O que é o 'Lincoln Project', grupo de republicanos que tenta impedir a
reeleição de Trump
©
Reprodução/Facebook O 'Lincoln Project' é formado por republicanos
insatisfeitos com o rumo que o partido tomou sob o comando de Trump
Entre os apoiadores do democrata Joe Biden na
corrida pela Casa Branca, um grupo em especial tem se destacado entre os
desafetos do presidente Donald Trump. Formado por estrategistas republicanos
insatisfeitos com o rumo que o partido tomou sob o comando de Trump, o Lincoln
Project tem a missão declarada de impedir sua reeleição e vem ganhando atenção
com uma série de anúncios criticando o presidente americano.
Veiculados muitas vezes nos intervalos dos
programas de TV preferidos de Trump, esses anúncios parecem ter como objetivo
não apenas convencer outros republicanos a apoiar Biden mas, principalmente,
irritar o presidente e provocar uma resposta. E os esforços têm dado resultado.
Em um dos vídeos mais comentados, divulgado em
maio, o grupo transformou o famoso slogan "Morning in America"
("Manhã na América"), usado na campanha de reeleição de Ronald Reagan
em 1984 para projetar otimismo com a situação do país, em "Mourning in
America" ("Luto na América"), ao criticar a resposta do governo
federal à pandemia de covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus.
Diante de imagens de ruas desertas, prédios em
ruínas, pessoas em longas filas e em corredores de hospital e uma bandeira
americana de cabeça para baixo, o narrador diz que Trump ignorou o "vírus
mortal" e que a economia está "em frangalhos".
"Sob a liderança de Donald Trump, nosso país
está mais fraco, mais doente e mais pobre", afirma o narrador. "E,
agora, os americanos se perguntam: se tivermos outros quatro anos disto, ainda
existirá uma América?"
A divulgação do vídeo provocou reação imediata de
Trump, que disparou uma série de tuítes, no meio da madrugada, chamando os
membros do grupo de "perdedores" e de "RINO (sigla em inglês
para "republicanos só no nome") que fracassaram terrivelmente 12 anos
atrás, e novamente oito anos atrás, e então foram seriamente derrotados por
mim, um estreante na política, quatro anos atrás".
O ataque de Trump serviu para alavancar a
popularidade do Lincoln Project e impulsionar a arrecadação de doações para o
grupo. O vídeo já teve mais de 30 milhões de visualizações, e o perfil do grupo
no Twitter tem mais de 1,3 milhão de seguidores. Calcula-se que tenha arre cadado
mais de US$ 1 milhão (cerca de R$ 5,3 milhões) em decorrência dos tuítes do
presidente.
"Nós
agradecemos a ele por toda a publicidade gratuita que tem dado ao nosso
movimento e aos nossos esforços", disse o estrategista político Reed
Galen, um dos fundadores do grupo, em artigo publicado pela rede NBC. "Mas
sua incapacidade de se controlar ilustra ainda mais sua inaptidão para o
cargo."
Missão de 'derrotar o trumpismo'
Criado em
dezembro do ano passado, o Lincoln Project é um chamado "super PAC"
(sigla em inglês para Comitê de Ação Política). Essas organizações não são
ligadas oficialmente a nenhum candidato ou partido, mas podem arrecadar
quantidade ilimitada de fundos e fazer campanhas a favor ou contra candidatos
ou causas.
Os
fundadores do Lincoln Project são conservadores conhecidos por suas posições
anti-Trump, muitos deles veteranos de campanhas de candidatos republicanos.
Fazem parte do grupo nomes como Steve Schmidt, que trabalhou para George W.
Bush e coordenou a campanha presidencial do senador John McCain em 2008; John
Weaver, que trabalhou para McCain, George H.W. Bush e na campanha presidencial
de John Kasich em 2016; e o consultor Rick Wilson, também veterano de várias
campanhas republicanas e autor de um livro intitulado Everything Trump Touches Dies
("Tudo o que Trump toca Morre").
© EPA Trump reagiu às críticas, chamando os republicanos opositores de
'perdedores'
Outro fundador, o advogado George Conway, é
casado com Kellyanne Conway, uma das principais assessoras da Casa Branca, e é
tanto crítico quanto alvo constante de Trump.
