 1 milhão desses exames. Outro lote foi oferecido a hospitais filantrópicos e Santas Casas, que devem recusar.

Como o Estadão revelou em novembro, o ministério guardava 7,1 milhões de exames do tipo RT-PCR, o mais indicado para diagnóstico da doença, e a maior parte (96%) teria de ir ao lixo entre dezembro e janeiro. O produto ganhou mais 4 meses de validade e 2,1 milhões de exames foram entregues até agora, mas a gestão de Pazuello continua com dificuldade para consumir o estoque.

O processo de detecção da doença exige também a disponibilidade de cotonetes swab, tubos coletores, reagentes de extração do RNA e outros insumos que nem sequer o Brasil conseguiu comprar em grande escala. Uma equipe de Pazuello está em Porto Príncipe para negociar a entrega e avaliar se o país tem condições de receber o material.

No estoque. O produto ganhou mais 4 meses de validade e 2,1 milhões de exames foram entregues até agora, mas há dificuldade em encontrar destinação Foto: Felipe Rau/Estadão

A negociação para a entrega dos exames ocorre no momento em que Pazuello está sob pressão e tenta evitar novos fracassos de logística. O general é investigado no Supremo Tribunal Federal (STF) por suposta omissão na ajuda ao Amazonas e precisou depor à Polícia Federal. Além disso, recebe críticas pela demora para comprar vacinas, pelo avanço da pandemia no País e por causa da aposta em medicamentos sem eficácia, como a cloroquina.

Itamaraty e o Ministério da Saúde afirmam que o governo haitiano pediu a doação dos testes. Não está claro se a quantidade ofertada foi proposta pelo Brasil ou pelo país caribenho. “A área da saúde, por estar entre os temas prioritários para a reconstrução e a estabilização do Haiti, constitui um dos principais eixos da cooperação com o país, bem como é objeto de diálogo constante entre os dois países. O governo do Haiti solicitou ao Brasil doação de testes para detecção e está finalizando os trâmites administrativos correspondentes”, afirma o Itamaraty, em nota.

Com população cerca de 19 vezes maior que a do Haiti, o Brasil patina para realizar testes no Sistema Único de Saúde (SUS). A meta do governo era fechar 2020 com mais de 24 milhões de amostras analisadas, mas cerca de 10,2 milhões de exames RT-PCR foram feitos na rede pública até agora. Mesmo os exames entregues aos Estados e municípios não foram totalmente consumidos, entre outras razões pela falta de todos os insumos de análise.

Além disso, o produto hoje encalhado não é compatível com toda a rede de laboratórios do SUS. Esse exame é da marca coreana Seegene e foi comprado por meio da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), por R$ 42 a unidade. A validade original era de 8 meses, mas foi estendida por mais 4 meses pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), com base em estudos da fabricante.

O Brasil tem fortes laços com o Haiti e chefiou uma missão de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) no país caribenho, entre 2004 e 2017. Nesse período, generais que apoiam e têm cargos no governo Bolsonaro comandaram as tropas internacionais, como os ministros Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e o comandante do Exército, Edson Pujol. A Saúde também participou de ações para reconstruir o sistema de vigilância sanitária, destruído pelo terremoto de 2010.

A Embaixada do Haiti no Brasil afirma que não “está a par” das conversas. O Estadão apurou que o diálogo está sendo feito entre o governo brasileiro e o Ministério da Saúde do Haiti. Depois de duas semanas sendo questionado sobre o tema, a pasta de Pazuello respondeu que o pedido de doação foi apresentado pelo governo caribenho. Disse ainda que pediu ao país para confirmar se tem estrutura.

O governo brasileiro não doará reagentes de extração e outros insumos usados durante as análises das amostras. “Se os haitianos não tiverem como fazer essas análises ou como realizar coletas, não será possível ao Brasil dar início a alguma eventual doação”, afirma nota do ministério. Auxiliares de Pazuello, reservadamente, negam que a ideia é empurrar ao país os exames que estão prestes a vencer.

Na nota, a pasta afirma ainda que avaliará a quantidade que pode ser doada – a reportagem apurou que se fala, hoje, em 1 milhão de exames. “É necessário recordar que, desde o terremoto, o Brasil intensificou a cooperação humanitária em diversas frentes e três hospitais em território haitiano são mantidos com auxílio brasileiro”, afirma o ministério, que observa ainda que enviou 100 ventiladores pulmonares durante a pandemia ao Haiti.

