domingo, 5 de julho de 2020

SEGUNDO O HISTORIADOR JOSÉ MURILO O BRASIL ESTÁ PERDENDO O BONDE DA HISTÓRIA

''Estamos perdendo o bonde da história,'' alerta historiador José Murilo

Para o historiador, é surpreendente observar que a alta participação eleitoral não se traduz em políticas que atendam às necessidades dos milhões de cidadãos vulneráveis. Ele afirma, também, que, apesar das turbulências, nossa democracia ainda tem recursos para prosseguir


LC Luiz Calcagno



(foto: TASSO MARCELO/AGENCIA ESTADO/AE )

Entre elogios ao Legislativo, críticas ao Executivo e alertas ao Supremo Tribunal Federal (STF), José Murilo de Carvalho, um dos mais importantes historiadores do Brasil, traça um panorama político pessimista do país. Em entrevista ao Correio, o pesquisador reflete sobre uma nação marcada pelas incertezas, que marcha rumo a uma crise econômica de dimensões ainda desconhecidas, enquanto sofre com as dezenas de milhares de mortes provocadas pela pandemia do novo coronavírus e assiste a grupos de extrema direita desafiarem os Poderes constituídos.

 

“Estamos perdendo o bonde da história”, alerta. José Murilo completará 82 anos em menos de um mês, a maioria deles dedicados à pesquisa. Ele é graduado em sociologia e política pela Universidade Federal de Minas Gerais, mestre em ciências políticas pela Universidade de Stanford, em Palo Alto, Califórnia, e pós-doutor em história da América Latina pela Universidade de Londres.

 

José Murilo destaca que o Brasil é obrigado a enfrentar o passado, que nunca soube como resolver, e admite: não entende como a alta participação eleitoral do país não resulte em “políticas voltadas para o atendimento das necessidades dos milhões de eleitores em situação vulnerável”. . Ele define esta discrepância como um “grande enigma”.

 

Especialista no passado, José Murilo demonstra certa descrença quando questionado sobre o futuro. Para ele, o modelo de gestão do presidente Jair Bolsonaro, gerador de crises políticas, desequilibrou o balanço entre os Poderes, levou ao agravamento da pandemia e prolongará a má situação do país.

 

“Já estava difícil sair da crise econômica, agora, está muito mais. Teremos menos recursos e mais gastos. E entre as medidas adotadas, muitas delas corretas, nenhuma visa reduzir a desigualdade social, a grande pedra amarrada a nosso pescoço”, ressalta.

 

Ele destaca, porém, que “nossa democracia ainda tem recursos para sobreviver às ameaças”. “Congresso e Judiciário funcionam, a imprensa está vigilante, as instituições da sociedade civil estão operantes.” Confira a entrevista a seguir:

 

Quais são os principais reflexos do passado brasileiro que o senhor identifica no cenário político atual?

Há 130 anos, não conseguimos construir um sistema político que seja, ao mesmo tempo, democrático, com inclusão política e social, e republicano, com liberdade, legalidade e bom governo. Caminhamos de crise em crise pontuadas por intervenções militares: 1889, 1930, 1937, 1945, 1954, 1955, 1964.

 

São esses reflexos que tornam nossa democracia claudicante? Há quem afirme que o país já não vive mais uma democracia. O senhor concorda?

Nossa democracia ainda tem recursos para sobreviver às ameaças. Congresso e Judiciário funcionam, a imprensa está vigilante, as instituições da sociedade civil estão operantes.

 

Como o senhor vê a postura do Executivo federal perante o povo e os outros Poderes num momento em que vivemos, ao mesmo tempo, uma crise política e sanitária e nos encaminhamos para uma crise econômica?

O Executivo federal é, hoje, a principal ameaça à estabilidade política. Divide, agride, ameaça, em vez de tentar unir o país para enfrentar a catástrofe da pandemia e da concomitante crise econômica. Em governo presidencialista, isso inviabiliza o planejamento e a implantação de políticas públicas e dificulta a saída da crise.

