segunda-feira, 10 de agosto de 2020

GOVERNO PRETENDE FAZER UMA REFORMA ADMINISTRATIVA DOS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS

 

Aposentadorias podem ser janela para a reforma

 

Estadao Conteudo

 

 

© Agência Brasil 219 mil servidores que vão se aposentar na próxima uma década e meia

O levantamento do Instituto Millenium aponta que um terço dos funcionários efetivos do setor público federal deve se aposentar até 2034. O diagnóstico é que esse cenário abre uma janela de oportunidade para implementar as mudanças da reforma administrativa já que os novos servidores que ingressaram poderão seguir regras distintas. O grupo prestes a se aposentar, 219 mil pessoas acima de 51 anos, representa 36% dos funcionários que estão atualmente na ativa.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, e o secretário especial de Desburocratização e Gestão do Ministério da Economia, Paulo Uebel, responsável pela coordenação da elaboração da proposta de reforma administrativa, são ex-membros do instituto.

"Há uma urgência máxima em fazer uma reforma administrativa para que os novos estejam em um ambiente com maiores incentivos à produtividade", diz Wagner Vargas, sócio da consultoria ODX de inteligência de negócios, que participou do estudo.

Segundo Vargas, dos 219 mil servidores que vão se aposentar na próxima uma década e meia, 95% são funcionários estatutários, com maior estabilidade no emprego. Isso significa que o governo vai precisar abrir novos concursos para repor esses cargos.

Para ele, a crise fiscal agravada pelo cenário do coronavírus aumenta essa urgência, pois o setor público teve que aumentar seus gastos no mesmo instante em que o atual desaquecimento da atividade econômica deve fazer a receita apresentar uma queda significativa. Como o gasto com pessoal é uma despesa obrigatória, ocupa um espaço considerável do orçamento (93% das receitas são obrigatórias) e reduz a quase a zero o espaço para investimentos, por exemplo.

O uso da ciência de dados para o estudo permitiu a implementação de várias técnicas que envolvem automatização na coleta e trabalho de análise dos dados. Foram utilizados algoritmos para fazer a coleta de dados em base oficiais e públicas.

O estudo chama atenção para o inchaço de servidores na esfera municipal. Com uma média de 4,48% ao ano, o funcionalismo municipal foi o que mais cresceu; enquanto que os funcionários públicos estaduais e federais apresentaram uma média anual de 1,4% ao ano. Os servidores municipais passaram de 1,7 milhão para 6,5 milhões entre 2002 e 2019.

Somados os três Poderes das 5.570 cidades, o funcionalismo público municipal tem um custo de 4,2 % do PIB (R$ 292 bilhões ao ano), o que é semelhante ao do federal. Mas os servidores federais, que representam 11% do funcionalismo, é que, proporcionalmente, têm maior impacto fiscal. O custo médio de um funcionário federal é de R$ 242,4 mil ao ano, 5,7 vezes mais do que o custo médio do servidor municipal e 2,7 vezes mais do que servidor vinculado ao funcionalismo estadual.

Salários de servidores

O Brasil gastou com a folha de pagamentos dos servidores públicos 3,5 vezes mais do que com a saúde e o dobro com educação, aponta diagnóstico do Instituto Millenium que lança nesta segunda-feira a campanha "Destrava" para pressionar pela aprovação da reforma administrativa, que prevê uma reestruturação do RH do Estado, pelo Congresso até o fim do ano.

Em 2019, foram desembolsados R$ 928 bilhões para pagar servidores públicos federais, estaduais e municipais das três esferas do Poder, o equivalente a 13,7% do Produto Interno Bruto (PIB). Enquanto os gastos com saúde somaram 3,9% do PIB, a educação recebeu 6% do PIB, de acordo com os cálculos do instituto.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a anunciar, no início do ano, que a proposta estava pronta, mas o presidente Jair Bolsonaro engavetou o texto e desistiu de encaminhá-lo ao Congresso, após pressão do funcionalismo público e parlamentares com vínculo com servidores.

Entre as mudanças que a equipe econômica propôs a Bolsonaro estavam a redução no número de carreiras, que ultrapassa 300, e a restrição da estabilidade apenas para algumas carreiras de Estado, depois de dez anos de estágio probatório.

O Millenium, um think tank (centro de pensamento) brasileiro de inspiração liberal, traçou uma radiografia do desempenho e eficiência dos servidores públicos no País, em parceria com a consultoria de Data Science ODX. O estudo, ao qual o Estadão teve acesso, foi feito com uso de tecnologias de inteligência artificial e técnicas de análise de big data (capacidade de retirar valor de uma grande quantidade de dados em velocidade rápida). Analisa os encargos da máquina pública com pessoal nos últimos 30 anos, os impactos do engessamento orçamentário com pessoal e o grau de urgência reforma administrativa.

