quarta-feira, 26 de agosto de 2020

CORONAVÍRUS NO BRASIL APÓS SEIS MESES

 

O doloroso saldo do coronavírus após seis meses no Brasil

 

Bruno Lupion

 

Somada à falta de testes e à desigualdade, resposta de Bolsonaro à covid-19 contribuiu para que o país se tornasse o segundo mais afetado pela pandemia. Perspectiva é que número de mortes siga elevado nos próximos meses.

 


© Getty Images/B. Mendes Em ato em Copacabana, ONG Rio de Paz chamou atenção para as mortes em decorrência da covid-19

Seis meses após a confirmação do primeiro caso de covid-19 no Brasil, em 26 de fevereiro, o país acumula mais de 3,6 milhões de infecções e 116 mil mortes em decorrência do novo coronavírus – números que devem ser ainda maiores devido à falta de testes e à subnotificação. Há cerca de dois meses e meio, o Brasil registra cerca de mil mortes diárias em decorrência da doença e é o segundo país em número de óbitos, atrás apenas dos Estados Unidos.

O desempenho do Brasil no enfrentamento da pandemia é considerado um dos piores do mundo e resulta tanto de decisões políticas equivocadas quanto de dificuldades estruturais, segundo especialistas ouvidos pela DW Brasil.

Nesse diagnóstico, destaca-se o papel do presidente Jair Bolsonaro. O cientista político Fernando Abrucio, professor da Fundação Getúlio Vargas, aponta que as ações e decisões do presidente são o "primeiro problema” enfrentado pelo país na pandemia. Bolsonaro negou a gravidade da doença, se opôs a protocolos científicos para frear sua disseminação, minou a capacidade de o Ministério da Saúde liderar o combate ao coronavírus e gerou descoordenação entre os entes federativos, afirma.

"Ele disse que era uma ‘gripezinha', se negou a evitar aglomerações e usar máscara, difundiu a história da cloroquina [como remédio eficaz, apesar de não haver comprovação científica]. O que vemos na experiência internacional é que a liderança maior do país é um exemplo para a população”, diz.

A decisão de trocar duas vezes o ministro da Saúde durante a pandemia deixou o Sistema Único de Saúde (SUS) sem rumo, quebrou a continuidade de políticas públicas e fez o país perder um tempo de que não dispunha, avalia a cientista política Lorena Barberia, coordenadora científica da Rede de Pesquisa Solidária – iniciativa que reúne pesquisadores de diversas instituições para produzir pesquisas sobre a pandemia.

Luiz Henrique Mandetta, que havia assumido o Ministério da Saúde no início do governo Bolsonaro, acabou demitido em 16 de abril, após se notabilizar como defensor do isolamento social e das recomendações científicas relativas à doença, em contraste com a posição de Bolsonaro. Na época, a covid-19 havia provocado 2 mil mortes no país.

Seu sucessor, Nelson Teich, ficou pouco menos de um mês no cargo. Ele defendia o isolamento social e pediu demissão após se recusar a mudar o protocolo sobre uso amplo da cloroquina no tratamento da doença. Em seu lugar, assumiu o comando da pasta, como interino, o general do Exército Eduardo Pazuello, então secretário-executivo do ministério e homem de confiança de Bolsonaro, que logo liberou a cloroquina para os contaminados. Nesta segunda-feira (24/07), Pazuello completou 100 dias de interinidade no cargo.

Segundo Barberia, as trocas de ministros criaram "momentos de insegurança” sobre quais diretrizes deveriam ser aplicadas e quais compras deveriam ser feitas em meio à pandemia. "Isso nos custou semanas, quando já estávamos em uma situação muito grave”, diz. Além disso, um ministro interino não tem a mesma autonomia e estabilidade que um efetivo, diz. Ela ressalta, porém, que a reação inicial do Brasil já havia sido lenta, e que o país desperdiçou a chance de se preparar melhor enquanto acompanhava a evolução da pandemia na Ásia e na Europa.

Falta de coordenação

O Brasil adota o sistema federativo de governo, no qual as atribuições são divididas entre municípios, estados e governo federal. Para funcionar bem, esse modelo requer coordenação e parcerias entre os diversos níveis. Desde que foi eleito, Bolsonaro tem como estratégia o enfraquecimento dessa relação, com impacto no combate à pandemia, diz Abrucio.

"O federalismo bolsonarista persegue a desresponsabilização da União e não aposta no sistema coordenado de políticas públicas. Isso já vinha sendo construído pelo presidente antes da pandemia, na educação, no meio ambiente e na assistência social. Mas ganhou dimensão maior na saúde”, afirma.

Em pesquisa realizada com outros professores da Fundação Getúlio Vargas e da Universidade Federal do ABC, Abrucio mapeou iniciativas do governo Bolsonaro em relação ao federalismo e notou que, em diversos momentos, o presidente agiu para transferir responsabilidades a municípios e estados e reduzir o papel do governo federal no financiamento e apoio a redução de desigualdades regionais. Ao mesmo tempo, adotou uma estratégia de confronto institucional e luta constante contra adversários "reais ou imaginários” para mobilizar sua base e seu discurso antissistema, e tratou prefeitos e governadores como alvos.

