quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

ESTADO QUE CANCELA E LACRA

 

O ‘cancelamento’ estatal e o Estado ‘lacrador’

 

Eugênio Bucci

 

 


Tem sido comum ouvirmos queixas sobre a prática do “cancelamento”. São procedentes. Na etiqueta sem etiqueta das redes sociais, o “cancelamento” consiste numa avalanche de turbas virtuais que, em questão de horas, derruba a lista de seguidores de uma pessoa e acaba com seu prestígio digital. Basta uma opinião fora da ortodoxia das turbas para o sujeito se expor ao “cancelamento”. Há exemplos diários. O “cancelado” é banido. Os que eram seus admiradores se convertem em seus “detratores” (guardemos essa palavra, pois ela vai nos pegar de tocaia alguns parágrafos adiante).

Trata-se de uma pena afetiva: “Ei, nós não gostamos mais de você, ponha-se daqui para fora!”. Podem sobrevir repercussões políticas e econômicas. Políticas porque o “cancelamento” destrói os laços virtuais pegajosos que davam popularidade à infeliz criatura “cancelada”, que se vê de repente degredada, como se tivesse sido expulsa do partido. As pessoas entram em depressão. E econômicas porque os influencers (e eu que achava que nunca escreveria tal barbarismo), que ganham dinheiro com o número de likes, engajamentos, retuítes e coraçõezinhos piscantes, perdem faturamento. As pessoas entram em inadimplência.

Estamos falando de um flagelo cultural. Escritores e intelectuais são vítimas desse empastelamento simbólico perpetrado por maiorias barulhentas, intolerantes e implacáveis.

Mas não se trata propriamente de uma novidade tecnológica. Parecerá incrível, mas Alexis de Tocqueville, que morreu em 1859, sem desfrutar os prodígios gozosos dos smartphones, anotou o germe de tudo isso em seu Democracia na América: “A maioria traça um círculo formidável em torno do pensamento. Dentro desses limites o escritor é livre, mas ai dele se ousar sair!”.

Portanto, a moda do “cancelamento” nada mais faz do que trazer a máxima de Tocqueville para os dispositivos interconectados que funcionam na velocidade da luz. Nos nossos dias, a tal América ocupa o epicentro dessa prática nefasta, seguida de perto pelo Brasil. Aqui, no entanto, além das pessoas físicas – de carne, osso, mas sem muita massa cinzenta –, a própria máquina de governo decidiu ingressar com estardalhaço no esporte de “cancelar” a reputação de cidadãos honestos.

Agora, nesta semana, o jornalista Rubens Valente, do UOL, descobriu e noticiou que uma agência de comunicação, a pedido do governo federal, preparou uma lista de 77 influencers (reincidi), entre os quais aparecem 44 jornalistas, e os dividiu em três grupos: os “detratores” (eis a palavra), que criticam o governo, os “neutros” e os “favoráveis” (que los hay, los hay). Pela legislação ordinária e pelos princípios constitucionais, o governo não pode discriminar cidadãos pela opinião que emitam, mas, como o atual governo não liga para a lei, promove discriminações a toda hora. A lista sugere que as autoridades adotem condutas diferentes para falar com uns e outros. Uns merecem “parcerias”. Quanto aos demais, bem, um pouco de “cancelamento” estatal talvez ajude.

Esse pessoal na Esplanada dos Ministérios não tem modos? Aliás, será que ninguém ali pensa? Aliás, de novo, o problema do presidente da República e de seus asseclas mais próximos não é nem ideológico – é da ordem da cognição. Há sentidos que eles não apreendem, independentemente de concordarem ou não com o postulado. Que conduzam os negócios públicos como se fizessem arruaça em redes sociais é apenas mais um sintoma da limitação cognitiva profunda.

O “cancelamento” estatal vem junto com o Estado “lacrador”. Expliquemos o adjetivo. Entre os adictos das redes, o termo “lacração” se refere àquele post ou àquela atitude performática que “causa”, mas “causa” muito, tipo “causa” assim demais, cara, você não tem ideia, e fere outras pessoas, mas, tipo assim, tudo bem. E daí? (Essa interrogação cairia bem de epitáfio.) O que conta é “lacrar”, tá ligado? O Estado “lacrador”, pilotado por “lacradores”, desconhece a diferença entre “curti” e “voto aprovado”. Lacra. Cancela.