DEPUTADOS GASTADORES DO DINHEIRO PÚBLICO

 

Em ano de pandemia, deputados gastam até R$ 347 mil com transporte

Ano de distanciamento social não impediu gastos altos com deslocamentos pelo País; 12 parlamentares chegaram a ampliar despesas mesmo com sessões online

Adriana Ferraz, Bianca Gomes e Marianna Gualter, O Estado de S.Paulo

O ano foi de pandemia, mas, apesar das recomendações de distanciamento social, teve deputado federal que gastou até R$ 347 mil em despesas de transporte, como fretamento de jatinho, aluguel de carro, combustível e passagens aéreas. Levantamento feito pelo Estadão mostra que 12 parlamentares ainda aumentaram esse tipo de pagamento em 2020 mesmo com a Câmara funcionando em esquema remoto.

A orientação para que os deputados ficassem em casa ocorreu em março, quando a Câmara regulamentou o uso da tecnologia para reduzir o risco de contágio do novo coronavírus. Desde então, a regra é realizar sessões online, evitando o deslocamento até mesmo para Brasília.

Silas Câmara teve gastos de ao menos R$ 206 mil Foto: INSTAGRAM @DEPSILASCAMARA

Se a aglomeração no plenário foi reduzida até a semana passada, quando os deputados voltaram presencialmente para eleger a nova Mesa Diretora, o mesmo não se pode dizer das atividades realizadas por parte dos parlamentares em suas bases.

Em dezembro, mês em que os casos de covid-19 voltaram a crescer no Brasil e, especialmente no Amazonas, o deputado Sidney Leite (PSD-AM) alugou uma aeronave, por R$ 82 mil, para rodar o interior do Estado e participar de festas natalinas. Ele é o campeão de gastos com transportes: R$ 347,1 mil.

Também do Amazonas, Silas Câmara (Republicanos) seguiu fazendo uso regular de aeronaves para visitar aliados político-partidários e também religiosos. Durante o ano, ele gastou ao menos R$ 206 mil em bimotores e até um hidroavião.

Além de estar na lista dos que mais pediram reembolso com deslocamentos (é o terceiro), Silas também faz parte do grupo de 12 parlamentares que aumentaram esse tipo de despesa na comparação com 2019.

A alta foi de 47%, iniciada já em janeiro de 2020, quando ele pagou R$ 22,5 mil para cumprir, num hidroavião, agenda de dois dias com pastores das igrejas do Evangelho Quadrangular e Assembleia de Deus – ele é o líder da Frente Parlamentar Evangélica da Câmara.

Cota

Deputados do Norte têm valores de cota parlamentar maiores por causa da distância de seus Estados para Brasília. A base é o preço das passagens entre as capitais – as dificuldades de travessia, impostas pelas particularidades da região, não são levadas em conta. E, apesar de mais raros, há voos de carreira entre os principais municípios.

Mas o fato de a Câmara reembolsar quem escolhe a viagem mais curta fez com que o deputado Jesus Sérgio (PDT-AC) pagasse R$ 12,6 mil para ir, em um bimotor, de Rio Branco a Tarauacá, sua cidade natal, no mês de novembro. Distante 409 km da capital do Acre, a passagem de ônibus até lá custa cerca de R$ 200, ida e volta. De carro, são seis horas de viagem.

Jesus Sérgio ainda desembolsou R$ 50 mil para custear o aluguel de quatro veículos Gol, de agosto a novembro – mais do que o suficiente para comprar o mesmo modelo zero km.

Gasolina

A desobediência em relação ao isolamento social não ocorreu só com deputados do Norte, conforme dados da Câmara. Gurgel (PSL-RJ) usou R$ 265 mil de sua cota para custos de transporte – desse total, R$ 112 mil foram empregados em locação de carros e outros R$ 20 mil em gasolina. O restante (R$ 131 mil) foi usado em passagens aéreas, apesar de o parlamentar só ter participado de sessões virtuais desde março.

Quando se analisam apenas as notas de combustível, no entanto, ninguém supera Claudio Cajado (PP-BA). O deputado gastou R$ 71 mil em 2020, quase o limite permitido, que é R$ 72 mil por ano. Com base no preço médio do litro de gasolina na Bahia, o recurso permitira ao deputado ir de Salvador a Brasília 146 vezes em um carro popular.

No geral, o recurso empenhado pela Câmara em transportes caiu 50% de 2019 para 2020, mas mesmo assim alcançou R$ 49 milhões – suficiente para atender 81 mil pessoas com auxílio emergencial de R$ 600 por um mês.

DESAFIOS DE ARTHUR LIRA E RODRIGO PACHECO PARA FAZER AVANÇAR OS PROJETOS PRIORITÁRIOS DA NAÇÃO

 

A agenda do Brasil

Há muito trabalho a fazer. O tempo vai dizer se Arthur Lira e Rodrigo Pacheco estão à altura do desafio. Jair Bolsonaro, como se sabe, não está.

