sábado, 10 de outubro de 2020

PAULO GUEDES NÃO ESTÁ CONSEGUINDO TIRAR COELHO DA CARTOLA NA ECONOMIA

 

A tempestade perfeita na economia

 

Vicente Vilardaga

 


O prazo para o ministro da Economia, Paulo Guedes, surpreender, encontrar uma boa solução para alguma coisa, dar uma contribuição decisiva para o governo, terminou. Ele próprio andava dizendo que, até agosto, tiraria um coelho da cartola. Não conseguiu. E seu chefe, o presidente Jair Bolsonaro, esperava que ele afastasse a economia do marasmo até julho. Também falhou. Se existe um ministro periclitante no governo, hoje, é Guedes. Caso não encontre, imediatamente, uma equação razoável com recursos orçamentários para bancar um programa de renda mínima, a partir de janeiro, sem romper o teto de gastos e aumentar ou criar impostos, ele cai. Bolsonaro vai lançar, de qualquer jeito, um programa para suceder o Bolsa Família, que pague de R$ 250 a R$ 300 para cerca de 30 milhões de brasileiros. E estourar as projeções do orçamento de 2021 está fora de questão para o ministro – seria um sinal claro de descontrole na gestão e afetaria gravemente a dívida pública, que não para de crescer.

O grande problema de Guedes é transferir dinheiro do lugar certo. Até agora, todas as suas propostas têm sido inadequadas e ferido os interesses dos mais pobres ou a lei. Primeiro ele teve a ideia de usar dinheiro de benefícios fundamentais, como o abono salarial, que garante um salário-mínimo para quem ganha até dois pisos, o Farmácia Popular, o Seguro Defeso e o salário-família para pagar o programa de renda mínima. O próprio Bolsonaro vetou a ideia, que por pouco não derrubou Guedes em agosto, e disse que não “podia tirar dinheiro dos pobres para dar para os paupérrimos”. Depois veio a proposta de obter recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais de Educação (Fundeb) e dos precatórios. O primeiro é um fundo indispensável para uma área carente de recursos. E o uso dos precatórios, valores devidos pelo governo para pessoas físicas e empresas depois da sentença judicial definitiva, seria uma espécie de pedalada fiscal.

Falta de flexibilidade


      © Gabriela Biló/Estadão Conteúdo CONCILIAÇÃO O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o ministro Guedes tiveram um encontro para fazer as pazes: renda mínima com respeito ao teto de gastos

“Falta, claramente, disposição e capacidade de enfrentar o problema”, diz o cientista político Leandro Consentino, professor do Insper. “A visão do governo é oportunista, de curto prazo, e orientada mais para a próxima eleição do que para a próxima geração”. O Brasil vive um clima de tempestade perfeita, com uma redução brutal da atividade econômica por causa da pandemia, associada a vários movimentos desastrosos, como a fuga maciça de capital estrangeiro (em agosto saíram do País R$ 10,79 bilhões), o aumento acelerado da dívida pública, cujas obrigações de curto prazo, com vencimento em até 12 meses, já superam R$ 1 trilhão, e a volta da inflação dos alimentos, representada pelo aumento médio de 20% do arroz. E em vez de levar adiante reformas estruturais, como a tributária, ou encontrar soluções de transferência de renda e de extinção de privilégios para implantar seus programas sociais, o ministro demonstra uma total falta de flexibilidade, pensa em diminuir benefícios dos mais pobres e é capenga na articulação política.

Dentro do governo, Guedes enfrenta um embate direto com o ministro do Desenvolvimento Social, Rogério Marinho, que caiu nas graças de Bolsonaro e prioriza o investimento em obras e não a austeridade fiscal e o controle de gastos. Enquanto Guedes representa a ala fiscalista do governo e se aferra raivosamente ao teto de gastos, que, por lei, impede o aumento das despesas acima da inflação, Marinho, que virou um inaugurador de obras, pertence ao grupo desenvolvimentista, que inclui também ministros militares e líderes do Centrão. Para esse grupo é possível excluir o novo programa de renda mínima, que se chamava Renda Brasil e agora foi batizado de Renda Cidadã, do limite do teto de gastos, ainda que temporariamente, considerando a situação de emergência causada pela pandemia. Bolsonaro demonstra impaciência com Guedes e parece mais propenso a aceitar uma solução desenvolvimentista, com um programa de obras de infraestrutura e auxílio para os mais pobres, visando aliviar a crise econômica e ganhando força para as eleições de 2022.

Fim dos supersalários

“A confusão em torno do programa de renda mínima mostra a falta de estratégia do governo, que deve ser definida a partir da viabilidade política e da disponibilidade de recursos”, diz o economista Lauro Gonzalez, coordenador do centro de estudos de Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV-SP. “Há uma posição mais ideológica do que pragmática e o fato é que o teto, que funciona como uma camisa de força, deveria ser flexibilizado para refletir a realidade econômica”. Gonzalez diz que deveria existir um empenho maior de Guedes para encontrar espaços no orçamento cortando privilégios do funcionalismo público, por exemplo, especialmente os chamados supersalários, que superam o teto da categoria de R$ 39,3 mil.