"O confronto e a descoordenação intergovernamental, provocados pela falta de liderança do governo federal, levou a desperdício de recursos, sobreposição de iniciativas, redução de ganhos de escala que decorrem da coordenação federativa e prejuízos na garantia de direitos sociais que haviam sido conquistados […] Esse desarranjo federativo foi uma das principais causas dos resultados terríveis no número de pessoas que ficaram doentes e morreram”, diz a pesquisa.

O conflito entre governo federal e os estados foi uma das causas da redução da adesão ao isolamento social, diz Barberia. "Encontramos evidências de que, desde o início, o presidente tentou ampliar o que os estados estabeleciam como serviço essencial [que poderiam funcionar no isolamento]. Isso gerou uma mensagem contraditória”, afirma.

Testagem e desigualdade

Em 16 de março, quando a pandemia ainda estava no início no Brasil, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, disse que tinha uma mensagem simples para todos os países: "Teste, teste, teste”.

A orientação era de que, a partir da testagem em massa da população e do rastreamento e isolamento de quem teve contato com infectados, seria possível controlar a contaminação pela covid-19.

O Brasil não conseguiu seguir essa orientação, diz Barberia. "Demoramos muito para ter capacidade de testagem e, ainda hoje, está difícil. Em muitos estados houve uma disseminação silenciosa da doença por uma capacidade de testagem muito limitada”, diz.

A Rede de Pesquisa Solidária calcula que, no início de agosto, o Brasil havia realizado 13 testes a cada mil habitantes, enquanto na Alemanha eram 102 e nos Estados Unidos, 171, segundo dados compilados pelo jornal Folha de S.Paulo.

"A testagem foi muito insuficiente no Brasil, não se deu prioridade”, afirma Antônio Augusto Moura Da Silva, professor de epidemiologia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Outro aspecto que contribuiu para o alto número de mortes é a desigualdade extrema no país, afirma Da Silva. "A pobreza é muito grande. Isso impediu que muitas pessoas seguissem normas de distanciamento social. Tem gente que acorda e não tem o que comer, e essa ajuda [renda básica emergencial] demorou para chegar a algumas pessoas”, diz.

Ele lembra que inquéritos sorológicos realizados em diversos estados mostram que o percentual de infectados pela covid-19 é mais alto entre os pretos e pardos e entre os mais pobres e com menor escolaridade – a incidência chega a ser quatro vezes maior em bairros pobres do que em áreas ricas do Ceará, diz.

Daqui para frente

Há no país apostas em três vacinas como forma de imunizar a população contra a covid-19. As principais são a elaborada pela universidade de Oxford, no Reino Unido, em parceria com o laboratório AstraZeneca, escolhida pelo governo federal com a participação da Fiocruz, e a criada pela chinesa Sinovac, que tem o governo de São Paulo e o Instituto Butantan como parceiros, ambas na fase 3 de testes.

O governo do Paraná também anunciou um acordo para produzir a vacina russa, que é questionada pela OMS por falta de dados públicos sobre sua eficácia.

Para Barberia, esse cenário indica que o país segue adotando uma resposta fragmentada à pandemia e poderá repetir erros do início da pandemia. "Cada uma dessas vacinas é uma aposta arriscada, e da mesma forma que ocorreu com a testagem, pode ser que a vacina chegue a alguns lugares e não a outros”, diz.

Antes de centrar forças na vacina como solução para a pandemia, ela defende que o Brasil precisa aprender "fazer o básico”: rastrear e isolar os contaminados. "Já chegamos às 100 mil mortes e precisamos mudar para não alcançarmos as 200 mil. O risco segue elevado e não é hora de baixar a guarda”, diz.

Abrucio não vê boas perspectivas para que o país melhore sua gestão da pandemia nos próximos meses. Para isso, o Brasil precisaria apostar na coordenação sob o comando do governo federal, que ele considera improvável sob Bolsonaro. Além disso, a população não aguentaria mais seguir em isolamento rigoroso.

"O Brasil já está num platô há dois meses e meio e parte do erro é irrecuperável. Vamos ter ainda um grande número de mortes por um tempo, até que uma hora vai cair, vamos ter uma imunidade coletiva forçada. É uma tristeza, um dos experimentos mundiais mais dolorosos já feitos”, diz.

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Autor: Bruno Lupion

 

terça-feira, 25 de agosto de 2020

ECONOMIA VERDE PODE GERAR MUITO LUCRO A SETORES PRODUTIVOS

 

Economia verde pós-pandemia pode somar R$ 2,8 tri a setores produtivos

 

Agência Brasil

 

 


Brasil poderia ser beneficiado com dois milhões de empregos até 2030

A adoção de opções de economia verde específicas para determinados setores produtivos no período pós-pandemia pode acrescentar à economia brasileira R$ 2,8 trilhões, com a geração de dois milhões de empregos até 2030. A conclusão é apresentada no estudo Uma Nova Economia para uma Nova Era: Elementos para a Construção de uma Economia Mais Eficiente e Resiliente para o Brasil. O estudo é liderado pela organização não governamental (ONG) WRI Brasil e pela New Climate Economy e assinado por pesquisadores de seis instituições nacionais.