Falando em diferenças não percebidas, o presidente não capta a que existe entre um gabinete clandestino que distribui calúnias anônimas e um órgão de imprensa registrado em cartório, que recolhe impostos, tem endereço certo e um diretor de redação com nome e CPF. Não é que, por motivações ideológicas, ele negue a distinção. Ele simplesmente não a alcança.

Em 28 de maio de 2020, na entrada do Palácio da Alvorada, quando protestou contra o inquérito do Supremo Tribunal Federal que desbaratou uma indústria ilegal de fake news e discursos de ódio, o presidente, sem querer, confessou que não tem ideia dessa diferença essencial para a democracia: “Querem acabar com a mídia que tenho a meu favor!”.

O governante brasileiro acha que as fake news são uma “mídia” como qualquer outra – e como usa as palavras “mídia” e “imprensa” como sinônimas, fica evidente: não consegue distinguir entre a mentira e a verdade factual, assim como não aprendeu o que separa a ditadura da democracia. Para ele, só o que conta é a histeria das redes e suas milícias digitais. Adeus, República. #cancelamentoestatal.

 

JORNALISTA, É PROFESSOR DA ECA-USP

 

BOLSONARO EXIGE VOLTA ÀS AULAS PRESENCIAIS

 

Apesar do avanço da covid, Bolsonaro diz querer volta às aulas presenciais 'em todos os níveis'

 

Vinícius Valfré – Jornal Estadão

 

 


BRASÍLIA - Apesar do crescimento de casos de covid-19, o presidente Jair Bolsonaro disse desejar o retorno das aulas presenciais em todos os níveis de ensino. Em conversa com apoiadores ao retornar ao Palácio da Alvorada, nesta quarta-feira, 2, o chefe do Executivo criticou a resistência de reitores à retomada.

"Estamos tentando a volta às aulas. Conversei agora com o ministro da Educação. Queremos voltar às aulas presenciais em todos os níveis, mas os reitores agora chegaram nele... 'não, queremos só começar em 2022'. Aí, no meu entender, não tem cabimento", disse o presidente.

A manifestação de Bolsonaro ocorre no mesmo dia em que o Ministério da Educação publicou, e foi pressionado a revogar, portaria que recomendava a retomada das aulas presenciais nas instituições de ensino superior a partir de 4 de janeiro.

A preocupação com a nova escalada de contaminações pelo coronavírus tem feito Estados e instituições adotarem cautela para restabelecer rotinas. Na cidade de São Paulo estão autorizadas aulas apenas para o ensino médio, e grupos de pais se mobilizam para pedir o retorno presencial ainda este ano.

Os jovens são considerados os que melhor se adaptam ao ensino online, além de terem grande chance de propagar o novo coronavírus. Em vários países, o ensino superior tem se mantido a distância. Por outro lado, há uma grande defesa da manutenção das escolas de ensino básico - infantil, fundamental e médio, abertas mesmo durante lockdown, diante do risco de reflexos sociais e de aprendizagem no futuro.

Como mostrou o Estadão, a portaria do MEC poderia ser judicializada porque universidades têm autonomia e existe previsão legal para que governos regionais tomem decisões de caráter sanitário. A repercussão negativa da portaria do ministro Milton Ribeiro, entre instituições e especialistas que disseram que a medida era inconstitucional, acabou fazendo o governo voltar atrás.

Mourão. No diálogo com apoiadores, Bolsonaro, sem máscara, também comentou a decisão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de adotar a bandeira vermelha na tarifa de luz a partir deste mês.

O presidente reafirmou que a medida é necessária, para evitar apagões e racionamento. Disse, ainda, que ordenou à equipe do Alvorada a adoção de medidas para redução do gasto com energia a partir do mês seguinte.

Ao fazer o comentário, disse que as medidas poderiam gerar problemas de segurança e concluiu sugerindo, em tom de brincadeira, que a guarda oficial prefere ele ao vice, Hamilton Mourão.

