Um país travado
Denis Lerrer Rosenfield

Um país travado é um país que não descortina horizontes. O futuro se
vislumbra sombrio, pois os impasses do presente não se resolvem. A dívida
pública torna-se cada vez mais preocupante, a crise fiscal não consegue ser
equacionada, o desemprego é enorme, a pandemia persiste e seus efeitos
certamente se prolongarão para o próximo ano. Pessoas estão desorientadas e
inseguras, com uma quebra brutal de expectativas. E no meio de situação de tal
gravidade se discutem a reeleição de 2022 e uma série de questões menores e
secundárias.
A trava econômica é de natureza política. Ela se traduz pela
desconfiança e pela insegurança, sem que os investidores nacionais ou
estrangeiros se sintam confortáveis para apostar num país paralisado em suas
decisões. As reformas não andam, as discussões sobre o auxílio aos mais
necessitados não encontram fontes de financiamento, sobretudo porque os
privilegiados socialmente não querem abrir mão de seus benefícios, e o
presidente não consegue decidir, embora a própria omissão seja uma forma de
decisão. Envia-se uma reforma administrativa que não mexe com nenhum dos
privilégios atuais do funcionalismo público, nem chega sequer a cogitar, mesmo
para o futuro, de mudar os privilégios do Judiciário, do Ministério Público e
do Poder Legislativo. Os mais carentes são, mais uma vez, os perdedores.
O presidente optou pela inação, atento aos seus grupos de apoio, agindo
nas redes sociais, olhando para a sua reeleição. Segue a pauta conservadora que
o elegeu, apesar de dar sinais cada vez mais evidentes de que não cumprirá suas
promessas eleitorais de uma reforma liberal da economia. Pouco foi feito nessa
área, salvo a reforma da Previdência. De um lado é consequente consigo mesmo,
de outro é incoerente. Acontece que estamos no final da primeira metade de seu
mandato e há um longo caminho a percorrer, uma senda em que pessoas morrem de
covid-19, estão famintas e perdem esperança na procura de um emprego ou de um
meio digno de vida. O Brasil não pode esperar 2022.
O que fazer? O instituto da reeleição foi um erro histórico. O
governante assume suas funções pensando no horizonte eleitoral, quando deveria
preocupar-se unicamente com o governamental. Sua função consiste em governar, e
não em se reeleger. A reeleição, quando muito, deveria ser somente uma
consequência, e não um projeto exercido cotidianamente. Quando das últimas
eleições, o candidato Bolsonaro acertadamente se voltou contra o instituto da
reeleição, ciente dos prejuízos que isso causa à Nação. Ao assumir o poder,
mudou de posição. O mais sensato seria voltar à sua opinião anterior!
Se não mais pretende fazê-lo, haveria talvez uma possibilidade
intermediária. O presidente interditaria o debate sobre as eleições de 2022,
declarando que essa questão só se colocará, por exemplo, em março de 2022,
assumindo uma atitude de governante. Sua justificativa seria evidente: os
problemas do País precisam ser enfrentados, e com medidas concretas que
contrariariam muitos interesses encastelados na atual estrutura de poder.
Decidir significa contrariar, pois os não contemplados sempre manifestarão seu
descontentamento. O norte deve ser o bem coletivo, o Brasil acima de todos. Se
isso vai ou não favorecer a eventual pretensão reeleitoral do presidente, só o
tempo dirá. Quanto antes decidir, melhor para o País e também para a sua
imagem. O que não se deve, em todo caso, admitir é que o Brasil siga
definhando, problemas se acumulando sem solução.
Se para isso for necessário uma reforma ministerial, então que afaste os
ruídos internos e a belicosidade contra inimigos reais ou imaginários na cena
nacional e estrangeira, e o faça em nome dessa renovação. Passaria a mensagem
de que realizaria uma grande mudança para governar, preocupado com a crise e
assumindo suas próprias responsabilidades. Certamente contaria com o apoio do
Poder Legislativo, que tem mostrado convicção reformista, particularmente clara
na aprovação da reforma da Previdência. Tem sido, infelizmente, subaproveitado
por vaidades e conflitos totalmente desnecessários e secundários. O mesmo se
diga do Supremo, que tenderia – com um apaziguamento político e não sendo
objeto de ataques – a exercer menor protagonismo político. Poderia até ser
menos demandado, tendo como efeito uma menor judicialização da política.
Urge que o presidente tome uma atitude de governante, e não de candidato
antecipado de si mesmo. Se o fizer, o clima no País mudará substancialmente.
Vivemos politicamente fraturados, radicalizados, para além da imensa divisão
que se traduz por uma desigualdade social gritante. O Brasil poderá viver um
período de paz política, propício ao diálogo e à busca de equacionar os nossos
problemas. O presidente poderia propor uma pauta concreta de medidas a serem
adotadas, tendo como eixo o coletivo, e não o atendimento dos distintos
interesses particulares, sejam eles sociais, estamentais ou econômicos.
A paz política propicia o diálogo e, por via de consequência, o
entendimento.
PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS. E-MAIL: DENISROSENFIELD@TERRA.COM.BR