"Eu
não sei o que Kellyanne fez para o louco perdedor do seu marido, Cara de Lua,
mas deve ter sido muito grave", tuitou o presidente ainda em resposta ao
vídeo do grupo, em maio.
Na visão
dos integrantes do Lincoln Project, Trump e seus apoiadores estão arruinando o
Partido Republicano e os Estados Unidos. Em seu site, o grupo declara que tem
como missão "derrotar o presidente Donald Trump e o trumpismo nas
urnas".
"Trump
e seus facilitadores abandonaram o conservadorismo e os antigos princípios
republicanos e os substituíram pelo trumpismo, uma fé vazia liderada por um
falso profeta", escreveram em um manifesto publicado no jornal The New
York Times em dezembro para anunciar a criação do grupo.
Eles
afirmam que, apesar de continuarem sendo conservadores e de terem diferenças
políticas com os democratas, irão trabalhar para convencer republicanos
insatisfeitos e independentes com inclinação republicana a ajudar a impedir que
Trump vença as eleições de novembro, "mesmo que isso signifique o controle
democrata do Senado e aumentar a maioria democrata na Câmara".
Em um
momento em que os Estados Unidos enfrentam uma profunda divisão política, o
nome do grupo é uma homenagem a Abraham Lincoln, o primeiro presidente
republicano, que governou o país de 1861 a 1865 e lutou para reunificar a nação
após a Guerra Civil. "Nós olhamos para Lincoln como nosso guia e
inspiração. Ele entendeu a necessidade de não apenas salvar a União, mas também
de voltar a integrar a nação espiritualmente e politicamente", afirmam.
Diferenças entre 2016 e 2020
Os
republicanos do Lincoln Project não são os únicos que estão arrecadando e
investindo dinheiro para evitar um segundo mandato de Trump.
Assim
como ocorreu na eleição de 2016, também neste ano há outros grupos anti-Trump
dentro do partido do presidente, entre eles o Republican Voters Against Trump
(Eleitores Republicanos Contra Trump) e o 43 Alumni for Biden (que reúne
membros do governo de George W. Bush, o 43º presidente americano, número ao
qual o título do grupo se refere).
Recentemente,
vários nomes importantes do Partido Republicano, como o senador Mitt Romney,
que foi candidato à Presidência em 2012, indicaram que não vão apoiar Trump na
eleição de novembro. Bush, segundo a imprensa americana, também confidenciou
que não vai apoiar Trump. Outros, como o ex-secretário de Estado Colin Powell,
foram mais longe e anunciaram abertamente que irão votar no candidato do
partido rival, Biden.
Apesar de
muitos republicanos de destaque já terem se posicionado contra Trump em 2016,
analistas observam que a situação agora é diferente. Se em 2016 a eleição era
uma escolha entre dois candidatos, neste ano é encarada como um referendo sobre
o desempenho de Trump na Casa Branca.
"Antes,
o movimento anti-Trump era baseado em medo do que poderia acontecer", diz
à BBC News Brasil o cientista político Todd Belt, professor da Universidade
George Washington, em Washington.
"Agora,
é baseado no que já aconteceu. Nós já tivemos três anos e meio de governo
Trump. Já vimos sua atuação como presidente", afirma.
Belt
ressalta que o movimento atual é mais organizado estruturalmente e
financeiramente do que as iniciativas surgidas em 2016, quando muitos não
acreditavam que Trump pudesse ser vitorioso.
Vídeos com mesmas 'armas' usadas por Trump
© Reuters O 'Lincoln Project' tem apoiado Joe Biden para a eleição do
final do ano
Dentro desse movimento, o Lincoln Project se
destaca não apenas pela popularidade, mas também pela organização. Além dos
esforços contra Trump, o grupo tem investido em disputas no Senado, criticando
senadores que considera muito submissos ao presidente e apoiando alguns
candidatos democratas contra republicanos que buscam a reeleição.
Entre os
alvos estão o líder da maioria no Senado, Mitch McConnell, e senadores
considerados vulneráveis nesta eleição, como Susan Collins, do Maine, Cory
Gardner, do Colorado, e Thom Tillis, da Carolina do Norte. Essa postura
garantiu ao grupo acusações dentro do Partido Republicano de que na verdade
teriam deixado de ser apenas republicanos insatisfeitos e se transformado em
democratas de fato.