"Eu quero a conta de luz do mês que vem menor do que essa. Não sou eu que pago. É o cartão corporativo. Quantas pessoas comem aqui todo dia? Mais de 150 pessoas. E tem que ter segurança. Com todo o respeito ao pessoal que está aqui, não existe segurança perfeita. Pode acontecer um problema um dia aí. E eles me protegem porque preferem eu (sic) do que o vice", declarou, rindo.

 

ANTIMINISTROS DO PRESIDENTE BOLSONARO

 

O antiministro de um antigoverno

 

ISTOÉ

 


Eduardo Pazuello entrou hoje, definitivamente, para o time dos antiministros do antipresidente Jair Bolsonaro. Vai compor com Damares Alves, Ricardo Salles, Ernesto Araújo. E outros que devo estar esquecendo.

Augusto Heleno, é claro! Mas vamos em frente.

Antiministros destroem em vez de construir. Põem a ideologia acima da gestão. São abjetamente submissos aos caprichos de Bolsonaro e repetem sem vergonha as ideias que nascem do fígado do presidente. Fazem deste governo um dos piores que o mundo já viu.

Pazuello compareceu hoje a uma audiência da comissão sobre Covid-19 do Congresso. Deveria explicar por que quase 7 milhões de testes de Covid-19 estão parados nos armazéns federais. Fez sua “defesa” em duas linhas.

Primeiro, disse muito satisfeito que entregou todos os testes que Estados e municípios pediram. O que não pediram ficou guardado, esperando a perda de validade.

O antiministro admitiu tacitamente, portanto, que sua pasta abdicou de cumprir o papel que lhe cabia na pandemia: o de produzir informações que pudessem orientar uma política nacional de prevenção da doença e redução dos seus danos.

É a velha história: desde que o Supremo impediu Bolsonaro fazer o que bem entendesse na crise, ele optou por não fazer nada, sob o falso argumento de que toda a responsabilidade cabia a governadores e prefeitos. Pazuello, hoje, se sente confortável como fantoche do menino mimado Bolsonaro.

A segunda linha de defesa é que, no fim das contas, os testes não servem para muita coisa.  Segundo Pazuello, só a análise clínica pode fechar um diagnóstico.

O antiministro confunde tudo: diagnóstico e tratamento de indivíduos com informação epidemiológica sobre a doença, que depende, em boa medida, de testagem. Não é por outra razão que países com gente séria combatendo a pandemia testam e testam e testam. Não se sabe de onde veio a “teoria Pazuello”, mas seu destino é o lixo.

Tem mais. Diante das evidências de que o número de casos disparou e muitas localidades já estão com o sistema hospitalar novamente à beira do colapso, o anti-ministro tergiversou. “Coisas acontecem, sobe. Depois desce.” Pois é.

Para arrematar, e como seu chefe prefere a morte de cidadãos ao distanciamento social, Pazuello tirou do colete outra teoria maluca sobre ondas da Covid. Só a primeira teria a ver com o vírus, as outras diriam respeito a violência doméstica, doenças psicológicas e outras enfermidades.

Mais uma vez, é a velha história: ninguém precisa de um ministro (e de um presidente) que diante dos problemas diga “pois é, a vida é cruel”. Governantes são eleitos para agir e, no mínimo, reduzir danos.

A fala de Pazuello sobre vacinação foi preocupante.

Ele disse que a prioridade do governo é oferecer aos cidadãos um imunizante de eficácia comprovada. Deveria ser o óbvio, mas com o governo Bolsonaro nunca se sabe.

Logo em seguida, porém, o antiministro afirmou que os fabricantes de vacinas terão dificuldades para atender a demanda brasileira. Soou como um alerta:  que ninguém se anime; e por favor, não venham nos cobrar.

São várias as lições da audiência pública, nenhuma delas boa. Como ministro da Saúde, Pazuello é um antiministro. Como especialista em logística, ele é menos eficiente que um bom chefe de almoxarifado. Não haverá distribuição adequada de vacina tão cedo. E também não há plano para os repiques da doença em 2021. A instrução do governo aos brasileiros é: habitue-se com a morte.

Finalizo com uma paráfrase de Dante: “Deixai toda esperança vós que entrais no país de Bolsonaro”.

 

AS ARMADILHAS DA INTERNET E OS FOTÓGRAFOS NÃO NOS DEIXAM TRABALHAR

  Brasil e Mundo ...