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

O País só terá a ganhar com a coordenação de esforços entre os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado para fazer avançar projetos do mais alto interesse público. Tanto melhor seria se a Presidência da República ajudasse. Passada a eleição para as Mesas Diretoras das duas Casas legislativas, é hora de baixar armas, arrefecer tensões políticas e levar adiante a agenda de reformas estruturantes de que tanto o Brasil precisa, e para já.

Os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), mostraram disposição inicial de levar adiante essa agenda vital para o País. No dia 3 passado, eles assinaram uma nota conjunta em que selaram o compromisso das duas Casas legislativas com projetos de universalização das vacinas contra a covid-19, de reativação da atividade econômica e de retomada do auxílio emergencial dentro das “possibilidades fiscais” do País. A ver se o presidente Jair Bolsonaro fará sua parte nessa coalizão. Espera-se que, uma vez superada a alegada hostilidade da antiga direção do Congresso, sobretudo da Câmara, à agenda do Planalto, Bolsonaro, enfim, tome gosto pelo trabalho.

Na nota conjunta, Lira e Pacheco afirmaram que farão avançar projetos para agilizar a compra de vacinas, incluindo possíveis alterações no processo de licenciamento. Ambos também se comprometeram a assegurar que os recursos necessários para aquisição dos imunizantes estarão à disposição do Executivo. É mais do que sabido que só uma campanha de vacinação massiva terá o condão de, além de salvar milhares de vidas, destravar a atividade econômica. O SUS tem capacidade e experiência para empreender uma campanha desta envergadura. Resta ao governo adquirir doses na quantidade necessária para um país como o Brasil.

Em pronunciamento após a assinatura do compromisso, o presidente do Congresso afirmou que “as duas Casas estão alinhadas em priorizar as reformas tributária e administrativa, bem como a votação das Propostas de Emenda à Constituição (PECs) Emergencial, do Pacto Federativo e a que trata dos Fundos Públicos”. É bom saber que os projetos que compõem uma agenda vital para o Brasil estejam no radar da nova cúpula do Legislativo.

O esforço imediato tanto da Câmara como do Senado, de fato, deve estar voltado para a garantia da universalização das vacinas e a análise de viabilidade da extensão do auxílio emergencial. Mas isto não significa que o Congresso possa descuidar das demais reformas, sem as quais não apenas o País permanecerá em estado de crise humanitária, como seus efeitos se agravarão no tempo.

Urge destravar as reformas tributária e administrativa, como bem salientou Rodrigo Pacheco. E uma reforma administrativa que, de fato, reorganize a estrutura do Estado e gere mais eficiência, reduzindo o custo da chamada máquina pública. O que o Executivo propôs no ano passado foi um simulacro de reforma, incapaz de gerar a economia necessária para investimentos públicos em áreas essenciais, como saúde e educação. Responsabilidade fiscal e atenção social, não é demais lembrar, podem e devem andar juntas.

A agenda da educação também não pode ser negligenciada pelo Legislativo. A aprovação do Novo Fundeb foi importantíssima, mas, a rigor, apenas se evitou que a área ficasse sem recursos a partir do início deste ano, o que seria um desastre. É preciso mais do que isso. Bolsonaro, vale lembrar, realizou a façanha de apequenar não só o Ministério da Saúde em meio à pandemia, mas também o da Educação. Impressiona a facilidade com que esse desmonte foi feito sem a devida fiscalização dos demais Poderes.

O Congresso também não poderá se furtar de tratar de projetos voltados à proteção do meio ambiente.

Há muito trabalho a fazer. O tempo vai dizer se Arthur Lira e Rodrigo Pacheco estão à altura do desafio. Jair Bolsonaro, como se sabe, não está.

OS ESTADOS UNIDOS ENCONTRAM-SE DIVIDIDOS P0LITICAMENTE

 

A desunião dos EUA

Pesquisas revelam ser necessário um exame de consciência para os dois lados da polarização.

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

Em seu discurso inaugural, Joe Biden reafirmou seu grande tema de campanha: a unidade. Mas se poucos questionam a prioridade dessa missão, menos ainda têm dúvidas sobre o desafio extraordinário que ela comporta. Fora esses consensos, o povo americano está dividido como nunca. Uma compilação das pesquisas do Pew Research Center durante o mandato de Trump mensura estatisticamente essa divisão em áreas capitais: das preferências partidárias às disputas sobre fatos, passando pela desigualdade racial até a valoração das instituições democráticas.

A eleição de Trump em si foi singular: o magnata e entertainer foi o primeiro presidente sem qualquer experiência governamental ou militar. Diferentemente de outros presidentes que, logo após as eleições, buscaram com maior ou menor sinceridade resfriar a luta política, Trump resolutamente a inflamou. “Trump dividiu republicanos e democratas mais do que qualquer outro chefe do Executivo em três décadas”, demonstra a pesquisa.