Nesse sentido, há uma proposta no Congresso, endossada por Guedes, que poderia representar um corte de R$ 1 bilhão nas despesas da União e contribuir para o novo programa de renda mínima, que, pelos cálculos do governo, deverá exigir um gasto adicional de R$ 20 bilhões.

Ultrapassar o teto de gastos significa romper com a austeridade fiscal

e elevar

o risco sistêmico, fazendo os investidores aumentarem seus juros

e encarecerem o financiamento da dívida pública

Na segunda-feira 5, Guedes se encontrou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, com quem vinha se estranhando nas últimas semanas. No final de agosto, Maia publicou uma postagem nas redes sociais em que perguntava: “Por que Paulo Guedes interditou o debate da reforma tributária?”. No dia seguinte, o ministro deu o troco e, numa live, disse que haveria um acordo do presidente da Câmara com os partidos de esquerda para travar as privatizações.

Maia reagiu e chamou o ministro de “desequilibrado”. Para tentar acomodar as diferenças, os dois tiveram um jantar de conciliação em que pediram desculpas um ao outro. “Caso eu tenha ofendido o presidente Rodrigo Maia ou qualquer político que eu possa ter ofendido inadvertidamente, eu peço desculpas”, afirmou Guedes. Maia também voltou atrás. “Deixo aqui meu pedido de desculpa, fui indelicado e grosseiro, o que não é do meu feitio”, disse. Como Guedes, Maia defende uma solução para o Renda Cidadã que não ultrapasse o teto de gastos. Acertando-se com o presidente da Câmara, o ministro da Economia espera ganhar um trunfo para enfrentar e isolar Marinho e seu projeto desenvolvimentista.

Dívida pública

O problema de ultrapassar o teto de gastos é que isso traz insegurança para os investidores e para o mercado. Pela lei, a despesa máxima do governo deve equivaler ao orçamento do ano anterior corrigido pela inflação. Descumprir essa regra significa romper com a austeridade fiscal e aumentar a insegurança sistêmica. O capital não busca lugares que tragam insegurança. E diante do aumento do risco, os investidores aumentam seus juros e encarecem o financiamento da dívida pública. O Tesouro Nacional, por sua vez, trata de encurtar o prazo da dívida para dar algum conforto aos investidores se anteciparem ao risco de insolvência. O prazo médio dos títulos da dívida, emitidos desde o início do ano, caíram de 4,7 anos para 2,4 anos e o volume da dívida com vencimento de curto prazo, até doze meses, subiu de R$ 810 bilhões para R$ 1,02 trilhão entre janeiro e junho. Diante da incerteza crescente, o mercado passa a exigir uma remuneração maior para financiar os papéis do governo.

O Brasil enfrenta neste momento um impasse econômico de difícil solução e quem deveria cuidar de arrumar a casa está cada vez mais isolado. Desde que assumiu o cargo, no início do ano passado, Guedes perdeu sete membros com cargos estratégicos no Ministério. Só em 2020, deixaram seus postos o ex-secretário do Tesouro Mansueto Almeida, o ex-presidente do Banco do Brasil Rubem Novaes, o ex-secretário da Fazenda Caio Megale, o ex-secretário de Desestatização Salim Mattar, e o ex-secretário de Desburocratização Paulo Uebel. Sua equipe foi toda desmantelada e o ministro tem perdido sucessivas batalhas. Guedes classificou a situação como uma “debandada” e atribuiu a saída dos auxiliares ao atraso do programa de privatizações e da reforma administrativa. O problema, porém, é que as ideias do ministro não têm viabilidade política e suas propostas não emplacam. Enquanto isso, a economia brasileira naufraga. Segundo projeções do Institute of International Finance (IIF), o País deve crescer menos do que o mundo neste ano. Mais uma má notícia.


© Fornecido por IstoÉ

sexta-feira, 9 de outubro de 2020

BOLSONARO QUER MESMO AS PRIVATIZAÇÕES DE GUEDES?

 

A força do querer

Bolsonaro não quer privatização e Guedes não entra nessa bola dividida

Elena Landau*, O Estado de S.Paulo

 


Os 90 dias chegaram e nada de privatização. Ninguém tinha levado a sério a bravata do ministro. Mais uma. Mas serviu para gerar divertidos memes nas redes sociais.