 

Como avalia o desequilíbrio entre os Poderes, hoje? Existe esse desequilíbrio? O STF, por exemplo, está indo além de suas atribuições? E o Congresso?

As provocações do Executivo têm levado a reações aos outros Poderes. Os membros do Judiciário, por sua vez, deixam-se levar por discussões pela imprensa, fora dos autos, perdendo com isso respeitabilidade. Surpreendentemente, o Poder tradicionalmente menos confiável perante a opinião pública, o Legislativo, tem se comportado bastante bem.

 

Recentemente, o presidente disse que as Forças Armadas serviriam para moderar os Poderes. O governo está repleto de militares no primeiro escalão. Como o senhor avalia a atuação deles? É preciso se preocupar, por exemplo, com o papel do Exército no Brasil?

As constituições republicanas, com exceção da do Estado Novo, abrem a possibilidade de atuação política das Forças Armadas. Mas a presença de mais de três mil militares no governo, a maioria do Exército, não significa, em si, que se trata de um governo militar. No entanto, em mais de uma ocasião, ministros fardados têm feito alertas aos outros Poderes no sentido de não espichar a corda, de não criar situações imprevisíveis. É claro que tais declarações têm um peso político maior do que se fossem feitas por ministros civis e, nesse sentido, de algum modo, configuram um uso político do Exército. Mas não há indicação de que os comandos militares, mesmo do Exército, endossem tais ameaças.

 

Há viabilidade para a permanência de Bolsonaro no poder, diante de tantos conflitos gerados por ele mesmo? O senhor vê a possibilidade de um golpe?

Golpe, só com o endosso das Forças Armadas. Não vejo disposição delas de irem nessa direção, sobretudo da Marinha e da Aeronáutica. Elas sabem que seu maior patrimônio é o bom índice de credibilidade que têm na população. Golpe, hoje, com apoio eventual dos minoritários 30% da população ao lado do governo, seria mau negócio para elas.

 

O período monarquista termina com um golpe militar. Quarenta anos depois, mais ou menos, temos o Estado Novo. Em 1964, um novo golpe militar. E, agora, um governo com forte tendência de desestabilizar a democracia. Não aprendemos como povo? Como uma nação pode aprender a compreender o próprio passado, e que lições devíamos ter tomado?

É a prova de nosso fracasso em construir uma República democrática estável e próspera. Quando parecia que a redemocratização de 1985 ia achar o caminho, nos vemos envolvidos em nova crise de governança. O grande enigma do Brasil é por que uma alta participação eleitoral não leva à introdução de políticas voltadas para o atendimento das necessidades dos milhões de eleitores em situação vulnerável.

 

O senhor vê os próximos anos com otimismo ou não? Como acha que sairemos da crise sanitária provocada pelo coronavírus levando em conta a nossa situação política?

Vejo com muito pessimismo. Já estava difícil sair da crise econômica, agora, está muito mais. Teremos menos recursos e mais gastos. E entre as medidas adotadas, muitas delas corretas, nenhuma visa reduzir a desigualdade social, a grande pedra amarrada a nosso pescoço. Estamos perdendo o bonde da história.


“Há 130 anos, não conseguimos construir um sistema político que seja, ao mesmo tempo, democrático, com inclusão política e social, e republicano, com liberdade, legalidade e bom governo”

 

CALMARIA ENTRE O GOVERNO E O CONGRESSO - CENTRÃO PODE SALVAR BOLSONARO E SEU FILHO

Há calmaria entre Planalto e Congresso apesar de caos na saúde e economia

 

Alessandra Azevedo

 



© AFP / Sergio LIMA O ministério entregue a Fábio Faria tem um orçamento de R$ 2,3 bilhões, capaz de galvanizar o Centrão em torno do governo

O Brasil vive, hoje, dois momentos antagônicos. Na saúde e na economia, um dos mais conturbados da história, com 1,5 milhão de casos do novo coronavírus e atividade econômica em queda livre. Na política, entretanto, uma fase de aparente calmaria entre o Palácio do Planalto e o Congresso. Mas, por trás do silêncio do presidente Jair Bolsonaro, acostumado a arroubos contra as instituições, continuam as conversas com os parlamentares do chamado Centrão.