A aprovação geral de sua gestão nunca excedeu 50% e no final caiu para 29%. Mas, em média, 86% dos republicanos a aprovaram, ante 6% dos democratas. Se em 1994 a disparidade de opiniões entre republicanos e democratas sobre dez “questões fundamentais” – como o papel do governo, proteção ambiental ou segurança nacional – era, em média, de 15%, já no primeiro ano da presidência de Trump ela era mais de duas vezes maior: 36%.

“Uma das poucas coisas em que republicanos e democratas puderam concordar durante o mandato de Trump é que não partilhavam do mesmo conjunto de fatos.” Em 2019, cerca de 3/4 dos americanos disseram que os eleitores dos dois partidos discordavam não só sobre políticas públicas, mas sobre “fatos básicos”. Os dados mostram que ambos os lados “depositaram sua confiança em dois ambientes de mídia praticamente opostos”. A desinformação despontou como uma preocupação cada vez maior: em 2019, metade dos americanos disse que esse é um “grande problema”, proporção maior do que os que disseram o mesmo sobre racismo, imigração ilegal, terrorismo ou sexismo.

Paradoxalmente, se Trump bombardeou a legitimidade das instituições democráticas – da imprensa ao judiciário até o processo eleitoral –, ele teve um efeito galvanizador sobre as eleições: o pleito teve a maior taxa de comparecimento, e Biden e Trump tiveram o primeiro e o segundo maior número de votos da história. Mas a polarização foi aberrante: 8 em 10 eleitores de cada grupo afirmaram discordar do outro não só sobre prioridades políticas, mas sobre “valores e objetivos americanos centrais”.

A pandemia, além de inequivocamente exacerbar as divisões partidárias, agravou a deterioração da imagem dos EUA no mundo que já começara no início do mandato. Entre 13 países (incluindo aliados europeus, Canadá e Japão), apenas 15% da população acredita que os EUA geriram bem a crise, muito abaixo dos que disseram o mesmo sobre a União Europeia, China ou OMS.

As pesquisas revelam uma crise existencial profunda e a necessidade de um exame de consciência para os dois lados da polarização nos EUA – e, vicariamente, em outras nações, como o Brasil, que vivem o mesmo drama.

Se este momento disruptivo foi um espasmo ou será um racha duradouro, dependerá primariamente da disposição dos políticos, do viés de Trump ou do oposto, de afirmar ou não o radicalismo em questões como livre comércio, imigração ou divisão racial. Em janeiro, 68% dos americanos disseram que não gostariam que Trump continuasse a ser uma figura política importante. Alguns republicanos se afastaram, mas muitos ainda o apoiam. Biden, por sua vez, terá de refrear os radicais de seu próprio partido, ansiosos por utilizar a maioria conquistada nas duas Casas para promover um expurgo implacável contra os apoiadores de Trump.

Realisticamente, é mais do que improvável que todas estas fissuras abertas ou aprofundadas sejam reduzidas no curto prazo. Se não se ampliarem, já será um triunfo dos republicanos democráticos e dos democratas republicanos.

domingo, 7 de fevereiro de 2021

OPINIÃO SOBRE O PRESENTE DO EX-PRESIDENTE DA REPÚBLICA FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

 

As difíceis escolhas

Além da pandemia, temos de vivenciar o jogo degradante de sempre de quem manda

Fernando Henrique Cardoso, O Estado de S.Paulo

Dias difíceis estes pelos quais passamos. Além da pandemia, o jogo do poder. Eu não me posso queixar: fique em casa, dizem os que mais sabem sobre os contágios. Isso é possível… para quem tem casa, como eu. E os que não a têm, ou a têm precária, e são muitos, na casa dos milhões? E os que estão no poder e, diferentemente de minha situação atual, precisam meter-se no dia a dia da política?

O bichinho persistente, o novo coronavírus, mata indiscriminadamente, é verdade, jovens ou velhos, ricos e poderosos tanto quanto pobres e sem alavancas de poder nas mãos. Mesmo assim, na minha faixa de idade, quando os 90 anos se aproximam celeremente, é triste viver dentro de casa, por mais confortável que seja, e ver a cidade murchando. E é tristeza para todos.

Mas não desanimemos. Se algo o tempo ensina, é como diz o velho ditado: não há mal que sempre dure nem bem que nunca acabe.

Às vezes, raramente, sinto certo desânimo. Olho em volta e vejo: meu Deus, outra vez! É o Congresso em seu ritmo habitual: dá cá, toma lá. Certa vez perguntei a Bill Clinton, então presidente dos Estados Unidos: mas é sempre assim? Tratava-se da prática de pegar no telefone e falar com cada um dos deputados que o apoiavam, para pedir: é preciso votar a favor, ou contra, tal ou qual projeto.

Era o habitual. Mas vale a pena. Sem democracia é pior: a barganha, quando existe, não é vista nem comentada. Mas existe. Melhor que se a faça às claras.

