quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

MUITOS MEGARROUBOS ÀS AGÊNCIAS BANCÁRIAS EM VÁRIAS CIDADES DO BRASIL

 

Megarroubos pelas cidades do Brasil mostram como funciona a bola de neve do crime organizado

O recente assalto a banco em Criciúma não é o primeiro nem será o último; ataques de grande porte revelam evolução do novo cangaço, surgido há 15 anos

Guaracy Mingardi*, O Estado de S.Paulo

02 de dezembro de 2020 | 05h00

O recente megarroubo não é o primeiro nem será o último. Faz parte de um gênero criminal criado há vários anos e tem alguns contornos daquilo que se convencionou chamar de Novo Cangaço. Nessa modalidade, surgida há uns 15 anos no Norte e no Nordeste, quando um grande grupo de criminosos invadia uma pequena cidade, com um ou mais bancos movimentados, aprisionava os poucos policiais, efetuava o assalto e fugia antes da chegada de reforços.


Políciais isolam área após assalto em Criciúma Foto: Guilherme Ferreira/Reuters

 

Como sempre acontece, o modus operandi dos criminosos evoluiu. Em 2016, começaram os ataques a transportadoras de valores no interior paulista. E a forma de agir se sofisticou. Sempre com efetivo de mais de 30 integrantes, a atividade dos ladrões foi se especializando. Alguns, os melhores atiradores, cuidam da polícia. Outro grupo é destacado para invadir o local do armazenamento do dinheiro e transportar os valores. Um terceiro segmento, talvez o mais especializado, cuida dos explosivos necessários. E dois ou três ficam no comando da operação. Na maior parte das vezes eles têm mais de uma tática para impedir a polícia de agir. Normalmente cercam o local com carros roubados e/ou jogam estrepes para furar o pneu dos veículos que se aproximarem. Segundo o noticiário desta vez teriam inovado, pondo pessoas sentadas no meio da rua .

Essa modalidade prosperou. Em 2017, ocorreram vários desses ataques, incluindo um milionário feito por brasileiros no Paraguai. Quando as transportadoras de valores começaram a deixar menos dinheiro em seus depósitos, esse tipo de crime passou a ter como alvo locais menos visados - simples bancos. Ou seja, o modelo se adaptou e popularizou.

Segundo entrevistas feitas com policiais civis de São Paulo, os primeiros eventos foram patrocinados pelo PCC, mas não da forma como supõem alguns. Não foram crimes planejados e comandados pela cúpula. Eles foram idealizados por membros que tiveram apoio logístico do Primeiro Comando da Capital. O que significa que a organização criminosa forneceu armamento pesado, alguns contatos e ajudou na aquisição, por meio de furto ou roubo, dos veículos empregados na fuga. E por conta desse auxílio ficou com uma porcentagem do espólio.

E, como sempre acontece no mundo do crime, quando uma fórmula dá certo logo vários outros tentam empregá-la. Foi assim com o sequestro nos anos 90. Os primeiros, bem planejados, deram resultado e o crime se popularizou. No final, segundo um policial civil, a coisa estava tão relaxada que quadrilhinhas sem nenhuma estrutura sequestravam pessoas e “escondiam debaixo da cama no barraco da tia”. E chegou uma hora em que a polícia, que é um órgão burocrático como qualquer outro, aprendeu a investigar essa modalidade criminosa. Ai a pressão sobre os criminosos aumentou, vários acabaram sendo presos e o tipo criminal caiu em desuso. Até aparecer outra modalidade.

O ciclo de aprendizado do novo tipo de crime - aumento da incidência-aprendizado policial-repressão- queda nos índices - existe pelo menos desde a criação da polícia profissional. E está em curso com as saidinhas de banco e as explosões de caixas eletrônicos, por exemplo. A iniciativa sempre parte do mundo do crime e a repressão policial sempre corre atrás. Isso não tem a ver com determinada polícia ser boa ou ruim. Ocorre por todo o mundo. E a grande questão é fazer com que esse gap entre a criação de um novo crime e sua repressão diminua.

O primeiro megarroubo foi em abril de 2016, em Santos. De lá para cá já ocorreram vários outros em cidades médias e grandes e até no exterior. Isso dá a ideia errônea de que eles são fruto sempre do mesmo grupo. Na verdade, não é bem assim. Os delinquentes profissionais aprendem tanto pela participação nos crimes quanto por meio de conversas, na cadeia ou fora dela. Portanto, o mais provável é que indivíduos que participam de um desses assaltos ganhem know how e passem a montar o próprio grupo de assaltantes. E aí a bola de neve cresce até a polícia também ganhar expertise e parar a avalanche que desponta no horizonte.