A influência dos partidos na vida política de Bolsonaro aumenta na mesma proporção em que a imagem da família se desgasta, seja por denúncias, menções negativas ou queda de pontos em pesquisas de popularidade, que também são influenciadas pela atuação diante da crise sanitária. Em um cenário delicado, em que os filhos são investigados pela Justiça por crimes que envolvem desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro, ter uma boa relação com o Congresso é essencial para que o presidente e família consigam se manter no poder.

O maior aceno ao Centrão feito até agora foi em 10 de junho, quando o presidente recriou o Ministério das Comunicações para oferecer a um dos membros do grupo, o deputado Fábio Faria (PSD-RN), o cargo mais alto, de ministro. Com isso, Bolsonaro colocou nas mãos dos novos aliados um orçamento de R$ 2,3 bilhões, além de estatais estratégicas. Antes, desde o início de maio, ele já havia cedido cargos de chefia em pastas importantes, como Educação e Saúde, e órgãos responsáveis por obras públicas.

Mesmo que os partidos do Centrão tenham, hoje, postos entre os mais cobiçados na política, a base de apoio que Bolsonaro conseguiu construir até agora não é sólida. Algumas lideranças apontam entre 200 e 300 deputados, uma margem suficiente para barrar avanços de pedidos de impeachment, por exemplo. O problema é que, além de não ter acontecido nenhuma votação que pudesse servir de termômetro para essa análise, o grupo no qual o presidente se fia é flexível: só se mantém ao lado do presidente se ele não estiver com a imagem muito queimada.

Cálculo

Como disse o cientista político Octavio Amorim Neto, da Fundação Getulio Vargas (FGV), “o cálculo de apoio desses partidos é muito sofisticado e leva em conta popularidade e chance de continuar no poder”. Investigações criminais de grande repercussão estão na lista de possíveis problemas para o presidente. Por colocar a família na mira da Justiça, a prisão de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, por exemplo, poderia atrapalhar a relação entre o presidente e os deputados.O senador, filho mais velho do presidente, é investigado no caso das rachadinhas, em que teria desviado parte dos salários de servidores públicos do gabinete, enquanto era deputado estadual na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). O impacto das acusações na relação de Bolsonaro com o Congresso, entretanto, depende de vários fatores –– entre eles, até onde elas chegam, de fato, principalmente do ponto de vista da opinião pública. Por enquanto, os aliados não se manifestaram ou apontaram dedos sobre o caso.

Muito pelo contrário. Parlamentares apressaram-se para apaziguar os ânimos após a prisão de Queiroz. Uma semana depois de a polícia ter encontrado o ex-assessor no sítio do advogado de Bolsonaro, Frederick Wassef, em Atibaia (SP), em 18 de junho, Flávio participou de um jantar na casa do deputado Marcos Pereira, (Republicanos-SP), presidente do partido, com integrantes do Centrão e os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

Na ocasião, o líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), disse que Flávio tem influência e conta com o apoio dos parlamentares. Bolsonaro, enquanto isso, segue conversando com os parlamentares e espera conseguir consolidar apoio suficiente para proteger o próprio cargo e o mandato do filho, seja segurando o andamento de eventuais Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) ou do temido processo de impeachment, embora hoje a segunda possibilidade seja praticamente desconsiderada pelos parlamentares.

300deputados é o teto que o presidente Jair Bolsonaro teria na Câmara, número suficiente para barrar um processo de impeachment

AS ARMADILHAS DA INTERNET E OS FOTÓGRAFOS NÃO NOS DEIXAM TRABALHAR

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