Digo isso não para referendar o que está acontecendo (nem sei de fato), e sim para dizer que é melhor suportar tanto horror perante os céus do que amargar a falta de liberdade. Mas é preciso lutar. Por mais que se “entenda o jogo”, é necessário repudiá-lo do fundo da alma. Se for indispensável jogar, que se limite a barganha ao máximo. Fácil dizer, difícil fazer.

Ainda assim, com o peso dos anos e a experiência de haver passado pelos altos e baixos do poder, não deixa de ser triste ver isso a que estamos assistindo: o poder, nu e cru, com suas mazelas expostas. Ainda que se dê o desconto e se imagine que “a mídia” exagera (pobre dela, paga o preço), a cada episódio de mudança de comando no Congresso vê-se pouco uma luta de ideais, e se vê, a perder de vista, um jogo de interesses. Eu sei que a tessitura da política não é feita só com valores e que os interesses contam; mas a cada vez que tudo isso aparece dá vontade de fechar-se na vida pessoal e ponto.

Só que ninguém é de ferro e no dia seguinte, novamente, volta o “interesse público”. Sejamos francos: mesmo entre os que barganham, nem por isso o interesse público desaparece ou deixa de contar. A realidade cobra o seu preço, os fatos falam mais alto, as urgências se impõem. O que parece ser diferente em nossas plagas, comparando com outras (que talvez tenhamos a sorte de conhecer menos), é que nas democracias, imagina-se, existem mais valores do que interesses. Será? Espero, mas não sou ingênuo (gostaria de o ser). Acho melhor olhar para o que, apesar dos procedimentos criticados, se pode fazer em liberdade, em contraposição ao que é feito em regimes autoritários, por mais “fazedores” que sejam.

Espero, apesar de tudo, que os novos dirigentes do poder parlamentar não se esqueçam de que, além de colaborar com o que lhes pareça positivo no governo federal, continuem fazendo o que dizem ser necessário: as reformas (dependendo sempre de quais e para quê) e, sobretudo, projetos para a volta dos empregos, com uma nova onda de crescimento da economia. E, por favor, sem esquecer que a tão falada redistribuição de renda não ocorre sem que haja (perdoem-me a má palavra) vontade política.

E isso – a tal vontade política – é necessário em qualquer forma de poder. A diferença entre elas é que, quando são democráticas, o cidadão comum fica sabendo o que acontece, pois a mídia anuncia e denuncia. Eventualmente, ele pode reagir nas eleições futuras. Enquanto, sem liberdade, os donos do poder mandam mais “à vontade”, ou seja, fazem das suas e ninguém toma conhecimento.

Não convém, portanto, apenas se recolher. Ao contrário, já que pelo menos temos liberdade, não compactuemos com erros e exerçamos, dentro da lei, o poder de escolha. Se errarmos, pagaremos o preço. Pior, quem escolhe é a maioria, que nem sempre acerta. Se é que acertar quer dizer estar de acordo com o ponto de vista de quem hoje reclama. Mais do que nunca, precisamos de lideranças. Na política não adianta o sentimento sem ter quem o expresse. Líder é quem simboliza um sentimento.

Não escrevo para me consolar, nem para consolar os leitores. Creio que é assim mesmo: a democracia é sempre imperfeita, embora melhor que as outras maneiras de governar. Verdade simples e fácil de ser enunciada. Mas difícil, reconheço, de ser vivida. Pior ainda, como agora, quando, além da pandemia, temos de vivenciar o jogo degradante de sempre, sejam quais forem, tenham sido ou vierem a ser “los que mandan”.

Livremo-nos ao menos do vírus (se possível), já que do poder ninguém escapa, seja exercendo-o, seja sofrendo-o.

SOCIÓLOGO, FOI  PRESIDENTE DA REPÚBLICA

A OPOSIÇÃO ACUSA BOLSONARO DE CRIMES E QUER O SEU CASTIGO

 

Crime e castigo

Byvaleon

 FEV 7, 2021

Crime e castigo

A má conduta de Bolsonaro é amplamente documentada. Não é exagero considerar que várias de suas ações podem constituir crime de responsabilidade.

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

A Procuradoria-Geral da República (PGR) abriu investigação preliminar para verificar se há indícios de que o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, cometeram “práticas delitivas” na atuação do governo federal no combate à pandemia de covid-19. No mesmo dia, um grupo de senadores entregou um pedido de abertura de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) também para investigar a atuação do governo. A comissão já é chamada de CPI da Covid.

Como se sabe, Bolsonaro passou os últimos meses dedicando-se a construir uma blindagem tanto na PGR como no Congresso, razão pela qual não são pequenas as chances de que ambas as iniciativas deem em nada.