*ESPECIALISTA EM SEGURANÇA PÚBLICA, CIENTISTA POLÍTICO, MESTRE PELA UNICAMP E DOUTOR PELA USP

 

REDUÇÃO DO AUXÍLIO EMERGENCIAL AUMENTA A POBREZA NO BRASIL

 

Redução do auxílio piora renda e mais pessoas caem na pobreza ou miséria

Com o corte de R$ 600 para R$ 300 mensais, número de brasileiros vivendo na pobreza aumenta em mais de 8,6 milhões, enquanto grupo em situação de miséria cresce mais de 4 milhões; cálculo é do economista Daniel Duque

Daniela Amorim, O Estado de S.Paulo

02 de dezembro de 2020 | 05h00

RIO - Cálculos do economista Daniel Duque, pesquisador da área de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), mostram o peso da redução do auxílio emergencial no bolso dos brasileiros. O número de pessoas vivendo em situação de pobreza aumentou em mais de 8,6 milhões na passagem de agosto para setembro, enquanto a população em situação de miséria avançou em mais de quatro milhões. Pago pelo governo federal para amenizar os efeitos da pandemia, o auxílio teve seu valor reduzido no período de R$ 600 para R$ 300.

Para chegar a esses números, Duque considerou as informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Covid (Pnad Covid-19) de outubro, divulgada na terça pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “O pior momento vai ser em janeiro (de 2021)”, afirmou o pesquisador, em referência à data prevista para o fim do benefício – a despeito de o mercado de trabalho ainda não ter recuperado o ritmo pré-covid. Pressionada a manter o pagamento por mais alguns meses, a equipe econômica diz que trabalha na criação de programa para expandir o microcrédito.

 


Movimento em agência da Caixa do Rio, durante o pagamento do auxílio emergencial. Foto: Wilton Junior/Estadão - 16/4/2020

Pesquisador da consultoria IDados, Bruno Ottoni, também fala com preocupção sobre o início do próximo ano. “O auxílio vai acabar, e os trabalhadores que puderam ficar em casa com alguma renda no período de pandemia não terão alternativa, terão de buscar trabalho. Vai acabar também o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, que beneficiou até 9,5 milhões de trabalhadores da iniciativa privada. Então, teremos um corte expressivo e abrupto de dois programas muito relevantes”, disse ele.

Pelos números pesquisados por Duque, a população vivendo na extrema pobreza saltou de 5,171 milhões, em agosto, para 9,251 milhões em setembro – um aumento de cerca de 4,080 milhões. A proporção da população brasileira vivendo nesta condição cresceu no período de 2,4% para 4,4%. Já a proporção de brasileiros vivendo na pobreza subiu de 18,3%, em agosto, para 22,4% em setembro. Em números absolutos, esse grupo passou de 38,766 milhões para 47,395 milhões.

Pelos critérios das Nações Unidas, a pobreza extrema engloba pessoas com renda disponível familiar per capita inferior a US$ 1,90 por dia, na conversão pelo método de Paridade de Poder de Compra – que não leva em conta a cotação da taxa de câmbio, mas o valor necessário para comprar a mesma quantidade de bens e serviços no mercado interno de cada país em comparação com o mercado nos Estados Unidos. Já a população que vive abaixo da linha de pobreza é aquela com renda disponível de US$ 5,50 por dia. “Boa parte dessa população tem a renda altamente dependente do auxílio”, lembrou Duque.

Os dados da Pnad Covid de outubro mostraram que os 10% de brasileiros mais pobres tinham renda domiciliar per capita de apenas R$ 31,69 por mês no período, se excluído o auxílio emergencial. Ou seja, mais de 21 milhões de brasileiros tinham apenas R$ 1,05 por dia para sobreviver considerando todo o restante de renda disponível. Com a ajuda do auxílio, esse valor subiu a R$ 219,96 mensais, o equivalente a R$ 7,33 por dia.

Sem emprego

Segundo o pesquisador do Ibre/FGV, a expectativa é que haja alguma melhora na desigualdade de renda nos próximos meses a partir de uma recuperação mais consistente do mercado de trabalho e mesmo com a estabilidade do valor do auxílio emergencial até dezembro deste ano. No entanto, a melhora no emprego não deve chegar a mudar a situação dos miseráveis, que têm mais dificuldade de se inserir no mercado de trabalho. “A melhora do emprego, sem dúvida, dificilmente afeta positivamente a pobreza extrema. A pobreza não extrema é mais sensível ao mercado de trabalho”, disse Duque.