Depois do envio da primeira parte da reforma tributária pelo governo, a pressão pela aprovação da reforma administrativa se intensificou junto com a pressão por aumento de gastos, queda dos investimentos, crescimento da dívida pública e risco de flexibilização do teto de gastos - a regra que trava o crescimento das despesas à variação da inflação.

A apresentação da proposta de reforma administrativa é considerada uma prerrogativa exclusiva do Executivo. Ao Estadão, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), cobrou do governo a proposta para que a Casa possa começar a discutir o texto para se evitar uma "gambiarra fiscal" nesse momento de crise.

"O gasto com pessoal drena recursos, que iriam para os investimentos, públicos e pressiona a dívida pública, que permanece com viés de alta, mesmo com a inflação e a taxa básica de juros controladas", diz Priscila Pereira Pinto, CEO do Instituto Millenium.

Segundo Priscila, o instituto decidiu encabeçar a campanha porque, com a crise econômica provocada pela covid-19, o Estado brasileiro "está quebrando" e recolhendo cada vez menos impostos. Na sua avaliação, não adianta pensar somente em reforma tributária e privatizações.

"O Millenium acha importante voltarmos a pressionar o governo tanto o Executivo como o Legislativo a retomar a conversa da reforma administrativa", diz. Ela alerta que o gasto com o funcionalismo vem aumentando e não houve corte no meio da pandemia, enquanto os trabalhadores do setor privado sofreram muito. Segundo dados oficiais do governo, 9,5 milhões de trabalhadores tiveram o contrato suspenso ou o salário reduzido por causa dos efeitos da covid-19 na economia. A taxa oficial de desemprego no País subiu para 13,3% no trimestre encerrado em junho, atingindo 12,8 milhões de pessoas, com um fechamento de 8,9 milhões de postos de trabalho em apenas três meses em meio aos impactos da pandemia.

Pelo diagnóstico do instituto, dos 63,7 milhões de brasileiros que compõem a população ocupada, estima-se que 11,4 milhões tenham algum tipo de vínculo empregatício direto com o setor público (entre os celetistas mais estatutários). Hoje, os servidores públicos estatutários têm direito à estabilidade após três anos de efetivo exercício, desde que aprovados em avaliação de desempenho. Quem faz concurso para empresas e sociedades de economia mista é chamado de empregado público e está submetido ao regime jurídico estabelecido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

O funcionalismo público é composto 9,77 milhões de funcionários, o que representa 21% dos 46 milhões de postos formais existentes atualmente no Brasil.

Desigualdades

O levantamento mostra que o patamar médio de salários do funcionalismo público federal coloca seus servidores no grupo dos 6% mais ricos, portanto, menos expostos à chamada regressividade do sistema tributário brasileiro(quadro que evidencia que quem ganha paga proporcionalmente menos impostos). A crítica é que essa situação faz com que as atuais regras do serviço público atuem como um distribuidor de renda às avessas, ou seja, um formato que acentua desigualdades sociais.

Só em 2019, os mais de 605 mil funcionários federais civis, por exemplo, custaram R$ 319 bilhões de reais, 21 vezes mais do que os recursos investidos em saneamento (abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto).

O estudo também escancara a disparidade em relação à iniciativa privada. Se as 30 ocupações estatutárias mais numerosas do serviço público recebessem a remuneração do seu equivalente no setor privado, haveria uma economia de aproximadamente R$ 15 bilhões por mês aos cofres públicos, segundo os cálculos do estudo.

Para Priscila, fica claro também a ineficiência do sistema de avaliação: 95% dos funcionários recebem bonificação máxima por seu desempenho. Das 440 rubricas salariais, 369 não têm equivalência no setor privado.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

 

domingo, 9 de agosto de 2020

BOLSONARO - ECONOMIA - E REELEIÇÃO

 

A reeleição e a arte de tocar a vida sobre a morte

 

*Rolf Kuntz

 

 

“Vamos tocar a vida e buscar uma maneira de se safar desse problema”, disse o presidente Jair Bolsonaro, depois de mencionar as quase 100 mil mortes confirmadas até a noite de quinta-feira. Além de agredir o idioma com aquele pronome “se”, ele voltou a exibir uma caixinha de cloroquina e culpou governadores e prefeitos pelo aumento do desemprego. Não especulou sobre quantas pessoas mais teriam morrido se tivesse havido menor empenho no distanciamento social. Disse lamentar as mortes e talvez alguém tenha acreditado nisso. “Tocar a vida”, no caso de Bolsonaro, significa retomar a atividade sem levar em conta o risco sanitário. Durante mais de um ano ele havia ignorado o mau estado da economia, deixando o assunto para seu “posto Ipiranga”. Terá havido uma súbita iluminação, talvez causada por algum vírus ainda desconhecido?