O professor de Planejamento Energético do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), André Lucena, disse à Agência Brasil que essas opções de economia verde têm vários co-benefícios econômicos que não são percebidos diretamente, “mas que existem”.

Lucena exemplificou que medidas para aprimorar o transporte público, que melhorem a qualidade do ar nas cidades, seja pela substituição de combustíveis fósseis por outros menos poluentes, significam menores gastos com a saúde, maior produtividade dos trabalhadores, menos tempo gasto em deslocamentos. “Isso tudo tem ganhos econômicos”. Através da criação de diferentes modelos, os pesquisadores puderam avaliar como custos associados a problemas ambientais podem gerar ganhos econômicos.

A melhoria do transporte público poderia ser obtida também por medidas transitórias, como os carros híbridos, em que não há mudança de combustível, mas têm uma autonomia bem maior, ou seja, uma eficiência energética muito maior. “Reduz o consumo de combustíveis e, portanto, a poluição associada”.

Vantagens

André Lucena observou que o Brasil precisa usar vantagens comparativas que possui, associadas a essas medidas de economia verde, de curto, médio e longo prazos. “O Brasil tem vantagens que podem ser utilizadas para tentar melhorar a qualidade e a percepção de seus produtos no mercado internacional, associadas, por exemplo, à baixa intensidade de carbono da matriz elétrica brasileira”.

O aço nacional, por ter alguma participação de carvão vegetal, tem conteúdo de emissões de carbono menor do que países que produzem aço baseado em carvão mineral. “Diante de uma ação coordenada global para reduzir emissões, isso pode dar ao Brasil vantagens competitivas a partir da menor intensidade de carbono. Isso precisa ser explorado também”, sinalizou o professor da Coppe.

No caso do setor de uso do solo, o primeiro passo é conter o desmatamento, indica o estudo. André Lucena explicou que o Brasil não precisa de mais terra. “O Brasil já tem terra suficiente para atender a uma demanda própria e para exportação no horizonte de 2050, principalmente se você considerar que o país tem 200 milhões de hectares de pecuária de baixa produtividade que poderia facilmente aumentar, liberando um terço dessas terras para produção agrícola”.

Lucena destacou que o país está vivenciando no atual momento uma perda de mercado em função do desmatamento. Acordos comerciais estão em risco, como o existente entre o Mercosul e a Alemanha. Além disso, há uma avaliação negativa de produtos brasileiros no mercado internacional, cortes de fluxos de investimentos, tudo em função do desmatamento. “É um custo que não traz benefícios à sociedade nem ao país”, comentou.

Integração

O estudo reforça que não há necessidade de aumentar a quantidade de terras mas, sim, de melhorar a sua produtividade. Isso pode ser alcançado por meio da recuperação de pastagens degradadas, da integração entre lavoura e pecuária, ações que repercutem em benefícios ao meio ambiente. “São medidas que podem fazer com que você tenha um uso mais rentável da terra, na medida em que usa ela não só para pecuária, mas para a lavoura, mantendo a qualidade do solo”.

Na parte industrial, citou que há opções de eletrificação que podem ser adotadas para reduzir emissões de gás carbônico. Outra área que o Brasil poderia explorar e mostra grande potencial futuro é a da química verde. “A química verde, embora não tenha um custo tão baixo como a petroquímica atualmente, em um cenário de descarbonização isso pode se reverter. O Brasil tem alta vantagem comparativa nisso, tanto pelo lado do potencial de recursos, entre os quais a biomassa, o etanol, como tecnológica também”.

Lucena se referiu ao uso de biocombustíveis avançados, como etanol e biodiesel, que substituem gasolina e diesel, que são combustíveis fósseis. O estudo sugere a possibilidade de adaptar a indústria de biocombustíveis brasileiros já existentes para a produção de biocombustíveis avançados em setores em que a substituição não é trivial, como a aviação, por exemplo. O querosene de aviação é um combustível de altíssimo valor adicionado e baixíssima substitubilidade, mas há a possibilidade de se fazer o chamado biojet ou bioquerenose de aviação, indicou o professor de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ. “Seria um uso muito melhor para a indústria já existente no Brasil”.

Governo

Na área de infraestrutura, uma sugestão formulada é fazer o transporte de mercadorias via cabotagem, que apresenta custo de investimento bem menor que ferrovias, aproveitando o fato de o Brasil ser um país com mais de 8 mil quilômetros de costa.

O estudo foi encaminhado para o governo federal, através do Ministério da Economia.

 

AS ARMADILHAS DA INTERNET E OS FOTÓGRAFOS NÃO NOS DEIXAM TRABALHAR

  Brasil e Mundo ...