No primeiro caso, o procurador-geral da República, Augusto Aras, indicado para o cargo por Bolsonaro, informou que a abertura da investigação é apenas praxe, isto é, não significa, por ora, que haja indícios de que Bolsonaro e Pazuello cometeram algum dos crimes apontados no pedido, feito por deputados do PCdoB.

Os parlamentares acusam o presidente e o ministro da Saúde de prevaricação e de colocar em perigo a vida e a saúde dos brasileiros. O foco é o drama dos moradores do Amazonas e do Pará, onde dezenas de doentes de covid-19 morreram asfixiados por falta de oxigênio nos hospitais, sem que isso despertasse especial mobilização do governo federal. “O descompromisso de Bolsonaro e Pazuello com o enfrentamento à Covid-19 deixou gestores locais à deriva, tendo que administrar por conta própria fluxos e demandas que, via de regra, dependem de uma lógica conjunta – a mesma que orienta o Sistema Único de Saúde (SUS), que opera de forma tripartite, envolvendo União, Estados e municípios”, informa a ação.

No segundo caso, a instalação da CPI da Covid depende da autorização do novo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, eleito há alguns dias com o apoio entusiasmado de Bolsonaro. “Com o recrudescimento da covid-19 em dezembro de 2020 e janeiro de 2021, as omissões e ações erráticas do governo federal não podem mais passar incólumes ao devido controle do Poder Legislativo”, diz o requerimento da CPI.

Ainda que nenhuma das duas iniciativas prospere, há um crescente movimento para obrigar Bolsonaro e seu ministro da Saúde, o intendente Pazuello, a responder por seus atos, mais cedo ou mais tarde – mais cedo será melhor para o País, já que mais de mil brasileiros morrem por dia de covid-19. Parte desses óbitos poderia ser evitada se houvesse uma firme liderança do Ministério da Saúde na coordenação dos esforços contra a pandemia – o que dificilmente ocorrerá enquanto Pazuello estiver no Ministério, e Bolsonaro, na Presidência.

A má conduta de Bolsonaro é amplamente documentada. Não é exagero considerar que várias de suas ações podem constituir crimes de responsabilidade. O descalabro da saúde em meio à pandemia deveria bastar para que o presidente fosse pelo menos chamado a se explicar.

Se isso vai acontecer ou não, vai depender das condições políticas. Bolsonaro parece confortável com o arranjo que costurou na PGR e no Congresso. Mas, ao não demitir o ministro da Saúde, que já está sob investigação em inquérito no Supremo Tribunal Federal, Bolsonaro deixa claro que seu subordinado não agiu senão em razão de orientação superior – afinal, como o próprio intendente declarou outro dia, “um manda e o outro obedece”.

Convém lembrar que Pazuello é o terceiro ministro da Saúde de Bolsonaro – os outros dois perderam o emprego por discordarem da insistência do presidente com o chamado “tratamento precoce”, isto é, o emprego de medicamentos sem eficácia comprovada. O próprio fabricante de um deles, a ivermectina, informou que não há base científica para receitar o remédio contra a covid-19 e, pior, ressaltou que há “preocupante falta de dados de segurança”. Ou seja, Bolsonaro é garoto-propaganda de um elixir que pode causar mal, sem a menor possibilidade de causar bem.

Mas Bolsonaro é irremediável. Segundo ele, seu elixir não faz mal nenhum e não se arrepende de receitá-lo. “Pelo menos eu não matei ninguém”, disse o presidente, exercendo sua especialidade: livrar-se de responsabilidade. Mas o País começa a reagir.

A MAIORIA DOS BRASILEIROS QUER REFORMAS PROFUNDAS NA ESTRUTURA DO ESTADO BRASILEIRO

 

Maioria dos brasileiros apoia avaliação de desempenho de servidores públicos

Pesquisa aponta que 70% consideram que o funcionalismo deve ser avaliado de alguma forma; 45% acham que a estabilidade deve ser mantida para todos servidores, 13% dizem que apenas algumas carreiras essenciais devem manter benefício

Adriana Fernandes, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA/ A maioria dos brasileiros apoia uma política de avaliação do desempenho para os servidores públicos e defende que todos sejam afetados pelas mudanças na regra de estabilidade, incluindo os que já estão em serviço, mostra pesquisa do Instituto Ideia Big Data sobre a reforma administrativa. A proposta, resgatada na lista de prioridades do novo comando do Congresso, tem o objetivo de reformular o RH do Estado, com novas regras para contratar, promover e demitir os servidores.

Encomendada pelo movimento liberal Livres, a pesquisa entrevistou 1.688 pessoas por telefone celular, entre os dias 6 e 11 de janeiro, com recortes de classe social, faixa etária, gênero, escolaridade e região.