“Elas estão em regiões ou localidades que são muito pouco dinâmicas, com a economia mais fraca, que terá mais dificuldade para ter um dinamismo na geração de vagas, como o interior do Nordeste, por exemplo”, justificou Duque.

 

EMPRESÁRIOS SÃO CONTRA AO ISOLAMENTO INTERNACIONAL DO BRASIL

 

Falando sozinho

Os principais freios à política externa de Bolsonaro vêm da iniciativa privada

William Waack, O Estado de S.Paulo

 

 

É preciso um pouco de paciência, mas a força dos interesses privados brasileiros está conseguindo impor severos limites aos rompantes de política externa do governo Jair Bolsonaro. A “linha” externa foi basicamente subordinar-se a Donald Trump, um erro grotesco do ponto de vista “técnico” de diplomacia e um exemplo já clássico de como a cegueira ideológica conduz a decisões que são pura estupidez.

 

Jair Bolsonaro, presidente da República Foto: Gabriela Biló/ Estadão

 

agronegócio foi o primeiro a gritar contra a gratuita hostilização de parceiros comerciais no Oriente Médio e na Ásia, seguido de perto por setores modernos industriais e do mundo financeiro em relação a políticas ambientais. Os mais novos grupos a entrar no “vamos dar uma segurada” são de setores tecnológicos ligados a telecomunicações e infraestrutura, preocupados com o dano que a hostilidade à China possa trazer a investimentos no 5G.

Especialmente no agro “tecnológico” – aquele que colocou o Brasil como uma superpotência na produção de grãos e proteínas – a postura externa do governo Bolsonaro é vista com consternação e abertamente criticada. O racha já chegou à relação entre entidades que representam os variados grupos desse setor. Aqueles apelidados de “ruralistas”, e identificados com a soja e a pecuária “primitiva”, continuam apegados à noção de que, sendo o Brasil um campeão na produção de alimentos, não importa o que aconteça ou o que se diga, o mundo continuará comprando aqui.

Mas coligação de peso é a que passa pelos bancos, grandes indústrias (química, por exemplo), instituições financeiras (plataformas de investimentos), empresas de ponta no setor digital (aplicação de inovação digital na agricultura, por exemplo), serviços e varejo de massa (por suas ligações com o exterior). Elas se entendem como parte de grandes cadeias internacionais, o que significa levar em grande consideração o que vai pela cabeça de massas de consumidores – e as preocupações de acionistas idem.

Estabeleceram com o presidente do Conselho da Amazônia, o general Hamilton Mourão, uma espécie de interlocução que se faz notar, por exemplo, na maneira como o vice-presidente reagiu ao anúncio de Biden de que retornaria aos acordos do clima de Paris – mais uma vez, a voz de Mourão é abertamente dissonante em relação à de Bolsonaro. Aliás, na cabeça dos executivos desses grupos a vitória de Joe Biden é vista como uma excelente oportunidade de, pelo menos, restaurar parte das cadeias produtivas globais. E fala-se da China com bem menos hostilidade política.

Nenhum desses dirigentes admite em conversas particulares enxergar qualquer vantagem no isolamento internacional a que as posturas de política externa de Bolsonaro levaram o País, e simplesmente ignoram o que diz o governo. Olham para os acordos de comércio recentemente assinados na Ásia (abrangendo 30% do PIB mundial e alguns países “ocidentais” como a Austrália, por exemplo) e examinam em grupos nutridos de análise da situação internacional como não perder o bonde (mais um).

Nesse sentido, a anunciada adesão do Brasil à iniciativa americana de “rede limpa” (clean network), que exclui a chinesa Huawei do 5G brasileiro, foi considerada prematura e desnecessária também por militares envolvidos em programas de Defesa – e que não viram na dedicação de Bolsonaro a Trump qualquer vantagem prática em termos de acesso a tecnologias sensitivas (notadamente nos setores nucleares e de mísseis) tradicionalmente bloqueadas por governos americanos, democratas ou republicanos.

Qual o resultado de tudo isso: será o retorno às deliberações multilaterais (incluindo o acordo de Paris), a moderação na resposta às críticas à política ambiental, mais cuidado no trato com parceiros comerciais importantes na Ásia e Oriente Médio e a reiteração (bem antiga, já) aos que controlam tecnologias de Defesa de que somos internacionalmente “adultos e responsáveis”. Em outras palavras, é deixar a área externa do governo, incluindo filhos, assessores e alguns ministros de Bolsonaro, falando sozinhos.

*JORNALISTA E APRESENTADOR DO JORNAL DA CNN

 

AS ARMADILHAS DA INTERNET E OS FOTÓGRAFOS NÃO NOS DEIXAM TRABALHAR

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