Recentemente,
o super PAC Club for Growth, que apoia Trump, divulgou um anúncio no qual diz
que os fundadores do Lincoln Project "zombam dos americanos"
(apoiadores do presidente), fracassaram nas campanhas presidenciais de McCain e
Romney e, depois de verem suas carreiras destruídas, formaram "um PAC
democrata" e um "esquema para enriquecer".
Mas,
quanto maior a reação do presidente e de seus apoiadores, mais publicidade o
grupo ganha. Em seus vídeos, o Lincoln Project usa contra Trump as mesmas
"armas" e o mesmo tipo de linguagem que o presidente costuma empregar
para atacar e zombar de seus adversários.
Alguns
dos anúncios são focados em temas como a crise econômica e críticas à resposta
de Trump aos protestos antirracismo desencadeados pela morte de um homem negro
(George Floyd) sob custódia de um policial branco e à pandemia de covid-19, que
já infectou mais de 3 milhões de americanos e deixou mais de 130 mil mortos.
Outros,
porém, ridicularizam o presidente. Um vídeo intitulado "Trump não está
bem" mostra imagens do presidente com dificuldade para descer uma rampa ou
segurando um copo de água com as duas mãos enquanto a narração diz: "Há
algo de errado com Donald Trump" e fala que ele está "instável e
fraco, com dificuldade para falar e andar".
Após um
comício na cidade de Tulsa que teve público bem menor do que o esperado, o
grupo divulgou um vídeo com imagens das arquibancadas quase vazias e uma voz
feminina que diz: "Você provavelmente já ouviu isso antes, mas era menor
do que esperávamos", enquanto a câmera foca nas mãos de Trump.
"Triste, fraco, baixa energia. Assim como sua presidência. Assim como
você."
Capacidade de convencer eleitores
Os
esforços do Lincoln Project chegam em um momento em que pesquisas de intenção
de voto mostram Trump atrás de Biden mesmo em alguns Estados historicamente
conservadores. Mas críticos questionam a capacidade do grupo de persuadir novos
eleitores e afirmam que seus vídeos só atingem o público que já é crítico do
presidente e já planeja votar em Biden de qualquer maneira.
Alguns
críticos salientam que, apesar dos vídeos que viralizam nas redes sociais, os
investimentos do grupo em publicidade ainda ficam bem abaixo dos de outros
super PACs que apoiam Biden. Até o fim de março, o Lincoln Project havia
arrecadado cerca de US$ 2,6 milhões (aproximadamente R$ 13,8 milhões).
Em maio,
a organização sem fins lucrativos Center for Responsive Politics, que rastreia
contribuições de campanha, publicou a informação de que quase todo o montante
de US$ 1,4 milhão (cerca de R$ 7,4 milhões) gasto pelo Lincoln Project no
primeiro trimestre foi para empresas ligadas aos seus membros.
Analistas
lembram ainda que o apoio do Partido Republicano a Trump continua sólido, com
muito mais nomes importantes defendendo o presidente publicamente do que o
criticando. Pesquisas de opinião indicam que, nos Estados decisivos, mais de
85% dos eleitores que votaram em Trump em 2016 pretendem votar nele novamente
neste ano.
Para
Belt, da Universidade George Washington, mesmo que o Lincoln Project só tenha
impacto em eleitores que já estão convencidos a votar em Biden, o grupo pode
ajudar a manter a base de apoio do democrata mobilizada durante a campanha,
especialmente em um momento em que a pandemia dificulta a realização de eventos
públicos.
Belt
ressalta que, com grupos como o Lincoln Project divulgando anúncios negativos
sobre Trump, Biden não precisa se dedicar a esse tipo de propaganda e pode se
concentrar em passar uma mensagem positiva, salientando motivos para votar
nele, e não razões para não votar no adversário.
O
cientista político observa ainda que, além de manter sua base mobilizada, em
uma campanha também é importante desmobilizar o lado oposto. "O que
fizerem para esvaziar um pouco do entusiasmo por Trump pode ajudar (Biden), especialmente
nos Estados decisivos", afirma. "Eles são implacáveis. E isso
realmente incomoda Trump."