A reforma administrativa foi enviada ao Congresso pelo presidente Jair Bolsonaro em setembro do ano passado, mas não andou. Agora, o novo presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), disse que dará prioridade ao texto.

A proposta enviada pelo Executivo não afeta a estabilidade dos atuais servidores da ativa, uma exigência colocada pelo presidente para assinar a reforma preparada pela equipe econômica. A estabilidade é a garantia de que, depois de três anos da posse e de uma avaliação de desempenho protocolar, os chamados servidores estatutários não possam ser demitidos.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressistas-AL), disse que dará prioridade à Reforma Administrativa Foto: CAMARA1

A maior parte dos entrevistados quer que as mudanças nessa prerrogativa sejam aplicadas ao funcionalismo que já está na ativa, mas 45% dos ouvidos defendem a manutenção da estabilidade para todos servidores. Outros 13% dizem que apenas algumas carreiras essenciais devem continuar com o benefício e 29% afirmaram que restrições à estabilidade devem atingir todas as categorias.

Avaliação

Sete em cada dez entrevistados disseram ser favoráveis à avaliação de desempenho para servidores públicos. A avaliação de desempenho evita que as progressões na carreira, como aumento salarial, sejam feitas automaticamente e por tempo de serviço como ocorre hoje na maioria dos casos. Na reforma administrativa proposta, esse é um dos poucos pontos em que as mudanças também afetam os servidores da ativa. Ao entregar a proposta, o Ministério da Economia informou que o projeto de lei complementar que regulamenta a possibilidade de desligamento de servidor público por “baixo desempenho” estava em fase de elaboração e que logo seria enviado ao Congresso – ainda não foi. Hoje, a possibilidade de exoneração por mau desempenho não existe.

Segundo análise do Ministério da Economia, o processo de aferição da performance não funciona: numa escala de 0 a 10, a nota média atribuída aos servidores pelos colegas é 9,8. Na prática, a avaliação entre pares foi convertida em mera formalidade.

A pesquisa também quis saber sobre a avaliação da população em relação ao salário. Para 31% dos entrevistados, as remunerações são injustas porque têm valores muito superiores aos rendimentos pagos na iniciativa privada. Outros 21%, no entanto, consideram que os salários são inferiores aos pagos por empresas no setor privado.

Presidente Jair Bolsonaro enviou a Reforma Administrativa ao Congresso em setembro Foto: EVARISTO SA/AFP

O estudo mostra que 48% são a favor da aplicação de provas práticas para servidores, 29% nem a favor nem contra e 6% contra. Para 55% dos entrevistados, servidores em função obsoleta devem manter contrato e salário, mas devem ser transferidos para uma outra função e 44% acham que o servidor deve trabalhar em qualquer lugar que houver necessidade de sua mão de obra e não apenas para onde prestou o concurso.

“A pesquisa mostra que a população é bastante favorável que o servidor público seja avaliado e que tenha flexibilidade para exercer diferentes funções no serviço público, não fique atrelado a uma função que possa ter ficado obsoleta e que faça provas práticas”, diz Paulo Gontijo, diretor executivo do movimento. Segundo ele, o objetivo do Livres com a pesquisa é dar subsídio para os parlamentares sobre a reforma administrativa.

“Nós entendemos que deva ser revista, mas não acho que seja viável no Brasil acabar com a estabilidade. E está claro que a população entende que não”, afirma o diretor. O Livres é uma associação civil sem fins lucrativos que atua como um movimento político suprapartidário em defesa do liberalismo.

Frente é contra dar prioridade à Reforma Administrativa

A Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público (Servir Brasil) considera equivocada a decisão do Congresso de priorizar pautas econômicas que alterem a forma de contratação de servidores (efetivos e temporários) e o fim da estabilidade dos servidores federais, estaduais e municipais sem “argumentos sólidos ou razoáveis”.

O presidente da Frente, deputado professor Israel Batista (PV-DF), diz que “sentiu” que o presidente da Câmara vai mesmo dar prioridade à reforma administrativa: “Mesmo porque prestigiar a reforma tributária seria prestigiar o deputado Baleia Rossi, que é um dos autores dos principais textos”. Baleia, líder do MDB, foi adversário de Lira na disputa pela Presidência e autor da PEC 45 de reforma tributária que tramita na Câmara.

O deputado Tiago Mitraud (Novo-MG), presidente da Frente da Reforma Administrativa, avalia que a complexidade com essa reforma é que o grande público tem muito desconhecimento do funcionamento da administração pública.