Cuidar da vida significa também cuidar da reeleição. Mortos são excluídos do colégio eleitoral, pelo menos quando a lei prevalece. “Não sou coveiro”, respondeu o presidente ao ser confrontado, numa entrevista, com a mortandade causada pela pandemia. “Empatia”, palavra muito repetida nos últimos meses, parece continuar fora do vocabulário presidencial. Não faltou atenção, no entanto, a negócios e votos.

Políticas emergenciais foram implantadas em dezenas de países, nos últimos meses, para atenuar os efeitos da pandemia. Centenas de bilhões de dólares foram rapidamente canalizados no mundo rico para ações de saúde, apoio às empresas, defesa do emprego e socorro aos pobres. Planos mais modestos foram adotados nas economias emergentes e em desenvolvimento.

Nem os países mais pobres ficaram sem proteção. O Fundo Monetário Internacional (FMI) mobilizou cerca de 1 trilhão de dólares para ajuda. Em pouco tempo foram aprovados desembolsos para cerca de uma centena de países. Parte desses empréstimos provavelmente nunca será quitada, mas isso é parte do jogo. Em todos os casos a ajuda foi vinculada a ações de saúde e de sustentação econômica.

As medidas aplicadas no Brasil são parecidas, em pontos essenciais, com aquelas encontradas em muitos outros países. De modo geral, houve estímulos ao crédito e aumento do gasto público. Esse aumento foi combinado, em alguns casos, com alívio temporário de impostos. Um levantamento dessas políticas foi divulgado há semanas pela OCDE, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico.

A maioria das pessoas, no Brasil e provavelmente em muitos outros países, desconhece esses fatos. Ignora, da mesma forma, o sentido econômico do auxílio emergencial. Essa ajuda é vital para as famílias, obviamente, mas é também muito importante para as empresas, pequenas, médias e grandes, produtoras e distribuidoras de bens essenciais.

A estratégia econômica torna-se interpretável por milhões de pessoas como ato de bondade. Isso facilita faturar politicamente, como se fosse um gesto humanitário, um ato explicável pela mais prosaica racionalidade econômica. Repetido por alguns meses, um auxílio de R$ 600 pode converter-se em fonte de gratidão e de votos. Erros cometidos no combate à doença – e até agravados pelo desprezo à vida de milhares – tornam-se irrelevantes ou invisíveis. Lucra, portanto, quem se ocupa prioritariamente da reeleição em 2022.

Muitos talvez nem tenham percebido os erros e as falhas de liderança, embora possam ter ocasionado a morte de pessoas próximas. Nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, onde os programas de ajuda emergencial foram muito amplos, erros no combate à pandemia saíram menos baratos para os chefes de governo. Serão menos dotados de gratidão os europeus e americanos?

Especialmente notável, no caso brasileiro, é o repentino interesse do presidente pela economia e pela sorte dos trabalhadores. Esse interesse, nunca manifestado nos primeiros 14 ou 15 meses de mandato, só apareceu depois de reconhecida a presença do novo coronavírus.

Em 2019 a economia cresceu 1,1%, menos que em qualquer dos dois anos anteriores, mas o assunto jamais pareceu preocupar o presidente da República. No trimestre móvel encerrado em fevereiro os desempregados eram 11,6% da força de trabalho, mais que o dobro da média da OCDE, e a aparente indiferença permaneceu. Ainda em fevereiro, a produção industrial, embora 0,5% maior que a do mês anterior, continuou 0,4% inferior à de um ano antes e 16,6% abaixo do recorde de maio de 2011, no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff.

A crise industrial vem de longe e se agravou nos últimos oito anos, mas permanece invisível na agenda presidencial e na da equipe econômica. Não se resolverá esta crise com a mera redução de encargos sobre a folha de salários e com a eliminação de direitos trabalhistas, bandeiras do ministro da Economia. Sem cuidar de temas essenciais para a prosperidade do País, o presidente, centrado em objetivos pessoais, pressiona pela retomada imediata dos negócios, mesmo com o risco de mais mortes. Na sua contabilidade, esse deve ser um preço razoável pela reeleição. O lema é tocar a vida sobre os mortos.

 

AS ARMADILHAS DA INTERNET E OS FOTÓGRAFOS NÃO NOS DEIXAM TRABALHAR

  Brasil e Mundo ...