Da promessa do trilhão às quatro grandes privatizações, nada saiu do papel. Guedes coloca a conta desse fiasco no Congresso. Seja o suposto boicote do presidente da Câmara, seja a resistência política insuperável, a culpa é sempre dos outros. Bom lembrar que Bolsonaro, e Guedes como seu fiador, assumiu com um ambiente muito favorável à aprovação de um amplo programa de privatizações. Interditado nas campanhas presidenciais desde 2002, o assunto foi discutido abertamente em 2018. Bolsonaro chegou a prometer vender todas as estatais criadas pelo PT. O tempo passou e nada relevante foi proposto.

O Programa Nacional de Desestatização (PND) foi criado em 1990, pela Lei 8.031. Desde então, um decreto tem sido suficiente para incluir uma empresa no PND. Só é necessária a permissão específica do Congresso para empresas cujas vendas tenham vedação legal. É o caso do Banco do BrasilCaixa e Petrobrás. E também a Eletrobrás, já que uma lei – e não um decreto –, de 2004, retirou a holding do programa. Ou quando haja monopólio da União definido na lei, como a Casa da Moeda, ou na própria Constituição, como o segmento de minérios nucleares. Mas a Constituição, no art.173, trata a presença estatal na atividade econômica como exceção, e não como regra. Com base nele, o Executivo toma a decisão do que vender para reorganizar o funcionamento do Estado.

Bolsonaro e GuedesBolsonaro e Guedes assumiram em um ambiente muito favorável para as privatizações. Foto: Eraldo Peres/AP

Um bom exemplo de articulação entre Executivo e Legislativo é o primeiro ano de mandato de FHC. Reformas estruturais foram aprovadas em 1995, por meio de um conjunto de emendas constitucionais. Foi quebrado o monopólio da União nas telecomunicações e o da Petrobrás na exploração do petróleo. Acompanhando essas alterações, vieram leis importantes como a de Concessões, a do Petróleo e a Lei Geral das Telecomunicações, além da criação de agências reguladoras.

Essas mudanças abriram caminho para a inclusão no PND do sistema Eletrobrás, e suas subsidiárias, da Companhia Vale do Rio Doce e também para a privatização da Telebrás. O objetivo, além de ajudar nas contas públicas, era atrair capital privado e introduzir maior competição e eficiência em atividades até então exploradas por monopólios estatais, melhorando a prestação de serviços públicos. O processo obedecia a uma lógica, não era uma política de varejo, como neste governo.

Hoje há universalização na energia elétrica e nas telecomunicações. Espera-se o mesmo no saneamento com o novo marco legal, aprovado mesmo após o governo deixar caducar duas MPs sobre assunto tão relevante. Apesar do ambiente político conturbado, o leilão da Casal, companhia estadual de água e esgoto de Alagoas, foi um sucesso e mais de R$ 2 bilhões serão investidos para a universalização dos serviços. Um começo auspicioso.

Ainda que tardiamente (mais de 20 anos se passaram desde a quebra do monopólio da Petrobrás), a nova da Lei do Gás avança no Congresso e vai estimular a concorrência no segmento de óleo e gás. Ou seja, quando bem explicadas, as reformas que ajudam a desestatização recebem apoio.

O governo sempre pode propor uma nova legislação, ou mesmo emendas constitucionais, quando for necessário superar impedimentos legais. Temer enviou um PL para que o Congresso autorizasse a reinclusão da Eletrobrás no PND e Bolsonaro uma medida provisória retirando a exclusividade da Casa da Moeda na impressão de notas e passaportes. A falta de convicção do governo é o que tira a urgência dessa pauta no Legislativo. A capitalização da Eletrobrás perambula pelo Congresso e a MP da Casa da Moeda caducou.

O programa de privatização não anda porque Bolsonaro não quer e Guedes não entra nessa bola dividida. De Usiminas, no governo Collor, à Celg, no governo Dilma, bastou um decreto presidencial para incluir empresas estatais no PND. Temer fez o mesmo para vender distribuidoras de energia elétrica. Até Bolsonaro usou decretos para iniciar estudos para a desestatização de algumas poucas estatais. Ele poderia incluir outras mais relevantes, como ValecEBCTelebrés e Infraero. É só querer.

O que o governo demora, o tempo leva.

Alerta

Na esteira da tibieza do governo, sinais preocupantes para o futuro da desestatização começam a ser emitidos no Judiciário. Em duas votações recentes sobre a legalidade de venda de subsidiárias da Petrobrás, o STF confirmou só haver necessidade de lei autorizativa para a venda de empresas-mãe. Ressalva desnecessária, já que isso nunca esteve em discussão. Se a Constituição exige lei para a criação de uma estatal, uma lei deve autorizar sua passagem para o setor privado. Como não ratificou explicitamente que a Lei do PND é uma autorização genérica, começaram especulações de que poderia haver uma revisão da jurisprudência. O que não é bom.

*ECONOMISTA E ADVOGADA

 

AS ARMADILHAS DA INTERNET E OS FOTÓGRAFOS NÃO NOS DEIXAM TRABALHAR

  Brasil e Mundo ...