UNIÃO EUROPEIA PRESSIONA O GOVERNO PARA DAR PRIORIDADE AO MEIO AMBIENTE

 

União Europeia quer Brasil engajado em pauta ambiental

Europa aposta na chegada de Portugal à presidência do conselho do bloco para convencer o Brasil e acelerar o acordo com Mercosul

Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo

União Europeia (UE) deseja que o Brasil se comprometa com metas de sustentabilidade, entre elas a redução de desmatamento na Amazônia, como uma condição complementar antes de assinar o acordo de livre-comércio com o Mercosul. O bloco europeu propôs uma declaração política à parte, focada no meio ambiente e com metas e objetivos concretos, como condição para seguir com o processo de assinatura e ratificação parlamentar do tratado. Diplomatas negociam os termos do texto com autoridades do governo Bolsonaro.

A Europa aposta na chegada de Portugal à presidência do conselho rotativo da União Europeia para acelerar a negociação e sensibilizar o governo brasileiro. O país ocupa o cargo até junho. Depois, assume a Eslovênia. Por isso, a diplomacia europeia trabalha com “sentido de urgência” para obter a concordância do Itamaraty na declaração complementar.

Na minuta em discussão, o lado europeu reconhece “dificuldades” no tema sustentabilidade, mas reafirma o interesse no acordo Mercosul-UE. A assinatura do acordo só vai ocorrer depois de o conselho da UE aprovar a declaração. Após a assinatura, os parlamentos dos países-membros e o Parlamento Europeu recebem a íntegra do tratado para votação.

Ignacio Ybáñez, embaixador da União Europeia em Brasília Foto: Gabriela Biló/ Estadão

“Essa declaração vai servir para restabelecer a confiança dos Estados-membros no acordo”, afirma Ignacio Ybáñez, embaixador da União Europeia em Brasília, para quem o fracasso da negociação “seria uma oportunidade perdida muito grande”. “O governo brasileiro tem de responder, tem de trazer soluções e boas notícias no âmbito do desmatamento e da Amazônia. E eles sabem. Nas nossas conversas com o vice-presidente (Hamilton Mourão), com o ministro (Ernesto) Araújo (das Relações Exteriores) e o resto do governo todos aceitam que há essa necessidade.”

A expectativa europeia é realista. Os líderes políticos não esperam que incêndios e desmatamento caiam a zero de um ano para outro, mas cobram que o governo Bolsonaro reverta a tendência de alta desde o início do mandato. “Se você olhar 2019 e 2020, os dados cada vez são piores. Precisa mudar, as medidas que o governo anunciou têm de começar a produzir resultado”, diz Ybáñez. “O que estamos trabalhando com o governo brasileiro é uma declaração que coloque certos objetivos, metas que vamos estabelecer no âmbito do desmatamento. Com essa declaração queremos restabelecer a confiança da opinião pública europeia e dizer que vamos juntos com o Brasil.”

‘Recado’

O embaixador de Portugal, Luís Faro Ramos, pondera que, pela relação histórica com o Brasil, o País tem condições de promover o convencimento. A diplomacia europeia aposta que os portugueses podem fazer o “recado” ser mais bem compreendido do que na voz de outras nações.

No alto nível político, houve uma série de atritos desde 2019 entre o governo Bolsonaro e o governo francês de Emmanuel Macron. Os diplomatas dizem que as declarações atravessadas são mais voltadas a atender à política interna de cada país. Mas asseguram que as objeções vão além da França. “Portugal pode dizer certas coisas ao Brasil que se forem ditas por outros não serão compreendidas da mesma forma”, diz Ybáñez.

Os europeus rejeitam reabrir negociação sobre os termos do acordo, fase concluída em 2019 após duas décadas de conversas em assuntos comerciais, econômicos e políticos. Mas argumentam que o Brasil precisa deixar claro a todos os países do bloco seu comprometimento com a pauta ambiental, que se converteu no principal entrave à assinatura e posterior ratificação do acordo negociado.

“Para Portugal, o acordo está bom”, diz Faro Ramos. “O acordo está bem fechado. Mas falta a ratificação, um processo complexo e que exige boa vontade de todos os lados. Tem de haver um ponto de equilíbrio em que todos se reconheçam. É nisso que estamos a trabalhar. É uma questão delicada, uma negociação complexa, mas para Portugal é uma das nossas prioridades.”

Mudança. Em que pese a manutenção dos ministros do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, identificados com uma pauta anticlimática, os embaixadores dizem que as representações da Europa em Brasília notaram uma mudança de postura do governo Bolsonaro no ano passado. Antes “reativa”, passou a ser mais “construtiva”. Consideram que houve mais abertura ao diálogo e elogiam a criação do Conselho da Amazônia, chefiado pelo vice-presidente Hamilton Mourão. Para eles, pesou o fato de o Brasil ter de apresentar resultados positivos para alcançar a implementação do Acordo Mercosul-UE e atender aos requisitos para o ingresso na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

AS ARMADILHAS DA INTERNET E OS FOTÓGRAFOS NÃO NOS DEIXAM TRABALHAR

  Brasil e Mundo ...