O desmoronamento da agenda anticorrupção
Tiago Mitraud
Há décadas, o Brasil enfrenta um intenso e lamentável convívio com a corrupção. Apenas nos últimos 30 anos, tivemos o esquema PC Farias, o escândalo dos anões do orçamento, as denúncias de compra de votos na PEC da reeleição, o Mensalão, o escândalo das sanguessugas, o Petrolão e as denúncias contra Temer, para citar alguns dos casos nacionais mais emblemáticos.
A eleição de Bolsonaro em muito se deveu por ter levantado a pauta de combate à
corrupção, dado o cansaço da população brasileira com tantos escândalos
recorrentes. Após eleito, um dos seus primeiros feitos foi a nomeação de Sérgio
Moro, maior símbolo do combate à corrupção no país, como Ministro da Justiça,
sinalizando que esta agenda seria de fato priorizada.
Entretanto, em seu pouco mais de um ano no cargo, Moro foi frequentemente
contrariado pelo próprio governo. Foram os casos da transferência do Coaf para
o Banco Central, a desfiguração do Pacote Anticrime, com a sanção do
instrumento do juiz de garantias pelo presidente contra orientação do então
ministro, e a derradeira substituição do diretor geral da Polícia Federal, gota
d'água para a saída de Moro do governo.
Hoje, infelizmente, vemos a pauta anticorrupção completamente enfraquecida por
um governo sem condições de liderá-la. Com um Congresso ainda repleto de
parlamentares fisiológicos, obviamente sem interesse de endereçar estas pautas,
e um STF errático, que, para citar apenas o exemplo mais gritante, em
menos de quatro anos mudou duas vezes o seu entendimento a respeito da prisão
em segunda instância, a esperança de quem lideraria os outros poderes e o país
na luta contra a corrupção era o Executivo. Desde que assumiu, no entanto, o
presidente nos deu exemplos de que não podemos contar com ele.
Ao longo deste tempo, vimos pouco empenho de Bolsonaro em defender pautas que
antes se dizia favorável. Ao contrário do que faz agora ao se opor a decisões
recentes do STF, por vezes até corretamente, o Presidente se calou sobre a
decisão da prisão em segunda instância e quando Dias Toffoli suspendeu todas as
investigações envolvendo o compartilhamento de informações do Coaf, ao atender
demanda da defesa de Flávio Bolsonaro.
Flávio, por sinal, ao ver avançar as investigações sobre ele, recorreu na
última semana ao foro privilegiado para driblar a justiça do Rio, sendo que a
família presidencial sempre disse defender a extinção do instrumento. E quanto
mais avançam estas investigações, com implicações inclusive para o Presidente,
mais distante fica o combate à corrupção.
Da mesma forma que nos levantamos contra tantos escândalos, especialmente
durante a gestão do PT, é nossa responsabilidade exigir que Bolsonaro cumpra
suas promessas de campanha. Não podemos tolerar que as velhas práticas antes
condenáveis sejam agora normalizadas porque a sigla é outra. A população
brasileira não pode baixar a guarda neste momento. O Brasil não aguenta mais
corrupção, Presidente.

